Está disponível no IR AO FUNDO E VOLTAR o artigo que publiquei, na edição de ontem do “Semanário Económico”, sob o título “O (des) Governo da água vai continuar?”.
Ainda não disponível no site daquele semanário.
Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
sábado, abril 30
NUNCA MAIS
30 de Abril de 1945. Hitler suicidou-se. O 3º Reich caiu. Berlim foi ocupada pelo exército soviético. A Europa em ruínas recomeça uma longa caminhada pela reconstrução.
Dezenas de milhões de civis e militares, europeus, americanos e de todos os continentes, morreram e, pelo menos, 6 milhões de judeus foram exterminados.
60 anos depois a barbárie nazi-fascista deve ser lembrada para que nunca mais se repita.
sexta-feira, abril 29
AS QUATRO ESTAÇÕES ERAM CINCO
Foto de amistad
O verão passa e o estio se anuncia
que outono se há-de ser e logo inverno
de que virá nascida a primavera.
Mais breve ou longo se renova o dia
sempre da noite em repetir-se, eterno.
Só o homem morre de não ser quem era.
8 Julho 70
Jorge de Sena
Desespero Sorridente
Camus and his children in June 1957 (at the Angers Festival for the production of Olmedo). (Agence de Presse Photographie Bernard)
Recapitulando o sentido destas “Citações”, publicadas na abébia vadia, em Julho de 2004, sublinho que foram suscitadas pela crise política aberta com a decisão de José Manuel Barroso de abandonar o governo. Uma questão memória. Ai! a nossa memória!
Estas “citações-12” surgiram, a 17 de Julho de 2004, uma semana após o 9 de Julho dia da comunicação ao país do PR dando conta da sua decisão de empossar Santana Lopes como primeiro ministro.
Assumi, neste dia, com uma citação pura, a solidariedade com Ferro Rodrigues face à sua decisão de abandonar a liderança do PS. Eis o que escrevi:
Ao meu amigo Eduardo Ferro Rodrigues.
"Maio.
Não nos separarmos do mundo. Não se perde a vida quando a colocamos à luz do dia. Todo o meu esforço, em todas as posições e desgraças, as desilusões, é para recuperar os contactos. E mesmo nesta tristeza que há em mim, que desejo de amar e que enebriamento apenas perante a visão de uma colina na aragem do fim da tarde.
Contactos com o verdadeiro, a natureza em primeiro lugar, e depois a arte daqueles que compreenderam, a minha arte se a consigo alcançar. De contrário, a luz e a água e a embriaguez estão ainda na minha frente, e os lábios húmidos do desejo.
Desespero sorridente. Sem saída, mas que exerce sem cessar um domínio que se sabe inútil. O essencial: não nos perdermos, e não perder aquilo que, de nós, dorme no mundo." (Texto de Maio de 1936)
Albert Camus, in Cadernos, "Caderno n.º 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937) - Edição Livros do Brasil
Rosa e José
Foto de família dos meus avós maternos, no campo, certamente num dia de festa. (1917/18) À esquerda, de pé, o meu avô José e, sentada, a avó Rosa. Sentados, no chão, à esquerda, a minha mãe Tolentina e o meu tio Ventura o único que sei vivo, cheio de vitalidade, nos seus 92 anos.
A região natal de Lorca, Granada, é uma das mais emblemáticas cidades da Andaluzia, extraordinário e cosmopolita centro da cultura muçulmana, rico e florescente, ao contrário do Algarve, rural e provinciano, em que nasci.
Os meus avós maternos, Rosa e José, nasceram nessa terra seca, a sotavento, no território contíguo à Andaluzia, banhado a sul pelo atlântico, província afastada do centro político de um Portugal que as vicissitudes da história tornaram independente.
Eram camponeses, filhos e netos de camponeses, daqueles que trabalhavam a terra com as suas próprias mãos.
O cheiro da terra seca, ou regada por levadas de água tirada da nora puxada à custa do incessante volteio dos bois, nunca me abandonou as narinas e deixou-me indeciso acerca do que fazer com o destino da minha própria vida e absolutamente incrédulo acerca da influência da vontade humana na mudança da vida dos outros.
REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (2 de 10)
quinta-feira, abril 28
Ódio? Revolta? Incompreensão?
