sábado, março 21

DIA MUNDIAL DA POESIA

Em memória do meu irmão Dimas

I
nas minhas mãos sinto
o que não tenho

10 de Fevereiro de 2006

II
o raio de luz estilhaça o espaço
do meu silêncio

11 de Fevereiro de 2006

III
no fim do tempo as cores belas do poente

12 de Fevereiro de 2006

IV
as cidades ocupam o lugar dos campos abandonados
mas é neles que me revejo

17 de Fevereiro de 2006

V
subindo a montanha do tempo descubro
as mãos vazias de nada

19 de Fevereiro de 2006

VI
o tempo corre desvairado e na poeira de seus passos
meu filho se fez homem

21 de Fevereiro de 2006




VII
não me digas não pois mesmo no teu silêncio alisado
eu descubro uma voz que sempre fala e me descobre

23 de Fevereiro de 2006

VIII
Sinto as ruas da infância as pedras gotas de água
ângulos gritos silêncios de dorida e surda mágoa

9 de Março de 2006

IX
Sulcava um ar lavrado de indefinível espessura
o prazer do jogo das palavras não ditas perdura

10 de Março de 2006

X
Pode ser este o último poema a que mais nenhum suceda
como antes do princípio: a palavra recortada no silêncio

10 de Março de 2006

XI
Numa manhã de um dia qualquer subi olhei
do ponto mais alto procurei não vi ninguém

15 de Março de 2006

XII
Sofre-se devagar lentamente as palavras malditas
dos lamentos ecoam nos vagos silêncios do destino

21 de Março de 2006

XIII
Enroscada ao côncavo do corpo a solidão
incendeia o desejo no alvor da primavera

21 de Março de 2006

XIV
Nada acontece de novo desde o tempo luminoso
esboço a sépia quente o teu corpo simplesmente

24 de Março de 2006

XV
Ouço o insuportável zumbido das mágoas
vozes do meu sangue que o tempo apagou

30 de Março de 2006

XVI
Vejo a criação como o lugar dos silêncios
templo vazio prenhe do tempo imaginado

1 de Abril de 2006

XVII
O sol quente irradia primavera à vista do mar
flores saúdam o vento a única força do mundo

3 de Abril de 2006

XVIII
A terra quente a meus pés o pó do carvão ardendo
o frio da manhã fumos soltos o vento sol nascente

4 de Abril de 2006

XIX
No calor da sombra a terra quente subiu
em fúria desordenada rompeu o silêncio

7 de Abril de 2006

XX
Inóspito caminho, o sangue quente latejou
na cavalgada o prazer no dorso da espada

8 de Abril de 2006

XXI
A noite alisando a pele dos sentidos os floria
soletrando silêncios a madrugada amanhecia

10 de Abril de 2006

XXII
Olhei as mãos de seus sulcos emergiam desenhos
inacabados preces sonhos regressos imaginados

12 de Abril de 2006

XXIII
O dia desce sobre a cidade as ruas fumegam
os passos ecoam como corpos vestidos de dor
16 de Abril de 2006
*
XXIV
Um brado difuso me percorre no fio do silêncio
desesperada ausência o rosto na voz esquecida

18 de Abril de 2006

XXV
Se fosse noite ver-te-ia correr em mim
longa carícia colorida, sonho sem fim

20 de Abril de 2006

XXVI
Sabemos de nós tudo através do olhar dos outros

21 de Abril de 2006

XXVII
No cimo a luz branca pontiaguda ilumina
as mãos que tendem o pão da minha vida

3 de Maio de 2006

XXVIII

Como as palavras as imagens, que tomamos como nossas, são um bocado do imaginário que sobrevive à decapitação dos sonhos. Caminhamos por entre escombros.
Quando minha mãe morreu nos meus braços não chorei. Só chorei quando, velando o seu corpo, me surgiu pela frente uma vizinha que frequentava a minha infância. O imaginário, naquele breve momento, tomou de assalto as minhas defesas que ruíram com estrondo.
Percebi a leveza insustentável dos corpos depois de mortos e a infinita fraqueza que se esconde por detrás da nossa aparente normalidade.

S/data

XXIX
Nas pedras irregulares do chão da infância
luminosas as sombras que acolhem os corpos

15 de Maio de 2006

XXX
Fosse meu tudo o que não tem medida certa
seria feliz por possuir o mundo
Tomaria em mãos as diversas artes
sendo múltiplo fingir-me-ia uno
uno por dentro e por fora repartido em partes

19 de Maio de 2006

XXXI
Gosto de iniciar o caminho pelo princípio
Onde não se encontra nada o que abraçar

Inventar tudo desde o começo mesmo sem
A ideia clara do caminho que hei-de rasgar

Buscar a luz que alumia a vida na revolta
Da palavra e na surpresa de afinal confiar

Gosto de sentir o frio na testa desabrigada
Cavar fendas na memória e nelas recordar

O meu mundo secreto único e indivisível
Separado de todos os mundos é outro mar

Gosto de ouvir ao longe sons esquecidos
E nos largos vazios o silêncio a esvoaçar

4 de Junho de 2006

XXXII
Passar o tempo ver passar o passado no presente
Sonhar com as longínquas memórias nas doridas
Noites anoitecidas a ver passar o tempo sedento
De nos devorar o corpo ainda quente dos afagos
Esquecidos de mãos que vagamente escorregam
Pelo esquecimento como todas as mãos milhões
De sinais passaram e deles já todos esqueceram
Os ensinamentos, o toque, a música, o desespero
Passar o tempo deixar em herança esquecimento
Sabendo que mais nada restará senão só o tempo

18 de Junho de 2006

XXXIII
Olhar ao longe por entre a neblina
O mar de verão que acalma a vida

15 de Julho de 2006

XXXIV
Este mar é a luz da minha memória

16 de Julho de 2006
  
XXXV
Sempre o som do mar ao fundo
No silêncio da noite se agiganta
Encosta acima mais nítido puro

21 de Julho de 2006

XXXVI
Branca como sombra reflectida no chão
terra mãe percorrida ao som do silêncio

S/data

XXXVII
Estendo a memória até onde a mão alcança
o tempo submerso resplandece de sabedoria

23 de Novembro de 2006


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