No dia do triste aniversário do assassinato do General Humberto Delgado pela PIDE republico um post resultante da minha leitura da sua Biografia . Nunca é demais exercitar a memória.
Terminada a leitura da Biografia de Humberto Delgado, de autoria de seu neto
Frederico Delgado Rosa, não resisto a deixar algumas notas.
Na minha meninice – como já antes assinalei – senti pessoalmente o frémito da
campanha presidencial de 1958 e nunca mais se apagaram da minha memória as
imagens do empolgamento popular que a figura de Humberto Delgado
suscitou.
Esta obra promissora de desenvolvimentos, e aprofundamentos,
que se aguardam para o próximo futuro, mereceria, além do mais, uma verdadeira
divulgação popular que contribuísse para desmitificar o branqueamento do
fascismo português e da figura do seu líder e mentor – Salazar – que amiúde se
quer fazer passar como um político brando na repressão, tolerante nos costumes e
eficaz na política.
A leitura das 1225 páginas de texto deste livro
sugere uma meditação acerca do "fenómeno Humberto Delgado", após o
golpe militar de 28 de Maio de 1926, até aos nossos dias, mesmo que não nos
aventuremos pelos caminhos da crítica e nos limitemos – como é o caso – ao
simples papel de leitores atentos e interessados. Eis algumas breves, e
despretensiosas, dessas possíveis
reflexões:
(1) É do mais elementar bom senso
desconfiar das ideias feitas acerca da história, em particular, da “história
oficial”, quando envolve personagens carismáticos e acontecimentos com
forte carga política e emotiva;
(2) Os
protagonistas que marcam, pelo seu pensamento e acção, a história das nações são
homens com suas virtudes e defeitos transformando-se a si próprios a par das
transformações que suscitam;
(3) O General
Humberto Delgado foi um distinto militar de carreira, apoiante do golpe militar
do 28 de Maio, e da ditadura entre 1926 e o dealbar dos anos 50, tendo acabado
por sacrificar a carreira, e a própria vida, no combate sem tréguas ao regime
fascista, após a ruptura política com Salazar, a partir das eleições
presidenciais de 1958, às quais se candidatou, como independente, por vontade
própria;
(4) Foi ele o verdadeiro precursor do
25 de Abril de 1974 pois defendeu (quase sempre) que a ditadura só cairia
através da acção militar, que haveria de ser protagonizada pelas forças armadas,
apoiadas pelo povo, o que viria, de facto, a acontecer pouco menos de nove anos
após o seu assassinato que ocorreu em 13 de Fevereiro de
1965;
(5) Delgado foi, politicamente, um
liberal democrata, fortemente influenciado pela cultura anglófona, e pela
sociedade americana (o que lhe valeu o magnífico epíteto de “General Coca
Cola”) influências assumidas ao longo de várias missões profissionais – em
representação do estado português - na Inglaterra, Estados Unidos e também no
Canadá;
(6) Delgado foi um político que nunca
deixou de ser General e de cuja áurea anti-salazarista a esquerda, do seu tempo,
se quis apropriar sem, na verdade, partilhar das suas ideias e acções, que
desprezava apodando-as, pelo menos, de
aventureiras;
(7) O General Humberto Delgado
foi atraído a uma cilada e assassinado pela PIDE, por espancamento, e não a
tiro, com conhecimento de Salazar, que sempre encobriu este hediondo crime, sob
as mais variadas artimanhas, no plano interno e da diplomacia, entrando,
inclusive, em rota de colisão com Franco;
(8) O
julgamento dos autores materiais do crime – que não dos seus autores morais que
sempre foram poupados pela democracia – em Tribunal Militar – foi uma triste
farsa que não permitiu apurar a verdade e muito menos punir os
criminosos;
(9) Todo o processo desde o
assassinato de Delgado, passando pelo encobrimento do crime, à descoberta dos
corpos, à investigação judicial e perícias forenses, realizadas pelas
autoridades espanholas, até à condução do processo judicial em Portugal,
julgamento e recursos judiciais, constitui um caso exemplar que permite, nos
planos político e judicial, entender muitos aspectos da realidade contemporânea
portuguesa e as peripécias de processos que ainda correm os seus
trâmites;
(10) Este livro deveria ser de
leitura obrigatória para todos os políticos, militares, juízes, magistrados,
jornalistas e decisores de todos os escalões da hierarquia do estado a começar
pelo Senhor Presidente da República;
(11)
Espero que o autor, cuja coragem não pode ser só uma herança de sangue, prossiga
as suas investigações para que os portugueses possam conhecer todos os meandros
do assassinato de Humberto Delgado, para que sejam identificados os seus
autores, materiais e morais, assim como os encobridores, localizados os que
ainda possam estar vivos, reabrindo, eventualmente, o processo, levando a que os
criminosos paguem pelos seus actos e contribuindo, dessa forma, para que os
portugueses se reconciliem com a justiça do seu
país.
(12) Nunca nenhum processo-crime está
definitivamente encerrado enquanto subsistirem fundadas suspeitas de que se não
fez justiça. É o caso.
Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
quarta-feira, fevereiro 13
terça-feira, fevereiro 12
segunda-feira, fevereiro 11
MES - VASCULHANDO PELAS MEMÓRIAS
Reparei faz minutos, olhando de relançe, para uma das minhas incursões por um tema que parecerá exotérico como é o caso dos que resultam, a mais das vezes, do vício de vasculhar pelo meu baú do MES (Movimento de Esquerda Socialista). A republicação deste texto fica como homenagem a um discreto, mas importante, inteletual do nosso tempo: Nuno Brederode Santos. Escrevi-o um blogue de boa memória, que ainda jaz em arquivo, chamado Caminhos da Memória. O tempo não conta para o caso deste texto pois o que nele interessa é a trama e a história dela, com pessoas dentro, a politica não como reliquia do passado, mas como saudade do futuro.
Nas vésperas do almoço de celebração do 30º aniversário da extinção do
MES
Julgo não cometer nenhuma inconfidência grave se revelar que, um dia destes, almocei com o Nuno Brederode Santos. Os anos passaram e as minhas incursões pelas memórias do MES fizeram despertar nele, no meu entendimento, a necessidade de uma reflexão acerca de algumas reservas mentais que apimentaram a batalha do I Congresso do MES nos finais do ano da graça de 1974.
Curiosamente ficámos a saber, no decurso do repasto, que o nosso regresso às lides políticas, ocorreu em Outubro desse ano pelas mesmíssimas razões. Ele «guerreava» em Moçambique, no curso de uma longa comissão na guerra que combatíamos, eu «guerreava» na magna tarefa de instruir levas de milicianos – alguns deles ilustres intelectuais da nossa praça – habilitando-os para a deserção ou para o combate numa das frentes dessa guerra, para nós, desditosa.
