segunda-feira, março 1

Faro Cidade desfigurada


Visitei este fim-de-semana uma cidade desfigurada. A minha cidade de Faro.

O processo de destruição é antigo. Mas acelerou nos últimos anos. A cidade foi desfigurada pela mistura de todos os géneros de prédios, fachadas, estilos e materiais. Em compensação podia ter-se desenvolvido uma nova dinâmica, em particular, através da preservação da "baixa alargada". Não foi assim. A cidade está desfigurada. Não se trata de ser contra a construção e sabemos que alguns responsáveis pelo gestão da cidade se preocuparam. Mas o panorama que se pode observar é um desastre. Não é possível aceitar que se não cumpram as regras mínimas nas intervenções urbanas. Parece que passou por ali uma "guerra civil" que feriu a cidade de morte. E a destruição continua. Observei, este fim-de-semana, demolições de prédios tradicionais. As poucas vivendas que resistem são aprisionadas por construções em altura. As casas antigas, com qualidade (outras existem sem interesse arquitectónico) são emparedadas, isoladas, privadas da luz do sol, cercadas pela especulação que abocanha o território sem piedade. As modernas zonas verdes são escassas e descuidadas e os tradicionais quintais desapareceram. O comércio mal sobrevive na paisagem desoladora da "baixa", com pouca animação e quase deserta de gente e de bulício. As grandes superfícies comerciais, criadas nas antigas hortas dos arrabaldes, são um atractivo mas não acrescentaram cidade à cidade. O cais industrial está abandonado à extracção de areias, as obras meritórias, como a Biblioteca Municipal, parecem escondidas e desvalorizadas. As novas obras, em curso, são projectos antigos e sobredimensionados. A eventual "Capital da Cultura", em 2005, pode dar visibilidade à cidade mas não acode aos seus verdadeiros problemas de fundo. O que falta é uma ideia clarividente e mobilizadora para a regeneração da cidade. Creio que muitos ainda acreditam que o progresso não é destruição, horror urbano e pura especulação.

domingo, fevereiro 29

A TV NO SEU MELHOR

Três reportagens magníficas

Vi recentemente três reportagens, de grande qualidade, na SIC, abordando temas delicados e comoventes. É a TV mobilizadoras da nossa vontade de participação cívica.

Desemprego

Uma reportagem mostra imagens da tragédia do desemprego. Mulheres, quase só mulheres, de rosto nobre e comovido, despedindo-se das companheiras de trabalho. Nalguns casos uma vida inteira de trabalho em comum. A despedida de uma vida de esperanças perdidas. Lágrimas e sorrisos, palavras sussurradas e cúmplices, olhares embaciados e amargos de raiva e incerteza. Mas paira no ar, na respiração da reportagem, uma réstia de esperança. As pessoas parecem dispostas a enfrentar as dificuldades da vida.

Doença

Uma outra ousa penetrar, até ao âmago, na tragédia da doença. Na Unidade de Cuidados Paliativos da Instituto de Oncologia do Porto a esperança de encontrar o conforto no fim da vida. Os corredores e os espaços parecem não ter sentido. Os gestos serenos das enfermeiras e os rostos e vozes das doentes, quase só mulheres, apesar de dolorosos, deixam transparecer amargura, mas também lucidez e gratidão. As imagens mostram como a vida pode ser vivida com dignidade até ao fim. Lutar para que os outros vivam, cuidando deles, sem nunca perder a esperança. O voluntariado e as ajudas desinteressadas! A vida no seu melhor, perto do fim ou a meio caminho. Afinal não está a vida sempre perto do fim? Quem sabe?

