Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
domingo, setembro 16
ESQUERDA SOCIALISTA Nº0
Com data de 12 de setembro de 1974 saiu para a rua o n. 0 do "Esquerda Socialista", jornal do MES sob a direção de César de Oliveira, com um edição de 100 000 exemplares. Celebro a efeméride em homenagem ao César e ao José Manuel Galvão Teles que, em boa verdade, foi quem viabilizou esta aventura editorial.
Em épocas de revolução o tempo ganha uma dimensão proporcionalmente inversa ao empolgamento dos protagonistas. Quanto mais fervor revolucionário mais o tempo parece escasso. Todos os sonhos parecem realizáveis e as vozes conciliadoras, ou que se atrevam a apelar ao realismo, tendem a ser silenciadas ou desprezadas.
Apesar do seu temperamento afectuoso e, ao mesmo tempo, irascível, César de Oliveira, uma grande figura de intelectual da esquerda portuguesa do século passado, abandonou a direcção interina do “Esquerda Socialista”, após a edição dos seus seis primeiros números, sob a pressão de uma maioria radicalizada que, considerava o jornal ”politicamente ambíguo”, “graficamente confuso” e “financeiramente desastroso”.
Acusações tanto mais injustas, digo-o hoje sem contemplações, atentas as dificuldades em reunir, à época, as condições para erguer qualquer órgão de imprensa partidária (e mesmo generalista!), fora da esfera de influência do PCP e dos grupos marxistas-leninistas-maoistas, ainda por cima, em oposição, ideológica e política, aos princípios essenciais da orientação político-partidária daquelas organizações.
Foram aliás essas dificuldades que explicam o longo tempo, quatro meses e dez dias (uma eternidade!), que mediou entre o surgimento público do MES, anunciado no pano artesanal que desfilou na grande manifestação do 1º de Maio de 1974, e o dia 11 de Setembro desse ano quando saiu do prelo o nº 0 do “Esquerda Socialista”. O cartaz dizia “Movimento de Esquerda Socialista (em organização) ”, uma fórmula impensável à luz das regras tradicionais do marketing político, mas que explica, em duas palavras, as delongas no surgimento do jornal.
Era preciso dar corpo a uma ideia que andava no ar, ou seja, estabelecer as bases programáticas e organizativas de um partido, criando-o de raiz, a quente, na bigorna da revolução, não deixando perder as energias de tantos e tão promissores movimentos de luta sectorial e o entusiasmo dos militantes que exigiam aderir a um movimento político que nem os seus fundadores sabiam muito bem ao que vinha e nos quais não constava, que me lembre, uma única personalidade relevante ligada à imprensa.
Que experiência mais apaixonante se poderia desejar na volúpia da revolução, que fervilhava nas ruas, do que responder ao desafio de criar um partido de “esquerda socialista” despojado, à partida, de recursos materiais e de apoios internacionais? Mas como encontrar energias para fundar, do nada, o mais depressa possível, um órgão de imprensa que lhe desse rosto e voz?
Ao fim de muitas, e acesas, discussões, nas quais o César de Oliveira se enfurecia amiúde, lançaram-se as bases de uma equipa de trabalho para elaborar o “Esquerda Socialista”, arranjou-se uma sede provisória na Rua Garrett, que a partir do nº 8 passou para a Rua Rodrigues Sampaio e a partir do nº 30 para a Av. D. Carlos I, convenceu-se a Renascença Gráfica a vender “fiado” os trabalhos de edição e impressão, contratou-se uma distribuidora e o “Esquerda Socialista” foi para a rua.
Esta aventura, FAÇA-SE JUSTIÇA, não teria sido possível sem o empenho do José Manuel Galvão Teles e como, ainda hoje, não sei se alguém lhe agradeceu o suficiente daqui lhe envio o meu tardio obrigado!
No decurso da 2ª fase da sua existência, de Dezembro de 1974 a Julho de 1975, a direcção do “Esquerda Socialista” foi atribuída, pela Comissão Política Nacional (CPN) a Augusto Mateus, tendo sido editados mais 27 números, do nº 12 ao 38, com periodicidade semanal, compostos por 12 páginas a 2 cores e ao preço de venda ao público de 3$00. (a única excepção foi um nº especial, a propósito do 11 de Março de 1975, que saiu apenas com 4 páginas ao preço de 1$00).
