Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
domingo, setembro 18
Napoleão
Napoleão Bonaparte – Imagem e Breve Biografia
As grandes frases de Napoleão. “A felicidade é o maior desenvolvimento das minhas faculdades.”
Antes da ilha de Elba: “Um malandro vivo vale mais do que um imperador morto”.
“Um homem realmente grande colocar-se-á sempre acima dos acontecimentos que originou.”
“É necessário querer viver e saber morrer.”
Albert Camus
Caderno n.º 4 (Janeiro 1942/Setembro 1945) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
Comment te dire adieu
Na foto Françoise Hardy in La Vie en blues
Comment te dire adieu
além de ontem
- azul de ladrilhos -
espectra a manhã
num relance:
página em branco,
grito de galo, fogo perpétuo
- despertar é áspero,
poroso
golpe de luz
a frio – alarde de cristais.
Língua dos Versos
E Viva o Porto – Fotografia de Hélder Gonçalves
Língua;
língua da fala;
língua recebida lábio
a lábio; beijo
ou sílaba;
clara, leve, limpa;
língua
da água, da terra, da cal;
materna casa da alegria
e da mágoa;
dança do sol e do sal;
língua em que escrevo;
ou antes: falo.
Eugénio de Andrade
Lengua de los versos
Lengua;
lengua del habla;
lengua recibida labio
a labio; beso
o sílaba;
clara, leve, limpia;
lengua
del agua, de la tierra, de la cal;
materna casa de la alegria
y la amargura;
danza del sol y de la sal;
lengua en que escribo;
o antes: hablo.
Rente ao Dizer/Próximo al Decir
Tradução de José Luís Puerto
Amarú Ediciones
sexta-feira, setembro 16
UM CORPO
Fotografia de Margarida Delgado, in Sabor a Sal
Um corpo desejável envolto em pose despojada
Ser tocado e fazer-se mais desejado entreaberto
Na espera do inesperado sem horas nem tempo
O corpo somente o corpo pontiagudo se derrete
E escorre ao longo dos meus lábios lentamente.
21 de Dezembro de 2004
"Panorama da Educação Nos Países da OCDE"
Serralves – Fotografia de Hélder Gonçalves
Foi divulgada a edição de 2005 do “Panorama da Educação nos países da OCDE”. Este “panorama” consiste, em síntese, num conjunto de indicadores, comparáveis e actualizados, acerca do desempenho do sistemas educativo em 30 países.
Comecemos por assinalar, por via dos equívocos, que os progressos realizados nos últimos anos em muitos países, incluindo Portugal, são assinaláveis. O interesse do relatório concentra-se, no entanto, na apreciação da posição relativa de cada país no que respeita ao desempenho da respectiva política educativa.
E, naturalmente, no enunciado dos indicadores nos quais Portugal surge, em termos comparativos, numa posição desvantajosa.
Eis um enunciado sintético de três desses indicadores que podem ser consultados, na íntegra, através do link que surge no final deste post.
- Portugal surge no último lugar no indicador de frequência do ensino formal, com 8,2 anos, considerando os cidadãos dos 25 aos 64 anos. Quer dizer que cada português adulto frequentou a escola, em média, 8,2 anos.
Nos últimos lugares, neste indicador, surgem também a Itália (10 anos), Turquia e México (menos de 10, mas mais de 8,2 anos). Os primeiros lugares são ocupados pelos EUA, Noruega, Dinamarca e Luxemburgo, com cerca de 14 anos.
Este indicador é, certamente, um dos mais objectivos e o reverso de outro tipo de indicadores, conhecidos, como o que se refere ao “abandono escolar precoce” em que Portugal ocupa o último lugar entre os países da UE.
- Nalguns países os professores (“a meio da carreira”) têm salários mais do que duas vezes superiores ao PIB per capita do respectivo país, casos da Coreia e do México, ocupando Portugal o lugar imediatamente a seguir, usufruindo os professores portugueses de salários semelhantes aos da Alemanha e da Suíça.
Mesmo considerando que os professores trabalham em contextos diferentes, integrados em processos organizacionais diversos, de país para país, este é um indicador bastante surpreendente que ainda mais se torna impressivo quando se lhe junta o indicador do tempo líquido, em “horas por ano”, passado pelos professores em actividades lectivas na escola.
- Neste indicador Portugal apresenta uma situação que indicia uma relativamente fraca permanência dos professores na escola com um valor ligeiramente superior às 600 horas/ano face à média do conjunto dos países que é de 701 horas/ano, sendo que este valor atinge mais de 1000 horas nos EUA e no México e um valor mínimo de 535 horas no Japão.
Os indicadores disponibilizados por este relatório da OCDE têm o valor que têm, mas, no seu conjunto, representam uma fotografia bastante negativa do estado da educação em Portugal.
