segunda-feira, março 16

Como participei na coluna de Salgueiro Maia na madrugada do 25 de Abril de 1974

Com o João Mário Mascarenhas na Porta de Armasdo 2º GCAM, no Campo Grande, em Lisboa.

Pelo 35º aniversário da revolução, em homenagem aos meus companheiros de armas (Para Os Caminhos da Memória)
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Capitão Teófilo Bento

Quando eclodiu o 25 de Abril, cumpria serviço militar, como oficial miliciano, desde finais de 1971, no quartel do Campo Grande, em Lisboa. Nunca soube a razão de não ter sido mobilizado para uma das frentes da guerra colonial. O destino reservou-me passar quase três anos a ministrar instrução militar a recrutas de toda a sorte, alguns deles, por sinal, bem ilustres.

Foi o Capitão Teófilo Bento que me contactou no início de 1974 e não sei já como chegou até mim. Talvez tenha sido após o «Golpe das Caldas», em 16 de Março, pois, nesse dia, foi-me dada ordem para permanecer no quarto. Na manhã do dia seguinte, se bem me lembro, lá me mandaram sair. O golpe tinha fracassado.
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Falei, por esses dias, com o Capitão Teófilo Bento num carro estacionado próximo do 2º GCAM, no Campo Grande. Ele queria saber se havia algum oficial miliciano de confiança no Quartel-general de Lisboa.

Tratava-se, pelo que percebi, de um ponto fraco na rede dos militares que preparavam o golpe. Mas não havia um único miliciano de confiança, que eu conhecesse, em serviço no Quartel-general. Após este encontro fiquei com a certeza da inevitabilidade de que algo de sério ia acontecer.
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Estava, de facto, em marcha uma acção de envergadura para derrubar o regime. Mantive a maior descrição. Não falei a ninguém acerca desse encontro. Mas tomei as minhas providências. O ambiente era de medir forças dentro dos quartéis. Após o fracassado «Golpe das Caldas» todos os movimentos eram observados e o ar que se respirava estava povoado de ameaças.

Na expectativa do combate

Os dias que se seguiram ao 16 de Março foram de expectativa e tensão crescentes. Sabia que alguma coisa iria acontecer. Os contactos multiplicavam-se e os boatos inundavam as conversas.

Soube, em meados de Abril, após o contacto com o Capitão Teófilo Bento, mas não por ele, que o golpe seria para os finais de Abril. A informação havia chegado pela via política e não pela via militar.

Teriam que ser tomados os cuidados adequados a uma situação de confronto armado em que poderia correr sangue. Ninguém acreditava que o regime caísse sem oferecer feroz resistência. Seria mais que provável o confronto militar pelo que era prudente estarmos preparados para essa situação.

Os camaradas de armas

Os militares, oficiais do quadro, que preparavam a revolta tinham a consciência da inevitabilidade do confronto militar. E os milicianos também. Era um confronto que havia que preparar com todo o cuidado. Fiz contactos discretos com os amigos que colaboravam no que havia de vir a ser o MES.

Deixei mensagens e recados mais ou menos enigmáticos. Muitos dos avisados fizeram vigília no dia errado ou foram surpreendidos no dia certo. Nada disse à minha família.

Mas alguém tinha de ser avisado para que na minha unidade militar, o 2º GCAM, se pudesse apoiar, com eficácia, a tomada do poder. Avisei o João Mário Anjos e o António Dias, meus camaradas de armas. Devemos ter acertado, entre nós, os passos a dar naqueles dias.

O último aviso

No dia 24 de Abril fomos contactados no quartel por um colega do curso de oficiais milicianos. As últimas dúvidas quase se tinham dissipado. A acção militar ia ser desencadeada na próxima madrugada.

Fui a casa do Eduardo Ferro Rodrigues, meu amigo de juventude e de todas as militâncias, na Travessa do Ferreiro, para o avisar de que alguma coisa (o golpe) se iria passar nessa noite. Era fim da tarde. A RTP transmitia um jogo do Sporting, com um clube da Alemanha de Leste, para uma eliminatória das competições europeias de futebol. Deixei o recado e pus-me a caminho.