Jogo

A última reportagem aborda a epopeia da equipa de futebol do Culatrense, Ilha da Culatra, Concelho de Faro, mas com tudo a ver com Olhão. A Ilha tem uma população jovem onde falta quase tudo. Mas a equipa participa no Campeonato Distrital do Algarve. Imagens magníficas da Ria Formosa: os azuis fortes do mar e o voo suave das aves a propósito das viagens de barco na travessia da ilha para a cidade. Metade da equipa treina na ilha e outra metade em Olhão. Juntam-se à 5ª feira. A vontade de participar no jogo sem outro interesse senão a pura participação. Prémios simbólicos no sucesso, tácticas de jogo desenhadas, a marcador, nos azulejos do balneário. A realidade real do país contruída pelos seus cidadãos. O regresso quase perfeito aos primórdios de uma relação pura entre a vida, o trabalho e o jogo. Os homens pisam o chão e lutam por ganhar no velho Estádio Padinha, em Olhão, onde tantas vezes fui, pela mão de meu pai. Como se fora num qualquer estádio do Euro.

As TVs passam, vezes sem conta, notícias repugnantes na busca exclusiva de audiências. Mentiras e indignidades. É a sua vertente mercantil. Mas, outras vezes, recompensam-nos com o melhor da vida e de nós. É a sua vertente humana. E nos revemos nelas.

SOUSA FRANCO

Uma boa escolha do PS.

Em primeiro lugar porque é um cabeça de lista para as eleições europeias que precisa do aparelho mas só no ouvido; em segundo porque é muito selectivo a ouvir e, em terceiro, embora não pareça, é um político a sério…O PS, desta vez, fez as coisas bem feitas: antecipou-se, marcou o terreno, colocou os adversários na defensiva. Dá até a sensação que a coligação PSD/PP foi obrigada a adoptar, à pressa, um slogan perigoso para o PSD: "Força Portugal". Por outro lado não há, no terreno empresarial e social, sinais de retoma económica. Para o perceber basta ouvir os empresários sejam pequenos, médios ou grandes. Na economia, até Junho, nada de essencial vai mudar.

sexta-feira, fevereiro 27

UM PRESIDENTE EUROPEISTA


O Presidente da República, Jorge Sampaio, na parte final de um discurso de hoje, crítica directamente aqueles que menosprezam a Europa em favor da "Aliança Atlântica". O interesse desta alusão está no facto de ser explícita e… vinda de quem vem...

"E é forte a convicção de que seria um desastroso erro de estratégia, de incalculáveis consequências negativas, conceber que o futuro de Portugal possa ter lugar à margem do processo de integração europeia.
Aos que nisso acreditem - num salutar direito de opinião - responderei apenas que se esquecem que vivemos num mundo globalizado em que, só pertencendo a um espaço integrado, se conseguirá assegurar a defesa eficaz dos nossos interesses nacionais, no plano político, no campo económico, no domínio cultural. É, pois, pela Europa, e não contra a Europa, que nos devemos bater, pela defesa intransigente do acervo de valores e princípios que até agora têm modelado o seu rosto, nomeadamente, pela preservação da igualdade, pelo reforço da solidariedade e pela manutenção da coesão entre todos os seus Membros.
Aos que à integração europeia e ao alargamento atribuem o ónus das nossas presentes dificuldades económicas, lembrarei que aumentar a produtividade, investir numa economia competitiva, num sistema produtivo moderno, inovador, tecnologicamente avançado, capaz de produzir bens e serviços de qualidade nos mercados internacionais é responsabilidade que cabe, em primeira mão, aos empresários, aos trabalhadores, ao Governo e aos poderes locais e que, nestes domínios, a União Europeia desempenha afinal um papel decisivo ao criar um quadro de regulação necessário a um desenvolvimento sustentado e equitativo.
E aos que imaginam que a alternativa à Europa está no Atlântico, lembrarei também que muita da nossa capacidade de intervenção nos espaços tradicionais da acção externa portuguesa dependerá do lugar útil que conseguirmos assegurar no seio da União Europeia, como parceiro activo e empenhado.
Pela minha parte, não tenho quaisquer dúvidas de que para Portugal a aposta certa é a Europa e que, para Portugal, a participação no processo político de integração europeia é uma questão de identidade."

Uma estranha notícia

"ESPAÇO
Lançamento de Rosetta adiado novamente"

A cultura portuguesa vê assim adiada mais uma oportunidade da ganhar visibilidade...

