sábado, janeiro 17

Luther King


Vi há dias, na TV, um documentário extraordinário acerca da vida de Luther King. Nunca tinha visto as imagens, ao vivo, do seu último discurso, um dia antes de ser assassinado. Faz arrepiar. É um discurso de uma força arrasadora, ao mesmo tempo, um profundo grito de desespero e um desafio à justiça dos homens. As forças ultra conservadoras americanas (terão sido?) não lhe perdoaram a escolha da via pacífica na defesa dos direitos do homem e dos mais fracos. É interessante saber que figuras como Luther King possam ter existido e lutado por causas. Com as suas forças e fraquezas. É ainda mais interessante sentir a necessidade de afirmar isto mesmo. Quem, nos nossos dias, pode defender a causa da paz no Médio Oriente? Os "inimigos" de Israel são pura e simplesmente terroristas? Quem estimula o radicalismo e o fanatismo? Onde estão as forças moderadas e sensatas da sociedade israelita? Quem são os fortes e os fracos naquele conflito? Desde os inícios do século XX os portugueses nunca viveram uma guerra no seu território europeu. É, aparentemente, uma coisa boa mas retira-nos capacidade crítica para falar acerca dos assuntos da guerra e da paz de forma verdadeiramente séria. Que é feito dos comentaristas fardados, e à paisana, que surgiam todos os dias nas nossas TVs a comentar os acontecimentos da guerra do Iraque? Que é feito dos nossos jornalistas no terreno? Que é feito dos nossos GNRs? Ouve-se o silêncio...

sexta-feira, janeiro 16

Cruzamentos


O turing-machine revela que o quase clandestino absorto, que sou eu, tem revelado um interesse explícito pelos Cadernos de Camus. O abrupto , idem aspas. Acontece que o Absorto já se identifica pelas iniciais EG e já revelou ao abrupto, directamente, o seu interesse pelo tema do blogismo avant la lettre de Camus. Quando considerar que chegou ao fim esta fase experimental tudo se esclarecerá no que respeita à autoria do absorto. Quando o abrupto tomar a iniciativa prometida logo veremos qual o destino da ideia do JPP acerca do trabalho em torno dos Cadernos. A ideia é dele e muito interessante.

Imigração (de novo)


Somos um país de imigração, no presente e no futuro. Se há uma entidade que reconhece a importância desta questão é a Igreja Católica que a vai abordar, uma vez mais, no 4º Encontro de Apoio Social ao Imigrante A imigração não é uma questão de opção ideológica, de modelo económico ou de estratégia política. É uma realidade objectiva que resulta da evolução demográfica. O que não quer dizer que acerca desta realidade não se perfilem diversas opções ideológicas, económicas ou políticas. Os números são avassaladores. O estudo do Observatório da Imigração revela que, por ano, Portugal precisa de cerca de 200.000 imigrantes. È necessário sublinhar que se trata de um fluxo anual de cerca de 200.000 imigrantes...esta é, pois, uma questão dura que condiciona mesmo o futuro do país. O Eurostat aponta para Portugal uma estimativa, em Janeiro de 2004, de 10.840.000 habitantes, comparável com 10.408.000, em Janeiro de 2003. Observa-se um saldo demográfico positivo mas que se ficou a dever à imigração, ou seja, à relação entre o crescimento natural em 2003 (diferença entre o n.º de nascimento e o n.º de mortes) que foi de 0,9 p/ mil habitantes e a migração líquida (diferença entre o n.º de imigrantes e o n.º de emigrantes) que foi de 6,1 p/ mil habitantes.