O combinado era reunir um pequeno grupo de que faziam parte o João Mário Anjos, o António Mil-homens (já falecido) e o António Dias, na casa deste, em Benfica, aguardando o sinal musical (E depois do Adeus) que anunciaria o desencadear da operação, a nível nacional.

Era perto de minha casa e lá fui preparado para o que desse e viesse. Mas o sinal nunca mais surgia e adormeci deitado no chão.

A espera sem fim

Nessa espera sem fim, na madrugada de 24 de Abril de 1974, a certa altura alguém me acordou com incontida emoção. Tinha passado a canção. Era mesmo a sério. A noite ia alta. Saímos os três. Eu e o João Mário Anjos metemo-nos no carro do António Dias que, conduzido por ele, caminhou para a 2ª Circular a caminho do Campo Grande. O António Mil-homens saiu para a baixa da cidade.

O nosso objectivo era tomar posição dentro do 2º GCAM (2º Grupo de Companhias de Administração Militar) o mais cedo possível. Mas, ao contrário do que aconselhava a prudência, não o fizemos logo. Antes fomos dar uma volta de carro pelas redondezas a ver o que se estaria a passar na EPAM.

Passamos defronte da EPAM (Escola Prática de Administração Militar) e conseguimos ver o Teixeirinha junto ao muro, equipado de arreios, preparado para integrar o grupo que ocuparia a RTP. Não observámos nenhum outro sinal da acção iminente.

Regressámos à 2ª Circular para reforçar a observação do movimento começando a desconfiar que ia ser um novo 16 de Março. Um fracasso. Encetamos, de novo, o caminho do quartel do Campo Grande. Ao entrar no Campo Grande surgiu, inesperadamente, diante de nós, uma coluna militar.

Finalmente sinais de acção

Retenho muito viva na memória a imagem do carro do combate que encabeçava a coluna irrompendo diante de nós. Tinha surgido da escuridão uma coluna militar que tomaria a direcção do centro da cidade. Vislumbramos um carro «nívea» da polícia na penumbra que não esboçou qualquer movimento.

O Campo Grande não era como hoje. Havia um desnível e o carro de combate que vinha na nossa direcção deu um salto rápido para tomar contacto de novo com o chão. Foi uma espécie de salto mágico que desde esse momento, com frequência, me assalta a memória. A emoção que senti é indescritível. Era um sonho que se tornara realidade. Fomos, certamente, os únicos que assistimos, ao vivo, a esse momento.
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Soubemos, mais tarde, que aquela era a coluna, oriunda de Santarém, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia. Naquele momento colocava-se a opção de cumprir o nosso objectivo e entrar no quartel ou seguir atrás daquela surpresa entusiasmante.

Na peugada da coluna de Salgueiro Maia

Perante o dilema de entrar, de imediato, no Quartel do Campo Grande, ou seguir atrás da coluna militar, tomamos a opção de nos incorporarmos na coluna. Mas antes deixámos o João Mário Anjos no quartel. Eu com o António Dias ao volante do Datsun 1200, matrícula HA-79-46, segui atrás da coluna de Salgueiro Maia.

A caminho da Avenida da República pensei com os meus botões na fraqueza aparente da força militar que havia de ser decisiva no destino do 25 de Abril. Um soldado que era visível num dos carros apresentava um aspecto de uma fragilidade impressionante. Era uma coluna militar pouco convincente, pelo aspecto exterior, ostentando sinais de fraca capacidade militar.

Na Avenida da Liberdade lembro-me de ter visto um polícia tomar a iniciativa de mandar parar um ou outro carro para não perturbar o avanço da coluna. A madrugada ia alta e saíam clientes do «Cantinho do Artista» no Parque Mayer. Éramos, certamente, os únicos perseguidores da coluna cuja missão concreta desconhecíamos.

Rua do Arsenal

Tomada a decisão de ver com os próprios olhos o desenvolvimento da acção militar, fomos sempre atrás da coluna atravessando a baixa no sentido do Terreiro do Paço. Chegada à Rua do Arsenal a coluna parou. Os tanques posicionaram-se no terreno.

