domingo, maio 16

Equilíbrios

Vamos fazer um mini balanço, a meus olhos e sentimentos, da época futebolística que acaba de terminar, salvo o Euro que aí vem. O Farense desceu para a III Divisão, lembro-me muito bem de outras épocas em que tal aconteceu. Fiquei triste, mas outros tempos virão. O Olhanense, eterno rival do Farense, subiu para a II Liga de Honra. Um caminhou para baixo o outro caminhou em sentido contrário.

O Benfica acaba de ganhar a Taça, após 8 anos sem ganhar qualquer título, dividindo os títulos nacionais mais importantes com o FCP. Era desnecessário Mourinho ter feito declarações injustas e deselegantes na hora de derrota. O seu mau perder vai dar-lhe muitos desgostos em Inglaterra. Além do mais o FCP pode ganhar, espero que ganhe, o mais importante troféu das competições de clubes na Europa - a Taça dos Campeões.

Em tudo há um equilíbrio. Uns ganham e outros perdem. Uns descem e outros sobem. No desporto como na vida não se pode ganhar sempre, nem sempre se perde.

Vistas de Rua (2)

A minha rua é a Prof. Simões Raposo, fundador do IPO (Instituto Português de Oncologia), em Telheiras. Poucos sabem quem é? O esquecimento é mais habitual do que devia.

Na minha rua faltava construir um lote. Estaleiro à porta. Para durar. A coisa é grande. Uns poucos anos atrás ainda passeávamos nesta antiga quinta a ver as vacas pastar. Agora os camiões alinham-se em fila e retiram os entulhos do fundo do buraco que se afunda. O verde do prado sumiu. É o progresso.

A minha rua vai deixar de ter paisagem. Só vultos revolvendo-se no interior dos apartamentos - à frente, ao lado, por todos os lados. A minha rua está cheia de carros, ora parados, ora em movimento.

É preciso ter cuidado para não ser atropelado. É assim a minha rua dez anos passados. A minha rua é um estaleiro. E a obra só agora começou. Não me queixo. Observo.

Fragmentos de Leituras

"Para que serve a utopia
..., mas já depois veio a lume, ainda que imprecisa e cheia de dificuldades, uma filosofia pluralista: hostil à massificação, voltada para a diferença, em suma fourierista; a utopia (sempre mantida) consiste então em imaginar uma sociedade infinitamente parcelada, cuja divisão já não seria social e que, portanto, deixaria de ser conflitual."

"Roland Barthes por Roland Barthes" - 10
(Fragmento 3 de 3, pag. 5)

Edição portuguesa: "Edições 70"

sexta-feira, maio 14

C.V. s (1)

Este é o texto de apresentação de um blog brasileiro. É o primeiro de uma série. Quem quiser que os procure. Não respondo pela sua idoneidade ideológica, nem me interessa.

GAROTA CAFEÍNA é uma moça de fino trato; made in the 80´s; blogueira incompetente; amiga dedicada; solteira-enrolada; ariana atípica; ruiva tingida; pseudo-intelectual; tímida-sociável; corintiana medíocre; roqueira enrustida; chocólatra convicta; ouvinte paciente; baladeira esporádica; internacionalista por formação; estudante indisciplinada; workholic assumida; são-bernardense orgulhosa; nada metódica; bastante impulsiva; tolerante ao extremo; pouco tradicionalista; quase racionalista; sempre perfumada; viciada em cafeína; louca por jogos de tabuleiro; frustrada por não ter um piercing na língua; nunca plantou uma árvore(só pezinhos de feijão); não é muito de contestar; não tem a menor pretensão de mudar o mundo, só seguir seu próprio caminho.
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TAP/95 - UMA PEÇA NOTÁVEL

Se fosse preciso reinventar a corrente artística que ficou conhecida como "teatro do absurdo" esta notícia podia servir como fonte de inspiração. Conclusão da notícia: na TAP, em 1995, houve corrupção, corruptores e corrompidos. Mas, está bem de ver, não houve corrupção, corruptores e corrompidos!