A sua leitura por mais benévola que seja face a factores de diferenciação do “caso português” dão uma forte caução às medidas que o governo socialista tem vindo a aplicar na reforma do sistema, em particular, na promoção de um mais extenso e atento acompanhamento pelos professores das actividades lectivas dentro das escolas.
De facto a conjugação, em Portugal, de salários relativamente elevados dos professores com o tempo da sua permanência na escola, em actividades lectivas, abaixo da média do conjunto dos 30 países considerados, deve querer dizer alguma coisa, não é?
Veja aqui o “Panorama da Educação nos países da OCDE”.
Aqui uma notícia a propósito do mesmo assunto.
quinta-feira, setembro 15
A França e a Inglaterra
Fotografia de José Marafona
“Há muitas razões para a hostilidade oficial contra a Inglaterra (boas ou más, políticas ou não). Mas não se fala de um dos piores motivos: a raiva e o desejo mesquinho de vermos sucumbir quem ousou resistir à força que nos esmagou.”
Albert Camus
Caderno n.º 4 (Janeiro 1942/Setembro 1945) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
quarta-feira, setembro 14
VERSOS DESENCONTRADOS
Fernando Pessoa no Martinho da Arcada com Raul Leal, António Botto e Augusto Ferreira Gomes.
Em nada ou em ninguém
Eu deveria acreditar!
Nem no amor, nem na vida. - As ilusões,
Mesmo até quando vêm disfarçadas
E já conhecem o cliente, hesitam,
E chegam a partir envergonhadas...
As ilusões -
Também têm os seus mais preferidos;
E àqueles que ficaram na ruína
Do pensamento, e são - por graça de conquista
Os pálidos mortais desiludidos,
A esses já não correm muito afoitas
Na mentira das grandes fantasias!
- É por isso que eu hoje ainda vivo
À margem das ridículas tragédias
Que lemos nos jornais todos os dias.
Atulham-se os presídios; no degredo,
Atados à saudade, vão ficando,
- Como lesmas ao luar, esses que matam,
E pelo amor tombaram na desgraça:
- Um sonho, um beijo, uma mulher que passa!
Só a guitarra os lembra ao triste fado
Nos ecos diluídos e chorosos
E fundos do lusíada, coitado!
Eu olho para tudo que enxameia
Nesta viela escura da existência
Como quem se debruça num abismo
E fica revolvendo a consciência
Na tristeza infinita de um olhar!...
- A humanidade é vil e o seu egoísmo
Tem base na vileza de vexar.
Sim;
Por qualquer coisa os homens tudo vendem:
Palavra, dignidade, a própria vida,
Só porque desconhecem a doutrina
Bendita de Jesus; - esse tesoiro,
Essa fonte de luz onde aprendi
A ser leal e amigo e a respeitar
Aquela que nos risos do meu lar
Desembaraça os fios de uma queixa
No mistério que cinge o verbo amar.
Mas quando um ano acaba e outro vem,
Embora a minha fronte e os meus cabelos
Envelheçam na marcha para o fim
E um sabor de renúncia e de cansaço
Vibre, cantando, aqui, dentro de mim,
Rebenta-me no peito uma esperança
Tão lúcida, tão viva, e tão ungida
Na fé que ponho erguendo a minha prece -
Que peço a Deus do fundo da minha alma
Que a todos os que sofrem neste mundo
Dê o conforto de uma vida calma.
António Botto
Aves de Um Parque Real
As Canções de António Botto
Editorial Presença
1999
terça-feira, setembro 13
Viragem à Esquerda na Noruega
Jens Stoltenberg, líder do Partido Trabalhista.
O país mais rico da Europa (e do mundo?), com os mais elevados padrões de bem estar, “vira à esquerda”. Desculpem lá qualquer incómodo mas deu-me um prazer infinito verificar que a “esquerda socialista” é um dos partidos vencedores. Saudosismo!
Veja os resultados aqui. A “esquerda socialista” está identificada com a sigla SV.
(A partir do Tugir ao qual agradeço o destaque nos links.)