Havia um vaso de guerra no Tejo e a discussão era se estava a favor ou contra o movimento revoltoso. Decidimos que chegara a hora de abandonar o local pois não era aquela a nossa guerra. Não podíamos ficar mais tempo sacrificando a nossa própria missão.

Ultrapassámos a coluna facilmente e seguimos em frente. Sempre fiquei com a convicção que a vitória da Revolução foi decidida na Rua do Arsenal antes dos acontecimentos do Largo do Carmo. O povo ainda não tinha descido à rua.

Estávamos na fase das puras operações militares, propriamente ditas, sem as quais não seria possível desencadear o verdadeiro processo político que precipitaria a queda do regime. Afinal as forças armadas estavam a prestar um serviço público que poderia redundar num pesadelo para os seus protagonistas.

O renascimento da liberdade

Era a velha questão da liberdade que se jogava naquelas horas. Participei, com os meus dois camaradas, João Mário e António, num daqueles momentos da história em que algo de essencial muda.

A mudança do destino da vida de toda uma comunidade e de um povo. Um daqueles momentos raros de fusão em que um regime, que no dia anterior parecia inexpugnável, cai fulminado como se nunca tivesse tido apoiantes e seguidores.

Assistimos e participámos, ao vivo, a uma página ímpar da nossa história, aos últimos minutos de um regime de opressão e ao renascimento de um regime de liberdade.

De saída daquela situação de acompanhantes anónimos da coluna militar, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia, ainda nos cruzámos com a coluna de Cavalaria 7 que vinha ao encontro dos revoltosos. Era comandada, soube depois, pelo meu conterrâneo Brigadeiro Junqueira dos Reis.

O caminho de regresso ao nosso objectivo passou pela Ajuda onde o pessoal da Polícia Militar (PM) discutia o que fazer na estrada de Monsanto. Ao longo desta digressão pela cidade, sempre pensei que a desproporção de forças era demasiado grande, enorme e arrasadora, e que a coluna revoltosa não seria capaz de resistir a um ataque determinado. Receei que fosse destroçada em poucos minutos.

Salgueiro Maia

Afinal o Capitão Salgueiro Maia era um homem de coragem. No confronto decisivo da Rua do Arsenal foi o sangue frio de Salgueiro Maia que tornou vitoriosa a revolução. A sua serenidade face à força inimiga obrigou a que o soldado atirador, sob ordens de um subordinado do brigadeiro, não fosse capaz de premir o gatilho. A serenidade do Capitão Salgueiro Maia, sabendo que tinha a sua cabeça na mira do atirador, congelou a situação.

Acredito pelo que presenciei que só a conjugação da coragem do Comandante da força revoltosa de Santarém, o desespero do comandante da força do regime e a recusa do soldado em disparar permitiram o desenlace feliz daquela situação que, no plano militar, era absolutamente desfavorável aos revoltosos.

Assim se decidiu o destino da revolução. Entretanto tínhamos prosseguido o nosso caminho e entrámos pacificamente no 2º GCAM.

A liberdade

Nos momentos de ruptura é necessário fazer escolhas. No período pós 25 de Abril as nossas escolhas resultaram, algumas vezes, de erros de avaliação resultantes de apressadas opções ideológicas e intelectuais.

Nunca duvidei, pessoalmente, da primazia que a liberdade deve tomar no confronto com a justiça. Mas, em todos os tempos, em épocas de crise, em períodos pós guerra ou pós revolução, se suscita a questão da relação entre a justiça e a liberdade.

Camus escreveu, no período pós 2ª guerra mundial, algo que sintetiza, com clareza, o alcance deste dilema: «Se me parecia necessário defender a conciliação entre a justiça e a liberdade, era porque aí residia em meu entender a última esperança do Ocidente. Mas essa conciliação apenas pode efectivar-se num certo clima que hoje é praticamente utópico. Será preciso sacrificar um ou outro destes valores? Que devemos pensar, neste caso? (…) Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade…»

Foi este, em síntese, também o nosso dilema. A nossa escolha, neste dilema histórico, foi a liberdade. Hoje não me interessam tanto as pessoas com as quais partilhei os acontecimentos do passado. Interessam-me mais aquelas com as quais possa partilhar os acontecimentos do futuro.