TC avalia Sector Empresarial do Estado

Durão Barroso já criou 39 novas empresas públicas


Será verdade, será mentira? Vem no SEMANÁRIO ECONÓMICO

quarta-feira, fevereiro 25

DR. CORDEIRO - I



"Prescreveram poucos genéricos

Medicamentos: farmácias culpam médicos pelo aumento da despesa dos utentes

O presidente da Associação Nacional das Farmácias responsabilizou hoje os médicos pelo aumento de 85 mil euros da despesa dos utentes com medicamentos em 2003, alegando que a prescrição de genéricos ainda é insuficiente. " Público
Bem me queria parecer que a despesa com medicamentos a cargo dos consumidores ia aumentar! O Dr. Cordeiro acusa os médicos! O Dr. Cordeiro faz a gestão dos dinheiros! Dr. Cordeiro a Ministro da Saúde, Já!

DR. CORDEIRO - II

"Gastos com medicamentos


Nova política prejudica os utentes Os portugueses estão a gastar mais em medicamentos. As despesas com os fármacos abrangidos pela nova forma de comparticipação aumentaram 85 mil euros em 2003. A conclusão é da Associação Nacional de Farmácias (ANF) que, esta quarta-feira, faz o balanço da política do medicamento". SIC
Um ângulo diferente de abordagem da mesma questão. O Dr. Cordeiro prepara-se para assumir a defesa de uma política social para o medicamento. Afinal a nova política do medicamente prejudica os cidadãos. O Dr. Cordeiro prepara qualquer coisa...

DR. CORDEIRO - III


"Preço dos medicamentos para os mais pobres pode subir em 2005

O presidente da Associação Nacional das Farmácias (ANF) alertou hoje para o risco de aumento do preço dos medicamentos para os doentes mais pobres no próximo ano, se o Governo não garantir a manutenção do acréscimo na comparticipação dos genéricos.

João Cordeiro defende a política do medicamento desenvolvida pelo Ministério da Saúde, mas alerta que há um risco de acréscimo de preço para os medicamentos dos doentes mais pobres porque a taxa de majoração na comparticipação do Estado para os medicamentos com genéricos equivalentes no mercado só está em vigor até ao final deste ano" PÚBLICO/lLUSA

Está devendado o mistério. O Dr. Cordeiro quer mais dinheiro. Verseja e com razão...

EM DEFESA DO OPEN DE PARAPENTE DE LINHARES

O Open de Parapente de Linhares da Beira foi abordado no FORUM VOO LIVRE e numa entrada no absorto, de autoria de Pedro Pedrosa, dando notícia que os parapentistas teriam de começar a pagar por cada aterragem que fizessem em Linhares da Beira. A ironia da questão está em que o terreno em causa só se valorizou pela existência do próprio parapente em Linhares e pelo afluxo de parapentistas e de visitantes-espectadores interessados. Na suposição de que a questão não se tenha resolvido convém esclarecer o seu enquadramento mais geral tomando a defesa daquela actividade por tudo o que ela representa de positivo.
A região da Beira Interior é uma das menos desenvolvidas de Portugal. O programa "Aldeias Históricas de Portugal" foi concebido, no início dos anos 90, para contrariar esse subdesenvolvimento.
Linhares da Beira, no Concelho da Celorico da Beira, é uma das Aldeias Históricas abrangidas pelo projecto. As intervenções físicas destinadas a reconstruir 10 Aldeias Históricas, da Região da Beira Interior, foram apoiadas por um programa designado PPDR, que já acabou, tendo permitido realizar uma obra notável.
O financiamento comunitário e nacional vertido neste projecto foi dinheiro bem aplicado mas a intervenção não está concluída. Nalgumas aldeias faltam obras, em quase todas faltam programas de animação que atraiam os visitantes e, certamente, faltam actividades económicas viáveis e criação de emprego. Não é pois um projecto concluído e todas as entidades, com responsabilidade, nele envolvidas, têm consciência desse facto.
O Open de Parapente de Linhares da Beira foi uma das mais antigas e emblemáticas actividades concebidas como âncora da animação para o desenvolvimento daquela região, constituindo um factor de atracção de visitantes, com a vantagem de ser uma actividade não poluente, amigável para as populações locais e dinamizadora da economia local, em suma, uma actividade estruturante de um modelo de desenvolvimento sustentável.
O mesmo se pode dizer da "CARTA DA LAZER DAS ALDEIAS HISTÓRICAS" e da "GRANDE ROTA DAS ALDEIAS HISTÓRICAS", actividades inovadoras na região que deram origem a actividades e publicações notáveis que só encontram rival em países, com grande tradição nestas actividades, como a França.
Quer o "Open", numa primeira geração, quer a "Grande Rota", mais recentemente, são actividades que apresentam uma relação custo/benefício altamente vantajosa para o desenvolvimento local e regional.