segunda-feira, setembro 12
NA MORTE DE MARILYN
Fotografia de Marilyn Monroe - Playboy (1953)
Morreu a mais bela mulher do mundo
tão bela que não só era assim bela
como mais que chamar-lhe marilyn
devíamos mas era reservar apenas para ela
o seco sóbrio simples nome de mulher
em vez de marilyn dizer mulher
Não havia no fundo em todo o mundo outra mulher
mas ingeriu demasiados barbitúricos
uma noite ao deitar-se quando se sentiu sozinha
ou suspeitou que tinha errado a vida
ela de quem a vida a bem dizer não era digna
e que exibia vida mesmo quando a suprimia
Não havia no mundo uma mulher mais bela mas
essa mulher um dia dispôs do direito
ao uso e ao abuso de ser bela
e decidiu de vez não mais o ser
nem doravante ser sequer mulher
O último dos rostos que mostrou era um rosto de dor
um rosto sem regresso mais que rosto mar
e toda a confusão e convulsão que nele possa caber
e toda a violência e voz que num restrito rosto
possa o máximo mar intensamente condensar
Tomou todos os tubos que tinha e não tinha
e disse à governanta não me acorde amanhã
estou cansada e necessito de dormir
estou cansada e é preciso eu descansar
Nunca ninguém foi tão amado como ela
nunca ninguém se viu envolto em semelhante escuridão
Era mulher era a mulher mais bela
mas não há coisa alguma que fazer se certo dia
a mão da solidão é pedra em nosso peito
Perto de marilyn havia aqueles comprimidos
seriam solução sentiu na mão a mãe
estava tão sozinha que pensou que a não amavam
que todos afinal a utilizavam
que viam por trás dela a mais comum imagem dela
a cara o corpo de mulher que urge adjectivar
mesmo que seja bela o adjectivo a empregar
que em vez de ver um todo se decida dissecar
analisar partir multiplicar em partes
Toda a mulher que era se sentiu toda sozinha
julgou que a não amavam todo o tempo como que parou
quis ser atá ao fim coisa que mexe coisa viva
um segundo bastou foi só estender a mão
e então o tempo sim foi coisa que passou.
Ruy Belo
Transporte No Tempo
Editorial Presença
Marilyn Monroe veja biografia aqui
domingo, setembro 11
11 DE SETEMBRO
Fotografia de Margarida Delgado, in Sabor a Sal
Retenho na memória os corpos filmados num ângulo estranho e os ritos de espanto e pavor que se estampavam nos rostos. As correrias desgovernadas e os nomes dos desaparecidos escritos em papéis. As velas acesas e as preces. As vozes roucas de surpresa e de medo.
Tinha sido dado início aos quatro anos mais terríveis da minha (nossa) vida. Coincidência? As cinzas que cobriram os sobreviventes também nos cobriram a nós. Ainda nos estamos a erguer do chão para reiniciar a caminhada.
Os fundamentalistas de todas as religiões hão-de ser isolados e vencidos. Mas continuam nos postos de comando. As comunidades que os geraram hão-de destruí-los. Como? Através da livre escolha ou pela força da violência? Vencerá a liberdade ou a tirania? A paz ou a guerra? O bom senso da maioria dos povos triunfará?
É absolutamente necessário que as instituições multinacionais – ONU, UE, … – se não desprestigiem e, pelo contrário, se fortaleçam. É essa a única esperança que resta aos homens e mulheres de boa vontade.
SALVADOR ALLENDE
EM MEMÓRIA DE SALVADOR ALLENDE
"(...) Trabajadores de mi Patria, tengo fe en Chile y su destino. Superarán otros hombres este momento gris y amargo en el que la traición pretende imponerse. Sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, de nuevo se abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre, para construir una sociedad mejor. ¡Viva Chile! ¡Viva el pueblo! ¡Vivan los trabajadores! Estas son mis últimas palabras y tengo la certeza de que mi sacrificio no será en vano, tengo la certeza de que, por lo menos, será una lección moral que castigará la felonía, la cobardía y la traición."
Salvador Allende, 11 de septiembre de 1973, del mensaje a los ciudadanos transmitido por Radio Magallanes a las 9,03 de la mañana.
Excepção Fatal
Fotografia in New York on Time
““Retz: “Com excepção da coragem, o Senhor Duque de Orlèans tem tudo quanto é necessário a um homem honesto””
Albert Camus
Caderno” n.º 4 (Janeiro 1942/Setembro 1945) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
sábado, setembro 10
Emigrar à Força
As imagens da tragédia americana que têm passado, repetidas até à náusea, fazem-me lembrar intensamente a odisseia dos emigrantes. Fascina-me, desde criança, a viagem do homem buscando outras terras.
A minha família, do lado paterno, foi emigrante no Brasil e nos EUA. Admiro a coragem daqueles que partem buscando a sorte da fortuna noutras paragens sem, a mais das vezes, conhecerem nada das terras que demandam, nem a geografia, nem a língua, nem a cultura.
O que estamos a assistir nos EUA é a um fenómeno extraordinário de emigração interna. Uma deslocação sem precedentes, em tempo de paz, de uma multidão que muda de cidade, de estado, abandonando as suas raízes originárias, porventura, para sempre.
Estamos assistindo a uma verdadeira odisseia de recriação da demografia de uma vasta região dos EUA, equivalente à península ibérica, que exige uma imensa capacidade de integrar criando uma nova vida para centenas de milhares de americanos.
Ao contrário do que muitos possam pensar os EUA vão sair mais fortes desta crise enquanto a administração BUSH entra definitivamente no ocaso político.
As Nações não se confundem com os seus governos mas os povos podem ser penalizados pela política dos governantes que ignoram, cinicamente, a força “irresponsável” da natureza.