Além de agradável, no plano pessoal, como haveria sempre de ser, a conversa revelou-me algumas facetas do primeiro conclave do MES que se me haviam varrido da memória e que, como consequência, levaram a omissões involuntárias nas anteriores deambulações que empreendi acerca do tema. Não é que a coisa tenha uma importância por aí além mas, na verdade, nunca me tinha apercebido de que o Nuno, ele próprio, fora um dos principais, senão o principal, tenor da tese da ruptura.
Se tivesse sido alcançada uma conciliação de posições permitindo manter a unidade, que acabou por se quebrar com estrondo no I Congresso do MES, seria uma derrota para a sua tese que, pelo que entendi, preconizava a criação de uma espécie de federação, inorgânica, de grupos convergentes que, sem um compromisso demasiado vincado com as forças partidárias emergentes, permitiria ganhar tempo, congregando vontades, para a formulação de um programa político à margem da inevitável opção entre um «compromisso histórico entre famílias socialistas» ou uma deriva esquerdista.
O Nuno revelou-me ainda algo que se me tinha varrido da memória e que, na sua opinião, foi um factor decisivo, pelo seu efeito psicológico, na consumação da ruptura com o MES daquele que seria conhecido como o grupo de Jorge Sampaio: uma intervenção radical, em pleno Congresso, de Afonso de Barros, filho de Henrique de Barros que, por razões geracionais era tido como elemento próximo do grupo com o qual, naquele momento, romperia de forma brutal.
Com essa intervenção de Afonso de Barros, da qual não me lembro uma palavra, NBS deu, de imediato, como adquirida a vitória da sua tese, fundada numa confessada reserva mental, ou seja, a da inevitabilidade da ruptura ainda antes da formalização do MES como partido político. Pois sendo a ruptura consumada num momento anterior ao acto final do I Congresso, não seria a reserva mental que presidiu à estratégia dos dissidentes revelada nem estes jamais seriam dissidentes de um partido ao qual, afinal, nunca haviam aderido.
Com esta revelação mais se vincou a ideia, que sempre tenho acalentado, de que teria sido possível celebrar um acordo entre as partes desavindas, com o empenho de meia dúzia daqueles a que NBS sempre designou por «zulus», derrotando a sua tese que, acabou por sair vencedora aproveitando a imaturidade, pessoal e política, da maioria desses «zulus» entre os quais eu me incluía.
Assim andámos todos, de um e outro lado, anos a fio, na dúvida acerca do lugar exacto, e do papel de cada um, nos acontecimentos dos primórdios do MES como se fosse importante manter reservas e distâncias quando a ruptura, provavelmente, nunca se chegou a concretizar pelo simples facto de nunca se ter criado o «corpus partidário» que poderia ter sido alvo dela.
O MES foi, porventura, um mal entendido extinto por quase todos os que se haviam confrontado no I Congresso, através do celebrado, e inédito, convívio de 7 de Novembro de 1981. Só faltam esclarecer uns pormenores que, com a passagem do tempo, se refinaram ganhando a patine das preciosidades inúteis que todas as famílias rejubilam em poder contar como património comum.
Julgo não cometer nenhuma inconfidência grave se revelar que, um dia destes, almocei com o Nuno Brederode Santos. Os anos passaram e as minhas incursões pelas memórias do MES fizeram despertar nele, no meu entendimento, a necessidade de uma reflexão acerca de algumas reservas mentais que apimentaram a batalha do I Congresso do MES nos finais do ano da graça de 1974.
Curiosamente ficámos a saber, no decurso do repasto, que o nosso regresso às lides políticas, ocorreu em Outubro desse ano pelas mesmíssimas razões. Ele «guerreava» em Moçambique, no curso de uma longa comissão na guerra que combatíamos, eu «guerreava» na magna tarefa de instruir levas de milicianos – alguns deles ilustres intelectuais da nossa praça – habilitando-os para a deserção ou para o combate numa das frentes dessa guerra, para nós, desditosa.
Além de agradável, no plano pessoal, como haveria sempre de ser, a conversa revelou-me algumas facetas do primeiro conclave do MES que se me haviam varrido da memória e que, como consequência, levaram a omissões involuntárias nas anteriores deambulações que empreendi acerca do tema. Não é que a coisa tenha uma importância por aí além mas, na verdade, nunca me tinha apercebido de que o Nuno, ele próprio, fora um dos principais, senão o principal, tenor da tese da ruptura.
Se tivesse sido alcançada uma conciliação de posições permitindo manter a unidade, que acabou por se quebrar com estrondo no I Congresso do MES, seria uma derrota para a sua tese que, pelo que entendi, preconizava a criação de uma espécie de federação, inorgânica, de grupos convergentes que, sem um compromisso demasiado vincado com as forças partidárias emergentes, permitiria ganhar tempo, congregando vontades, para a formulação de um programa político à margem da inevitável opção entre um «compromisso histórico entre famílias socialistas» ou uma deriva esquerdista.
O Nuno revelou-me ainda algo que se me tinha varrido da memória e que, na sua opinião, foi um factor decisivo, pelo seu efeito psicológico, na consumação da ruptura com o MES daquele que seria conhecido como o grupo de Jorge Sampaio: uma intervenção radical, em pleno Congresso, de Afonso de Barros, filho de Henrique de Barros que, por razões geracionais era tido como elemento próximo do grupo com o qual, naquele momento, romperia de forma brutal.
Com essa intervenção de Afonso de Barros, da qual não me lembro uma palavra, NBS deu, de imediato, como adquirida a vitória da sua tese, fundada numa confessada reserva mental, ou seja, a da inevitabilidade da ruptura ainda antes da formalização do MES como partido político. Pois sendo a ruptura consumada num momento anterior ao acto final do I Congresso, não seria a reserva mental que presidiu à estratégia dos dissidentes revelada nem estes jamais seriam dissidentes de um partido ao qual, afinal, nunca haviam aderido.
Com esta revelação mais se vincou a ideia, que sempre tenho acalentado, de que teria sido possível celebrar um acordo entre as partes desavindas, com o empenho de meia dúzia daqueles a que NBS sempre designou por «zulus», derrotando a sua tese que, acabou por sair vencedora aproveitando a imaturidade, pessoal e política, da maioria desses «zulus» entre os quais eu me incluía.
Assim andámos todos, de um e outro lado, anos a fio, na dúvida acerca do lugar exacto, e do papel de cada um, nos acontecimentos dos primórdios do MES como se fosse importante manter reservas e distâncias quando a ruptura, provavelmente, nunca se chegou a concretizar pelo simples facto de nunca se ter criado o «corpus partidário» que poderia ter sido alvo dela.