Se não erro, pois não tenho a colecção completa na minha frente (não sei que é feito dela), foram editados, contando com o nº 0, quarenta números do “Esquerda Socialista”, com uma tiragem, no seu ocaso, entre 17.000 e 20. 000 exemplares, mesmo assim bastante relevante acerca da presença política do MES no processo revolucionário em curso, como era da praxe dizer-se.
O jornal “Esquerda Socialista”, carregando, em particular, nesta derradeira fase, as marcas próprias da sua época, mais criativo e anarquizante, na sua primeira fase, constitui um testemunho interessante para uma análise política, e cronológica, do período revolucionário compreendido entre o 28 de Setembro de 1974 e a aprovação do “Plano Aliança Povo-MFA, em Junho de 1975.
Mas ainda não tinha acabado a aventura do “Esquerda Socialista” e já tinha sido criado o “Poder Popular”, o outro órgão de imprensa do MES, que se pretendia mais próximo da luta das classes populares, porta-voz de um programa político do MES que nunca deixou de reflectir, a partir do final de 1976, embora sem expressão pública, a luta interna entre facções que se digladiavam no seu seio.
(Publicado nos Caminhos da memória).
terça-feira, setembro 4
PELO ANIVERSÁRIO DE MEU PAI DIMAS
Este é um dia que nunca esqueço ao contrário de tantos outros dias. O dia de aniversário de meu pai Dimas Franco Neto Graça (4/9/1910- 9/1/1991), Um homem bom que nunca me faltou, a mais das vezes sem palavras, mas cujos gestos me marcaram profundamente. Deve ter sofrido por mim, devo tê-lo feito sofrer, tantas vezes de forma desnecessária, pela irreverência de filho tardio que fui. Não sei explicar por palavras em texto corrido este sentimento de profunda gratidão pelo respeito que manteve até ao fim dos seus dias pela minha liberdade mesmo receando pelo meu destino em fidelidade com ela. Sempre presente no meu coração!
sábado, setembro 1
SETEMBRO
Nasceu hoje Setembro, o mês nove, agora mais perto do fim do ano, o tempo é implacável, passa por nós sem aviso prévio, descobri nas vésperas do primeiro dia de Setembro um conjunto de cartas que a minha primeira namorada " a sério" me escreveu, e eu lhe escrevi outras, tinha 21 anos, era verão, neste mesmo mês de Setembro, tão belos os textos, escritos de primeira, apaixonados e directos como só as mulheres sabem expressar suas opiniões e sentimentos. Tantos anos passados a sensação de não ter correspondido... Por estes dias, naquele ano longínquo, deveria fazer calor, mas também chovia, e a comunicação era mais rápida do que podemos supor hoje ao teclado dos instantâneos comunicados, pois as datas das cartas, nalguns casos, marcam dias sucessivos... com uma estampilha de um escudo ... e fui buscar um poema do Ruy Belo, in "Boca Bilingue", que inicia assim:
Setembro é o teu mês, homem da tarde
anunciada em folhas como uma ameaça
Ninguém morreu ainda e tudo treme já
Ventos e chuvas rondam pelos côncavos dos céus
e brilhas como quem no próprio brilho se consome
(...)
Setembro é o teu mês, homem da tarde
anunciada em folhas como uma ameaça
Ninguém morreu ainda e tudo treme já
Ventos e chuvas rondam pelos côncavos dos céus
e brilhas como quem no próprio brilho se consome
(...)
sábado, agosto 11
SMO
A propósito de um tema que voltou ao debate volto a publicar um post de 29 de setembro de 2004. Esta continua a ser, no essencial, a minha posição acerca do SMO apesar da passagem do tempo que torna ao mais necessário um debate exigente atenta a complexidade do tema.
"O Dr. Portas surge, ufano, a proclamar o fim do Serviço Militar Obrigatório (SMO). O acontecimento aparece aos olhos da grande maioria como uma grande conquista civilizacional. Em particular aos olhos da juventude. As juventudes partidárias rejubilam.
O Dr. Portas ostenta um orgulho que estaria nas antípodas das suas próprias convicções caso fosse um verdadeiro patriota. No momento em que se consagra o fim do SMO quero afirmar que sempre fui a favor da conscrição, ou seja, do “alistamento militar”.