Federico Garcia Lorca
O criador não se preocupa com o merecimento que os outros fazem da sua obra e sabe que os homens não se apercebem desse desprendimento. A criação segue o seu curso mas os homens esquecem os criadores. A maior parte das suas obras não chegam a conhecer a luz do dia quanto mais a celebridade.
Vivemos na penumbra de um dia sem lembranças felizes. A expressão podia ser de uma época de guerra e é bem provável que estejamos nas vésperas de uma época de guerra. Não já uma guerra mundial, ou uma guerra civil, nem sequer uma guerra de “baixa intensidade”, como chamam os estrategos à guerra de guerrilha, mas uma guerra de informação global em que o acontecimento se torna relevante não pela sua realidade mas pela difusão, em tempo real, da sua própria notícia.
Escrevo no dia em que o poeta foi assassinado, 19 de Agosto de 1936, por ser um rebelde mal querido pelos fascistas de Franco. No fragor da guerra civil de Espanha Lorca foi fuzilado. Era um jovem criador consagrado pelo teatro e pela poesia que nascia transparente da sua pena como a água de um riacho observado perto da nascente.
Tinha alcançado a fama de um criador de sucesso. Seria um homossexual não assumido que intimamente sofreria por isso. Apaixonou-se, dizem, por Dali e foi rejeitado.
Naquele dia de 1936, ano de nascimento de meu irmão Dimas, levaram-no de casa à força. Que terá sentido nesse momento. Ódio? Revolta? Incompreensão?
Só quando nos toca é que sentimos todo o sentido trágico da injustiça. Para os fascistas a sua obra estava marcada por uma sensibilidade demasiado inspirada pela liberdade individual que ele amava acima de tudo.
REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (1 de 10)
Libertação de Berlim
Berlin ist erobert Der sowjetische Soldat Militon Kantarija aus Georgien hisst die sowjetische Flagge auf dem Berliner Reichstag. Die historische Szene wurde am 2. Mai 1945 für den Fotografen nachgestellt.
Reconquista de Berlim. As forças da União Soviética entraram em Berlim e um soldado, Militon Kantarija (Georgiano), acena a bandeira soviética no topo do Reicthag. A cena foi repetida, para poder ser fotografada, no dia 2 de Maio de 1945.
quarta-feira, abril 27
"O progresso e a verdadeira grandeza residem no diálogo à altura do homem e não no evangelho..."
Camus (à frente, no centro, de negro) aluno da escola primária, em 1920, com os trabalhadores da tanoaria onde o tio trabalhava. (In "Camus"- Brigitte Sändig, Círculo de Leitores)
Em 8 de Julho de 2004, véspera da comunicação ao país na qual o PR anunciou a decisão de não convocar eleições legislativas antecipadas, em “Citações-11”, escrevi:
As eleições são, no imediato, um problema para a direita. A expectativa de perda da maioria e, em consequência, do governo, é forte. Mas as eleições serão, a médio prazo, um problema para a esquerda. A expectativa de um arrastamento da crise económica é forte. O consenso social é uma aspiração da esquerda e uma necessidade vital para a sobrevivência de qualquer governo.
Mas a margem para o consenso é sempre estreita e ainda mais estreita em épocas de crise. A direita já está em campanha eleitoral. A esquerda precisa de um golpe de asa. Refiro-me, naturalmente, ao PS. O programa de governo é importante assim como a equipa que o defenda e protagonize. As opções a tomar na reforma do Estado são cruciais.
Mas o PS só ganhará as eleições, se for capaz de combater, de igual para igual, num ambiente de "cruzada" populista. A direita não olhará a meios para atingir os seus fins. Vide, como ilustração impressiva, o post "Ingenuidades", de JPP, hoje, no abrupto.
A chantagem exercida pela direita sobre Jorge Sampaio é o primeira passo na chantagem que vai tentar exercer sobre toda a sociedade.
A citação do dia:
A Guilloux: "Toda a infelicidade dos homens vem de não usarem uma linguagem simples. Se o herói do Mal-entendido tivesse dito: "Ora bem. Aqui estou e sou seu filho", o diálogo seria possível e não artificial como na peça. Não haveria tragédia, pois o ponto culminante de todas tragédias está na surdez dos heróis.