O MES foi, porventura, um mal entendido extinto por quase todos os que se haviam confrontado no I Congresso, através do celebrado, e inédito, convívio de 7 de Novembro de 1981. Só faltam esclarecer uns pormenores que, com a passagem do tempo, se refinaram ganhando a patine das preciosidades inúteis que todas as famílias rejubilam em poder contar como património comum.
domingo, fevereiro 10
Este dia de fevereiro frio
Fixo-me parte deste dia frio de fevereiro perto da ponta mais ocidental da Europa, sobre o mar salgado de Pessoa, Camões, e tantos outros, que cantaram da epopeia portuguesa o mar que quiseram fosse português (e foi). Escasseia a gente onde sobram as casas. O ar permanece limpo e o horizonte infinito. Assomam as memórias e os projetos do tempo presente. Para quê viver sem ideais? Sem projetos de futuro? Precisamos de política, do regresso da politica: a arte de fazer da diferença força e do ideal obra apropriável por todos. Adiante!
sábado, fevereiro 9
O sofrimento humano
sexta-feira, fevereiro 8
quinta-feira, fevereiro 7
terça-feira, fevereiro 5
segunda-feira, fevereiro 4
... le droit d´aimer sans mesure.
“Je comprends ici ce qu´on appelle gloire: le droit d´aimer sans mesure. Il n´y a qu´un seul amour dans ce monde. Étreindre un corps de femme, c´est aussi retenir contre soi cette joie étrange qui descend du ciel vers la mer.»
Albert Camus, in “Noces à Tipasa”
Na fotografia María Casares
Albert Camus, in “Noces à Tipasa”
Na fotografia María Casares
SE EU SAIR DAQUI VIVO
Se eu sair daqui vivo
da Casa de Saúde do Telhal
crivo numa pedra nua e resistente
o tamanho do meu mal.
Assanho-me de tal
e vou e venho
onde me seja mais natural.
Se sair daqui vivo
privo-me de tudo
da minha liberdade
que não sou um homem mudo
sou um homem de verdade.
Privo-me na idade
do bem que não fizeram
do bem que tudo tem.
É numa simplicidade
que convém.
António Gancho
14/3/96
Casa de Saúde do Telhal
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da Casa de Saúde do Telhal
crivo numa pedra nua e resistente
o tamanho do meu mal.
Assanho-me de tal
e vou e venho
onde me seja mais natural.
Se sair daqui vivo
privo-me de tudo
da minha liberdade
que não sou um homem mudo
sou um homem de verdade.
Privo-me na idade
do bem que não fizeram
do bem que tudo tem.
É numa simplicidade
que convém.
António Gancho
14/3/96
Casa de Saúde do Telhal
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A POESIA ESTÁ NA
RUA25º Aniversário 25 de
Abril
Conspiração
A poesia. A conspiração da metáfora saiu à rua. Num Abril assim: de palavras, de palavras sem endereço. Porque eram para todos os que as desejassem colher. Assim como quem colhe a manhã, ou um lírio ou um simples papel para amarrotar e atirar ao chão. Poesia na rua, no espaço livre e inalienável.
Será esta a sua casa? Em Abril será sempre esta a sua frágil casa.
A associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto agradece a todos os poetas que deram rosto à conspiração – simples afinal, frágil como a casa da poesia.
Francisco Duarte MangasPresidente da AJHLP
Poesia – Sonho de uma nova liberdade
O 25 de Abril foi um sonho que sobreviveu. Poucos acreditavam ser possível dar asas, em Portugal, a esse sonho de uma nova liberdade que a poesia antecipou, tantas vezes, em palavras escritas e ditas.
Sejamos claros e honestos: o regime político que exausto acabou os seus dias no 25 de Abril de 1974 era uma ditadura, certamente com adeptos entre os portugueses, que desprezava as mais elementares regras do respeito pelo povo, desde logo negando-lhe o direito à escolha, em eleições livres, do tipo de regime ou de governo que mais lhe aprouvesse.
As profundas aspirações do povo português à liberdade e à justiça foram, finalmente, cumpridas e para mim esse sonho transfigurou-se, no Quartel do Campo Grande, pela poesia dita pelo Mário Viegas, amigo e companheiro de armas, num desses dias febris de Abril aos militares reunidos de improviso.
Sem querer esconjurar os demónios do passado, a revolução, para mim, só ganhou sentido verdadeiro nesse momento mágico de poesia.
Eduardo Graça
Presidente do INATEL
Estes dois textos foram escritos em 1999 e impressos na caixa/envelope que guardou os 50 panfletos, de cores variadas, transportando as 50 poesias que outros tantos poetas escreveram, ou cederam, para esta iniciativa, levada a cabo a nível nacional, aquando do 25º aniversário do 25 de Abril de 1974.
O mérito, alcance e êxito da mesma ficaram a dever-se, no essencial, a Manuela Espírito Santo, à época, Vice-presidente do INATEL, e a Francisco Duarte Mangas. Para eles as minhas homenagens.
Lembrei-me de arriscar um exercício de divulgação destes 50 poemas, de autores consagrados, à época todos vivos, associando, a cada um deles, uma fotografia da colecção que o Hélder Gonçalves ofereceu aos seus amigos pelos seus 50 anos, conforme o meu critério e gosto pessoal.
Aqui fica, deste modo, uma homenagem à poesia e, através dela, ao 33º aniversário do 25 de Abril.
Conspiração
A poesia. A conspiração da metáfora saiu à rua. Num Abril assim: de palavras, de palavras sem endereço. Porque eram para todos os que as desejassem colher. Assim como quem colhe a manhã, ou um lírio ou um simples papel para amarrotar e atirar ao chão. Poesia na rua, no espaço livre e inalienável.
Será esta a sua casa? Em Abril será sempre esta a sua frágil casa.
A associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto agradece a todos os poetas que deram rosto à conspiração – simples afinal, frágil como a casa da poesia.
Francisco Duarte MangasPresidente da AJHLP
Poesia – Sonho de uma nova liberdade
O 25 de Abril foi um sonho que sobreviveu. Poucos acreditavam ser possível dar asas, em Portugal, a esse sonho de uma nova liberdade que a poesia antecipou, tantas vezes, em palavras escritas e ditas.
Sejamos claros e honestos: o regime político que exausto acabou os seus dias no 25 de Abril de 1974 era uma ditadura, certamente com adeptos entre os portugueses, que desprezava as mais elementares regras do respeito pelo povo, desde logo negando-lhe o direito à escolha, em eleições livres, do tipo de regime ou de governo que mais lhe aprouvesse.
As profundas aspirações do povo português à liberdade e à justiça foram, finalmente, cumpridas e para mim esse sonho transfigurou-se, no Quartel do Campo Grande, pela poesia dita pelo Mário Viegas, amigo e companheiro de armas, num desses dias febris de Abril aos militares reunidos de improviso.