Acho que o fim do SMO é uma cobardia moral e um sinal de resignação patriótica.
A partir de agora o país ficará a dispor de forças militares profissionais. A maioria dos jovens nunca terá acesso à experiência militar. Nunca saberá manejar uma arma. Nunca terá a noção real do que é a defesa nacional. O país perderá um dos últimos redutos onde se exercitava o sentimento de pertença à comunidade nacional.
Ficam os ex-combatentes para o exercício da demagogia patrioteira. Ficam as compras de armamento para o aumento da despesa pública. Ficam os edifícios e os terrenos militares devolutos para combater o deficit.
O patriotismo virou negócio por grosso e a retalho. E negócio chorudo!"
quinta-feira, agosto 2
A sul - mais um ano
Como sempre no verão regresso às origens. É mais do que uma rotina ou facilidade de viagem por razões económicas, ou familiares, é a satisfação de uma necessidade. Respirar o ar da minha meninice que se distingue de todos os outros, olhar o espaço e a gente que nele habita, reconhecer a própria identidade nos lugares que trago agarrados na memória. Tudo simples e natural. Reencontro já poucos dos meus amigos de juventude (ontem o Silvino)porque o tempo é cruel. Encontrei-me com o Gervásio, meu primo irmão, o mais velho de todos os familiares diretos, igual a si próprio para além da sua relativa surdez. Reconheço-me a mim próprio no ar que se respira e nas escassas falas que sobrevivem.
quarta-feira, julho 18
sexta-feira, julho 13
O JOÃO MÁRIO MORREU
O João Mário Anjos morreu. Desde os anos 60 do século passado que partilhamos muitas causas e militâncias. Sempre foi discreto e descobri com o passar do tempo, desde cedo, a sua inteireza de caráter e coragem excecionais. Não dá para explicar com muitos detalhes neste momento mas em muitas circunstâncias ele foi o primeiro a alinhar na linha da frente sem vacilar. Por ter tido um pressentimento cumpri há pouco tempo um dever que me tinha imposto a mim próprio e fui visitá-lo a casa. Estava doente mas no contexto da doença gostei de o ver e de lhe falar na companhia de sua dedicada mulher Adelaide. Hoje chorei com a notícia da sua morte e nunca se sabe ao certo o que nos leva, na verdade, a chorar por uns e a não chorar por outros. Será do nosso próprio estado de espirito mas no caso do João Mário é mais do que isso, uma torrente de memórias que nos faz acreditar na imortalidade. Mas dizia Camus "A imortalidade é uma ideia sem futuro". Que os deuses te abençoem!
sexta-feira, julho 6
domingo, julho 1
MUNDIAL
No futebol, enquanto jogo, não há vencedores anunciados. Batota à parte, no final dos jogos a eliminar, é inevitável existir um vencedor e um vencido. Mesmo os mais fortes,vencedores nas previsões, pelo histórico e pala fé, por vezes, perdem. Os apreciadores saboreiam o jogo jogado e aceitam o resultado. Ponto.
domingo, junho 24
BATALHA DE SÃO MAMEDE - UMA EFEMÉRIDE ANTIGA
Há exactamente 890 anos, no dia 24 de Junho de 1128, travou-se a batalha de São Mamede que é tomada como tendo sido o início do reinado de Afonso Henriques. Diz a lenda que, ao primeiro embate, com as forças do conde de Trava, seu padrasto, Afonso Henriques teria fugido. O relato mais conhecido acerca do começo do reinado de Afonso Henriques atribuía a vitória de São Mamede aos nobres e não ao Infante:
É este o relato na versão mais antiga da IV Crónica Breve de Santa Cruz em texto que data do princípio do século XIV:
“A fazenda foi feita, e foi arrincado Afonso Anriques e foi mui maltreito. E el, indo a ua légua de Guimarães, achou-se com Soeiro Meedes Mãos d’Água, que o viinha ajudar em a fazenda, e disse-lhe: “como viides, senhor, assi?” Respondeu Afonso Henriques: “Venho mui mal, ca me arrincou meu padrasto e minha madre, que está na fazenda com ele.” E Soeiro Meedes lhe disse: “Nom fezeste siso, que aa batalha fostes sem mim, mas tornade-vos comigo e prenderemos vosso padrasto e vossa madre co ele”. E el disse: “Deus aguise que seja assi,” E Soeiro Mendes lhe disse: “ vós verêes que assi seerá.” E tornou-se entonces com el a batalha, e venceu-a e prendeu seu padrasto e sua madre.” (Simplifiquei alguma pontuação.)
