segunda-feira, setembro 22

setembro - dia 22


O que sabemos da vida é quase nada. O que sabemos da vida dos outros é um pedaço ridiculamente pequeno da verdadeira vida dos outros. O mar em que esbracejamos é povoado de um multidão de seres que desconhecemos em absoluto. Resta a nossa vida, a vidinha, e o que fazemos com ela. A nossa vidinha assume a máxima importância. As nossas opiniões, família, amigos, paixões, crenças, … Tudo o que está ao alcance da nossa mão e que nos permite coçar o corpo. Mas tudo isso não é nada. Uma mão vazia num corpo solitário.

sábado, setembro 20

PARTIDOS FUTUROS

                                                           Fotografia de Hélder Gonçalves

O partido anunciado por Marinho e Pinto, que  surgirá em breve sob uma chuva de criticas simples de populismo, não pode ser reduzido a um fenómeno fruto de uma época na qual os populismos florescem em toda a Europa. O novo partido, criado sob a égide de Marinho e Pinto, terá contornos ideológicos e, provavelmente, programáticos que o aproximará mais do ideário da esquerda socialista e social democrática. Um híbrido republicano, democrático e de esquerda que buscará captar a pulsão populista que povoa transversalmente as sociedades contemporâneas. Não se contentem pois as lideranças actuais, e futuras, dos partidos do nosso sistema partidário com uma simples catalogação crítica de partido populista ao que será o partido de Marinho e Pinto. Ele será mais do que isso, em qualidade e quantidade, em programa e promessas de acção reformista, anunciando ser uma peça relevante do xadrez politico no período pós eleições legislativas.      

SOFIA LOREN - 80 ANOS




quinta-feira, setembro 18

O TEXTO POLÍTICO

Faz muito tempo, talvez em 1980, criei um livro artesanal contendo um conjunto de citações de um livro cuja leitura muito me impressionou. Mais tarde, pouco tempo após ter criado este blogue, que tem a vetusta idade de quase 11 anos, publiquei-o aqui. É um dos posts mais procurados desde sempre vá lá saber-se a razão. Continua a ser do meu agrado e aqui vai tal qual consta do tal livrinho artesanal com uma nota de minha autoria que, aparentemente, nada tem a ver a ver com o teor da citação.  


"O texto político

O político é, subjectivamente, uma fonte permanente de aborrecimento e/ou de prazer; é, além disso e de facto (isto é, a despeito das arrogâncias do sujeito político), um espaço obtinadamente polissémico, a sede privilegiada duma interpretação perpétua (uma interpretação, se for suficientemente sistemática nunca será desmentida, até ao infinito). Poderíamos concluir a partir destas duas constatações que o Político é textual puro: uma forma exorbitante, exasperada, do Texto, uma forma inaudita que, pelos seus extravasamentos e pelas suas máscaras, talvez ultrapasse a nossa compreensão actual do Texto. E, tendo Sade produzido o mais puro dos textos, julgo compreender que o Político me agrada como texto sadiano e me desagrada como texto sádico."

Escrevi nesta pagina: "visitam-se lugares e acontecimentos mas, de facto, visitamo-nos a nós próprios apertando os contactos entre os "viajantes". Quando assim não sucede a viagem reduz-se à excursão."

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 33
(pag. 13, 4 de 4)

Edição portuguesa - Edições 70

sábado, setembro 13

setembro - dia 13

A crise do capitalismo financeiro agudiza-se, a chamada economia de casino parece nas últimas, tudo isto nas vésperas das eleições presidenciais americanas. Qual a solução? Uma guerra? Uma entrada do Estado na economia? Um reforço drástico do seu papel regulador? Mas como alimentar de recursos financeiros uma economia que deixou de se alimentar, na sua maior fatia, dos chamados bens transaccionáveis?   

16/9/2008  

quinta-feira, setembro 11

Anna Netrebko - Verdi: Il Trovatore – Miserere... (Salzburg 2014)


SALVADOR ALLENDE - último discurso antes de ser assassinado

                                                            
                                               Fotografia de Hélder Gonçalves

Seguramente ésta será la última oportunidad en que pueda dirigirme a ustedes. La Fuerza Aérea ha bombardeado las torres de Radio Postales y Radio Corporación. Mis palabras no tienen amargura sino decepción Que sean ellas el castigo moral para los que han traicionado el juramento que hicieron: soldados de Chile, comandantes en jefe titulares, el almirante Merino, que se ha autodesignado comandante de la Armada, más el señor Mendoza, general rastrero que sólo ayer manifestara su fidelidad y lealtad al Gobierno, y que también se ha autodenominado Director General de carabineros. Ante estos hechos sólo me cabe decir a los trabajadores: ¡Yo no voy a renunciar! Colocado en un tránsito histórico, pagaré con mi vida la lealtad del pueblo. Y les digo que tengo la certeza de que la semilla que hemos entregado a la conciencia digna de miles y miles de chilenos, no podrá ser segada definitivamente. Tienen la fuerza, podrán avasallarnos, pero no se detienen los procesos sociales ni con el crimen ni con la fuerza. La historia es nuestra y la hacen los pueblos.