Sem querer esconjurar os demónios do passado, a revolução, para mim, só ganhou sentido verdadeiro nesse momento mágico de poesia.
Eduardo Graça
Presidente do INATEL
Estes dois textos foram escritos em 1999 e impressos na caixa/envelope que guardou os 50 panfletos, de cores variadas, transportando as 50 poesias que outros tantos poetas escreveram, ou cederam, para esta iniciativa, levada a cabo a nível nacional, aquando do 25º aniversário do 25 de Abril de 1974.
O mérito, alcance e êxito da mesma ficaram a dever-se, no essencial, a Manuela Espírito Santo, à época, Vice-presidente do INATEL, e a Francisco Duarte Mangas. Para eles as minhas homenagens.
Lembrei-me de arriscar um exercício de divulgação destes 50 poemas, de autores consagrados, à época todos vivos, associando, a cada um deles, uma fotografia da colecção que o Hélder Gonçalves ofereceu aos seus amigos pelos seus 50 anos, conforme o meu critério e gosto pessoal.
Aqui fica, deste modo, uma homenagem à poesia e, através dela, ao 33º aniversário do 25 de Abril.
[Curiosamente este post foi dado à estampa no dia 4 de fevereiro de 2007. Hoje, 4 de fevereiro de 2013, passam 10 anos sobre o dia em que fui exonerado de presidente da direção do INATEL. A resposta à questão subliminarmente colocada pelo título do poema escolhido é: sim, saí vivo!]
domingo, fevereiro 3
sábado, fevereiro 2
sexta-feira, fevereiro 1
O CORVO
1 Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste, Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais, E já quase adormecia, ouvi o que parecia O som de algúem que batia levemente a meus umbrais. "Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais. É só isto, e nada mais." "O Corvo", de Edgar Allan Poe, Tradução de Fernando Pessoa. Versão integral no IRAOFUNDOEVOLTAR |
quarta-feira, janeiro 30
terça-feira, janeiro 29
segunda-feira, janeiro 28
domingo, janeiro 27
Poemas para Lili
Pia, pia, pia
O mocho.
Que pertencia
A um coxo.
E meteu o mocho
Na pia, pia, pia...
------------------
Levava eu um jarrinho
P'ra ir buscar vinho
Levava um tostão
P'ra comprar pão:
E levava uma fita
Para ir bonita.
Correu atrás
De mim um rapaz:
Foi o jarro p'ra o chão,
Perdi o tostão,
Rasgou-se-me a fita...
Vejam que desdita!
Se eu não levasse um jarrinho,
Nem fosse buscar vinho,
Nem trouxesse uma fita
Pra ir bonita,
Nem corresse atrás
De mim um rapaz
Para ver o que eu fazia,
Nada disto acontecia.
Fernando Pessoa
O mocho.
Que pertencia
A um coxo.
E meteu o mocho
Na pia, pia, pia...
------------------
Levava eu um jarrinho
P'ra ir buscar vinho
Levava um tostão
P'ra comprar pão:
E levava uma fita
Para ir bonita.
Correu atrás
De mim um rapaz:
Foi o jarro p'ra o chão,
Perdi o tostão,
Rasgou-se-me a fita...
Vejam que desdita!
Se eu não levasse um jarrinho,
Nem fosse buscar vinho,
Nem trouxesse uma fita
Pra ir bonita,
Nem corresse atrás
De mim um rapaz
Para ver o que eu fazia,
Nada disto acontecia.
Fernando Pessoa
sábado, janeiro 26
sexta-feira, janeiro 25
Para mí corazón ...
Para mí corazón...
Para mi corazón basta tu pecho,
para tu libertad bastan mis alas.
Desde mi boca llegará hasta el cielo
lo que estaba dormido sobre tu alma.
Es en ti la ilusión de cada día.
Llegas como el rocío a las corolas.
Socavas el horizonte con tu ausencia.
Eternamente en fuga como la ola.
He dicho que cantabas en el viento
como los pinos y como los mástiles.
Como ellos eres alta y taciturna.
Y entristeces de pronto, como un viaje.
Acogedora como un viejo camino.
Te pueblan ecos y voces nostálgicas.
Yo desperté y a veces emigran y huyen
pájaros que dormían en tu alma.
......................
Para o meu coração...
Para meu coração basta o teu peito
para a tua liberdade as minhas asas.
Da minha boca chegará até ao céu
o que dormia sobre a sua alma.
És em ti a ilusão de cada dia.
Como o orvalho tu chegas às corolas.
Minas o horizonte com a tua ausência
Eternamente em fuga como a onda.
Eu disse que no vento ias cantando
como os pinheiros e como os mastros.
Como eles tu és alta e taciturna.
E ficas logo triste, como uma viagem.
Acolhedora como um velho caminho.
Povoam-te ecos e vozes nostálgicas.
Eu acordei e às vezes emigram e fogem
pássaros que dormiam na tua alma.
Pablo Neruda
“Vinte Poemas de Amor e
Uma Canção Desesperada”
Tradução de Fernando Assis Pacheco
Publicações D. Quixote
Para mi corazón basta tu pecho,
para tu libertad bastan mis alas.
Desde mi boca llegará hasta el cielo
lo que estaba dormido sobre tu alma.
Es en ti la ilusión de cada día.
Llegas como el rocío a las corolas.
Socavas el horizonte con tu ausencia.
Eternamente en fuga como la ola.
He dicho que cantabas en el viento
como los pinos y como los mástiles.
Como ellos eres alta y taciturna.
Y entristeces de pronto, como un viaje.
Acogedora como un viejo camino.
Te pueblan ecos y voces nostálgicas.
Yo desperté y a veces emigran y huyen
pájaros que dormían en tu alma.
......................
Para o meu coração...
Para meu coração basta o teu peito
para a tua liberdade as minhas asas.
Da minha boca chegará até ao céu
o que dormia sobre a sua alma.
És em ti a ilusão de cada dia.
Como o orvalho tu chegas às corolas.
Minas o horizonte com a tua ausência
Eternamente em fuga como a onda.
Eu disse que no vento ias cantando
como os pinheiros e como os mastros.
Como eles tu és alta e taciturna.
E ficas logo triste, como uma viagem.
Acolhedora como um velho caminho.
Povoam-te ecos e vozes nostálgicas.
Eu acordei e às vezes emigram e fogem
pássaros que dormiam na tua alma.
Pablo Neruda
“Vinte Poemas de Amor e
Uma Canção Desesperada”
Tradução de Fernando Assis Pacheco
Publicações D. Quixote
quarta-feira, janeiro 23
SONETO
Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
... Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,
Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: - Mais servira, se não fora
Pera tão longo amor tão curta a vida!