quinta-feira, janeiro 15

Os Cadernos de Camus


A propósito das reflexões de JPP no abrupto acerca dos Cadernos de Camus (um blog avant la lettre) direi que sempre me interessou muito este tipo de literatura composta por um discurso fragmentado. A primeira referência escrita da minha leitura dos Cadernos de Camus data de 1968. Andava pelos meus 21 anos, mas essa leitura iniciou-se, certamente, antes dessa data. Tem algo a ver com o meu interesse, e participação directa, na actividade teatral. Na realidade aquele tipo de literatura está muito próxima do teatro e, em particular, de um certo tipo de cenas de teatro. Veja-se o teatro de Gil Vicente. Aliás Camus envolveu-se muito intensamente na actividade teatral, quer como dramaturgo, quer mesmo como "ajudante" de encenador das suas próprias peças. Lembra-me este tema uma outra leitura muito marcante para mim: "Roland Barthes por Roland Barthes". É sensivelmente o mesmo modelo de discurso fragmentado escrito como "uma espécie de gag, de pastiche de mim mesmo", como refere o autor e é, neste caso, uma obra muito mais recente e escrita num curto período de tempo, entre 6 de Agosto de 1973 e 3 de Setembro de 1974. Lembro-me de como apreciei também este livro mas os Cadernos de Camus são, no seu género, dificilmente igualáveis.

Alamal - Um projecto exemplar


A exposição da obra dos arquitectos Víctor Mestre e Sofia Aleixo na Ordem dos Arquitectos interessa-me muito pois integra, em lugar de destaque, o projecto da Pousada do Alamal, em Gavião, concelho do distrito de Portalegre.
O Centro Integrado de Lazer do Alamal foi inaugurado em 23 de Julho de 2001, como resultado de um protocolo celebrado entre o INATEL e a Câmara Municipal de Gavião.
Trata-se de um belíssimo equipamento de lazer, propriedade da Autarquia, sob gestão do INATEL, resultado da reabilitação da Quinta do Alamal, no qual se destaca a componente de alojamento, em parte, criada de raiz e, noutra parte, resultante da reabilitação de edifícios preexistentes num espaço que confina com o Tejo, frente ao Castelo de Belver.
Este projecto de arquitectura é um caso exemplar de integração de um conjunto de construções no meio envolvente fazendo conviver, de forma eficaz, a obra física com a natureza, respeitando o ambiente, sem abdicar do seu carácter utilitário destinado a ser usado pelo homem. Fui um entusiasta do modelo de parceria Autarquia/INATEL que permitiu que este projecto, que vale por si, se tornasse socialmente útil.
Gavião é, segundo dados de 2001, um dos 16 Concelhos mais envelhecidos do país, com mais de 400 idosos por 100 jovens.
Não estou seguro que o INATEL mantenha, no presente, a mesma filosofia de gestão deste tipo de equipamentos o que me merece uma observação atenta.
O projecto do Alamal é um caso exemplar de concretização de uma política de combate à desertificação do interior, criando emprego, gerando riqueza e alimentando a esperança de que seja possível tornar o nosso país mais justo, equilibrado e competitivo nos planos social e económico.


quarta-feira, janeiro 14

Um livro...simplesmente

A propósito da apresentação de um livro (a que ninguém atribui importância alguma) o Dr. Pedro Santana Lopes disse que não queria dizer nada acerca das presidenciais...neste semestre. O Primeiro Ministro disse que tinha aceite o convite, pois claro... o Dr. Portas disse que o país precisava de "autoridade e optimismo". Ouvi bem. Esta foi a única afirmação politicamente relevante. Dita com intencionalidade. "Autoridade", e não autoridade democrática, "optimismo" e não realismo. Não sei se alguém está verdadeiramente interessado, e tem capacidade, para questionar a deriva político/mediática do Dr. Pedro Santana Lopes e a sua ligação aos desígnios políticos futuros do Dr. Portas. Eles encarnam ambos o modelo dos políticos que nunca exercem, em pleno e a fundo, as funções para que foram eleitos mas que se mostram, sem subterfúgios, sempre interessados em saltar para "outro lugar". Não sei se estarei a ser injusto mas sei que o Dr. Jorge Sampaio, hoje Presidente da República, e antes Presidente da CM de Lisboa, nunca deixou transparecer, no exercício desta função, a aspiração ao exercício daquela outra. A função que lhe compete exercer, o Dr. Jorge Sampaio exerce-a, em cada momento, com determinação, honestidade e competência. Concorde-se, ou não, é um modelo de político que o país não pode dispensar. Esta questão do perfil pessoal e político do PR é uma questão de fundo. É cedo… É tarde… Por mais que se diga que ainda vêm longe as eleições presidenciais o Dr. Santana Lopes será a única hipótese de tornar o Dr. Portas maioritário…perceberam?