Desde o início dos anos 90, até 2003, o INATEL tomou a iniciativa de promover estas actividades, em parceria com as autarquias, com o apoio de técnicos entusiastas e competentes.
As dificuldades conjunturais, originadas pelos pequenos interesses locais, não podem servir de pretexto para lhes por fim. Estas actividades são verdadeiros e genuínos exemplos de promoção do desenvolvimento local e regional. O tal desenvolvimento sustentável de que tanto se fala e tão pouco se pratica.

terça-feira, fevereiro 24

CESÁRIO VERDE


Num dia, por tradição, sempre festejado e, nos nossos dias, tão triste, lembrei-me deste extraordinário poema de Cesário Verde que aqui vos deixo.

Contrariedades


Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.


Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.


Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.


Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve conta à botica!
Mal ganha para sopas...


O obstáculo estimula, torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.


Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais uma redacção, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.


A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A Imprensa
Vale um desdém solene.


Com raras excepções, merece-me o epigrama.
Deu meia-noite; e a paz pela calçada abaixo,
Um sol-e-dó. Chovisca. O populacho
Diverte-se na lama.


Eu nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas sim, por deferência, a amigos ou a artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.


Receiam que o assinante ingénuo os abandone,
Se forem publicar tais coisas, tais autores.
Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone.


Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,
Obtém dinheiro, arranja a sua "coterie";
Ea mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.


A adulação repugna aos sentimento finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos,
E apuro-me em lançar originais e exactos,
Os meus alexandrinos...


E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso!
Ignora que a asfixia a combustão das brasas,
Não foge do estendal que lhe humedece as casas,
E fina-se ao desprezo!


Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova.
Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente,
Oiço-a cantarolar uma canção plangente
Duma opereta nova!


Perfeitamente. Vou findar sem azedume.
Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas,
Impressas em volume?


Nas letras eu conheço um campo de manobras;
Emprega-se a "réclame", a intriga, o anúncio, a "blague",
E esta poesia pede um editor que pague
Todas as minhas obras...


E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?
Vejo-lhe a luz no quarto. Inda trabalha. É feia...
Que mundo! Coitadinha!










Cada vez menos e mais velhos


"Portugal Terá Menos Um Milhão de Pessoas em 2050

A população portuguesa terá menos cerca de um milhão de pessoas em 2050 e estará ainda mais envelhecida, havendo perto de 2,5 idosos por cada jovem, segundo estimativas constantes de um relatório do Conselho da Europa."
A notícia de ontem reforça e agrava todas as expectativas acerca da evolução demográfica. O PÚBLICO põe em relevo as projecções acerca da população portuguesa. São os dados de um relatório do Conselho da Europa. Este Relatório reforça a minha ideia de que deveria ser criada uma estrutura, de âmbito nacional, sob patrocínio do Senhor Presidente da República, para acompanhar, estudar e apontar estratégias que permitam fazer face às catastróficas perspectivas de evolução da demografia em Portugal.

segunda-feira, fevereiro 23

Efeitos devastadores do envelhecimento

"Ministro fecha 2194 escolas

Até 2007 o Ministério da Educação vai fechar 2194 escolas primárias que estão a funcionar com menos de 11 alunos. Neste ano lectivo, 68 escolas têm apenas um estudante. "