Mas não esqueço as marcas gravadas a fogo na minha memória pelo 25 de Abril de 1974 nem as pessoas admiráveis com as quais vivi esse sonho inigualável que foi a reconquista da liberdade. Se a nossa consciência de homens livres tem algum valor, preservemos a capacidade de não nos deixarmos aprisionar pelo esquecimento e pelo medo. Para que nunca se cumpra o receio que Jorge de Sena, um dia, expressou nos seus versos: «Liberdade, liberdade, tem cuidado que te matam.»

(Transcrição de alguns posts de uma série publicada no Absorto em Março/Abril de 2004 com algumas precisões e remissão para uma breve cronologia: AQUI.)
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Comentários depositados nos blogues:

Li com emoção (mesmo com uma lagrimazinha), este seu bem sentido reviver da operação que nos daria a liberdade!Muito obrigado!
[ABarroso]

É sempre nostálgico recordarmos esses dias já tão distantes, em que ainda nos sentíamos com força para mudar o mundo.Colegas do ISCEF, com um ano de diferença, recordo o trio Eduardo Graça#Ferro Rodrigues#Félix Ribeiro que, já com um forte discernimento político, nos conseguiam explicar o que era a Liberdade; recordo os Cursos Livres e a agitação daqueles anos de 1968 e 1969...Em 1974, estava já em Nampula e lá ia recebendo alguns comunicados do Movimento dos Capitães, através de oficiais do QP. No 25 de Abril, recebemos instruções para nada fazer, com receio de alguma intervenção dos EUA ou da África do Sul, pelo que nos limitávamos a ouvir a BBC ou, já mais tarde, a EN em onda curta. Foram dias (e noites) inesquecíveis...Um abraço do ex-colega
VV [Vítor Ventura]

Que bom recordar esses dias distantes mas bem presentes nos que lutaram pela liberdade. Vivi dias e dias em manifestações na rua e recordo com saudade o regresso a Santarém do corajoso Salgueiro Maia bem como outros camaradas.Obrigado pelo recordar do tema.Um abraço
[Elisabete]

Caro Eduardo:Quero agradecer-lhe o prazer que me proporcionou ao ler o seu texto. Foi um momento de viagem histórica ao tempo de valores e dignidade.Cumprimentos
[Carlos Santos]
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Uma pequena corrrecção à aventura que todos os que não vivemos invejamos não ter vivido. Trata-se da acção de Salgueiro Maia. Na verdade, o momento que o Eduardo Graça descreve aconteceu na Avenida da Ribeira das Naus e não na Rua do Arsenal, onde, de facto, também ocorreu um episódio importante nessa manhã do nosso contentamento.
[Jorge Martins] - De facto o esquadrão de Cavalaria 7 estaciona na Av. Ribeira das Naus onde decorreram os acontecimentos que descrevo.
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Caro Eduardo,
Li vários dos seus artigos que relatam as suas vivências na noite/dia 25 de Abril. São concerteza impossíveis de descrever. Eu estava, na altura em Santarém, mas não vim para Lisboa.
Realço o momento de alta tensão, na Ribeira das Naus, em que o Brigadeiro dá ordem ao Alferes para disparar sobre o Salgueiro Maia e os que o acompanhavam. Esse Aferes tem nome, chama-se Fernando Sottomayor. Recusou-se a disparar e todos os subordinados o acompanharam na sua decisão. Decidiu-se aqui o curso dos acontecimentos do 25 de Abril, que viriam a ser vitoriosos.
Levámos 35 anos a encontrar o Fernando Sottomayor. Fizemos agora, 18 de Abril de 2009, um almoço de camaradas da Escola Prática de Santarém, na Mealhada, com a presença do herói daquele dia. Estiveram presentes deste antigos furriéis até Generais.
Um abraço emocionado de quem viveu, por dentro, o dia mais difícil e mais feliz da sua vida.
António Rafael
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RANIA RAÍNHA

Rania al-AbdullahRaínha da Jordânia no Youtube

Uma singela homenagem aos detractores do culto da imagem na política.
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domingo, março 15

Um luxo de ricos A solidão

“23 de Setembro [1937].
Solidão, luxo dos ricos.”