Eis o relato que concede à lenda o seu lugar na história da batalha de São Mamede e aos nobres o papel decisivo na vitória de Afonso Henriques que, assim, teria ficado na sua dependência.
José Mattoso, de cuja biografia de Afonso Henriques retiro os elementos que aqui vos deixo, remata o capítulo 3 da sua obra, intitulado: “Os primeiros passos de um jovem príncipe”, com as seguintes palavras:
“ (…) Tomando como fundamento a evolução dos sinais de validação usados na chancelaria régia, dir-se-ia que só mais tarde, a partir dos anos 1150-1160, se atribuiria à autoridade do fundador da monarquia o carácter de um carisma pessoal. Estes indícios devem relacionar-se com o papel que os barões portucalenses desempenharam na “revolução” que expulsou os Travas e deu o poder a Afonso Henriques, deixando-o, todavia, dependente da nobreza nortenha até ele se emancipar da sua influência, à medida que foi assumindo um papel cada vez mais decisivo na condução da guerra santa.”
In “D. Afonso Henriques” de José Mattoso, ”3. Os primeiros passos de um jovem príncipe”, pgs. 47 e 57 (15).
sábado, junho 23
Solstício de verão
O solstício de verão ocorreu no passado dia 21 de junho, pelas 11,07 h, ia eu a caminho de Santarém. O dia mais longo do ano carregado de simbolismo que se perde na profundidade do tempo. Caminhamos sobre uma pelicula fina que separa uma civilização fundada nos valores da liberdade, da democracia e da paz e uma deriva populista que, se não for travada a tempo, nos conduzirá para a tirania e a guerra. Os homens, no tempo que é o seu, cada um individualmente considerado, e todos, enquanto comunidade, são os responsáveis pela escolha do modelo de sociedade em que querem viver.
Fotografia de Hélder Gonçalves
Fotografia de Hélder Gonçalves
quarta-feira, junho 13
FERNANDO PESSOA
Fernando Pessoa, nascido, na cidade de Lisboa, em 13 de junho de 1888
324
“Saber não ter ilusões é absolutamente necessário para se poder ter sonhos.
Atingirás assim o ponto supremo da abstenção sonhadora, onde os sentidos se mesclam, os sentimentos se extravasam, as ideias se interpenetram. Assim como as cores e os sons sabem uns a outros, os ódios sabem a amores, e as coisas concretas a abstractas, e as abstractas a concretas. Quebram-se os laços que, ao mesmo tempo que ligavam tudo, separavam tudo, isolando cada elemento. Tudo se funde e confunde.”
325
"Ficções do interlúdio, cobrindo coloridamente o marasmo e a desídia da nossa íntima descrença.”
“Livro do Desassossego” – Fernando Pessoa, aliás, Bernardo Soares, Ajudante de Guarda-Livros na Cidade de Lisboa
Edição Richard Zenith, Parque Expo 98 SA
324
“Saber não ter ilusões é absolutamente necessário para se poder ter sonhos.
Atingirás assim o ponto supremo da abstenção sonhadora, onde os sentidos se mesclam, os sentimentos se extravasam, as ideias se interpenetram. Assim como as cores e os sons sabem uns a outros, os ódios sabem a amores, e as coisas concretas a abstractas, e as abstractas a concretas. Quebram-se os laços que, ao mesmo tempo que ligavam tudo, separavam tudo, isolando cada elemento. Tudo se funde e confunde.”
325
"Ficções do interlúdio, cobrindo coloridamente o marasmo e a desídia da nossa íntima descrença.”