Eis uma notícia abordada pelo EXPRESSO que mais não é que uma consequência devastadora do envelhecimento demográfico. Os jovens são uma raridade em muitas regiões do país. As escolas passam a ser peças de museu. Esta é uma questão estratégica para o futuro de Portugal e dos países do ocidente. Podem e devem discutir-se as razões, a metodologia e as consequências deste tipo de medidas. Mas o envelhecimento demográfico é uma questão abordada sistemáticamente pelas suas consequências e não pela sua raíz. Merecia uma abordagem ao mais alto nível. Um assunto para o Presidente da República?

IMIGRAÇÃO - entrevista


"Esta Política de Imigração É Abaixo de Zero Porque Não Vai Legalizar Praticamente Nenhum dos Imigrantes"

Esta é a manchete da PÚBLICA, de 22 de Fevereiro, que dá a conhecer a opinião de Inácio Mota da Silva acerca do tema e da política de imigração do governo português.


domingo, fevereiro 22

DOIS MESES DE ABSORTO - UMA EXPERIÊNCIA PARA CONTINUAR

No passado dia 19 passaram dois meses desde a criação do ABSORTO. Esta é uma experiência que não se dirige à blogosfera e seus fazedores mas fundamentalmente aqueles que estão de fora dela. Ainda não saimos da fase experimental que ainda vai durar mais algum tempo. Como acontece sempre neste tipo de projecto individual, pois o ABSORTO é uma inicitiva da única responsabilidade do seu editor, surgem problemas que carecem de tempo para serem superados. Não falo de problemas de concepção, ou de falta de ideias para partilhar com quem nos procura, mas de problemas técnicos. O ABSORTO tem um programa e vai continuar a desenvolver esse programa. Sabemos das dificuldades próprias deste instrumento de comunicação. Cometemos erros e estamos atentos à sua correcção. Vamos continuar. Com melhorias e algumas novidades. Hoje, fora do nosso lugar habitual de trabalho, sem o programa que nos ajuda a "postar" com mais eficácia, aqui junto à ponta mais ocidental da Europa, uma saudação para todas e todos que nos têm ajudado, das mais diversas formas, e nos visitam com assiduidade.
Com um abraço do EG

sábado, fevereiro 21

AQUI PORTUGAL


Aqui Portugal
Bicesse
O Fim-do-mundo mais perto de
Lisboa e da boa flôrdelis
e
Entre a Serra da Lua (Sintra)
As grutas e necrópoles daqueles
Que nascidos em Creta
Passaram em Homero
Em Cristo
E a vista de Roma
Saíram do Mediterrâneo
E aqui ficaram e passaram
Trazendo consigo para toda a parte
A civilização da Liberdade individual
Do Homem

Almada Negreiros

sexta-feira, fevereiro 20

Cadernos de Camus - 9



Esta é a última parte dos meus sublinhados da leitura de juventude dos Cadernos de Camus. Esta leitura foi iniciada, certamente, antes de Abril de 1968, tinha eu a idade de 20 anos.

Os sublinhados que se apresentaram, com pequenas alterações de pormenor e raras supressões, foram assinalados nos livros, de forma "assassina", a esferográfica. Os livros, no entanto, sobreviveram e, recentemente, foram restaurados e encadernados a capa dura. Estão em condições de serem legados ao meu filho pois tenho a ambição de que um dia os venha a ler.

Com esta nona parte, segundo a minha nemeração, chega ao fim a estimulante tarefa que me foi suscitada pela ideia do José Pacheco Pereira. Mas devo confessar que um projecto semelhante a este, antes do surgimento dos Blogs, já me tinha, por diversas vezes, assaltado a imaginação. Esta minha participação suscitou, para minha surpresa, uma mal disfarçada "azia" em algumas pessoas que devem viver ainda no tempo da "noite fascista" e persistem em separar os campos políticos e ideológicos com base em preconceitos e mal ultrapassadas relações com os respectivos pais. Há gente adulta e com responsabilidades na vida pública pública portuguesa que ainda não saíu das "cavernas" e suspeito que delas não sairá jamais. Paz à sua alma!

