sexta-feira, junho 26

A «Nova Esquerda» que eu conheci morrreu – Uff!


Surgiu recentemente o anúncio da criação de um movimento político que se auto intitula de Nova Esquerda. Trata-se, ao que parece, de uma “dissidência” do movimento que Manuel Alegre criou após a sua candidatura presidencial e do qual o próprio já se demarcou. O Araújo Pereira, dos Gatos Fedorentos, caracterizou, com acutilância, a natureza das motivações dos seus criadores:

Apesar do nome com que se quer registar como partido, é de temer que o Movimento Nova Esquerda não seja nem novo nem de esquerda. O que há a reter é o facto de se detectar tristeza entre os amigos de Alegre. Desiludidos com o facto do histórico deputado socialista não criar um novo partido, vão criá-lo eles. É normal que os partidos, ao longo da sua história, revejam a sua ideologia, mas desta vez os amigos de Alegre vão mais longe ao afirmarem que apesar de alegristas estão desiludidos com o seu próprio patrono.

Tem razão Araújo Pereira, pelo menos, quando diz recear que o novo movimento não seja novo. Sem querer beliscar, nem ao de leve, a legitimidade de grupos de cidadãos criarem os movimentos, ou partidos, que lhes aprouver, gostaria de dar testemunho acerca da criação, em 1984, do movimento Nova Esquerda que, apesar de nunca se ter formalizado (ainda bem!), nem ter registado a sigla, foi bastante longe nos preliminares, através da elaboração de uma “Declaração de Princípios”, de tomada de posições públicas…. Os tempos eram difíceis!...

Reproduzo, de seguida, o meu testemunho, acerca do contexto em que esse movimento surgiu, numa posta que escrevi, em Abril de 2004, sob o título “Do MES à Nova Esquerda”, lavrando o meu quixotesco protesto, não tanto pela utilização da sigla, “ipsis verbis”, mas pela aparente ignorância de certa esquerda acerca da sua própria memória o que a levará, inevitavelmente, à irrelevância. Convenhamos que o caminho da renovação da esquerda carece de um pouco mais de estudo e imaginação.

Nas reuniões e discussões prévias ao I Congresso [do MES] lembro-me de ter, em diversos momentos, divagado a sós, angustiado pela percepção da "quadratura do círculo" que constituía, naquelas circunstâncias, conciliar a democracia representativa com a democracia directa, ou "poder popular".
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Uma síntese impossível. Era necessário ganhar tempo, mas a gestão do tempo não era o nosso forte, nem o "espírito da época" favorecia as esperas sábias e pacientes.
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As revoluções criam uma especial escala do tempo em que nos sentimos atraídos pela acção e a acção exige mais acção. A única saída possível para tornar o MES um Partido útil, na construção da democracia representativa e participativa, tinha-se esfumado com o desenlace daquele Congresso.
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Os que romperam prepararam pacientemente a sua integração no PS. Os que ficaram, por convicção ideológica ou devoção a amizades autênticas, forjadas nas lutas do passado, foram absorvidos pela voragem dos acontecimentos e foram saindo, em levas sucessivas, até à extinção do movimento no célebre jantar do Mercado do Povo.
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Após a extinção do MES alguns de nós dinamizaram, no início dos anos 80, a criação da "Nova Esquerda" em cuja declaração de princípios se preconizava o "desenvolvimento de um novo pensamento de esquerda que, assentando fundamentalmente na ideia do socialismo democrático, clarifique as suas fronteiras, encare os valores da liberdade individual, da solidariedade social e da iniciativa modernizadora (tanto ao nível económico como cultural), como elementos constitutivos essenciais."
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Defendia-se, num notável documento de Julho de 1984, que mantém plena actualidade, entre outros objectivos, o debate "aberto e inconformista que envolva todos os sectores interessados na modernização do país", o "reforço da democracia" e a "adesão à CEE".
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Esse documento preparado para a criação de uma abortada "Cooperativa Nova Esquerda" foi assumido por Afonso de Barros, Agostinho Roseta, Eduardo Ferro Rodrigues, Eduardo Graça, Eurico de Figueiredo, Jofre Justino, José Leitão, Júlio Dias, Margarida Marques, Sara Amâncio, Tereza de Sousa e Vitor Wengorovius.
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Em 21de Abril de 1986 a Comissão Coordenadora da "Nova Esquerda", constituída por Afonso de Barros, Agostinho Roseta, Eduardo Ferro Rodrigues, Eduardo Graça e Vitor Wengorovius anuncia que, após seis anos, a "atitude de solidariedade crítica externa ao PS se esgotou e deve ser superada por uma intervenção política concreta que, para a maioria dos membros desta comissão, pode e deve ser realizada, desde já, dentro do PS."
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Em consequência, no decurso do ano de 1986, todos os membros da Comissão da "Nova Esquerda", com excepção de Vitor Wengorovius, entre outros ex-activistas do MES, aderiram colectivamente ao PS.
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... é altamente recomendável ler um apontamento de Eduardo Graça, no seu Absorto, intitulado A «Nova Esquerda» que eu conheci morrreu – Uff! . Trata-se de um relato, por dentro, de um episódio da história da democracia portuguesa - o qual, ao espelho, dá a ver a ignorância chapada (ou então a arrogância) de alguns sábios renovadores da esquerda que chegaram no último minuto junto ao balcão de serviço e começaram logo a pedir bebidas que não sabem o que sejam só por vagamente lhes terem ouvido chamar o nome.Do texto do Eduardo, atrevo-me a recortar apenas isto: «Convenhamos que o caminho da renovação da esquerda carece de um pouco mais de estudo e imaginação.» Aplaudo. Doendo-me as mãos só de pensar no que a vida é, mas aplaudo.
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3 comentários:

Porfirio Silva disse...

Um texto necessário, além de oportuno. Que me permito "linkar", por uma questão de serviço público.
Abraço.

Anónimo disse...

Havia alguns que já lá estavam havia alguns anos!
MM

Eduardo Graça disse...

Refiro-me, explicitamente, aos membros da "Comissão Coordenadora" pois foram esses que decidiram aderir ao PS em 1986.