“Livro do Desassossego” – Fernando Pessoa, aliás, Bernardo Soares, Ajudante de Guarda-Livros na Cidade de Lisboa
Edição Richard Zenith, Parque Expo 98 SA
sábado, junho 9
O FUTEBOL
Após um longo intervalo volto aqui para assinalar que estamos nas vésperas do Mundial de Futebol que vai ocupar o espaço mediático durante um longo período de tempo tanto mais longo quanto Portugal chegar mais longe. Claro que, em conjunto com os acontecimentos no seio da "família leonina", vai ocorrer uma espécie de apagão noticioso. Assim vamos cantando e rindo ...
sábado, maio 19
CAMUS - Sublinhados e releituras
Albert Camus. Releio o Caderno nº 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937), edição portuguesa da Livros do Brasil. Anoto, uma vez mais, os sublinhados da minha primeira leitura pela segunda metade dos anos 60. Acrescento breves notas pessoais e, desta vez, corrijo, pontualmente, a tradução. Os sublinhados surgem sempre em itálico. O último fragmento sublinhado, no Caderno nº 1, foi escrito em Julho de 1937.
Jovem eu pedia às pessoas mais do que elas me podiam dar: uma amizade contínua, uma emoção permanente.
Hoje sei pedir-lhes menos do que podem dar: uma companhia sem palavras. E as suas emoções, a sua amizade, os seus gestos nobres mantêm a meus olhos o autêntico valor de milagre: um absoluto resultado da graça. [pág. 12]
(Tenho dificuldade em interpretar as razões que me levaram, com 20 anos, a escolher este excerto mas seria capaz, hoje, de o sublinhar de novo com acrescidas razões.)
Abril.
Primeiros dias de calor. Sufocante. Todos os animais estão deitados. Quando o dia começa a declinar, a natureza estranha da atmosfera por cima da cidade. Os ruídos que nela se elevam e se perdem como balões. Imobilidade das árvores e dos homens. Pelas esplanadas, mouros à conversa na espera da noite. Café torrado, cujo aroma também se eleva. Hora suave e desesperada. Nada para abraçar. Nada onde ajoelhar, louco de reconhecimento. [pág. 25]
(Nesta página escrevi à mão em frente a Abril: "3-1968-Faro-Cais".
O ambiente da Argélia natal de Camus tem algo a ver com o ambiente de Faro, a minha cidade natal. Devia ser o período das Férias de Páscoa. Curiosamente nas vésperas do "Maio de 68")
Os sentidos e o mundo – Os desejos confundem-se. E neste corpo que aperto contra o meu, aperto também essa alegria estranha que vem do céu em direcção ao mar. [pág. 25]
Perna partida do carregador. A um canto, um homem novo que ri silenciosamente. [pág.26]
Maio.
Estes fins de tarde em Argel em que as mulheres são tão belas. [pág.27]
Intelectual? Sim. E nunca renegar. Intelectual = aquele que se desdobra. Isto agrada-me. Sinto-me contente por ser ambos. "Se isto se adapta?" Questão prática. É preciso meter mãos à obra. "Eu desprezo a inteligência" significa na realidade: "não posso suportar as minhas dúvidas". Prefiro manter os olhos abertos. [pág. 35]
Fevereiro. (de 1936)
A civilização não reside num grau mais ou menos elevado de requinte. Mas numa consciência comum a todo um povo. E essa consciência nunca é requintada. Ela é mesmo completamente sincera. Fazer da civilização a obra de uma elite, é identificá-la à cultura, que é uma coisa diferente. Há uma cultura mediterrânea. Mas há também uma civilização mediterrânea. Pelo contrário, não confundir civilização e povo. [pág. 32]
Narrativa – o homem que não se quer justificar. A ideia que se faz dele é a preferida. Ele morre, único a guardar consciência da sua verdade. Futilidade dessa consolação. [pág.33]
(Com uma nota: "Prefiguração do tema chave de “O Estrangeiro”.)
Maio.
Erro de uma psicologia de pormenor. Os homens que se procuram, que se analisam. Para nos conhecermos bem, temos que nos afirmar. A psicologia é acção - não reflexão sobre si próprio. Definimo-nos ao longo da vida. Conhecermo-nos perfeitamente, é morrer. [pág.34]
As filosofias valem aquilo que valem os filósofos. Maior é o homem, mais a filosofia é verdadeira. [pág. 36]
Combate trágico do mundo sofredor. Futilidade do problema da imortalidade. Aquilo que nos interessa, é de facto o nosso destino. Mas não "depois", "antes". [pág. 37]
Regra lógica. O singular tem valor de universal.
-ilógica: o trágico é contraditório.