Esta é uma daquelas tarefa que me deu prazer autêntico, quer pelo facto de poder partilhar uma leitura de toda a vida, quer por me ter sentido, não raras vezes, surpreendido pela actualidade das referências contidas nos excertos que reli. Continuo a sentir hoje a mesma adesão de fundo à filosofia de vida e de sociedade que, no essencial, Camus defende e que, de forma peculiar, foi explicitada nos Cadernos.

Além do mais devo confessar que este é, desde a minha juventude, um "livro de cabeceira" que, naturalmente, não li todos os dias mas que sempre esteve presente na minha vida mesmo quando os impulsos de uma desinteressada militância cívica e política exigiram, e continuam a exigir, a tomada de opções difíceis ou mesmo dolorosas.

Não sei ao certo qual o caminho que este projecto tomará mas, a partir de um dado momento, as participações numa empresa séria desta natureza carecem de ser enquadradas por uma metodologia e por objectivos precisos sem os quais cada um de nós se sentirá decerto constrangido. Estou disponível para aprofundar a minha participação.

Eis os meus últimos sublinhados do caderno nº 6 nos quais se inclui aquele que sempre me tem acompanhado e que constitui, para mim, um lema de vida: "os deveres da amizade ajudam a suportar os prazeres da sociedade":

"Não se deve julgar um homem nem pelo que diz, nem pelo que escreve, segundo Beyle. Eu acrescento: nem pelo que faz."
(Camus deve referir-se a Marie Henri Beyle, ou seja, STANDHAL)

"Começa-se por não amar ninguém. Depois amam-se todos os homens em geral. A seguir apenas alguns, depois uma única e depois o único."

""Alexandre Block.
...
Só uma compaixão total pode produzir uma mudança. Reajo assim porque a minha consciência não está tranquila.""
(Escrevi dois pontos de interrogação)

"É pela recusa de uma parte deste mundo que este mundo é habitável? Contra o amor fati. O homem é o único animal que recusa ser o que é."

"Os deveres da amizade ajudam a suportar os prazeres da sociedade".

"Num mundo que já não crê no pecado, é o artista que está encarregado da pregação. Mas se as palavras do padre produziam efeito era porque o exemplo as alimentava. O artista esforça-se por se tornar num exemplo. Eis porque o fuzilam ou o deportam, com grande escândalo seu. E depois a virtude não se aprende tão depressa como o manejo da metralhadora. O combate é desigual."

"Enquanto o homem não domina o desejo, nada dominou. E não o domina quase nunca."

"Ensaio. Introdução. Porquê recusar a delação, a polícia, etc. .. se não somos nem cristãos nem marxistas. Não temos valores para isso. Enquanto não tivermos encontrado fundamento para esses valores, estamos condenados a escolher o bem (quando o escolhemos) de maneira injustificável. A virtude será sempre ilegítima até esse momento."

""A revolução de 1905 principiou pela greve de uma tipografia moscovita cujos operários pediam que os pontos e as vírgulas fossem contados como caracteres na avaliação "por peça".
O Soviete de Saint-Peterburgo em 1905 apela para a greve aos gritos de abaixo a pena de morte.""

""Durante a Comuna de Moscovo, na Praça Trubnaia, perante um edifício destruído pelos canhões, um prato contendo um pedaço de carne humana é exposto com um cartaz com a seguinte inscrição: "dai o vosso óbolo para as vítimas.""