Mas faltam detalhes à notícia. Situá-la no tempo político! Caracterizar as personagens e as suas relações! Esta peça está muito mal contada. Surge no dia em que Santana Lopes é apresentado como desistente do "sonho presidencial". Terá esta peça algo a ver com as próximas eleições presidenciais?

quinta-feira, maio 13

Previsões pessimistas

A OCDE prevê que Portugal apresente, em 2004, a mais baixa taxa de crescimento dos países da OCDE. O déficit público poderá atingir os 3,8%, cerca de 1% acima da previsão do governo português.

A previsão de crescimento económico, para Portugal, em 2004, é revista de 1,5% para 0,8%, abaixo dos países que apresentam as mais baixas taxas de crescimento (Países Baixos e Itália, com 0,9%). A taxa de desemprego crescerá de 6,4, em 2003, para 6,6 este ano. A inflação descerá de 3,3% para 2%.

A OCDE recomenda o lançamento de "outras reformas", em particular, do regime de aposentações e recomenda uma política de moderação salarial. Salvo a evolução da inflação, como factor positivo, não são nada encorajadoras estas previsões da OCDE. A retoma é condicionada fortemente pela evolução da economia europeia. A retoma em Portugal depende da procura externa (exportações) já que a procura interna ficou fortemente abalada pelo enfraquecimento da confiança dos agentes económicos e, em geral, dos consumidores portugueses.

A este quadro devem acrescentar-se os sinais, dos últimos dias, da evolução do preço do petróleo (em alta) e de instabilidade política resultante do conflito no Iraque e, em geral, no Médio Oriente.

Hoje é 13 de Maio, dia do milagre de Fátima. Oremos para que não venham dias ainda piores.

Opiniões de Leitores

Caro Eduardo Graça:
O senhor espicaça-nos a curiosidade com um poema que Xanana Gusmão escreveu, a seu pedido na prisão sobre o 25 de Abril e depois não o publica?
Faço-lhe o desafio e peço-lhe que o publique.
Cumprimentos
JR

Um dia destes publico o poema que Xanana Gusmão escreveu, em 1999, para o projecto "A poesia está na Rua", uma parceria entre o INATEL e a Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto que se deveu à iniciativa e entusiasmo da Manuela Espírito Santo. É uma questão de o encontrar que está desencaminhado do dossier respectivo. Mas publico um outro, para o mesmo projecto, de Eugénio de Andrade:

APENAS ISSO

Dai-me ainda outro verão,
um verão do sul, redondo
lento maduro; um verão
de rolas frementes de cio,
de porosa alegria, de luz varrida
pela cal; dai-me
mais um verão rente à sombra
do pátio onde um rumor
cativo do poço sobe aos ramos;
um verão
limpo como o céu da boca;
mais dentro, mais fundo.

Ou por fim o silêncio.
Caindo a prumo.

Foz do Douro, 8/1/99

quarta-feira, maio 12

Vistas de Rua

Hoje as ruas de Lisboa estavam quase desertas de autocarros. Trabalhadores da Carris em greve. Viam-se poucos "alternativos". Na rua das Janelas Verdes, pela manhã, um carro "artilhado" da Brigada de Trânsito estaciona, bem à vista de todos, em cima do passeio e da passadeira de peões mesmo defronte do portão da sede da brigada.

Pelo início da tarde na Estação de "Santa Apolónia" o táxi que tomei arranca da paragem respectiva e é obrigado, para aceder à via principal, a fazer uma estranha manobra por cima de um passeio, atendendo a umas obras não sinalizadas.

O taxista diz-me que quando é obrigado a passar junto dos buracos do "Túnel do Marquez", se transporta turistas, lhes diz que se trata de uma importante descoberta arqueológica. O resultado é bom e prestigiante para a cidade de Lisboa


Fragmentos de Leituras

"A borboleteante

É espantoso o poder de diversão dum homem que se sente aborrecido, intimidado ou atrapalhado pelo seu trabalho: ao trabalhar no campo (em quê? A reler-se, ai de mim!), eis a lista de diversões que suscito de cinco em cinco minutos: vaporizar uma mosca, cortar as unhas, comer uma ameixa, ir mijar, verificar se a água da torneira continua a sair barrenta (hoje faltou a água), ir à farmácia, ir ao jardim para ver quantos abrunhos amadureceram já na árvore, ver o telejornal, confeccionar um dispositivo para segurar as minhas papeladas, etc. Deambulo. (A deambulação relaciona-se com essa paixão a que Fourier chamava a Variante, a Alternante, a Borboleteante.)"