-prática: um homem inteligente em certo plano pode ser um imbecil noutros. [pág. 37]
Os casais: o homem tenta brilhar diante de terceiros. A mulher imediatamente: "Mas tu também…", e tenta diminui-lo, torná-lo solidário da sua mediocridade. [pág. 41]
Mulheres na rua. A besta arrebatada do desejo que trazemos enroscada na cavidade dos rins e que se agita com uma suavidade estranha. [pág. 43]
Extractos, in "Cadernos" (1962-Editions Gallimard), Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº1 (Maio de 1935/Setembro de 1937).
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Jovem eu pedia às pessoas mais do que elas me podiam dar: uma amizade contínua, uma emoção permanente.
Hoje sei pedir-lhes menos do que podem dar: uma companhia sem palavras. E as suas emoções, a sua amizade, os seus gestos nobres mantêm a meus olhos o autêntico valor de milagre: um absoluto resultado da graça. [pág. 12]
(Tenho dificuldade em interpretar as razões que me levaram, com 20 anos, a escolher este excerto mas seria capaz, hoje, de o sublinhar de novo com acrescidas razões.)
Abril.
Primeiros dias de calor. Sufocante. Todos os animais estão deitados. Quando o dia começa a declinar, a natureza estranha da atmosfera por cima da cidade. Os ruídos que nela se elevam e se perdem como balões. Imobilidade das árvores e dos homens. Pelas esplanadas, mouros à conversa na espera da noite. Café torrado, cujo aroma também se eleva. Hora suave e desesperada. Nada para abraçar. Nada onde ajoelhar, louco de reconhecimento. [pág. 25]
(Nesta página escrevi à mão em frente a Abril: "3-1968-Faro-Cais".
O ambiente da Argélia natal de Camus tem algo a ver com o ambiente de Faro, a minha cidade natal. Devia ser o período das Férias de Páscoa. Curiosamente nas vésperas do "Maio de 68")
Os sentidos e o mundo – Os desejos confundem-se. E neste corpo que aperto contra o meu, aperto também essa alegria estranha que vem do céu em direcção ao mar. [pág. 25]
Perna partida do carregador. A um canto, um homem novo que ri silenciosamente. [pág.26]
Maio.
Estes fins de tarde em Argel em que as mulheres são tão belas. [pág.27]
Intelectual? Sim. E nunca renegar. Intelectual = aquele que se desdobra. Isto agrada-me. Sinto-me contente por ser ambos. "Se isto se adapta?" Questão prática. É preciso meter mãos à obra. "Eu desprezo a inteligência" significa na realidade: "não posso suportar as minhas dúvidas". Prefiro manter os olhos abertos. [pág. 35]
Fevereiro. (de 1936)
A civilização não reside num grau mais ou menos elevado de requinte. Mas numa consciência comum a todo um povo. E essa consciência nunca é requintada. Ela é mesmo completamente sincera. Fazer da civilização a obra de uma elite, é identificá-la à cultura, que é uma coisa diferente. Há uma cultura mediterrânea. Mas há também uma civilização mediterrânea. Pelo contrário, não confundir civilização e povo. [pág. 32]
Narrativa – o homem que não se quer justificar. A ideia que se faz dele é a preferida. Ele morre, único a guardar consciência da sua verdade. Futilidade dessa consolação. [pág.33]
(Com uma nota: "Prefiguração do tema chave de “O Estrangeiro”.)
Maio.
Erro de uma psicologia de pormenor. Os homens que se procuram, que se analisam. Para nos conhecermos bem, temos que nos afirmar. A psicologia é acção - não reflexão sobre si próprio. Definimo-nos ao longo da vida. Conhecermo-nos perfeitamente, é morrer. [pág.34]
As filosofias valem aquilo que valem os filósofos. Maior é o homem, mais a filosofia é verdadeira. [pág. 36]
Combate trágico do mundo sofredor. Futilidade do problema da imortalidade. Aquilo que nos interessa, é de facto o nosso destino. Mas não "depois", "antes". [pág. 37]
Regra lógica. O singular tem valor de universal.
-ilógica: o trágico é contraditório.