Extractos, in "Cadernos" (1964-Editions Gallimard), tradução de António Ramos Rosa, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº6 (Abril de 1948/ Março de 1951).








quinta-feira, fevereiro 19

Europa - jogos perigosos


A cimeira dos Grandes


Sejamos claros e realistas: a UE só existirá enquanto houver um entendimento entre os chamados grandes. Basta conhecer um pouco da história da Europa. O alargamento da UE (mais 10+2 países) não muda nada esta questão crucial. Só dá mais peso aos grandes, entre outras razões, porque "puxa para leste" o centro geográfico da UE. A Alemanha, "potência continental", por excelência, alarga a sua área de influência; a Inglaterra "potência marítima, por excelência", vê estreitar-se a sua capacidade de influência na Europa e procura minorar o desgaste de uma "parceria aventureira" com a Administração conservadora dos EUA e a França não tem outra saída, para alimentar o velho sonho da Grande Europa, senão ceder à Alemanha salvaguardando a aliança central que dá sentido estratégico à UE.

Se a Alemanha+França (+Inglaterra) são forem aliados, no essencial, não há garantia de paz na Europa. Fica aberta a porta ao regresso das tendências belicistas que estiveram na origem das duas terríveis guerras mundiais do Séc. XX.

Se a Alemanha+França (+Inglaterra) não estiverem de acordo acerca do modelo de desenvolvimento da UE não haverá condições para o progresso económico, social, científico e tecnológico da Europa e será aberta a porta da sua decadência inexorável.

Os governos que subscreveram a recente Declaração dos 6, valha a verdade, contam pouco para a definição do essencial do futuro da EU e da Europa: guerra ou paz, progresso ou decadência, independência ou subserviência face aos desígnios estratégicos dos EUA?

O problema é que os conservadores que governam, no presente, os países do sul da Europa escolheram o caminho da subserviência face aos EUA e dão-se mal com os temas da chamada "Agenda de Lisboa" que, paradoxalmente, ou talvez não, os "Grandes" citam sem qualquer constrangimento. Interessante!

Os "grandes" que são acusados, aberta ou veladamente, de prosseguirem objectivos detestáveis e egoístas, assumem a "Agenda de Lisboa", ou seja, a componente social do desenvolvimento da Europa como noticia hoje o Público:

"Schroeder, Chirac e Blair Relançam "Agenda de Lisboa" para as Reformas Económicas e Sociais

Oficialmente, a reunião na capital alemã visou sobretudo delinear uma estratégia comum contra os problemas económicos e sociais que afectam a Europa, dando um novo impulso aos objectivos estabelecidos pela "Agenda de Lisboa" , de alcançar , até 2010, o pleno emprego e que a economia comunitária se torne na mais dinâmica e competitiva a nível mundial . É esta estratégia que se explana numa carta de seis páginas dirigida à presidência irlandesa da União Europeia, ao presidente da Comissão Romano Prodi e aos restantes chefes de Estado e de Governo.

Para alcançar as ambiciosas metas de Lisboa é necessário, de acordo com o chanceler alemão, que se dê maior ênfase às políticas de investigação e desenvolvimento. O investimento europeu neste domínio ainda está distante do objectivo dos 3 por cento do PIB europeu, o que é insuficiente "para permitir as empresas europeias estar na vanguarda tecnológica". Por seu turno, o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, defendeu a necessidade de reformar os sistemas de protecção social na UE "para que sejam sustentáveis a prazo", uma maior qualificação dos trabalhadores e uma "melhoria da competitividade das nossas empresas".

Ao iniciar a sua intervenção o presidente francês Jacques Chirac considerou ser "normal que os países que representam mais de 50 por cento do PIB da UE" se reunam para discutir em conjunto preocupações comuns". Efectivamente, os problemas domésticos com que se confrontam o Reino Unido, a Alemanha e a França são semelhantes e em todos está em curso um processo de reformas estruturais. Como analisava a edição de ontem do o "Financial Times" os líderes de Berlim , Londres e Paris partilham o objectivo de "inflectir a política europeia de acordo com as respectivas prioridades e num sentido que lhes permita marcar pontos em casa".

Questões mais "interessantes" em privado - Já sem jornalistas os líderes passaram as analisar os dossiers que mais interessavam a estes últimos: os "nomeáveis" para presidente da Comissão, o Iraque, o Afeganistão, o Médio Oriente, assim como novas relações euro-americanas e as perspectivas de adesão da Turquia.