23 septembre.
Solitude, luxe des riches.”


Estar só
Ausência inteira
Solidária
A sós consigo própria
Só a nossa sombra
Nos olha

Estar só
Nada mais além
De nós
Próprios despidos
De tudo o resto
E de outros

Estar só
Absolutamente nós
Vigiados
Pela nossa voz
Ressoando
No pensamento

Estar só
Caminhar além
Do fim
Aquém da memória
Dos outros
Que vivem em nós

Estar só
O sobressalto
Do vazio
Nunca sonhado
Depois de tudo
Ter perdido

Estar só
Não é anunciares
A minha
Partida
É não te anunciares
Nunca

Estar só
É estar perdido
E não saber
Que me perdi
Deixar a tua mão
Por apertar

Estar só
Quero estar
Só uma única vez
A da palavra
Final
E nunca mais

Estar só
Sem ninguém
É partilhar o silêncio
Raro
Um luxo de ricos
A solidão


* Citação de 1937, in versão portuguesa dos Cadernos de Albert Camus – Caderno Nº 2 (Setembro de 1937 – Abril 1939) - página 61, edição Livros do Brasil; in versão original francesa “Carnets (Mai 1935 – Décembre 1948) ” – “Cahier II (Septembre 1937 – avril 1939) – página 836, Oeuvres complètes – II.

[Também no Caderno de Poesia]
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CONTRADIÇÕES

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sexta-feira, março 13

MAGALHÃES

albert lemoine

O Pedro Rolo Duarte escreve o que já me apeteceu escrever, melhor ou pior do que ele, provavelmente pior, acerca do Magalhães. Há um mundo de Barreto – o velho mundo dos estimáveis intelectuais urbanos – e o admirável mundo novo das novas tecnologias de informação que rompem todas as barreiras entre grupos e classes sociais. É arrepiante escrever acerca disto porque nos faz aproximar da repulsa pelo pensamento daqueles que julgávamos depositários de uma ideologia humanista de progresso. Esta linguagem é antiga, e tem as suas limitações, mas é a que me ocorreu para tornear a palavra esquerda. Combater o Magalhães, denegrir o Magalhães, achincalhar o Magalhães, excomungar o Magalhães, é um luxo de gente que não quer – por snobismo – ou não precisa – por status social – do Magalhães para nada!
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quinta-feira, março 12

VIOLÊNCIA/ESCOLA


Há muitos tipos de violência e de vários graus. Em Portugal, nos últimos anos, a violência na escola tem merecido bastante atenção pública assim como das autoridades públicas. Nenhum país, nem instituição, está a salvo de actos de violência brutais como este que ocorreu ontem na Alemanha.

Mas julgo que não é errado afirmar, empíricamente, que não há uma correlação directa entre o nível de desenvolvimento sócio económico dos países, das comunidades e famílias, e o número e gravidade dos actos de violência praticados nas escolas.

Estranho, hoje, que aqueles que estão sempre na primeira linha da denúncia da violência nas escolas em Portugal não aproveitem – face a este acontecimento -para discorrer acerca da violência na escola.

Sabemos que a violência é indesejável e deve ser combatida por todos os meios legítimos e disponíveis. Mas o título da notícia do El Pais, reproduzindo uma frase de um amigo do jovem assassino, identifica, porventura, o essencial das motivações imediatas do tresloucado e dá que pensar: "Era un tipo aburrido, no tenía amigos y le dejó su novia"

O que é que podem os governos, as polícias, as magistraturas, os professores, as vigilâncias electrónicas … fazer para prevenir e combater a violência na escola? Talvez a solução possível esteja na mistura da acção de todos os cidadãos e autoridades, ou seja, da comunidade, na educação fora da escola através, em primeira linha, da acção da família, dos amigos e das "redes sociais".

Talvez o mundo dos afectos e emoções dos jovens, construído fora da escola, tenha mais importância do que pensam muitos ideólogos da escola de sucesso.
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quarta-feira, março 11

UMA CORRENTE


O Tomás Vasques embrulhou-me na corrente Página 161, quinta frase. Um vírus acabou de apagar todos os meus contactos do Hotmail e todos devem ter recebido, ontem durante a noite, uma mensagem mais ou menos estúpida. Estava mesmo agora a reconstruir a coisa de forma artesanal o que até me permite fazer uma limpeza. As crises têm o seu lado virtuoso.