-prática: um homem inteligente em certo plano pode ser um imbecil noutros. [pág. 37]
Os casais: o homem tenta brilhar diante de terceiros. A mulher imediatamente: "Mas tu também…", e tenta diminui-lo, torná-lo solidário da sua mediocridade. [pág. 41]
Mulheres na rua. A besta arrebatada do desejo que trazemos enroscada na cavidade dos rins e que se agita com uma suavidade estranha. [pág. 43]
Extractos, in "Cadernos" (1962-Editions Gallimard), Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº1 (Maio de 1935/Setembro de 1937).
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quinta-feira, maio 17
OPERAÇÃO "MÃOS LIMPAS"?
Paradoxalmente parece que uma operação "mãos limpas" no futebol português pode começar pelo Sporting. Tantas suspeitas que ao longo dos anos se acumularam visando os outros ditos grandes do futebol português, para não falar nos médios e pequenos das quais mal se fala. Espero que seja mesmo para levar a sério e a fundo e não uma mera cenografia. O desporto em geral e o futebol, em particular, precisam de retomar o caminho da verdade e da dignidade desportiva.
sábado, maio 5
PARTIDOS
Os partidos políticos em Portugal têm tido uma estabilidade impressionante. Ao contrário de outros países europeus, que integram a UE, nos últimos 44 anos, o corpo central da partidocracia portuguesa quase não mudou mantendo até, no essencial, as mesmas denominações. CDS, CDS/PP ou PP; PPD, PPD/PSD ou PSD; PS; PCP; BE (uma "fusão" da UDP com o PSR e mais alguns grupos ... ). Não está à vista qualquer alteração a este quinteto a que acrescem pequenos partidos sem expressão relevante no plano eleitoral ou meros satélites. Para dizer como são irrelevantes, ou temporárias, as dissidências quer tenham levado ou não à criação de novos partidos de que o caso mais importante foi o da criação do extinto PRD. Não sei quanto tempo mais vai durar este modelo partidário confinado a cinco partidos com aspirações a ser governo ou a partilhar alianças de governo. Com a presente solução de governo só fica a faltar, na prática, a participação num governo dos partidos que hoje apoiam, a nível parlamentar, o governo PS. Assim vamos... e continuaremos...
terça-feira, maio 1
1º de maio - o MES saíu à rua num dia assim
No dia 1 de Maio de 1974, o mais memorável dia do trabalhador da história contemporânea portuguesa, o país desceu à rua para celebrar a liberdade. Os relatos são incontroversos acerca da adesão em massa da população aos festejos.
Miguel Torga, por exemplo, no seu “Diário” escreveu: “Coimbra, 1 de Maio de 1974 – Colossal cortejo pelas ruas da cidade. Uma explosão gregária de alegria indutiva a desfilar diante das forças de repressão remetidas aos quartéis.
- Mais bonito do que a Rainha Santa … – dizia uma popular. “
Por mim estive remetido ao quartel e não pude participar na grande festa da liberdade. Ao contrário do que Torga escreveu as forças de repressão já não estavam remetidas aos quartéis pela simples razão de que tinham sido subjugadas ou aderido à revolução.
Nesse dia, na grandiosa manifestação de Lisboa, surgiu, pela primeira vez, em público, o MES (Movimento de Esquerda Socialista). Alguém tomou a iniciativa de desenhar num pano MOVIMENTO DA ESQUERDA SOCIALISTA (EM ORGANIZAÇÃO) e juntar atrás dele os activistas que antes militavam em diversos movimentos sociais e sectoriais.
Publico as quatro fotografias, de autoria de Rosário Belmar da Costa, que me chegaram às mãos através do António Pais que, por sua vez, as recebeu de Inês Cordovil e mais uma que me chegou mais tarde diretamente de Inês Cordovil e que é a melhor de todas.
Estas fotografias, 44 anos depois de terem sido fixadas, são, certamente, documentos únicos que testemunham o nascimento de um partido com vida efémera pois que, como é sabido, se auto dissolveu, num jantar, em 7 de Novembro de 1981.
Miguel Torga, por exemplo, no seu “Diário” escreveu: “Coimbra, 1 de Maio de 1974 – Colossal cortejo pelas ruas da cidade. Uma explosão gregária de alegria indutiva a desfilar diante das forças de repressão remetidas aos quartéis.
- Mais bonito do que a Rainha Santa … – dizia uma popular. “
Por mim estive remetido ao quartel e não pude participar na grande festa da liberdade. Ao contrário do que Torga escreveu as forças de repressão já não estavam remetidas aos quartéis pela simples razão de que tinham sido subjugadas ou aderido à revolução.