Mas a vida continua e, para além do debate político e das suas consequência, neste caso, impressiona o desprezo pela prevenção da catástrofe anunciada e o fenómeno da uma imprevista emigração em massa.
sexta-feira, setembro 9
CAMUS - CADERNO Nº 4
Fotografia de Pela Lente
“Janeiro – Fevereiro (1942)
“Tudo o que não me mate torna-me mais forte.” Sim, mas … E como é duro pensar na felicidade. O peso esmagador de tudo isto. O melhor é calarmo-nos para sempre e voltarmo-nos para o resto.”
Albert Camus
Caderno” n.º 4 (Janeiro 1942/Setembro 1945) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Citação inaugural do Caderno nº 4)
Colin Powell
Powell admite que prestação na ONU manchou a sua reputação
O antigo secretário de Estado norte-americano Colin Powell admitiu quinta-feira que a sua apresentação em 2003 perante a ONU sobre as armas de destruição maciça (ADM) que o Iraque alegadamente tinha foi uma «mancha» na sua reputação.
(Por lembrança da MAB)
quinta-feira, setembro 8
Nova Orleães por Luís Costa Ribas
Imagem da SIC on line
Nova Orleães por Luís Costa Ribas – um repórter “sem abrigo”. Os relatos de Luís Costa Ribas, enviado da SIC a Nova Orleães, sob o título Impressões, são um caso exemplar de abnegação de um jornalista que não tem medo de enfrentar a realidade nem poupa palavras para relatar, simplesmente, a verdade.
Contradições
Um Olhar da Inês – Fotografia de Hélder Gonçalves
“”Antisthène : “É verdadeiramente real fazer o bem e ouvir dizer mal de nós.”
“Cf. Marco Aurélio: “Seja onde for que se possa viver, pode viver-se bem.”
“Aquilo que detém uma obra projectada transforma-se na própria obra”
Aquilo que barra o caminho faz avançar.
Terminado em Fevereiro de 1942.””
Albert Camus
Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Camus assinala que o “Caderno" n.º 3 termina aqui. No início de 1942 tem uma recaída da tuberculose e viaja de Orão, acompanhado da mulher, para o sul de França – Le Panelier, próximo de Saint-Etiénne.)
Na minha terra a sul
Giovani Santarelli
Na minha terra, a sul, nunca havia inundações a não ser de sol. Uma vez caiu neve mas já ninguém se lembra. Quando ameaçava chuva o meu pai, pela manhã, assomava à janela e proclamava “está nuvrado”. Mas, quase sempre, a ameaça não se derramava.
Nos dias de chuva ouvir a água correr nos algerozes era um encantamento e o seu gotejar no parapeito da janela fazia amanhecer a imaginação. Andar ao sol era perigoso mas andar à chuva não me lembro.
A água valia ouro. Os poços eram fundos e abertos a dinamite no sítio onde o vedor “adivinhava” a água. A horta era regada com parcimónia. A água deslizava por gravidade tomando o caminho dos mimos em levadas abertas a golpes de enxada. Os mouros ainda andavam por ali.
A vista das melancias grandes, no fim da época, quando ficavam maduras era sublime. Via nelas o resultado da fecundação da terra pela água e os seus castelos vermelhos eram um sinal de vida.
Na minha terra, a sul, nunca havia inundações a não ser de sol.
quarta-feira, setembro 7
O Sofrimento Humano
Na esquina de um olhar – Fotografia de Hélder Gonçalves
“É necessário pagar e impregnar-se do abjecto sofrimento humano. O sujo, repugnante e viscoso universo da dor.”
“Setembro. (1941)
Organiza-se tudo: É simples e evidente. Mas o sofrimento humano intervém, e altera todos os planos.”
Albert Camus
Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
terça-feira, setembro 6
HARLEM
Educação, nada mal!
Fotografia de Margarida Delgado
No discurso de tomada de posse do governo socialista, segundo o “Jornal de Negócios”, “Sócrates avançou com as suas prioridades para esta legislatura. A aposta na educação, na ciência e na qualificação serão as «prioridades decisivas», já que «a melhor política económica é a política de educação».
Ontem, Nicolau Santos, no “Expresso online”, titula a sua coluna de opinião com a frase: Bons ventos na Educação.
Lembremos, a propósito, que o governo, em funções, resultou do resultado de eleições legislativas realizadas em 20 de Fevereiro de 2005. Considerando o dia do voto passaram 100 dias até ao final de Maio e passam mais 100 até ao próximo dia 8 de Setembro. Mas como o governo tomou posse no dia 12 de Março há que descontar 20 dias.
Assim, no dia de hoje, considerando a data da tomada de posse, o governo Sócrates perfaz 178 dias, ou seja, menos de meio ano.
Convenhamos que, para uma legislatura de mais de 4 anos, é pouco tempo. Balanceando hesitações, iniciativas, omissões, erros e sucessos os resultados, pelo menos na área da educação, são encorajantes.