"Roland Barthes por Roland Barthes" - 9
(Fragmento 2 de 3, pag. 5)

Edição portuguesa: "Edições 70"

Fuga para o centro

O Primeiro Ministro diz que não é de direita nem nunca foi. Supõe-se que também não é de esquerda. Estes casos costumam ser resolvidos com o recurso ao "centro".

Mas, na verdade, o centro não existe. Costuma dar-se o exemplo de Freitas do Amaral que seria um bom candidato a Presidente da República caso não fosse do centro. Rigorosamente do centro. Ninguém votaria nele. O centro é uma terra de ninguém.

O primeiro ministro precisa de dar entrevistas. Dizer coisas. Os seus estrategos dizem-lhe que precisa de aparecer. Não se pode apagar. O país precisa de estímulo. De confiança. Afinal a direita, em Portugal, não tem primeiro ministro que a represente. A direita que manda no Governo tem um nome:PP.

O Primeiro Ministro encetou uma fuga. Trata-se de uma fuga para o centro...que não existe...é o vazio...lê-se nos seus olhos...estão a ver onde isto vai levar...

terça-feira, maio 11

Imigração, Desemprego e Envelhecimento Activo

O artigo com o título em epígrafe pode ser lido aqui, clice em Semanário Económico

XANANA GUSMÃO

Ana Sousa Dias entrevistou Xanana Gusmão . Um Chefe de Estado que enverga as vestes de um cidadão. Uma autêntica lição de vida, bom senso e autenticidade.

Um dia, a propósito das celebrações do 25ª aniversário do 25 de Abril (1999), pedi a Xanana, através de Pascoela Barreto, um poema. Pascoela Barreto é a Embaixadora de Timor em Portugal tendo integrado a "Comissão para o Acolhimento e Integração Social da Comunidade Timorenses em Portugal", à qual presidi, a título gracioso, durante vários anos. O poema destinava-se ao projecto "A Poesia Está na Rua". Ele foi rápido na resposta e o poema original foi integrado na colectânea então organizada.

A humanidade e espírito de tolerância é a característica marcante da personalidade de Xanana Gusmão. Isso mesmo transpareceu ao longo de toda a entrevista. Relembrou a questão que se pôs a si próprio nos meandros da condução da luta de guerrilha: "Serei um assassino?". Uma questão difícil que raros homens de Estado seriam capazes de colocar em público.

Assim como as questões da conciliação do exercício do poder e da humanidade nas relações com os guerrilheiros e as populações: "Chorar ou não chorar". Como ganhar frieza para enfrentar a dizimação de uma força de milhares de homens reduzida a um punhado de 700.

Ficar isolado e esquecer o medo de morrer sem perder o medo de morrer. Entregar-se ao inimigo para salvar a luta de libertação de um povo. Deixar fluir a capacidade de entender todos os lados mesmo aqueles que, aparentemente, estão do outro lado.

Um exercício plenamente assumido de tolerância. Uma arte de ser humano sem perder a autoridade.


Comentários de Leitores

Caro Eduardo Graça:
Apreciei o seu post intitulado:Atrocidades. Pouco tenho a acrescentar ao que nos diz. Lamento, no entanto que não tenha dado um sublinhado maior ao seu último parágrafo sobre a dívida de honra que aquele galarote empertigado (que nunca foi à tropa mas que é hoje ministro de Estado e da Defesa) tem para com o Sr. Ramsfeld.
Permita-me fazer aqui uma pequena chamada de atenção para a declaração, sempre empertigada (claro está) do dito senhor que no dia do funeral do Sr. Champalimau. Dizia ele, que deviam haver 100 homens como Champalimaud em Portugal. Ao ouvi-lo lembrei-me, com ironia, que não me parece que moleques sem carácter e de jeitos amaneirados fossem do gosto do defunto e que Deus tenha a sua alma em descanso
Cumprimentos
MGGR

segunda-feira, maio 10

ATROCIDADES

"Fotos de sevícias a prisioneiros mostradas 2ªfeira a Bush no Pentágono

O presidente norte-americano, George W. Bush, viu segunda- feira uma selecção de fotos que mostram sevícias infligidas a prisioneiros iraquianos, durante a sua reunião no Pentágono com o secretário da Defesa Donald Rumsfeld, indicou um alto responsável da Defesa.