Luís de Camões
(Edição de Lobo Soropita, de 1595
In Obras Completas - Círculo de Leitores)
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
... Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,
Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: - Mais servira, se não fora
Pera tão longo amor tão curta a vida!
Luís de Camões
(Edição de Lobo Soropita, de 1595
In Obras Completas - Círculo de Leitores)
terça-feira, janeiro 22
segunda-feira, janeiro 21
domingo, janeiro 20
JOSÉ BLANC DE PORTUGAL
“SUBMÚLTIPLOS”
Na escala convencional
Me vou microdividindo
Na velha base decimal.
Eis-me micro-eu
Nano-eu e pico-eu
Fento-eu e atto-eu…
Depois… acabou-se a convenção
Os eus mais pequenos
Já não têm nome…
Vou ver se lhes arranjo um pro-nome
Pois sim! Serão:
Nileus
Embora apercebíveis
E, sempre, até mais ver,
Sempre divisíveis.
Se nileus não é pronome
É lá com os gramáticos.
Mas, meus Senhores!
Sejamos práticos!!
“Descompasso”, Círculo de Poesia – Nova Série
Moraes Editores, Lisboa, 1986
---------------------------------------------------------------------------
JOSÉ BLANC DE PORTUGAL
(Lisboa, 1914 – 2000, Lisboa)
Licenciou-se em Ciências Geológicas pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, tendo trabalhado, como meteorologista, no Serviço Meteorológico Nacional. A carreira científica levou-o de Lisboa às ilhas atlânticas (Açores, Madeira e Cabo Verde) e dali a Angola e Moçambique.
Poeta, ensaísta, crítico literário e musical, investigador. No campo da investigação científica, directamente relacionada com a profissão, publicou vários estudos, nomeadamente a monografia Introdução ao Estudo das Correntes de Jacto (1955). Como crítico musical, colaborou em diversas publicações, e foi crítico literário na Emissora Nacional.
Foi uma das figuras literárias portuguesas de mais vasta cultura (em vários domínios) tendo sido adido cultural no Rio de Janeiro (1973-78) e vice-presidente do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa (1978-82).
Mas foi sobretudo como poeta que a sua personalidade mais se destacou. Foi fundador e co-director dos Cadernos de Poesia, em todas as séries, entre 1940 e 1953, tendo publicado ali alguns dos seus mais importantes poemas.
Estreou-se com o volume “Parva Naturalia” (1960, Prémio Fernando Pessoa), a que se seguiram “O Espaço Prometido” (1960), “Anticrítico” (1960, obra de reflexão ensaística), “Odes Pedestres” (1965, Prémio Casa da Imprensa), “Descompasso” (1987) e “Enéadas (1989).
Na escala convencional
Me vou microdividindo
Na velha base decimal.
Eis-me micro-eu
Nano-eu e pico-eu
Fento-eu e atto-eu…
Depois… acabou-se a convenção
Os eus mais pequenos
Já não têm nome…
Vou ver se lhes arranjo um pro-nome
Pois sim! Serão:
Nileus
Embora apercebíveis
E, sempre, até mais ver,
Sempre divisíveis.
Se nileus não é pronome
É lá com os gramáticos.
Mas, meus Senhores!
Sejamos práticos!!
“Descompasso”, Círculo de Poesia – Nova Série
Moraes Editores, Lisboa, 1986
---------------------------------------------------------------------------
JOSÉ BLANC DE PORTUGAL
(Lisboa, 1914 – 2000, Lisboa)
Licenciou-se em Ciências Geológicas pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, tendo trabalhado, como meteorologista, no Serviço Meteorológico Nacional. A carreira científica levou-o de Lisboa às ilhas atlânticas (Açores, Madeira e Cabo Verde) e dali a Angola e Moçambique.
Poeta, ensaísta, crítico literário e musical, investigador. No campo da investigação científica, directamente relacionada com a profissão, publicou vários estudos, nomeadamente a monografia Introdução ao Estudo das Correntes de Jacto (1955). Como crítico musical, colaborou em diversas publicações, e foi crítico literário na Emissora Nacional.
Foi uma das figuras literárias portuguesas de mais vasta cultura (em vários domínios) tendo sido adido cultural no Rio de Janeiro (1973-78) e vice-presidente do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa (1978-82).
Mas foi sobretudo como poeta que a sua personalidade mais se destacou. Foi fundador e co-director dos Cadernos de Poesia, em todas as séries, entre 1940 e 1953, tendo publicado ali alguns dos seus mais importantes poemas.
Estreou-se com o volume “Parva Naturalia” (1960, Prémio Fernando Pessoa), a que se seguiram “O Espaço Prometido” (1960), “Anticrítico” (1960, obra de reflexão ensaística), “Odes Pedestres” (1965, Prémio Casa da Imprensa), “Descompasso” (1987) e “Enéadas (1989).
sábado, janeiro 19
Mar Português
Ó mar salgado, quanto do téu sal
São lâgrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valéu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abysmo déu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Fernando Pessoa
sexta-feira, janeiro 18
quinta-feira, janeiro 17
terça-feira, janeiro 15
segunda-feira, janeiro 14
sábado, janeiro 12
UMA APOSENTAÇÃO EXEMPLAR
Faz tempo que não escrevia directamente na tela branca do absorto como tantas vezes no passado. São ciclos que se cumprem conforme a disponibilidade, e vontade, da cada um em intervir no espaço público. Hoje o que me suscita a vontade de contrariar essa tendência é a notícia da passagem à aposentação da actual presidente da Câmara Municipal de Palmela por quem tenho a maior simpatia pessoal além do mais por ser uma autarca que conhece bem, por experiência profissional, o sector cooperativo ao qual tenho dedicado, no contexto da economia social, estes últimos anos da minha vida.
O que quero dizer neste espaço, reafirmando o que já tenho escrito, é que não há volta a dar à tendência para aumentar a idade de aposentação que resulta da chamado envelhecimento demográfico versus sistema de providência baseado no modelo de redistribuição. Toda esta matéria, sem prejuízo de pontos de vista diferente acerca das políticas a adoptar, está muito bem estudada tendo sido objecto de consensos alargados.
A minha posição acerca da questão em apreço é até bastante heterodoxa pois sou favorável a que, num enquadramento legal adequado, cada cidadão deverá ser livre de escolher a idade da aposentação, não existindo limite máximo de idade, mas que os valores das pensões deveriam ter um tecto (como acontece em alguns países) e ser atribuídas, conforme o tempo de trabalho, de forma equitativa.
Esta situação de aposentação e um titular de um cargo político com menos de 50 anos de idade com contagem de tempo a dobrar - no que respeita ao exercício da função política - só contribui para descredibilizar o sistema actual mostrando a ponta do icebergue das injustiças do modelo do designado "Estado Social".