Trabajadores de mi Patria: quiero agradecerles la lealtad que siempre tuvieron, la confianza que depositaron en un hombre que sólo fue intérprete de grandes anhelos de justicia, que empeñó su palabra en que respetaría la Constitución y la ley, y así lo hizo. En este momento definitivo, el último en que yo pueda dirigirme a ustedes, quiero que aprovechen la lección: el capital foráneo, el imperialismo, unidos a la reacción, creó el clima para que las Fuerzas Armadas rompieran su tradición, la que les enseñara el general Schneider y reafirmara el comandante Araya, víctimas del mismo sector social que hoy estará en sus casas esperando con mano ajena reconquistar el poder para seguir defendiendo sus granjerías y sus privilegios.

Me dirijo, sobre todo, a la modesta mujer de nuestra tierra, a la campesina que creyó en nosotros, a la abuela que trabajó más, a la madre que supo de nuestra preocupación por los niños. Me dirijo a los profesionales de la Patria, a los profesionales patriotas que siguieron trabajando contra la sedición auspiciada por los colegios profesionales, colegios de clases para defender también las ventajas de una sociedad capitalista de unos pocos.
Me dirijo a la juventud, a aquellos que cantaron y entregaron su alegría y su espíritu de lucha. Me dirijo al hombre de Chile, al obrero, al campesino, al intelectual, a aquellos que serán perseguidos, porque en nuestro país el fascismo ya estuvo hace muchas horas presente; en los atentados terroristas, volando los puentes, cortando las vías férreas, destruyendo lo oleoductos y los gaseoductos, frente al silencio de quienes tenían la obligación de proceder. Estaban comprometidos. La historia los juzgará.

Seguramente Radio Magallanes será acallada y el metal tranquilo de mi voz ya no llegará a ustedes. No importa. La seguirán oyendo. Siempre estaré junto a ustedes. Por lo menos mi recuerdo será el de un hombre digno que fue leal con la Patria.

El pueblo debe defenderse, pero no sacrificarse. El pueblo no debe dejarse arrasar ni acribillar, pero tampoco puede humillarse.
Trabajadores de mi Patria, tengo fe en Chile y su destino. Superarán otros hombres este momento gris y amargo en el que la traición pretende imponerse. Sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, de nuevo se abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre, para construir una sociedad mejor.

¡Viva Chile! ¡Viva el pueblo! ¡Vivan los trabajadores!

Estas son mis últimas palabras y tengo la certeza de que mi sacrificio no será en vano, tengo la certeza de que, por lo menos, será una lección moral que castigará la felonía, la cobardía y la traición.

terça-feira, setembro 9

setembro - dia 9


Debates há muitos como é próprio em democracia. Já poucos se lembram dos anos sem fim sem sombra de debates. Quanto muito "conversas em família", solilóquios, discursos para multidões arregimentadas. Debates no prime time entre dirigentes do mesmo partido? Raros! Quase uma novidade absoluta. Dirão: perda de tempo. Estão enganados. Aconteça o que acontecer, ganhe quem ganhar, mais ou menos contrariedade, incómodo ou afrontamento, ganha a democracia. Seja qual for o nosso lado, a predilecção, o medo que suscite  e o resultado da eleição, nesta democracia descrente de si própria, é sempre preferível ao silêncio ouvir as vozes construindo uma boa disputa.  

sexta-feira, setembro 5

setembro - dia 5


Em muitos dias, mais noites, quando quero escrever mudo-me para o meu velho computador, uma espécie de Cadillac dos anos 50, daqueles que circulam com abundância em Cuba, porque gosto do seu ronronar e do ruído do bater das teclas mais próximo do compasso do andar quotidiano. É uma deriva através da qual suponho que busco fazer coisa diferente, fazendo o mesmo que faço todo o dia. Escrever para mim próprio, alimentando um diálogo entre o trabalho do dia a dia e o outro lado, o lugar do dia a dia dos outros. Um regresso a uma utópica reconciliação com o lado desconhecido do mundo e o desespero dos homens que o habitam abandonados à sua sorte. Hoje é tanto o afastamento entre as imagens projectadas da realidade e a própria realidade que as pequenas extravagâncias me aquietam  o espírito. O meu velho computador sendo ainda uma máquina humaniza a minha relação com ela. E os ruídos que emite aproximam-me, sem que saiba explicar a razão, do mundo real onde não existem imagens mas a realidade que as imagens em regra distorcem.      

quinta-feira, setembro 4

DIA DE ANIVERSÁRIO

No dia do aniversário do meu pai, em sua homenagem, reproduzo um post antigo.