"O secretário (da Defesa) mostrou-lhe uma selecção bastante representativa", declarou este responsável. "Ele (Donald Rumsfeld) mostrou-lhe vários exemplos de actos" que eram cometidos, com fotos a cor de grande formato.

As fotos são descritas por este alto funcionário como "inquietantes" e estão entre aquelas que não foram ainda divulgadas ao público.

As fotos mostram humilhação de prisioneiros e "comportamento impróprio" de natureza sexual, disse a fonte.

Bush e outros altos responsáveis da administração tiveram segunda-feira no Pentágono uma reunião de informação sobre a situação no Iraque, que durou mais de uma hora.

O porta-voz do Pentágono, Larry DiRita, explicou que estavam em curso discussões entre o Pentágono e o Congresso norte-americano sobre a forma de tratar essas fotos e sobre a sua difusão ou não junto do público." - Lusa

As guerras são o horror institucionalizado. As guerras têm os seus heróis, muitas vezes, criminosos legitimados pela necessidade de sobreviver. Todos sabemos isso. Das revoluções se pode dizer o mesmo.

E em cada um dos campos em confronto, ao nível da propaganda, adoptam-se dispositivos para justificar as atrocidades. Quando se chega ao ponto de reconhecer as atrocidades é porque se não conseguiu escondê-las. Esse reconhecimento, ao contrário do que proclamam os "ex-liberais de esquerda", rendidos ao conservadorismo rastejante, que dominam a comunicação social portuguesa, não é uma vantagem das democracias.

Os chefes políticos, sejam democratas ou autocratas, das mais poderosas potências e dos mais poderosos exércitos consideram, em privado, uma tragédia ter de lidar com a verdade cruel das imagens que não conseguem esconder. Preferem assim usar a táctica do "contra-fogo". É trazer o horror para dentro da própria casa, de forma controlada, para limitar os danos da sua difusão descontrolada.

Bush tenta salvar-se salvando Rumsfeld e mostrando as imagens das atrocidades do seu exército que escolher mostrar. Esta operação de salvamento, em desespero de causa, fez-me lembrar que o nosso Ministro da Defesa recebeu uma visita, de alguns minutos, do seu homólogo Rumsfeld, por acaso, na véspera de ser ouvido como testemunha no "Caso Moderna". Agora é Rumsfeld que passa por uma hora difícil. Espera-se que, a qualquer momento, o nosso Ministro retribua com uma visita breve ao seu amigo americano dando-lhe o conforto de uma palavra de ânimo.

Assim ficariam quites. Mas têm de se "despachar" caso contrário pode ser tarde demais para ambos.

Fragmentos de Leituras

"Ao piano, a dedilhação...

...Ora eu toco mal - além da ausência de velocidade, que é um puro problema muscular - é porque nunca respeito a dedilhação indicada: improviso, em cada nova execução, como posso, o lugar dos meus dados, e por isso não consigo tocar nada sem erros. A razão disto reside evidentemente no facto de eu desejar um prazer sonoro imediato e recusar a massada da amestragem, pois o treino impede o prazer - ainda que, dizem, com vista a um maior prazer ulterior (tal como os Deuses a Orfeu, diz-se ao pianista: não se volte prematuramente para os efeitos da sua execução). A peça, na perfeição sonora que para ela imaginamos sem nunca a atingir realmente, age então como uma ponta de fantasma: submeto-me alegremente à palavra de ordem do fantasma: "imediatamente", ainda que seja à custa duma perda considerável de realidade."

"Roland Barthes por Roland Barthes" -8
(Fragmento 1 de 3, pag. 5)

Edição portuguesa: "Edições 70"

Na página cinco deste "livro artesanal" surge o meu primeiro comentário com interesse: "o prazer de comunicar uma leitura (difícil) mas apaixonadamente atraente." Fica, assim, explicada a razão de ser da empresa a que me dediquei.


(Este post é a versão correcta do que surge a seguir que será apagado quando conseguir resolver um inopinado problema técnico)

JOAQUIM AGOSTINHO

Passam hoje vinte anos desde o dia da morte de Joaquim Agostinho. O Diário de Notícias não esqueceu a data. Ainda bem. Uma lenda do desporto português do século XX. O maior ciclista português de sempre.