Nada mau face aos 3 anos de “pânico e pavor” que decorreram desde Março de 2002 a Março de 2005. De vez em quando é saudável exercitar a memória, não é Prof.ª Maria do Carmo Seabra?
Martin Luther King
Fotografia e texto do Portal da História
Por estes dias têm-me assomado à memória diversas figuras da história americana. Não me sai da cabeça este discurso de MARTIN LUTHER KING JR., proferido em Washington, D.C., no dia 28 de Agosto de 1963, após a Marcha para Washington, que pode ser lido, na íntegra, aqui.
"O discurso de Martin Luther King, pronunciado na escadaria do Monumento a Lincoln, em Washington, foi ouvido por mais de 250.000 pessoas de todas as etnias, reunidas na capital dos Estados Unidos da América, após a «Marcha para Washington por Emprego e Liberdade».
A manifestação foi pensada como uma maneira de divulgar de uma forma dramática as condições de vida desesperadas dos negros no Sul dos Estados Unidos, e exigir ao poder federal um maior comprometimento na segurança física dos negros e dos defensores dos direitos civis, sobretudo no Sul.
Realizado num clima muito tenso, a manifestação foi um estrondoso sucesso, e o discurso conhecido sobretudo pela frase permanentemente repetida no meio do discurso «I have a Dream» (Eu tenho um sonho), mas também pela frase que é repetida no fim - «That Liberty Ring» (Que a Liberdade ressoe), que retoma o poema patriótico «América», tornou-se, com o discurso de Lincoln em Gettysburg, um dos mais importantes da oratória americana.
Em 1964 a Lei dos Direitos Civis foi votada e promulgada por Lyndon B. Johnson e em 1965 a Lei sobre o Direito de Votar foi aprovada.
Martin Luther King, Jr. foi escolhido como Prémio Nobel da Paz no ano seguinte, em 1964."
segunda-feira, setembro 5
VENTO
domingo, setembro 4
Passeio Alegre
As Palmeiras do Passeio Alegre, in Dias com árvores
PASSEIO ALEGRE
Chegaram tarde à minha vida
as palmeiras. Em Marraquexe vi uma
que Ulisses teria comparado
a Nausicaa, mas só
no jardim do Passeio Alegre
comecei a amá-las. São altas
como os marinheiros de Homero.
Diante do mar desafiam os ventos
vindos do norte e do sul,
do leste e do oeste,
para as dobrar pela cintura.
Invulneráveis — assim nuas.
Eugénio de Andrade
"Rente ao Dizer" (1992)
Paseo alegre
Llegaron tarde a mi vida
las palmeras. Em Marrakesh vi una
que Ulisses hubiera comparado
a Nausicaa, mas sólo
en el jardín del Paseo Alegre
comencé a amarlas. Son altas
como los marineros de Homero.
Ante el mar desafían a los vientos
venidos del norte y del sur,
del este y del oeste,
para doblegarlas por la cintura.
Invulnerables – así desnudas.
“Próximo al decir”
Amarú Ediciones
Traducción de José Luís Puerto
A CASA (LA CASA)
Fotografia de família. Hoje seria o dia de aniversário de meu pai.
A casa
(Glosa a um verso do poema “A Casa” de Gabriela Mistral)
Meu filho, a mesa já está posta,
Subi a rua toquei na soleira da porta.
Vi-me na janela em que, olhos espantados,
Observei o cair da neve naquela manhã
(ou seria tarde?)
Tornei ao largo da Feira do Carmo.
Vi-me no lugar dos cheiros acres e alados
Caminhei ao longo do cós da infância
(ou seria a liberdade?)
Gastei o tempo da minha vida olhando.
Vi-me, súbito, face a minha mãe:
Meu filho, a mesa já está posta,
(ou seria a saudade?)
Faro, 4 de Setembro de 2004
LA CASA
La mesas, hijo, está tendida,
en blancura quieta de nata,
y en cuatro muros azulea,
dando relumbres, la cerámica.
Ésta es la sal, éste el aceite
y al centro el Pan que casi habla.
Oro más lindo que oro del Pan
no está ni en fruta ni en retama,
y da su olor de espiga y horno
una dicha que nunca sacia.
Lo partimos, hijito, juntos,
con dedos puros y palma blanda,
y tú lo miras asombrado
de tierra negra que da flor blanca.
Baja la mano de comer,
que tu madre también la baja.
Los trigos, hijo, son del aire,
y son del sol y de la azada;
pero este Pan"'cara de Dios"*
no llega a mesas de las casas.
Y si otros niños no lo tienen,
mejor, mi hijo, no lo tocaras,
y no tomarlo mejor sería
con mano y mano avergonzadas.
Hijo, el Hambre, cara de mueca,
en remolino gira las parvas,
y se buscan y no se encuentra
nel pan y el Hambre corcobada.