terça-feira, janeiro 13

LIBERDADE-4


A liberdade religiosa existe em Portugal. As actividades das diversas confissões são livres. As suas tomadas de posição públicas não são censuradas nem sujeitas a qualquer limitação. Enquanto um semanário de referência como o Expresso faz manchete com uma falsa "iniciativa" do Dr. Santana Lopes ver ( causa nossa ) a comunicação social, em geral, silenciou o conteúdo de um importantíssimo documento como a Carta Pastoral que pode ser consultada na íntegra em Conferência Episcopal
CARTA PASTORAL
As preocupações sociais da Igreja Católica foram vertidas na Carta Pastoral da Conferência Episcopal, de 15 de Setembro de 2003, intitulada: "Responsabilidade Solidária pelo Bem Comum". Eis alguns extractos significativos:
"Pelo princípio da dignidade da pessoa humana, todos os seres humanos são iguais e solidários, todos têm o direito e o dever de participar na construção do bem comum da sociedade. Não se pode reduzir a existência humana a um mero individualismo, nem limitá-la a um simples colectivismo. Este princípio é fundamento dos princípios da solidariedade e da subsidiariedade, e seu relacionamento recíproco. Além disso, é critério essencial para fundamentar todas as críticas às possíveis interpretações unilaterais desses princípios."

"Não se pode conceber um mercado livre sem limites. Tal é incompatível com os princípios orientadores da lei natural, da justiça social, dos direitos humanos e do bem comum, sempre afirmados pela doutrina social da Igreja. Um mercado assumido, na prática, sem qualquer limitação tem conduzido frequentemente à acumulação da riqueza por um pequeno grupo e, consequentemente, dando origem a fenómenos de opulência e de riqueza não solidariamente distribuída. Verificamos ainda um preocupante crescimento desmesurado e irresponsável do consumo e do endividamento, sem possibilidades de regularização, a par de um aumento de novas formas de pobreza, de miséria e de exclusão social.

A economia de mercado tem potencialidades para encorajar a criação de riqueza e para fazer crescer a prosperidade da comunidade, permitindo o combate à pobreza e à miséria. Esse objectivo só se consegue, e esperamos que a sociedade portuguesa evolua nesse sentido, quando se respeita a liberdade humana e o princípio da subsidiariedade, em união com o princípio da solidariedade. Na observância destes princípios é de louvar a iniciativa dos empresários que procuram a solidez das empresas do ponto de vista financeiro e estrutural.

O bom funcionamento do mercado requer um comportamento ético e a concretização de certos princípios éticos no quadro regulador e legislativo. Na afirmação do conceito de bem comum na nossa comunidade, cabe ao Estado distinguir e arbitrar entre exigências do mercado livre e do bem comum."


segunda-feira, janeiro 12

LIBERDADE-3


"Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade. A justiça num mundo silencioso, a justiça dos mundos destrói a cumplicidade, nega a revolta e devolve o consentimento, mas desta vez sob a mais baixa das formas. É aqui que se vê o primado que o valor da liberdade pouco a pouco recebe. Mas o difícil é nunca perder de vista que ele deve exigir ao mesmo tempo a justiça, como foi dito. (...)
A liberdade é poder defender o que não penso, mesmo num regime ou num mundo que aprovo. È poder dar razão ao adversário."
Camus, in Cadernos (na sequência de Liberdade-2)

domingo, janeiro 11

REENCONTRO


Na sexta-feira passada na Livraria Ler Devagar um reencontro feliz com o Antero Afonso. Apresentou ele o seu último romance "Ninguém Está Contente", da Raridade. O romance está em fase de início de leitura mas o Antero não carece, para mim, de se apresentar. O seu discurso irónico e a sua face luminosa mantêm-se dez anos passados. A iniciativas é uma simples afirmação de talento que não precisa de apresentação. No fim da leitura volto ao assunto. Boa noite Porto.