A sua morte foi um acontecimento traumático para a sociedade portuguesa. Eu senti a sua morte como uma profunda injustiça. Como a pior traição que uma sociedade egoísta de um país atrasado pode perpetrar contra um dos seus melhores filhos.

Esse país tem o nome de Portugal e não mudou assim tanto ao longo destes 20 anos. Hoje abro uma excepção em memória de Joaquim Agostinho. Publico um texto que escrevi no dia da sua morte e que integra o meu livro de estreia.

Homenagem a Joaquim Agostinho no dia da sua morte

De repente damo-nos conta de que país é este, pequeno pobre e triste país. O sul fica a milhares de kilómetros do centro, o norte toca no pólo, as fronteiras alargam-se de ponta a ponta do universo. Um deserto com gente de sentimentos, esquimós e ursos, um requinte de civilização universal, modelo último que todos procuram seguir. Gente atenta e versátil olhando a comunidade e honrando as responsabilidades e os deveres. Para quê tarefas e lugares definidos? A todos a sua opinião! Para quê iniciativas e esforços abnegados? Todos temos projectos sem fim, grandiosos e bem sucedidos! Tudo marcha à medida da nossa grandeza! Para quê heróis e mitos ou gerações triunfantes? Todos somos candidatos a heróis e todas as gerações tiveram os seus dias de glória! Preservar as riquezas para quê? Só há um tipo de riqueza: a nossa própria. Um só tipo de liberdade: a de lhe fazermos o que nos apetecer de preferência não a gozar nem deixar que o país dela goze. Empresários somos dos nossos próprios detritos. Libertadores somos das nossas responsabilidades. Deixemos morrer os heróis às suas mãos! O país morrerá com eles na incúria dos seus gestos envergonhados que se crispam de espanto a cada nova perda. Um país que morre em paz. Um coma profundo de que poucos se dão conta. Um horizonte de desesperança sem fim. Deixem-no morrer em paz. Ele se fez a si próprio. Atravessou gerações sempre no topo. Conquistou admirações em todo o lugar que regou com o seu suor. Fez-nos sonhar e nada lhe podemos dar agora. Oito horas são muito tempo. De quem é a culpa? De todos e de ninguém!

(In "Ir pela sua mão" - Editora Ausência)

Despromoções e Sucessos

A minha escassa informação desportiva deste fim-de-semana deu para perceber que o F.C. Porto fez a festa de campeão, o Benfica arrancou um segundo lugar, o Sporting foi o grande derrotado da época e o Belenenses não desceu. Parabéns ao Ludgero. Esta foi, certamente, a mais importante notícia do dia para ele. Do Farense não sei nada mas o destino deve estar traçado: 3ª Divisão.

Mas verdadeiramente importante foi a classificação para os Jogos Olímpicos de Atenas da Naide Gomes que vai ser uma fonte de alegrias para os portugueses nos próximos anos. Espera-se, é claro, ter alguma informação acerca dos seus sucessos sempre "tapados" pelas notícias vorazes do futebol.

Aniversário

Hoje (9 de Maio) é o dia de aniversário da Guida. Juntando outro compromisso familiar fizemos, no fim-de-semana, uma viagem "cá dentro". A comemoração foi cumprida como ela queria. Sem festejos, assumidos como tal, mas num ambiente de viagem. Aqui ficam os meus parabéns (versão publica). Pois sabem que ela não tem um blog mas foi a principal responsável pelo título do Abébia (depois vadia).

O passeio foi descontraído e ameno. De feição (es)cultural na designação de meu filho MM. De comboio e com a chuva a ameaçar de princípio. Mas com o passar do tempo o sol facilitou as deambulações. O comboio é um amigo do viajante e os táxis cumprem quando se tem sorte e foi o caso. Converso com os taxistas. Compreende-se, nessas conversas, o Estado da Nação. É mau. Está confirmado. O estado da "família alargada" é, pelo contrário, razoável, senão mesmo bom.