Já quase me tinha esquecido das correntes e o livro que tenho à mão – alguns vão sorrir! – intitula-se "primeiros cadernos", de Camus, uma velha edição da “Livros do Brasil” que não os volumes da “Colecção Miniatura”. Tem, graças a Deus, 461 páginas o que me evita a busca de uma alternativa.

No entanto a página 161, atenta a natureza fragmentária do texto, torna difícil definir com rigor a quinta frase. Escolho aquela que eu próprio identifico como tal, e assim seja...

Aí vai:

“Léger. Essa inteligência – essa pintura metafísica que reflecte a matéria. Curioso: desde que se reflecte a matéria, a única coisa permanente é justamente a que produziu a aparência: a cor.”

Caderno nº 3 – Abril 1939/Fevereiro 1942
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terça-feira, março 10

IMAGEM E COMUNICAÇÃO (II)

José Mourinho doutorado Honoris Causa

Estas coisas da imagem e comunicação, como demonstra, todos os dias, José Mourinho são fáceis. É uma questão de escola e de compreensão do ar do tempo.
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IMAGEM E COMUNICAÇÃO


Estas coisas da imagem e comunicação como demonstra, todos os dias, a Dra. Manuela Ferreira Leite são muito complicadas.
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segunda-feira, março 9

AS VIAS DA IRA


Caminhando pelas auto-estradas deste nosso Portugal pude verificar quilómetros e quilómetros de obras com supressão de vias, desvios, obstáculos e limitações de velocidade. Em tempos foi aprovado um diploma legal que pretendia proteger o consumidor pagador de portagens em auto estradas e outras vias em obras. Querem ver? Importam-se de me explicar como na prática se pode obter o reembolso do pagamento?
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domingo, março 8

Maria Teresa Horta - "Poesia Reunida"

Minha senhora de mim

Comigo me desavim
minha senhora
de mim

sem ser dor ou ser cansaço
nem o corpo que disfarço

Comigo me desavim
minha senhora
de mim

nunca dizendo comigo
o amigo nos meus braços

Comigo me desavim
minha senhora
de mim

recusando o que é desfeito
no interior do meu peito

Minha Senhora de Mim,
Editorial Futura, 1974 - Lisboa, Portugal

Hoje, Dia Internacional da Mulher, lembrei-me que Maria Teresa Horta lança um livro que reúne a sua obra poética. Aqui está um verdadeiro acontecimento cultural, de âmbito nacional, que deveria merecer manchetes, documentários e públicos festejos.
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SONDAGENS, CURVAS E CÍRCULOS

James Friedman

Tendências de longo prazo das sondagens desde Janeiro de 2005 até à actualidade: “estimativas mensais, controlados "house effects". Será que as curvas, mantendo-se as actuais lideranças do PS e PSD, se vão cruzar nos escassos meses que restam até às eleições legislativas? Não parece provável a não ser que ocorra uma hecatombe!

Os resultados do PS, nas sondagens mais recentes, situam-se sempre próximo dos 40%. A quebra do PS é pequena considerando as “campanhas cirúrgicas”, os efeitos da usura do tempo sobre a governação e o impacto da crise financeira global na economia real. Tudo parece jogar-se no peso do “voto de protesto” à esquerda e à direita.

A maneira como são apresentados os resultados, pela comunicação social, é outra coisa, como diz Pedro Magalhães - Este é o tipo de resultados que, suspeito, os jornalistas detestam: nada para dizer a não ser falar de "subida de 0,1 pontos percentuais".

Aximage, 2-5 Mar, N=600, Tel.

Resultados com redistribuição proporcional de indecisos:
PS: 40,2% (40,0%)
PSD: 25,2% (24,9%)
BE: 13,2% (12,6%)
CDU: 9,5% (9,6%)
CDS: 7,1% (8,1%)
OBN: 4,7% (4,9%)

Eurosondagem, 26 Fev-3 Mar, N= 1018, Tel.