Sob esse ponto de vista é Sócrates quem tem razão, contra Jesus e Nietzsche. O progresso e a verdadeira grandeza residem no diálogo à altura do homem e não no evangelho, monologado e ditado do alto de uma montanha solitária. Eis onde cheguei.
O que equilibra o absurdo é a comunidade dos homens em luta contra ele. E se escolhemos servir esta comunidade, escolhemos ao mesmo tempo servir o diálogo até ao absurdo contra toda a política da mentira e do silêncio. É assim que podemos ser livres com os outros.""
Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 5 - Setembro 1945/Abril de 1948 - Livros do Brasil)
Espanha
Espanha é um grande país da Europa em termos de população e não só. O El Pais, de hoje, dá-nos a notícia de uma população próxima dos 44 milhões. Mais de quatro vezes superior à população portuguesa. Um pouco maior do que os 40 milhões que ainda trazemos na cabeça.
La población residente española roza los 44 millones de personas, con el 8,4% de inmigrantes
"Cataluña, Andalucía, Comunidad Valenciana y Madrid, las comunidades donde más aumentaron los extranjeros inscritos
La población residente en España alcanza los 43,97 millones de personas, de los cuales 3,69 millones son extranjeros, lo que supone el 8,4% del total del empadronados, según el avance del Padrón Municipal que, por primera vez, ha publicado hoy el Instituto Nacional de Estadística.
Fé
"Se quer que lhe diga, nunca acreditei na Gestapo".
Foto de amistad
Paulo Portas, no Congresso do CDP/PP, no fim-de-semana passado, explicitou a sua opinião, pesada como chumbo, acerca da razão de fundo do colapso do governo de direita: a “fuga” de José Manuel Barroso.
Em “Citações-10”, em 7 de Julho de 2004, é essa ideia que está subjacente ao que escrevi. A citação de Camus escolhida só aparentemente é desproporcionada ao acontecimento. Em Portugal, quase sempre, fingimos que não vemos o que, na verdade, nos mata.
Só esse estado de espírito explica a acomodação social a 48 anos de ditadura e a indiferença perante as injustiças que, em pleno regime democrático, se institucionalizam, sob os nossos olhos, reclamando-se, quantas vezes, de uma legitimidade obscena.
São os vazios da democracia e as suas zonas de penumbra que permitem formular esta inquietante pergunta: será que estamos livres de novas formas de tirania? Podemos dizer, a esse respeito, como Camus: tomamos as nossas precauções “mas como que abstractamente”. Não me parece que os sinais sejam muito promissores... Eis o que, então, escrevi:
O que está em causa na crise política actual? Sem rodeios: O Primeiro-ministro demissionário, Durão Barroso, fugiu.
Proclamou que tinha aprendido as lições da derrota nas eleições europeias e uns dias depois demitiu-se. Percebe-se que o homem buscou o sucesso de uma carreira profissional.
Mas o povo de direita pensava que tinha votado num político devoto à defesa dos interesses do país e do seu povo. Ao menos pelo período do contrato que estabeleceu, de livre vontade, através da sua apresentação ao sufrágio: 4 anos.
Este episódio não é só uma traição aos seus correligionários. É uma machadada no prestígio do regime democrático. O assunto é sério. De futuro, como já ouvi, é necessário olhar os candidatos tanto pelo lado da sua fidelidade aos compromissos programáticos como pelo lado da garantia da sua permanência no exercício da função todo o tempo do contrato, em exclusividade.
Estes detalhes não são, como se prova, tão despiciendos como poderia parecer. No caso de Santana Lopes não são mesmo nada despiciendos. A inconstância não pode ser elevada à categoria de um valor do Estado Democrático. A não ser que se queira acabar com ele.
A citação do dia:
""Se quer que lhe diga, nunca acreditei na Gestapo. É que nunca ninguém a via. Tomava evidentemente as minhas precauções, mas como que abstractamente. De tempos a tempos, um camarada desaparecia. Noutro dia, diante de Saint-Germain-des-Prés, vi dois tipos altos que obrigavam a soco um homem a entrar para um táxi. E ninguém dizia nada. Um criado de café disse-me: "Cale-se. São eles." Isto levou-me a suspeitar de que efectivamente existiam e de que um dia…Mas eram apenas suspeitas. A verdade é que só poderei acreditar na Gestapo quando receber o primeiro pontapé na barriga. Sou assim. Eis porque não devem ter ilusão quanto à minha coragem, lá porque estou na resistência, como dizem. Não, não posso reclamar qualquer mérito, precisamente porque não tenho imaginação."
Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 5 - Setembro 1945/Abril de 1948 - Livros do Brasil)
segunda-feira, abril 25
31 Anos Depois
Foto de amistad
“um povo corrompido que atinge a liberdade tem a maior dificuldade em mantê-la”.
Maquiavel
Janela (in) discreta
O JPN do Respirar o Mesmo Ar enviou-me um inquérito ao qual não posso deixar de responder. Isto de inquéritos obrigam a simplificar muito a explicitação das nossas preferências. Mas as amizades obrigam mais do que as vontades. Aqui vai a resposta.
Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
"O Estrangeiro”, de Albert Camus;
Já alguma vez ficaste apanhadinho por uma personagem de ficção?
Leio, no presente, mais poesia do que ficção. Mas a personagem que mais me impressionou foi a personagem de “A Cabana do Pai Tomás”, de H. O. Beecher-Stowe. Uma leitura muito antiga. Obra de uma mulher. Só muito mais tarde dei por isso.
Qual foi o último livro que compraste?
Uma edição bilingue da obra de Federico Garcia Lorca, mas não sei o que lhe fiz.
Qual o último livro que leste?
”Trabalhar Cansa”, de Cesare Pavese, uma leitura atrasada (como todas).
Que livros estás a ler?
Diversos livros de poesia, em particular, as obras de Almada Negreiros e Natércia Freire. Poetas esquecidos e/ou renegados.
Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?
Mesmo considerando esse cenário improvável levaria o conjunto dos “Cadernos”, de Albert Camus, ou seja, o livro que tenho andado a ler desde os 20 anos.
A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?
À MMM do BlogDaMiuda, ao Marcelo Moutinho do Pentimento e ao pessoal do Tugir .
Porque sim, me apetece, me têm ajudado, não sei bem ao certo, afinidades diversas e, porventura, inexplicáveis...
Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
"O Estrangeiro”, de Albert Camus;
Já alguma vez ficaste apanhadinho por uma personagem de ficção?
Leio, no presente, mais poesia do que ficção. Mas a personagem que mais me impressionou foi a personagem de “A Cabana do Pai Tomás”, de H. O. Beecher-Stowe. Uma leitura muito antiga. Obra de uma mulher. Só muito mais tarde dei por isso.
Qual foi o último livro que compraste?
Uma edição bilingue da obra de Federico Garcia Lorca, mas não sei o que lhe fiz.
Qual o último livro que leste?
”Trabalhar Cansa”, de Cesare Pavese, uma leitura atrasada (como todas).
Que livros estás a ler?
Diversos livros de poesia, em particular, as obras de Almada Negreiros e Natércia Freire. Poetas esquecidos e/ou renegados.
Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?
Mesmo considerando esse cenário improvável levaria o conjunto dos “Cadernos”, de Albert Camus, ou seja, o livro que tenho andado a ler desde os 20 anos.
A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?
À MMM do BlogDaMiuda, ao Marcelo Moutinho do Pentimento e ao pessoal do Tugir .
Porque sim, me apetece, me têm ajudado, não sei bem ao certo, afinidades diversas e, porventura, inexplicáveis...
sábado, abril 23
Fernando Pessoa
"Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,..."
Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,
Onde esperei morrer, - meus tão castos lençóis?
Do meu jardim exíguo os altos girassóis
Quem foi que os arrancou e lançou ao caminho?
Quem quebrou (que furor cruel e simiesco!)
A mesa de eu cear, - tábua tosca de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?
- Da minha vinha o vinho acidulado e fresco...
Ó minha pobre mãe!... Não te ergas mais da cova,
Olha a noite, olha o vento. Em ruína a casa nova...
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.
Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais.
Alma da minha mãe... Não andes mais à neve,
De noite a mendigar às portas dos casais.
Camilo Pessanha (1867-1926)
In “Quinze Poetas Portugueses do Século XX”
Selecção e Prefácio de Gastão Cruz
sexta-feira, abril 22
25 DE ABRIL
Não me lembro do nascer do dia. Andávamos na rua à procura de entender se era mesmo verdade. Com o António Cavalheiro Dias e o José Mário Anjos percorri a cidade, de lés a lés, atrás da coluna de Salgueiro Maia, olhando cada esquina e movimento, com uma atenção fulminante, não fosse falhar tudo outra vez.