O meu pai Dimas à janela da casa onde nasci. Foi através dela que conheci um mundo banhado pela claridade da luz do sul. Vivi debruçado nesta janela até aos oito anos. Todo o tempo necessário para aprender a natureza.

Paredes brancas de cal. Ladrilhos coloridos. Ruas de terra batida. Vistas de campos espraiados até ao mar. Recantos floridos. Sombras de árvores de frutos. Mãos carinhosas. Telhas de barro quente. O azul transparente do mar.

A família sobreviveu a todas as adversidades próprias das épocas de guerra. Razão mais que suficiente para, apesar da tirania, se sentir feliz. O meu pai era uma pessoa honrada e ensinou-me a liberdade. Honra e liberdade. Foi essa a herança que dele recebi. Fica-lhe bem a moldura daquela janela na qual aprendi a sonhar.
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A casa permanece intacta e habitada e esta é uma das suas duas janelas térreas. O encanto que lhe encontrava estendia-se à vizinhança, aos corredores internos e às ruas circundantes.
[Fotografia anterior a 1955, colhida na Rua Coelho de Melo, em Faro.]

quarta-feira, setembro 3

Hannigan & GSO - Three Mozart Arias


setembro - dia 3


Regresso à barbárie. Abundam sinais alarmantes de ascensão de novas formas de totalitarismo. Não em forma de doutrina livresca ou de acções isoladas, e pontuais, levadas a cabo por tresloucados. O que está a acontecer sob os nossos olhos, desde a Ucrânia ao Iraque, um pouco por todo o mundo, com formas diversas de expressão, é o alastramento de fanatismos, novos fascismos, difíceis de caracterizar em toda a sua extensão e profundidade. Não nos deixemos ficar pelo horror das execuções mediáticas perpetradas por radicais islâmicos. Interroguemo-nos acerca da origem do apoio politico e militar, ou seja, que forças sustentam estas forças? Qual a origem dos recursos que as tornam tão letais? Ainda mais, será necessário chamar a atenção para as ideologias totalitárias que, sob as mais variadas capas ideológicas, e crenças religiosas, atraem jovens e intelectuais um pouco por todo o mundo ocidental. Notam-se esses sinais, além da indiferença que toma o lugar da condenação da barbárie, em tomadas de posição de cidadãos que connosco convivem no dia a dia e não se coíbem de acolher, expressamente, processos e medidas politicas limitativas da liberdade individual em todas as suas dimensões. Os princípios e valores nos quais assenta a nossa vida em sociedade, por mais banal que pareça a sua evocação e defesa, não podem ser menosprezados e, muito menos, espezinhados. "Liberdade, liberdade, tem cuidado que te matam ... " escreveu Jorge de Sena  a propósito, noutro contexto, deste mesmo perigo. Alerta, pois, para as posturas moles, complacentes, no combate a todas as formas de totalitarismo, seja qual for a sua matriz ideológica.  

segunda-feira, setembro 1

setembro - dia 1


Nasceu hoje Setembro, o mês nove, agora mais perto do fim do ano, o tempo é implacável, passa por nós sem aviso prévio, descobri nas vésperas do primeiro dia de Setembro um conjunto de cartas que a minha primeira namorada " a sério" me escreveu, e eu lhe escrevi outras, tinha 21 anos, era verão, neste mesmo mês de Setembro, tão belos os textos, escritos de primeira, apaixonados e directos como só as mulheres sabem expressar suas opiniões e sentimentos. Tantos anos passados a sensação de não ter correspondido... Por estes dias, naquele ano longínquo, deveria fazer calor, mas também chovia, e a comunicação era mais rápida do que podemos supor hoje ao teclado dos instantâneos comunicados, pois as datas das cartas, nalguns casos, marcam dias sucessivos... com uma estampilha de um escudo ... e fui buscar um poema do Ruy Belo, in "Boca Bilingue", que inicia assim:

Setembro é o teu mês, homem da tarde
anunciada em folhas como uma ameaça
Ninguém morreu ainda e tudo treme já
Ventos e chuvas rondam pelos côncavos dos céus
e brilhas como quem no próprio brilho se consome
(...)

sexta-feira, agosto 29

Dvořák - Symphony No. 9 in E Minor "From the New World" - IV. Allegro co...