LEITURAS


A última leitura de 2003:"O Amor Natural", de Carlos Drummond de Andrade (Itabira, Minas Gerais,1902-1987), o livro de poesia erótica publicado após a morte do grande poeta brasileiro. Assinalo, a propósito, um episódio marcante da sua vida, segundo as palavras do próprio: "A saída brusca do Colégio teve influência enorme no desenvolvimento dos meus estudos e de toda a minha vida. Perdi a fé. Perdi tempo. E sobretudo perdi a confiança na justiça dos que me julgavam." A expulsão referida ocorreu, em 1919, do Colégio Anchieta. Eis um poema de "O Amor Natural":

OH MINHA SENHORA Ó MINHA SENHORA
Oh minha senhora ó minha senhora oh não se incomode senho-
ra minha não faça isso eu lhe peço eu lhe suplico por Deus nosso
redentor minha senhora não dê importância a um simples mortal
vagabundo como eu que nem mereço a glória de quanto mais
de...não não não minha senhora não me desabotoe a braguilha
não precisa também de despir o que é isso é verdadeiramente fora
de normas e eu não estou absolutamente preparado para seme-
lhante emoção ou comoção sei lá minha senhora nem sei mais o
que digo eu disse alguma coisa? sinto-me sem palavras sem fôle-
gos sem saliva para molhar a língua e ensaiar um discurso coeren-
te na linha do desejo sinto-me desamparado do Divino Espírito
Santo minha senhora eu eu eu ó minha senh...esses seios são
seus ou é uma aparição e esses pêlos essas nád...tanta nudez me
deixa naufragado me mata me pulveriza louvado bendito seja
Deus é o fim do mundo desabando no meu fim eu eu...




sábado, janeiro 10

LIBERDADE-2


"Gosto imenso da liberdade. E para todo o intelectual, a liberdade acaba por confundir-se com a liberdade de expressão. Mas compreendo perfeitamente que esta preocupação não está em primeiro lugar para uma grande quantidade de Europeus, porque só a justiça lhes pode dar o mínimo material de que precisamos, e que, com ou sem razão, sacrificariam de bom grado a liberdade a essa justiça elementar.
Sei estas coisas há muito tempo. Se me parecia necessário defender a conciliação entre a justiça e a liberdade, era porque aí residia em meu entender a última esperança do Ocidente. Mas essa conciliação apenas pode efectivar-se num certo clima que hoje é praticamente utópico. Será preciso sacrificar um ou outro destes valores? Que devemos pensar, neste caso?"
Camus, in Cadernos
Texto escrito entre Setembro e Outubro de 1945.