Nesse dia, na grandiosa manifestação de Lisboa, surgiu, pela primeira vez, em público, o MES (Movimento de Esquerda Socialista). Alguém tomou a iniciativa de desenhar num pano MOVIMENTO DA ESQUERDA SOCIALISTA (EM ORGANIZAÇÃO) e juntar atrás dele os activistas que antes militavam em diversos movimentos sociais e sectoriais.
Publico as quatro fotografias, de autoria de Rosário Belmar da Costa, que me chegaram às mãos através do António Pais que, por sua vez, as recebeu de Inês Cordovil e mais uma que me chegou mais tarde diretamente de Inês Cordovil e que é a melhor de todas.
Estas fotografias, 44 anos depois de terem sido fixadas, são, certamente, documentos únicos que testemunham o nascimento de um partido com vida efémera pois que, como é sabido, se auto dissolveu, num jantar, em 7 de Novembro de 1981.
domingo, abril 29
ANIVERSÁRIO (II)
Os meus agradecimentos pelas mensagens, vindas por terra, mar e ar, a propósito do meu aniversário. É a vida!
(Deixo mais uma fotografia enviada pelo meu amigo Hélder Gonçalves, em Tavira nos idos dos anos 80, na qual estão retratadas a Francisca Moura e a Margarida Ramos, acompanhadas por mim próprio.)
(Deixo mais uma fotografia enviada pelo meu amigo Hélder Gonçalves, em Tavira nos idos dos anos 80, na qual estão retratadas a Francisca Moura e a Margarida Ramos, acompanhadas por mim próprio.)
sábado, abril 28
ANIVERSÁRIO
Aniversário, sempre igual, sempre diferente, um ano mais de caminhada, sempre com os olhos postos no futuro, a vida, o trabalho, o gesto comum que se aprecia, um olhar, uma palavra, nada mais simples do que festejar, o mais, o menos, o que se deseja, olhos abertos ao céu que ilumina o mundo, ao mar que reflete o sonho, ir mais além, de cabeça levantada sem temor de nada, a não ser nunca ter agradecido o suficiente aos que sempre nos amaram. Haja saúde!
Fotografia enviada agora mesmo pelo Hélder Gonçalves (no cais da doca de Faro, na espera da partida para a "Deserta", certamente, no verão passado - comigo, ele próprio, Francisca Pereira de Moura e Margarida Ramos.)
Fotografia enviada agora mesmo pelo Hélder Gonçalves (no cais da doca de Faro, na espera da partida para a "Deserta", certamente, no verão passado - comigo, ele próprio, Francisca Pereira de Moura e Margarida Ramos.)
terça-feira, abril 24
25 DE ABRIL - SEMPRE (2)
Por esta hora neste dia, 24 de abril de 1974 (era uma 4ª feira), estaria no quartel, já informado que havia chegado o dia. Com os companheiros de armas mais chegados – António Cavalheiro Dias e João Mário Anjos – entramos em estado de prontidão para o que desse e viesse. Outros, por diversas vias, estariam também alerta. Já não me lembro com precisão quem terá sido o mensageiro, certamente, um oficial do quadro permanente. Conversas e contactos discretos, temperatura primaveril, tensão crescente sem contra ordens. Acertámos encontrarmo-nos, quando se aproximasse a noite, em casa do Cavalheiro Dias, em Benfica. Ao final da tarde saí do quartel, devo ter passado por casa e de seguida fui a casa do Ferro Rodrigues, na Travessa do Ferreiro, avisá-lo(s). O Sporting jogava para as competições europeias, se não erro, com uma equipa da Alemanha de Leste. Tudo parecia, apesar da tentativa falhada do 16 de março, bastante inverosímil. Um golpe de estado militar? Uma revolução? Regressei a Benfica, sempre em transportes públicos, para me juntar aos companheiros de armas. A espera valeu a pena. Seguiu-se a madrugada mais longa, e inesperada, da minha vida. Muitos haviam lutado, sem sucesso, pelo advento da liberdade e, finalmente, fez-se-lhes justiça. Lembro o General Humberto Delgado.
Fotografias de Carlos Gil
Fotografias de Carlos Gil
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