sábado, junho 13

O que vêem os olhos quando já não podem ver


convencidos que estás a brincar e não estás a brincar, é no meio desta gente que te sentes bem, deste canto que ninguém a não ser nós sabe onde fica, é para eles, que te não lêem, que escreves. O senhor Ribeiro, que ainda não saiu da guerra na Guiné, a dona Fernanda que te enrolava salsichas em couve lombarda, a esplanadazinha com as empregadas brasileiras do cabeleireiro? O teu avô nasceu em Belém do Pará, o teu bisavô nasceu em Belém do Pará, ao teu trisavô, filho de camponeses da Póvoa do Lanhoso, meteram-no num veleiro faz-te à vida, e ele fez-se à vida, que remédio, e lá andou na borracha, aguentou-se. Chamava-se Bernardo António Antunes e aguentou-se. Aguenta-te tu. Isto que escrevo é o quê? O trineto do senhor Antunes a aguentar-se, a nobreza dele um casinhoto que deixou de existir há séculos, na Póvoa do Lanhoso. Todo o Minho do sangue do senhor Antunes está no teu, é uma criança num veleiro, a fazer-se à vida. Faz-te à vida, miúdo. António Antunes, mais o Lobo da nora do senhor Antunes, Leopoldina claro, como a imperatriz. O teu pai tinha retratos dela, morreu nova. Isto que escreves é Belém do Pará a tremer ao longe nas histórias que te contavam em pequeno, mamãe diz ao papai que eu quero ir para a guerra do Paraguai. E vou. Pensando bem já lá cheguei há que tempos.
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