sexta-feira, janeiro 9

LIBERDADE-1

A ideia dos iluminados parece ser a de banalizar a ideia de que a liberdade é um assunto banal. Esta é uma ideia para levar a sério. Os deputados da maioria asseguram que não pretendem reinstaurar a censura prévia. Obrigado. De facto a censura prévia dá uma trabalheira dos diabos e depois não fica bem na Europa dos 25, não ia cair bem, não sei...mas talvez ainda dê para pensar, é perguntar a opinião do parceiro da coligação. O problema é que a liberdade não é qualquer coisa assim que se possa vender bem, pois... como calcular o seu valor acrescentado ou a sua influência no PIB ou mesmo no PEC ou no déficit...ai a liberdade... é difícil lidar com a liberdade. Não se compra, não se vende, é um bocado imaterial demais a liberdade. Não está tempo para isso de aturar a liberdade. É isso mesmo um aborrecimento, uma seca, uma ideia um bocado vazia...não sei mas apetecia experimentar outro produto que desse mais segurança ao mercado. Ai a liberdade... faz lembrar o 25 de Abril, o dia foi muito animado, no princípio até parecia um golpe dos ultras, mas aquele período a seguir foi uma maçada em particular ter de aturar os esquerdistas do PSD...e o MRPP... ai a liberdade... uma palhaçada, é verdade que os americanos falam disso como princípio sagrado mas pensando bem são um país novo e ultrapassado. Ai a liberdade...os filósofos, os poetas e toda a espécie de iluminados, e mesmo os homens de negócios, antigos e modernizados, falam disso mas é um discurso especializado, sei lá do género, livre de impostos, livre circulação, liberdade de culto, liberdade de imprensa, ir apanhar ar livre... ai a liberdade... Mas os teóricos e os pragmáticos do passado não ouviram da maioria os nossos deputados. Se os ouvissem conheceriam a verdadeira luz da verdade: a liberdade, parece que não, mas pode ser negociada. Façam propostas, mas de frente e de viva voz, alguma coisa que se possa discutir sempre, sempre em liberdade, depois logo se verá o resultado!

quinta-feira, janeiro 8

POEMA-"A PORTUGAL", in TEMPO DE PEREGRINATIO AD LOCA INFECTA

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
a pouca sorte de nascido nela.

Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.

Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fátua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol caiada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:

Eu te pertenço. És cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
eu te pertenço: mas ser´s minha, não.

Jorge de Sena

Araraquara, 6/12/61
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PRESIDÊNCIA ABERTA

O Presidente da República vai realizar, no final de Janeiro, mais uma "Presidência Aberta". Esta é uma actividade muito mais saudável para o país do que discutir cartas anónimas. O Presidente, apesar de ser um advogado de grande gabarito, preocupado e profundo conhecedor das questões da justiça, é muito mais desejado e eficaz nas "Presidências Abertas". Nestas pode contribuir, de facto, para revelar os problemas e dificuldades do país e do seu povo, mas também para mostrar as suas facetas mais promissoras e encorajantes.

Um dos temas que será certamente abordado é o da falência das estratégias para conter a desertificação humana do interior e a escassez do investimento produtivo fora das grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

Dois acontecimentos têm contribuído para esta situação: a perda brutal de peso da agricultura na economia nacional e o envelhecimento demográfico.

Nas últimas quatro décadas Portugal assistiu, em simultâneo, ao progressivo desaparecimento da população activa na agricultura, de 45% para 10%, ao crescimento acelerado da concentração da população nos centros urbanos do litoral e a um acentuado envelhecimento da população.

Entre 1981 e 2001, segundo o INE, o índice de envelhecimento aumentou de 45 para 103 idosos, por cada cem jovens, e as projecções apontam para que, em 2021, este índice atinja, em Portugal, 127 por cada 100 jovens, ao mesmo tempo que a população com 80 anos, ou mais, passará a representar quase 5% da população total.

Assiste-se, de facto, em todo o mundo a um duplo envelhecimento demográfico que consiste num fenómeno em que o prolongamento da vida, acompanhado pelo declínio recente da fecundidade, origina saldos demográficos que se aproximam do zero e, nalguns casos, são mesmo negativos.

A imigração é uma resposta parcial para este problema. Mas resta o mais difícil. Usando uma linguagem eventualmente chocante é preciso forjar e aplicar uma estratégia de repovoamento do território. O desenvolvimento sustentável exige a preservação do património natural, sem cedências nem ao protecionismo do Estado nem às leis do mercado, mas esta preservação não é viável com um território em dois terços despovoado.





quarta-feira, janeiro 7

CITAÇÕES

De facto os blogs são antigos. Sempre apreciei e gostei de ler blogs que, em todos os tempos, assumiram a forma de Cadernos ou Diários. O suporte tecnológico é que mudou. Para aqueles que possam ficar admirados com as citações, que vão surgindo, direi que elas resultam de escolhas que abrangem um universo relativamente restrito de autores que estou sempre a ler. No limite lemos sempre o mesmo texto da mesma forma que escrevemos, quando escrevemos, sempre o mesmo texto. Uma das minhas leituras apaixonadas de juventude incidiu na obra de Albert Camus (1913/1960), em particular, os “Cadernos”, em três volumes, editados, em Portugal, pela Editora “Livros do Brasil”. Não admira o prazer que sinto ao citar este autor. Mas vão surgir outros (poucos).