Serve este episódio ( a meu ver infeliz) para alertar da necessidade, e urgência, de todas as forças politicas e sociais, sem excepção, encontrarem dentro de si próprias a capacidade de tolerância, participação e abertura ao diálogo para, nas sedes próprias, encontrarem as melhores soluções, em primeira linha, para que o "Estado Social" se mantenha e fortaleça - sim, fortaleça!, o que só poderá ser assegurado por mecanismos que assegurem, aos olhos de todos, mais justiça e equidade nas contribuições (receitas) e nas prestações (despesas) com o equilíbrio que o tempo presente reclama.
Se não formos capazes, como comunidade democrática e livre, de encontrar modelos de gestão dos recursos públicos ( de todos) resultantes do mais amplo consenso, não nos admiremos que ressurjam os mais desvairados populismos que, em última análise, tenderão a pôr em causa o próprio regime democrático. O assunto é sério!
O que quero dizer neste espaço, reafirmando o que já tenho escrito, é que não há volta a dar à tendência para aumentar a idade de aposentação que resulta da chamado envelhecimento demográfico versus sistema de providência baseado no modelo de redistribuição. Toda esta matéria, sem prejuízo de pontos de vista diferente acerca das políticas a adoptar, está muito bem estudada tendo sido objecto de consensos alargados.
A minha posição acerca da questão em apreço é até bastante heterodoxa pois sou favorável a que, num enquadramento legal adequado, cada cidadão deverá ser livre de escolher a idade da aposentação, não existindo limite máximo de idade, mas que os valores das pensões deveriam ter um tecto (como acontece em alguns países) e ser atribuídas, conforme o tempo de trabalho, de forma equitativa.
Esta situação de aposentação e um titular de um cargo político com menos de 50 anos de idade com contagem de tempo a dobrar - no que respeita ao exercício da função política - só contribui para descredibilizar o sistema actual mostrando a ponta do icebergue das injustiças do modelo do designado "Estado Social".
Serve este episódio ( a meu ver infeliz) para alertar da necessidade, e urgência, de todas as forças politicas e sociais, sem excepção, encontrarem dentro de si próprias a capacidade de tolerância, participação e abertura ao diálogo para, nas sedes próprias, encontrarem as melhores soluções, em primeira linha, para que o "Estado Social" se mantenha e fortaleça - sim, fortaleça!, o que só poderá ser assegurado por mecanismos que assegurem, aos olhos de todos, mais justiça e equidade nas contribuições (receitas) e nas prestações (despesas) com o equilíbrio que o tempo presente reclama.
Se não formos capazes, como comunidade democrática e livre, de encontrar modelos de gestão dos recursos públicos ( de todos) resultantes do mais amplo consenso, não nos admiremos que ressurjam os mais desvairados populismos que, em última análise, tenderão a pôr em causa o próprio regime democrático. O assunto é sério!
sexta-feira, janeiro 11
quinta-feira, janeiro 10
A BOLEIA PERDIDA
Nas férias de verão, em finais dos anos 60, costumava ir à
boleia de Faro a Armação de Pêra. Era uma boleia certa. Ida e volta. Eu ia
namorar. Mas um dia a boleia de volta falhou. Fiquei pendurado no sítio
combinado. À beira da estrada. E nada. Fez-se noite e as minhas esperanças
desvaneceram-se. Sem dinheiro, que só havia pouco, regressei a pé, à vila.
A namorada já estava longe e perto. Em casa de seus pais e eu lá não ia.
Na época não havia telemóveis e na casa de meus pais nem telefone fixo. Só na
loja mas tinha encerrado. Não os pude avisar da minha ausência para o jantar.
Havia que tomar medidas de emergência. Encontrar alguém amigo, ou
conhecido, para pedir algum emprestado. A minha decisão, inevitável, tinha sido
a de pernoitar em Armação de Pêra. Por sorte, à primeira volta pela vila,
apareceu uma mão amiga. Procurei uma pensão. Havia quartos disponíveis apesar de
ser verão. Sei que estávamos em 1968 pois retenho na memória as imagens dos
Jogos Olímpicos, desse ano, que passavam na TV.
Dormi e de manhã
regressei ao ponto de encontro habitual na praia. O meu surgimento, cedo, foi
uma surpresa. Breves explicações e o resto foram as carícias de um verão
promissor. Águas límpidas e areias finas, beber a vida de um trago, a
reencarnação da própria beleza...
Nesse dia regressei a casa o mais
depressa possível e, desta vez, sujeito ao horário do autocarro. Os meus pais
não me pediram qualquer explicação, nem disseram uma palavra. Sofreram, em
silêncio, a minha ausência inesperada. Imagino os seus receios e medos.
Fiquei a admira-los ainda mais. A sua confiança em mim era
ilimitada. Nunca os esquecia e eles sempre me perdoavam.
quarta-feira, janeiro 9
UM PEQUENO DETALHE (2ª EDIÇÃO)
Hoje na véspera da tomada de posse de Chávez, após ter ganho as eleições, sabemos que o acto não terá lugar. Chávez, a crer nos seus próprios correligionários, não está em condições de comparecer por razões de saúde. Neste contexto veio-me à memória o que escrevi em setembro de 2007 e que a presente situação, de forma dramática, confirma:
Não vale a pena ter contemplações com este tipo de projecto de poder. Não há ditaduras a prazo. Não há ditaduras democráticas. O que Chávez quer toda a gente entende muito bem. Quer o bem dos pobres. Todos os ditadores querem o bem dos pobres. É um caminho conhecido que acaba sempre mal. Ainda pior quando os ditadores são levados ao poder através de eleições. Um dia destes Chávez deu-se ao luxo de apresentar o seu projecto de poder comparando-o com o das democracias liberais nas quais, para ele, os políticos também se perpetuam no poder. Pura aldrabice! Salvo o caso das monarquias nas quais o poder do monarca é simbólico, ou de representação, todos os regimes democrático, nos países da UE, e não só, integram mecanismos que inviabilizam a perpetuação no exercício do poder de qualquer partido ou personalidade. Os modelos são diversos mas o princípio é o da livre escolha, através de eleições democráticas, regulares, dos presidentes e dos governos. Existe até, nalguns casos, limitação do número de mandatos. É o caso do presidente da República, em Portugal, que não pode exercer o cargo por mais do que dois mandatos seguidos. É claro que sempre nos podemos colocar naquela posição de pessimismo absoluto, à beira do niilismo, de considerar todos os regimes políticos e respectivos protagonistas desprezíveis. “São todos iguais!” diz o povo amiudadas vezes. Os seres pensantes têm por obrigação contrariar este populismo de pacotilha. Essa é mesmo uma condição essencial para que os que pensam da democracia o pior possível possam continuar a dispor da liberdade de dizer mal dela. Um pequeno detalhe na fronteira entre a liberdade e a tirania.