A cimeira de ontem foi vista pelos comentadores como um sinal de que algo está a mudar na Europa e que a política de alianças está a ser reformulada. A edição de ontem do diário "Le Monde" citava Bernard Nivet, do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas em Paris, que frisava que a carta dos seis "demonstra uma degradação do clima de confiança entre os membros do Conselho europeu". Este mal-estar pode traduzir-se na passagem do casal franco-alemão a uma relação de "poligamia" germano-franco-britânica , a qual se juntará possivelmente mais tarde , isto segundo a diplomacia alemã, a Polónia."



Acácio Barreiros


Adeus

Não fui às cerimónias fúnebres. Mas hoje vesti-me a preceito. É como se tivesse ido. Ele não me exigiria mais. Nunca privei com ele. Mas eram-mos velhos conhecidos. Fez com a sua participação cívica, tantas vezes, vibrar muitos de nós. Nunca concordei com a UDP. Mas com ele concordei muitas vezes. É a diferença entre uma causa e a representação de uma causa.

É a questão do protagonismo. Ele foi um protagonista. No país, para surpresa dos "10 grandes educadores da opinião pública", há milhares de protagonistas. Sempre houve. Gente com qualidade. Pouco conhecida e, a mor das vezes, não reconhecida.

O Acácio Barreiros foi um dos que, no seu tempo, se destacou. Ele representou, durante uns bons anos, muita dessa gente, a maioria da minoria. Por fim optou por uma carreira política. A sua voz quase desapareceu. Respeito a sua opção. O Acácio Barreiros fica para sempre na minha (nossa) memória.

quarta-feira, fevereiro 18

José Gomes Ferreira


"Viver sempre também cansa"
Descobri pelos meus apontamentos nos Cadernos de Camus a leitura entusiástica que, pelos meus 19/20 anos, fiz da poesia de José Gomes Ferreira. Aqui está a explicação, dada pelo próprio poeta, das circunstâncias em que surgiu o poema "Viver sempre também cansa" e de como, nesse momento, se afirmou a própria identidade do poeta. Esta é uma época muito marcada pela resistência comunista ao Estado Novo quando a ditadura vivia a sua primeira fase ainda antes da Constituição de 1933. A qualidade deste poeta e do seu trabalho ultrapassa, no entanto, as circunstâncias históricas da época em que iniciou a sua criação poética. Vale a pena revisitar este poeta e a sua poesia.

"Na noite de 8 de Maio de 1931, num segundo andar da Rua Marquês de Fronteira, encontrei, finalmente, a expressão autêntica do poeta autêntico, há tanto procurada. À terceira tentativa, para uma série de poesias que eu intitulava Poemas de Reincidência, escrevi dum jacto e quase sem emendas o poema 'Viver sempre também cansa'. Mostrei-o ao Carlos Queiroz, então meu amigo de todos os dias, que, sem me consultar (e se consultasse daria logo o meu consentimento, claro), o enviou a João Gaspar Simões. Pouco depois aparecia na Presença. E assim entrei no âmbito da chamada Poesia Modernista. A propósito, devo dizer que nunca fiz parte do grupo presencista. Como nunca pertenci a qualquer grupo saudosista . Ou à Seara Nova. voltemos à noite de 8 de Maio de 1931 e à poesia de 'Viver sempre também cansa', onde já havia - coisa insólita na época! - uma referência a Mussolini...Desde então senti que surgia em mim a expressão do poeta verdadeiro. E para marcar bem, para separar bem o novo do antigo poeta, acrescentei sub-repticiamente ao Gomes Ferreira, com que assinara os 'Lírios do Monte' e as duas edições de 'Longe', o meu nome próprio: José! Passei a bagatela, reputo eu de valor psicológico importantíssimo. E, assim, num novelo terrível de ganhar a vida com artigos diversos, crónicas anedóticas, contos e contecos, anúncios das cintas Pompadour, publicidade, traduções de fitas, etc., iniciei a minha carreira de poeta, a que mais tarde chamei de poeta militante."