IMIGRAÇÃO

Tema muito interessante e importante no mundo contemporâneo que me tem interessado. Este interesse nasceu a partir de um trabalho empenhado que me obrigou a abordar, com frequência, a questão do designado "envelhecimento demográfico". Trata-se, pois, de uma abordagem que me levou à questão económica. As economias ditas desenvolvidas do ocidente são atingidas pelo fenómeno do envelhecimento das populações. Carecem de importar mão de obra. Não de forma pontual, localizada ou temporal, mas de forma continuada e massiva. É um processo irreversível. Nas sociedades ocidentais já não há capacidade de reposição das gerações. Por isso a nossa sociedade só pode rejuvenescer através da imigração. A nossa sociedade já é, e será cada vez mais, composta de diversas cores, religiões, ritos e culturas. Em Portugal existe uma forte tradição de emigração. Hoje, ao contrário, os portugueses são confrontados com um número crescente de estrangeiros com os quais têm de conviver. É sem dúvida um tema que tenderá a tornar-se central na disputa política. No debate dos direitos humanos e de cidadadia. Nas abordagens sociológicas. Sei que tem sido um tema debatido com intensidade na blogofera. Ninguém pense que existe uma qualquer saída radical para a questão da imigração. Tema a revisitar em breve.

terça-feira, janeiro 6

POEMA - NO PAÍS DOS SACANAS, in 40 ANOS DE SERVIDÃO(J. de Sena)

“Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos o são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para fazer funcionar fraternalmente
a humidade da próstata ou das glândulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.

Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?

Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência, a
justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir.
No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
Como ser-se então neste país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.”

Jorge de Sena
10/10/73
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segunda-feira, janeiro 5

Citação 4

"A reputação. É-nos dada por medíocres e partilhamo-la com medíocres e malandros."
Camus

sexta-feira, janeiro 2

2004

No iní­cio do ano a notícia que mais me impressionou: milhões de brasileiros saudaram o novo ano no Rio de Janeiro. Se fosse só no Rio.. no Brasil é verão. A tradição de vida na rua é muito forte. O calor abrasa os corpos e os espiritos se soltam. Em Portugal é inverno. A estação do ano mais fria. Mas o espirito dos povos não é determinado pelo clima. Em Portugal o inverno dos espiritos é a tentação da rendição à  voracidade dos aspirantes a ditadores. Lula, no Brasil, certamente com dificuldades e erros, é ainda uma esperança de construir, em democracia, um futuro mais feliz para o povo. Em Portugal, a abrir o ano, as notÃicias são inquietantes. Os assassinatos de carácter fazem as manchetes. O tema da pedofilia vende e é demolidor para a imagem pública de quem quer que seja. A mais valia de qualquer político é a sua imagem pública. Todos os media se renderam ao mercado. O quarto poder está nas mãos de 2 ou 3 grupos económicos. Talvez esteja a exagerar: todos os acontecimentos/notí­cia parecem programados com profissionalismo. O fogo é assoprado numa única direcção. Quem sopra o fogo? É inverno. O povo não sai à  rua. Os métodos polí­ticos próprios da tradição ultra conservadora portuguesa afeiçoaram-se às exigências da modernidade...

2003 - Fim

As leituras, por vezes, são mais difíceis do que parecem. Erros técnicos as tornam, por vezes, um exercício de adivinhação. Passemos à frente.