PS: 39, 0% (40, 3%)
PSD: 28, 3% (29, 1%)
BE: 10, 4% (10, 1%)
CDU: 9, 6% (8, 8%)
CDS-PP: 7, 7% (6, 9%)
OBN: 5, 0% (4, 8%)
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sábado, março 7

O homem que eu seria se não houvesse sido a criança que fui

“O homem que eu seria se não houvesse sido
a criança que fui !”

“L´homme que je serai si je n´avait pas été l´enfant que je fus !"*


O homem que eu seria aberto generoso
Olhando os outros homens de frente
Se não tivesse nascido no tempo dos silêncios
Que deram consentimento à tirania

O homem que eu seria ousado em cada gesto
E buscando o sucesso em cada passo
Se não me tivesse assomado o medo
Que tolhe inteira toda a verdade

O homem que eu seria esclarecido
A cabeça povoada de ideias de mudança
Não fosse a memória da mulher ao postigo
Afastando a cortina de chita às cores

O homem que eu seria se os homens
Fossem uma criação divina e não o fruto natural
De outros homens seres originais nascidos
Do prazer carnal ou social obrigação

O homem que eu seria se não me tivessem
Em criança forçado a fazer os deveres
Cortado o cabelo e não me tivesse crescido
O corpo uma medida acima do normal para a época

O homem que eu seria se não fosse fruto tardio
De um amor que não agradeci o suficiente
E me faz pensar no homem que eu seria
Se não houvesse sido a criança que fui

* Citação de 1945, in versão portuguesa dos Cadernos de Albert Camus – Caderno Nº 4 (Janeiro de 1942 – Setembro 1945) - página 126, edição Livros do Brasil; in versão original francesa “Carnets (1935 – 1948) – “Cahier IV (janvier 1942 – septembre1945) – página 1025, Oeuvres complètes – II. (Mesmo quando surgem duvidas tenho mantido sempre a tradução original.)

[Também no Caderno de Poesia]
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sexta-feira, março 6

"Romance sobre a justiça."


A propósito de justiça e tanto que, por vias abertas e ínvias, se tem discutido acerca dela, seus protagonistas e incidentes, vítimas e carrascos, tantas vezes sendo apresentados, ou apresentando-se, a si próprios, no lado errado da barricada, apeteceu-me transcrever este breve fragmento dos Cadernos de Albert Camus, escrito por volta de finais de 1944:

“Romance sobre a justiça.

O tipo que estabelece as ligações entre os revolucionários (Com.) depois de julgamento ou suspeita (porque é precisa unidade), dão-lhe imediatamente uma missão na qual toda a gente sabe que irá morrer. Aceita porque é o seu dever. Morre, pois.
Id. O tipo que aplica a moral da sinceridade para afirmar a solidariedade. A sua imensa solidão final.
Id. Matamos os melhores do outro lado. Eles matam os melhores do nosso lado. Restam apenas os funcionários e os medíocres. O que é ter ideias."
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Endividados, desempregados e revoltados

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quinta-feira, março 5

AVARIA? COINCIDÊNCIA?

Generacion Y de Yoani Sanchez e outros blogues cubanos, críticos do regime, estão “em baixo”. Pode ser uma avaria! No mesmo dia foram divulgadas cartas de auto-crítica, enigmáticas, de dois altos, e prestigiados, dirigentes do PC cubano demitidos por Raul Castro. Pode ser coincidência!
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MES - Anti-autoritário e de esquerda toda a vida…


Para os Caminhos da Memória

Na sequência do IV Congresso do MES, realizado a 8 de Julho de 1979, marcado pela vitória da moção intitulada “Nova Prática, Novo Programa, Outro Caminho”, foi aberto o caminho para a auto-crítica em relação à orientação política anterior e para uma demarcação, assumida e sem regresso, do MES face à chamada “Esquerda Revolucionária”.

Foi Vítor Wengorovius quem assumiu as funções de porta-voz desta ruptura que haveria de anteceder a extinção do MES, formalizada em 7 de Novembro de 1981, no emblemático jantar/festa realizado no pavilhão sobrevivente da Exposição do Mundo Português (ironias da história!).