Para que lo halle, si ahora entra,
el Pan dejemos hasta mañana;
el fuego ardiendo marque la puerta,
que el indio quechua nunca cerraba,
y miremos comer al Hambre,
para dormir con cuerpo y alma.
Gabriela Mistral
Nota
* En Chile, el Pueblo llama al pan "cara de Dios".
sábado, setembro 3
"O que governa um coração?"
Fotografia de Margarida Delgado
“O que governa um coração? O amor? Nada é menos certo. Não se pode saber o que é o sofrimento de amor, não se sabe o que é o amor. Ele é aqui privação, saudade, mãos vazias. Não terei o entusiasmo; resta-me a angústia. Um inferno onde tudo faz supor o paraíso. Apesar de tudo é um inferno. Eu chamo vida e amor ao que me deixa vazio. Partida, obrigação, ruptura, este coração sem luz disperso em mim, o gosto salgado das lágrimas e do amor.”
Albert Camus
Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Na primavera de 1941, em Orão, Camus manifesta em diversos fragmentos a sua infelicidade.)
A IMORTALIDADE É UMA IDEIA SEM FUTURO
Timão
“Renunciar a essa servidão que é o atractivo feminino”
“Privado daquilo que é pecado, o homem não poderia viver; mas viveria perfeitamente privado do que é são.” – A imortalidade é uma ideia sem futuro.
Albert Camus
Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
sexta-feira, setembro 2
E Agora, Senhor Bush?
Fotografia in Público
Bush admite fracasso da resposta à crise humanitária provocada pelo "Katrina"
É um paradoxo que embaraça mesmo o mais radical dos opositores da política do Senhor Bush. Não vale a pena esquecer as vítimas nem o fracasso da resposta da “protecção civil” interna de um país que “protege” povos inteiros das mais variadas “desgraças”.
É um paradoxo dramático observar que a população dos USA, em particular, a mais pobre, não encontra melhor sorte nas desgraças do que a mais pobre população de um país dos mais pobres do planeta. Há diferenças, certamente que as há. Mas fica a ideia de uma administração americana à deriva face às exigências mínimas na resposta a uma catástrofe natural anunciada.
O senhor Bush deve ter acabado, politicamente, por estes dias. Afinal não foi nenhuma intervenção externa que o fez cair. Mas é preciso ter cuidado pois quando as coisas correm mal, na frente interna, os presidentes americanos, acossados, lançam uma confrontação externa. Qual será ela?
O SEU A SEU DONO
“Presidi aos destinos do INATEL durante 7 anos. Devo ser, pois, o cidadão português, vivo, que durante mais tempo exerceu aquelas funções.”
Já está disponível no site do “Semanário Económico” e no IR AO FUNDO E VOLTAR o artigo de opinião sob o título em epígrafe.
Já está disponível no site do “Semanário Económico” e no IR AO FUNDO E VOLTAR o artigo de opinião sob o título em epígrafe.
PEDRO PEDROSA
O Pedro Pedrosa é um velho conhecido meu das lides do processo de modernização do INATEL. Assumiu muitas e variadas responsabilidades de que destaco a coordenação da equipa de projecto que concebeu e executou a “Carta do Lazer das Aldeias Históricas”.
Soube agora que vai finalmente fazer a defesa da Tese de Mestrado no próximo dia 6 de Setembro, terça-feira, pelas 14h30, na Sala de Actos (edifício IV) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT/UNL), situada no Monte da Caparica.
A tese é subordinada ao tema: "Redes Integradas de Percursos Turísticos assistidas por Tecnologias de Localização". Um tema, certamente, muito interessante abordando o papel das modernas tecnologias aplicadas ao desenvolvimento e modernização da actividade turística.
O Júri será constituído por Maria do Rosário Partidário (FCT/UNL), António Câmara (FCT/UNL) e Carlos Costa (Univ. Aveiro).
Boa Sorte!
---------------------------
Sumário da Dissertação
«O trabalho realizado parte da premissa de que existem regiões do território em busca de desenvolvimento económico-social e que este se deve pautar pelos princípios do desenvolvimento sustentável. Algumas das áreas de Portugal enquadráveis nestas condições encontram-se no interior do país, onde projectos como as redes de aldeias iniciaram um caminho nessa via.
Defende-se o fomento de processos de Desenvolvimento Turístico Sustentável e apresentam-se as suas características e formas de implementação. Têm-se em conta tipos oferta e procura, utilizando modelos de turismo alternativo ao turismo de massas, sendo proposto o recurso ao turismo de natureza e à utilização de percursos e suas redes como forma preferencial de organizar e dar a conhecer todo o tipo de recursos turísticos de uma região.
Afirma-se ainda que a utilização de tecnologias de informação e comunicação sem fios traz vantagens para o Desenvolvimento Turístico Sustentável e seu ordenamento e planeamento como parte de um sistema de informação turística de nova geração. Estas tecnologias podem ser utilizadas tanto pelo gestor do território como pelo turista.