Até encontrei, como já sabia que ia encontrar, a "Miúda" que edita um blog estupendo. Conversamos pouco. Fica para a próxima. As prendas foram compradas no destino e ofertadas na hora. Não falhamos os objectivos traçados. No balanço comprei, para mim, o último livro editado do Gastão Cruz:"Repercussão". É um poeta universal mas natural da minha terra, que é a terra da Guida, Faro. Ele foi até meu explicador, julgo que de Francês, certamente, no meu atribulado 4º ano do liceu.

Na viagem de regresso li-o. Tem muitas ressonâncias que eu próprio identifico com os lugares que adivinho conhecer e os ambientes que foram aqueles em que vivi a infância e adolescência. Aqui fica um poema, curto, desse livro:

ENTÃO A VOZ

Então a voz passou por cima
do oceano
e era som de vagas

o mesmo som ouvido nos verões
quando a luz sobre a pele
se transformava em água


quinta-feira, maio 6

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

É surpreendente a capacidade para descobrir o já descoberto. As notícias da presidência aberta acerca do "estado da educação" são pontuadas, aqui e ali, por uma ignorância profunda dos jornalistas que asseguram a cobertura. A realidade resiste a ser descoberta desde que não esteja no terreno do interdito, ou seja, do socialmente escandaloso.

O estereótipo das antigas "escolas técnicas" substitui no imaginário colectivo a realidade do presente ensino profissional. Não há já em lado nenhum o antigo "ensino técnico". Deixou marcas mas morreu. Não se recomenda. Era fruto de uma cultura elitista. Eu fiz exame de admissão, como os jovens da minha geração que concluíam a 4ª classe, ao liceu e à "escola técnica". Passei nos dois. Fui para o liceu!

Havia uma profunda diferenciação social e de expectativas de futuro entre uma e outra opção. O acesso à escola massificou-se, ao longo dos anos 60, explodindo depois do 25 de Abril.

Hoje existe, em Portugal, ensino tecnológico e profissional, frequentado por 30% dos alunos do Ensino Secundário. No ano lectivo de 2003/2004 frequentavam o Ensino Secundário Regular 277.883 alunos, sendo que destes 83.469 frequentaram o ensino tecnológico e profissional. Destes, 31.702 frequentam 264 Escolas Profissionais. (Os números são referentes a Portugal Continental).

Em 1989 o número de alunos que frequentavam o Ensino profissional era próximo de zero. Estamos afastados da meta dos 50% mas em 14 anos atingir os 30% é obra. Não sejamos masoquistas. A questão do abandono escolar é outro assunto. Mas o ensino profissional á uma boa ajuda também para esse combate. A sociedade portuguesa vive na expectativa de acolher jovens quadros técnicos formados no ensino tecnológico e profissional. Aí completam o ensino secundário, ou seja, o 12º ano.

Conheço essa realidade. Estive associado, de 1989 até 1993, à criação das Escolas Profissionais. Não são uma alternativa menor. São sim uma alternativa maior. Este projecto já está descoberto e no terreno há muitos anos. É preciso é que lhe seja dada a devida importância política e apoio institucional para que possa crescer e desenvolver-se no interesse nacional e prosseguindo os objectivos definidos pela chamada estratégia de Lisboa da U.E..

Fragmentos de Leituras

A relação privilegiada


Ele não procurava a relação exclusiva (possessão, ciúme, cenas); também não procurava a relação generalizada, comunitária; o que ele queria era, de todas as vezes, uma relação privilegiada, assinalada por uma diferença sensível, remetida ao estado de uma espécie de inflexão afectiva absolutamente singular, como a de uma voz de timbre incomparável; e, coisa paradoxal, ele não via qualquer obstáculo a que essa relação privilegiada fosse multiplicada: nada senão privilégios, em suma; a esfera da amizade era assim povoada por relações dualistas (donde uma grande perda de tempo: era preciso estar com os amigos um por um: resistência ao grupo, ao bando, ao magote). O que era procurado era um plural sem igualdade, sem in-diferença.

Como diz Freud (Moisés), um pouco de diferença leva ao racismo. Mas muitas diferenças afastam dele, irremediavelmente. Igualar, democratizar, massificar, todos estes esforços não conseguem expulsar "a mais pequena diferença", gérmen da intolerância racial. O que era preciso era pluralizar, subtilizar desenfreadamente."

"Roland Barthes por Roland Barthes" -7
(Fragmento 2 de 2, pag. 4)

Edição portuguesa: "Edições 70"