Não vale a pena ter contemplações com este tipo de projecto de poder. Não há ditaduras a prazo. Não há ditaduras democráticas. O que Chávez quer toda a gente entende muito bem. Quer o bem dos pobres. Todos os ditadores querem o bem dos pobres. É um caminho conhecido que acaba sempre mal. Ainda pior quando os ditadores são levados ao poder através de eleições. Um dia destes Chávez deu-se ao luxo de apresentar o seu projecto de poder comparando-o com o das democracias liberais nas quais, para ele, os políticos também se perpetuam no poder. Pura aldrabice! Salvo o caso das monarquias nas quais o poder do monarca é simbólico, ou de representação, todos os regimes democrático, nos países da UE, e não só, integram mecanismos que inviabilizam a perpetuação no exercício do poder de qualquer partido ou personalidade. Os modelos são diversos mas o princípio é o da livre escolha, através de eleições democráticas, regulares, dos presidentes e dos governos. Existe até, nalguns casos, limitação do número de mandatos. É o caso do presidente da República, em Portugal, que não pode exercer o cargo por mais do que dois mandatos seguidos. É claro que sempre nos podemos colocar naquela posição de pessimismo absoluto, à beira do niilismo, de considerar todos os regimes políticos e respectivos protagonistas desprezíveis. “São todos iguais!” diz o povo amiudadas vezes. Os seres pensantes têm por obrigação contrariar este populismo de pacotilha. Essa é mesmo uma condição essencial para que os que pensam da democracia o pior possível possam continuar a dispor da liberdade de dizer mal dela. Um pequeno detalhe na fronteira entre a liberdade e a tirania.
segunda-feira, janeiro 7
domingo, janeiro 6
O FUNERAL DE ALBERT CAMUS - 6 de JANEIRO DE 1960
Le 6 janvier
1960, une foule d´anonymes et quelques amis se retrouvent devant la grande
maison de Lourmarin où le corps d´Albert Camus a été transporté dans la nuit.
Quatre villageois portent le cercueil que suivent son épouse, son frère Lucien,
René Char, Jules Roy, Emmanuel Roblès, Louis Guilloux, Gaston Gallimard et
quelques amis moins connu, parmi lesquels les jeunes footballeurs du village.
Le cortège avance lentement dans cette journée un peut froide et atone de ce
« pays solennel et austère – malgré
sa beauté bouleversante ».
Devant le caveau,
Francine Camus jette une rose sur le cercueil. Le maire prononce une courte
allocution et le silence n´est troublé que par le bruit de la terre sue le bois
de la bière.
L´heure est de
recueillement. Les communiqués officiels, les télégrammes affluent. Tous
unanimes dans l´hommage et l´affliction conjugués.
Les temps ont
changé, et ils sont nombreux, les détracteurs d´hier qui saluent aujourd´hui la
disparition de celui aux côtés duquel ils avaient obstinément refusé de
marcher. Celui qui, au terme de tant d´attaques et de malveillance, avait choisi
de s´enfermer dans un douloureux silence.
Les premiers tirs
étaient venus de gauche, et plus particulièrement du parti communiste qui ne
pardonnait pas à cet ex-compagnon de route de prendre du recul, de regarder en
face certaines réalités. De dire l´intolérable :
le stalinisme, les camps, les idéaux mis au pas par des tyrans de
l´histoire.
In Les Derniers
Jours de la vie d´Albert Camus, José Lenzini, Actes Sud
sexta-feira, janeiro 4
ALBERT CAMUS - O DIA DA SUA MORTE NO ANO DO CENTENÁRIO [1913-1960]
Em 2013 celebra-se o
centenário de Albert Camus, nascido em 7 de novembro de 1913, na Argélia.
Não estranhará a ninguém que aqui o evoquemos ainda com mais assiduidade ao
longo deste ano. Este é o primeiro post de uma série que contamos dedicar à sua
personalidade e à sua obra. Hoje é o dia do 53º aniversário
da sua morte, ocorrida em 4 de janiro de 1960.
Camus publicou em vida dezanove obras, de 1937 a 1959, entre
as quais se destacam os romances (“L’Étranger” em 1942, “La Peste” em 1947), as
novelas (“La Chute” em 1956, “L’Exil et le Royaume” em 1957) as peças de teatro
(“Caligula” e “Le Malentendu" em 1944, “L’État de siège" em 1948,
“Les Justes” em 1950), e os ensaios (“L’Envers et l’Endroit" em 1937,
“Noces” em 1939, “Le Mythe de Sisyphe” em 1942, “Les lettres à un ami allemand”
em 1945, “L´Homme révolté” em 1951 e”LÊté” em 1954). É necessário ainda juntar
três recolhas de ensaios políticos (“Les Actuelles”), “Les deux Discours de
Suède” (pronunciados aquando da atribuição do Nobel) e a contribuição para a
obra de Arthur Koestler intitulada “Réflexions sur la peine capitale”.
Outras obras foram editadas após a sua morte entre as quais
se contam o “diário” dos seus pensamentos e leituras, assim como notas de
trabalho, publicado sob o título “Carnets”; o diploma de estudos superiores de
1936: “Métaphysique chrétienne et néoplatonisme”, publicado pela “La Pléiade”;
o romance inédito, “La Morte heureuse”, cuja redacção data de 1937; o
manuscrito inacabado, encontrado na pasta de Camus depois do acidente de viação
que o vitimou:“Le Premier Homme”, esboço do que viria a tornar-se o seu grande
romance quasi autobiográfico e ainda a sua correspondência com o amigo Jean
Grenier.
quarta-feira, janeiro 2
12-8
Hoje pela manhã cedo fui fazer os exames da medicina do
trabalho – pois eu trabalho e tenho muito orgulho em trabalhar – e sinto sempre
um vago sentimento de medo quando faço exames médicos seja de medicina do
trabalho, ou quejandos, e o medo faz-me subir a tensão arterial, (só a bata
branca me atemoriza), e disse-o ao médico, afável, que após a medição me disse
12-8, sem mais nem menos, admirável surpresa, tão baixa, e logo me lembrei quão
efémera é a vida. O dia seguiu sem mais surpresas… e longo será este ano!
terça-feira, janeiro 1
ANTÓNIO MARQUES JÚNIOR
HOMENAGEM A ANTÓNIO MARQUES JÚNIOR MILITAR DEMOCRATA E POLÍTICO DE CORPO INTEIRO, UM CIDADÃO ENTRE PARES, QUE PARTILHOU A LIDERANÇA DA REVOLUÇÃO DO 25 DE ABRIL ASSUMINDO TODOS OS RISCOS SEM NADA PEDIR EM TROCA. QUE VIVA!