Da análise da realidade nacional, observam-se as potencialidades do país para modelos de turismo alternativo, transformando a ameaças de desertificação de áreas de baixa densidade em oportunidades de desenvolvimento turístico, capazes de afirmar Portugal enquanto destino de primeira escolha no mercado turístico mundial.»
NICÓSIA
quinta-feira, setembro 1
LISBOA
Lisboa a P&B - Fotografia de JCNero
In Olhares
A imagem de uma rua de Lisboa. A luz, as marcas do tempo, a calçada, os carris, os remendos, a memória na qual nos reconhecemos.
ARGEL
Argel, vista de terra, antes de 1954
“18 de Março de 41.
Os montes por cima de Argel transbordam de flores na primavera. O aroma a mel das flores derrama-se pelas ruazinhas. Enormes ciprestes negros deixam jorrar dos seus cumes reflexos de glicínias e de espinheiros cujo percurso se mantém dissimulado no interior. Um vento suave, o golfo imenso e plano. Um desejo forte e simples – e o absurdo de abandonar tudo isto.”
Albert Camus
Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(A pensar no Dias com árvores. Camus, no final de 1940, casa com Francine Faure, estudante de uma família abastada de Orão. Este fragmento deixa antever a época que antecedeu a sua partida para Orão onde viverá em casa da família da mulher até aos inícios de 42.)
quarta-feira, agosto 31
MENSAGEM
MENSAGEM - Edição bilingue Português/Espanhol
NOTA PRELIMINAR
O entendimento dos símbolos e dos rituais (simbólicos) exige do intérprete que possua cinco qualidades ou condições, sem as quais os símbolos serão para ele mortos, e ele um morto para eles.
A primeira é a simpatia; não direi a primeira em tempo, mas a primeira conforme vou citando, e cito por graus de simplicidade. Tem o intérprete que sentir simpatia pelo símbolo que se propõe interpretar.
A segunda é a intuição. A simpatia pode auxiliá-la, se ela já existe, porém não criá-la. Por intuição se entende aquela espécie de entendimento com que se sente o que está além do símbolo, sem que se veja.
A terceira é a inteligência. A inteligência analisa, decompõe, reconstrói noutro nível o símbolo; tem, porém, que fazê-lo depois que, no fundo, é tudo o mesmo. Não direi erudição, como poderia no exame dos símbolos, é o de relacionar no alto o que está de acordo com a relação que está embaixo. Não poderá fazer isto se a simpatia não tiver lembrado essa relação, se a intuição a não tiver estabelecido. Então a inteligência, de discursiva que naturalmente é, se tornará analógica, e o símbolo poderá ser interpretado.
A quarta é a compreensão, entendendo por esta palavra o conhecimento de outras matérias, que permitam que o símbolo seja iluminado por várias luzes, relacionado com vários outros símbolos, pois que, no fundo, é tudo o mesmo. Não direi erudição, como poderia ter dito, pois a erudição é uma soma; nem direi cultura, pois a cultura é uma síntese; e a compreensão é uma vida. Assim certos símbolos não podem ser bem entendidos se não houver antes, ou no mesmo tempo, o entendimento de símbolos diferentes.
A quinta é a menos definível. Direi talvez, falando a uns, que é a graça, falando a outros, que é a mão do Superior Incógnito, falando a terceiros, que é o Conhecimento e a Conversação do Santo Anjo da Guarda, entendendo cada uma destas coisas, que são a mesma da maneira como as entendem aqueles que delas usam, falando ou escrevendo.
Fernando Pessoa
………………..
El entendimiento de los símbolos y de los rituales (simbólicos) exige del intérprete que posea cinco cualidades o condiciones, sin las cuales los símbolos serán para él muertos, y él un muerto para ellos.
La primera es la simpatía; no diré la primera en tiempo, pero la primera a medida que voy citando, y cito por grados de simplicidad. Tiene el intérprete que sentir simpatía por el símbolo que se propone interpretar.
La segunda es la intuición. La simpatía puede auxiliarla, si ella ya existiera, pero no crearla. Por intuición se entiende aquella especie de entendimiento con el que se siente o que está más allá del símbolo, sin que se vea.
La tercera es la inteligencia. La inteligencia analisa, descompone, reconstruye en otro nivel el símbolo; tiene, aún, que hacerlo después que, en el fondo, es todo lo mismo. No diré erudicción, como podría en el examen de los símbolos,es la de relacionar en lo alto lo que está de acuerdo con la relación que está debajo. No podrá hacer eso si la simpatía no hubiera recordado esa relación, si la intuición no la hubiera embellecido. Entonces la inteligencia, de discursiva que naturalmente es, se tornará análoga, y el símbolo podrá ser interpretado.