Não me lembro de ter visto nascer o dia. Naquela noite não houve madrugada. Os telefones devem ter começado a tocar a partir de determinada hora: “Olha parece que houve um golpe militar!”, “dizem que há tropa na rua!”.
A minha preocupação era telefonar a meus pais. No quartel pude fazê-lo já a manhã tinha despontado. Que alegria. Afinal não era um golpe dos ultras! Era um golpe militar mesmo daqueles com que sonharam Humberto Delgado e tantos que morreram sem conhecerem a cor da liberdade.
48 anos de ditadura é muito tempo! Que pena não poder ver os sonhadores da liberdade nesse dia. Observar a comoção nos seus rostos e ouvir as suas primeiras palavras. Mas não me lembro do despontar daquela madrugada.
Ouço os sons, cheiro os cheiros, vejo os camaradas de armas, o povo a passar defronte do quartel, bandeiras desfraldadas ao vento, as vozes enrouquecidas e as lágrimas a cair-lhes pelas faces, mas não me lembro do despontar do dia 25 de Abril de 1974.
Mas o que interessa é que estava lá. E vencemos!
Fotografia de Helder Gonçalves
"Quantos esforços desmedidos para ser apenas normal!..."
«Honny soit qui mal y pense» [1880/1902, Gravura, Album das Glorias - Caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905)]. O caricaturado, Eça de Queirós, nasceu na Póvoa de Varzim em 25 de Novembro de 1845. In O Portal da História.
No dia 6 de Julho de 2004, em “Citações-9”, assinalo episódios que me ajudaram a cimentar a ideia da existência de uma crescente crispação na sociedade portuguesa à beira da revolta. O futuro havia de confirmar que o PSD tinha ficado refém do PP. Que o PP, a extrema direita em versão pós-moderna, populista e “beata”, havia sobrestimado a sua própria influência social e política. O “povo é sereno” mas não é parvo... e, nesse dia, escrevi:
Os discursos e as faces dos dirigentes da direita apresentam sinais de instabilidade. O povo, como diria o Almirante Pinheiro de Azevedo "é sereno". O povo apresenta sinais de estabilidade, apesar do sofrimento.
Lembro-me do que me disse um taxista no Porto, umas semanas atrás: "impressiona-me o que vejo todos os dias - as pessoas a falar sozinhas. Então as crianças!". E outro: "Um dia destes vai haver uma revolta popular". Sinais de crispação crescente. Todos aqueles que ouvem, vêem e sentem, como cidadãos comuns, tiveram experiências de sobra da silenciosa revolta que crescia.
A direita populista não está para nascer com Santana Lopes. Já está instalada no poder há muito. A diferença é que até à demissão de Durão Barroso estava na fase da " guerra de guerrilha". Circunscrita em bolsas preparando o terreno para a ofensiva final.
O objectivo de PP e do seu aliado PSL é a conquista do poder. Absoluto. Neste momento tentam o assalto final. Mas para isso têm que mostrar o seu verdadeiro rosto, a sua verdadeira ideologia, os seus verdadeiros alinhamentos internos e internacionais.
O rosto de Durão Barroso, ontem, à saída de Belém, era o de um derrotado. A fotografia da direita populista, a que conquistou a liderança da direita, qual "polaroid" instantânea, vai ganhando contornos cada vez mais claros: é o "pós- fascismo", à portuguesa. Cuidado...
A citação do dia: "Novembro - 32 anos. A inclinação mais natural do homem é a de se aniquilar e toda a gente com ele. Quantos esforços desmedidos para ser apenas normal! ..."
(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 5 - Setembro 1945/Abril de 1948 - Livros do Brasil)
Camilo Pessanha
Chorai, arcadas
Do violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo...
De que esvoaçam,
Brancos, os arcos...
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.
Fundas, soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas, (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...
Trémulos astros...
Soidões lacustres...
- Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!
Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
- Chorai arcadas
Despedaçadas,
Do violoncelo.
Camilo Pessanha (1867-1926)
In “Quinze Poetas Portugueses do Século XX”
Selecção e Prefácio de Gastão Cruz
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