agosto - dia 29


As notícias que nos são acessíveis do mundo, e do país que é o nosso, soltam-se no ar em turbilhão. Salvo nos regimes com supressão, ou limites apertados, da liberdade de informação, ou seja, nas ditaduras, a regra é a da disputa política sempre ganhar contornos agrestes na conquista da opinião pública. Sempre assim foi em regimes democráticos onde impera o primado da lei e da liberdade de imprensa. Nada de substancialmente novo se passa nos nossos dias a não ser a emergência das redes sociais através das quais cada um de nós se pode transformar, quase que instantaneamente, num "órgão de informação".  Resta continuar a manter o equilíbrio que, no caso, se resume, entre outros aspetos, em assumir a natureza micro da participação de cada um nesta torrente de informação, nem por isso dispensável no presente contexto, e a perceção de que existe um imenso mundo de informação que nunca fica acessível ao maior número de cidadãos mantendo-se no segredo dos deuses. E ainda, não menos importante, ter presente o imenso manancial de contrainformação que se dispensa de reserva para assumir a mentira em todo o seu esplendor.

terça-feira, agosto 26

agosto - dia 26


Frank Grisdale

As coisas com jeito demoram tempo. Os projectos sustentáveis carecem de maturação. Pensamento e acção. Conjugados. Capacidade de projecção para a frente, em direcção ao futuro, mesmo que não pertençamos já a esse futuro que anunciamos. Todo o tempo sonha e só quem sonha com o futuro merece ser tomado a sério. Mesmo que o passado molde o nosso tempo e o nosso tempo molde o futuro. O que fica depois do tempo nos ter reduzido a cinzas é o futuro. Disse o prelector face ao seu tempo. E calou-se prudente e desconfiado no efeito das suas palavras sobre os sentimentos dos famintos de presente.

segunda-feira, agosto 25

agosto - dia 25


Passam hoje 70 anos que Paris foi libertada da ocupação nazi. É uma data longínqua e simbólica mas apetece-me lembrá-la a traço grosso. Nesse dia (talvez noite) Albert Camus escreveu um notável editorial para o jornal Combat, órgão da Resistência, intitulado: LA NUIT DE LA VÉRITÉ que começa assim: 

Tandis que les balles de la liberté sifflent encore dans la ville, les canons de la libération franchissent les portes de Paris, au milieu des cris et des fleurs. Dans la plus belle et la plus chaude des nuits d’août, le ciel de Paris mêle aux étoiles de toujours les balles traçantes, la fumée des incendies et les fusées multicolores de la joie populaire. Dans cette nuit sans égale s’achèvent quatre ans d’une histoire monstrueuse et d’une lutte indicible où la France était aux prises avec sa honte et sa fureur. (...)

70 anos é muito tempo e são já uma minoria os contemporâneos desse acontecimento marcante da nossa história contemporânea. Mas nada é mais importante do que celebrar a liberdade e os acontecimentos que a evocam em toda a sua força telúrica. Desde esse dia, passaram 70 anos, a Europa tem vivido um longo período de paz que somente hoje, no tempo que é o nosso, está verdadeiramente em perigo.  

sexta-feira, agosto 22

agosto - dia 22

Uma tarde quente povoada pelos medos que as notícias acalentam. Além das heranças do nosso passado doméstico, e seu reflexo no presente, continua a alastrar a violência por esse mundo. Leio a notícia de execuções públicas em Gaza em retaliação pela eliminação física de dirigentes militares do Hamas levadas a cabo por Israel. Assinalo as mais cruéis manifestações da guerra fazendo lembrar, de forma impressiva, outras guerras de todos os tempos passados. Esta cavalgada da guerra a que assistimos tem que ser refreada sem ilusões de alcançar uma paz impoluta. As potências - sempre as potências! - com argumentos de força militar ou económica, ou ambos, têm que se entender globalmente forçadas por um movimento que somente os cidadãos podem impulsionar. O Papa Francisco apela, o Secretário Geral das Nações Unidas, apela, alguns lideres políticos apelam, à paz, mas não se vê luz ao fundo do túnel que acalente a esperança de um retrocesso dos movimentos extremistas/belicistas. Alastra mesmo entre a intelectualidade, como sempre aconteceu, nos períodos que antecedem as grandes guerras, um amolecimento do espírito crítico face ao alastramento de ideologias populistas e de nacionalismos exacerbados (caso da Hungria, país membro da UE!) que, sejam quais forem as suas raízes ou tendências, todas por igual, têm que ser combatidas, e confinadas, sob pena de virmos, enquanto cidadãos do mundo, a ser responsáveis por um  novo holocausto.