La cuarta es la comprensión, entendiendo por esta palabra el conocimiento de otras materias, que permitan que el símbolo sea iluminado por varias luces, relacionado con varios otros símbolos, pues que, en el fondo, es todo lo mismo. No diré erudicción, como podría haber dicho, pues la erudicción es una suma; ni diré cultura, pues la cultura es una síntesis; y la comprensión es una vida. Así ciertos símbolos no pueden ser bien entendidos si no hubiera antes, o en el mismo tiempo, el entendimiento de símbolos diferentes.
La quinta es la menos definible. Diré tal vez, hablando a unos, que es la gracia, hablando a otros, que es la mano del Superior Incógnito, hablando a terceros, que es el Conocimiento y la Conversación del Santo Ángel de la Guarda, entendiendo cada una de estas cosas, que son la misma manera como las entienden aquellos que de ellas usan, hablando o escribiendo.
MÁRIO SOARES A PRESIDENTE
Fotografia de Om Namah Shivaya
Acabei de ver e ouvir a declaração de candidatura de Mário Soares à Presidência da República. A sua idade física (80 anos) não corresponde à sua idade política. O futuro demonstrará que tenho razão. O mais que certo opositor de Soares, Cavaco Silva, apesar de mais novo em idade (66 anos) é muito mais velho como político. Olhem que sei do que falo. O tempo se encarregará de esclarecer toda a gente acerca deste pequeno detalhe.
Portugal precisa de políticos com coragem nos lugares de topo do Estado. O povo precisa de ser capaz de olhar o céu e sonhar com um futuro melhor. O meu apoio a Mário Soares é um acto de coerência e de fidelidade às minhas ideias socialistas. Sempre votei no PS, desde 1977, e em Mário Soares desde a dramática primeira volta das presidenciais de 1985. É uma decisão simples, aconteça o que acontecer.
terça-feira, agosto 30
Margarida Marques
"Os três absurdos"
Sob protecção divina - Nicósia _ Fotografia de Hélder Gonçalves
“21 de Fevereiro de 1941.
Terminado Sisyphe. Os três Absurdos estão acabados.
Começos de liberdade.”
Albert Camus
Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Camus refere-se à primeira trilogia constituída pelas obras reunidas em torno do conceito do absurdo: o romance “O Estrangeiro”, o ensaio “O Mito de Sísifo” e o drama “Calígula”; ver bibliografia completa de Camus aqui.)
segunda-feira, agosto 29
Não pude e não posso
Fotografia de Margarida Delgado
- Meu corpo, que mais receias ?
- receio quem não escolhi.
Jorge de Sena
corpos
desejados
ansiosos de posse
e de tomada
não pude
e não posso
tocá-los
de uma só vez
de estocada
receio
abandonar a vida
antes de a viver
toda inteira
e pelos dedos
se escaparem
os corpos
antes de tocados
à minha maneira
não terei
nunca os corpos
todos amados ao alcance
de minhas mãos
e não receio
nada a não ser
quem não escolhi
meu corpo,
que mais receias?
In "Ir Pela Sua Mão"
Editora Ausência - Maio 2003
MÁRIO SOARES
domingo, agosto 28
MANOEL DE BARROS
O menino que carregava água na peneira.
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.
Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o voo de um pássaro
botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos
Manoel de Barros
Imagem e poema in there's only 1 alice (vale a pena conhecer)
sábado, agosto 27
Fim do Dia em Lisboa
Fim do dia em Lisboa – Fotografia de José Frade
In Olhares
Descobri a galeria de fotografias do José Frade que só pode ser aquele em quem estou a pensar. Se tenho razão foi ele que me fez o maior número de fotografias que se possa imaginar. Sem nenhuma preparação especial e, apesar disso, algumas delas muito boas.
Esta foi “surripiada” para alguém a quem um dia falei da Lisboa, à beira Tejo, no fim do dia. É divinal.
"O Mito de Sísifo"
“Setembro (1940)
Terminada a 1ª parte Absurdo (*)
O homem que destrói a sua casa, queima os seus campos e os cobre de sal para os não ceder.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(*) Trata-se da primeira parte de “Le Mythe de Sisyphe”. (“O Mito de Sísifo” foi publicado em Outubro de 1942).
sexta-feira, agosto 26
CAMÕES
Vale a pena ler, olhar, ver, sentir Camões no New York on Time
“Há exatamente 410 anos, em 1595, foram publicados os sonetos de Camões, 15 anos depois da morte do poeta. (…)”
Céu
“Nos céus do Monte Branco” – Fotografia de Hélder Gonçalves
Céu
O céu não existe.
Simples distância nua
onde o rumor da terra se reflecte
como o eco dum grito,
deves chamar angústia à lua
e a cada estrela um coração aflito.
Se acaso for o rastro
dalgum cometa errando
no esplendor de tanta solidão,
é o meu desespero,
Lembra-te de tudo o que mais quero
e não lhe chames astro.
Carlos de Oliveira
In “Trabalho Poético” - “Viagem Entre Velhos Papéis”
Círculo de Leitores
Subscrever:
Mensagens (Atom)