Na política nada acontece por acaso, apesar dos imponderáveis que o acaso dita, e das idiossincrasias, por vezes bizarras que, em cada época, os dirigentes políticos ostentam. Tudo isto para dizer que, no caso do MES, não fui o primeiro a assumir a autocrítica dos seus erros, mérito que Nuno Brederode Santos, simpaticamente, me atribuiu, mas Vítor Wengorovius em entrevista concedida, em 19 (?) de Novembro de 1979, ao extinto diário “Portugal Hoje”:

“ (…) Entre os erros cometidos interessa hoje sublinhar, não tanto os derivados de discutíveis atitudes pessoais ou de relativa inexperiência devida à juventude da maioria dos seus dirigentes, mas os próprios estratégicos ou os mais importantes a nível táctico.

Contrariando as vantagens das suas origens (…) o MES veio a enredar-se rapidamente no confronto apressado em torno do marxismo-leninismo, a querer construir voluntaristicamente um partido desse tipo, a querer disputar a cintura industrial de Lisboa, dando muito pouca atenção quer ao operariado de outras zonas do país quer aos trabalhadores de serviços, quer à juventude (…) e a perder assim o seu papel original. Vogou depois ao sabor das oscilações do processo revolucionário (…).”

Nessa mesma entrevista VW, em nome do MES, explicou também, com detalhe, as razões da decisão tomada na reunião da sua Comissão Política, realizada em 18 de Novembro desse ano, que consagrava o rompimento definitivo, com a chamada “esquerda revolucionária”.

Embora mantendo em aberto, em teoria, uma via estreita para a criação de uma futura força partidária de esquerda “democrática, socialista e independente” (do PS e do PCP), que nunca viria a passar do papel, VW anunciou, publicamente, a 19 de Novembro de 1979, a decisão do MES de não concorrer às eleições legislativas intercalares de 2 de Dezembro de 1979 aconselhando, ao mesmo tempo, “aos partidos de esquerda com menores possibilidades de elegerem deputados” que desistam a favor do PS ou da APU” tendo em vista o “voto eficaz contra a direita” que concorreria unida na “Aliança Democrática” (AD).

Em declarações prestadas à imprensa, nesse mesmo dia, VW explicou as razões que levaram ao fracasso das negociações entre o MES, a UDP e a UEDS tendo em vista a criação de uma “frente eleitoral” alternativa, destinada a concorrer às eleições intercalares que se avizinhavam: “ E tal aconteceu (…) devido às posições de auto-afirmação partidária tomadas quer pela UDP quer pela UEDS, vindo estas a apresentar candidaturas isoladas que de forma nenhuma respondem às condições mínimas de uma candidatura unitária com verdadeira credibilidade.[Diário de Lisboa de 21/11/79.]

Na verdade o IV Congresso do MES fez emergir uma orientação política que não podendo já fazer regressar o MES às suas origens de força política de “esquerda socialista”, desempenhando um papel de “charneira” entre as diversas esquerdas, assumiu como inevitável o fim da sua breve, empolgante e solitária aventura partidária.

Talvez o MES tenha morrido não uma, mas três vezes: com a ruptura do I Congresso, em Dezembro de 74; com o apelo ao voto no PS, ou na APU, nas eleições intercalares de Dezembro de 79 e, finalmente, em apoteose, no Jantar/Festa de extinção, em Novembro de 81. Anti-autoritário e de esquerda toda a vida...
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quarta-feira, março 4

DO JORNALISMO POR UM JORNALISTA

Entrevista com Jean Daniel

A capacidade de fazer o mal que tem o jornalista é devastadora. Em um dia ou em uma hora se pode desmontar uma reputação. É um poder terrível.

Não é a frase antecedente que me conduz a postar a entrevista com Jean Daniel. É o cruzamento, a propósito dela, da vida dos protagonistas cujo percurso e obra sempre me interessaram muito. Neste caso cruzam-se Jean Daniel, um velho jornalista, no activo, e Albert Camus, apresentado como seu inspirador, na sua faceta de jornalista. O tema é de uma actualidade desarmante e a sua simples abordagem mostra a actualidade de princípios éticos antigos. Um sinal de esperança.

[Também no ir ao fundo e voltar.]
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