segunda-feira, dezembro 31
BOM ANO DE 2013
Uma fotografia que me foi oferecida, agora mesmo, pelo Helder Gonçalves ilustrando a paisagem do sítio onde o ano novo nascerá para mim (Azenhas do Mar). Para todas e todos, amigas e amigos, conhecidas (os) e reconhecidas (os), de todos os graus e intensidades, tempos e lugares, Bom Ano de 2013, com um abraço. |
domingo, dezembro 30
OS EREMITAS
O interesse de Afonso Henriques pelas novas formas de vida religiosa que apareciam no Condado Portucalense manifestou-se, como vimos, no apoio concedido aos Templários e Hospitalários e na protecção aos fundadores de Santa Cruz de Coimbra. (…) Os eremitas são, por sua própria natureza, avessos a soluções institucionais, mas inserem-se na mesma corrente inovadora. Formaram, talvez, a sua corrente mais radical, como haviam sido no século IV, os do Egipto e da Síria. Inovadores, inconformistas, avessos a qualquer espécie de organização, representam bem a energia, o entusiasmo, a criatividade e o desprendimento que caracterizam o fenómeno religioso no século XII. Também apareceram em Portugal, de forma espontânea, com as mesmas características do que no resto da Europa.
(…)
Afonso Henriques também acompanhou o movimento eremítico português. Fê-lo, mesmo, com uma surpreendente precocidade, porque o primeiro diploma autêntico que dele se conhece é justamente, como já vimos, uma carta de couto em favor dos eremitas de São Vicente de Fragoso, no actual concelho de Barcelos, datada de 4 de Dezembro de 1127, ou seja, meio ano antes da batalha de São Mamede.
(…)
Um dos aspectos mais importantes do fenómeno eremítico do século XII é o facto de ter sido absorvido pelos movimentos contemporâneos mais institucionalizados, em particular pela ordem de Cister e pela ordem premonstratense.
(…)
(Os eremitérios) integraram-se em movimentos religiosos da corrente renovadora da época, na qual, apesar das diferenças que separavam entre si os três ramos de monges, cónegos regrantes e eremitas, se influenciaram umas às outras. Seja com for, Afonso Henriques, ao proteger os eremitas, devia apreciar vivamente o seu fervor e o seu dinamismo.
In “D. Afonso Henriques” de José Mattoso, ”8. “Eremitas, cistercienses e monjas”, pgs. 90/94 (22).
[Notas da minha leitura da extraordinária biografia "D. Afonso Henriques", de Mattoso, em setembro de 2007, demonstração eloquente de como a história torna irrelevantes - que não potencialmente nocivas - todas as políticas que a ignorem.]
(…)
Afonso Henriques também acompanhou o movimento eremítico português. Fê-lo, mesmo, com uma surpreendente precocidade, porque o primeiro diploma autêntico que dele se conhece é justamente, como já vimos, uma carta de couto em favor dos eremitas de São Vicente de Fragoso, no actual concelho de Barcelos, datada de 4 de Dezembro de 1127, ou seja, meio ano antes da batalha de São Mamede.
(…)
Um dos aspectos mais importantes do fenómeno eremítico do século XII é o facto de ter sido absorvido pelos movimentos contemporâneos mais institucionalizados, em particular pela ordem de Cister e pela ordem premonstratense.
(…)
(Os eremitérios) integraram-se em movimentos religiosos da corrente renovadora da época, na qual, apesar das diferenças que separavam entre si os três ramos de monges, cónegos regrantes e eremitas, se influenciaram umas às outras. Seja com for, Afonso Henriques, ao proteger os eremitas, devia apreciar vivamente o seu fervor e o seu dinamismo.
In “D. Afonso Henriques” de José Mattoso, ”8. “Eremitas, cistercienses e monjas”, pgs. 90/94 (22).
sábado, dezembro 29
PÓ DOS LIVROS
Ao arrumar estantes surgem muitas surpresas. Livros que nos
marcaram. Por diversas razões, em variadas épocas. De todos os géneros. O pó dos
livros faz parte dos cheiros que nos marcam para sempre.
Alguns reencontros ao acaso:
"1968 - A Revolução Que tanto Amámos", Daniel Cohn-Bendit (D. Quixote -1988);
"Angústia Para o Jantar", Luís de Sttau Monteiro (Ática, 6ª Edição, 1970);
(No seu interior encontro uma prata, impecavelmente conservada, com um pai natal, em tons de vermelho vivo, daquelas que embrulham as sombrinhas de chocolate.);
"Memórias" - "Vale de Josafat", Volume III, Raul Brandão (Perspectivas e Realidades, sem data de edição);
(Ostenta uma nota que informa ter sido comprado na Feira do Livro de Lisboa, em 6 de Junho de 1984, 3 volumes - 500$00);
"Hiroxima - Antologia de Poemas", vários, (Nova Realidade, 1967);
"Cartas de Fuzilados"Edições "aov" - Colecção "Vitória", 2ª edição, sem data;
(O mais antigo destes livros, a carecer de restauro, certamente do período imediato à 2ª Guerra Mundial. Cartas de resistentes franceses antes de serem fuzilados. É um documento impressionante.);
"Comunidade" - Luiz Pacheco, Desenhos de Teresa Dias Coelho (Contexto-1980);
(6ª edição de "Comunidade" com os belos desenhos de T.D.C.);
"Dores" - Maria Velho da Costa e Teresa Dias Coelho; (D. Quixote, 1994).
Alguns reencontros ao acaso:
"1968 - A Revolução Que tanto Amámos", Daniel Cohn-Bendit (D. Quixote -1988);
"Angústia Para o Jantar", Luís de Sttau Monteiro (Ática, 6ª Edição, 1970);
(No seu interior encontro uma prata, impecavelmente conservada, com um pai natal, em tons de vermelho vivo, daquelas que embrulham as sombrinhas de chocolate.);
"Memórias" - "Vale de Josafat", Volume III, Raul Brandão (Perspectivas e Realidades, sem data de edição);
(Ostenta uma nota que informa ter sido comprado na Feira do Livro de Lisboa, em 6 de Junho de 1984, 3 volumes - 500$00);
"Hiroxima - Antologia de Poemas", vários, (Nova Realidade, 1967);
"Cartas de Fuzilados"Edições "aov" - Colecção "Vitória", 2ª edição, sem data;
(O mais antigo destes livros, a carecer de restauro, certamente do período imediato à 2ª Guerra Mundial. Cartas de resistentes franceses antes de serem fuzilados. É um documento impressionante.);
"Comunidade" - Luiz Pacheco, Desenhos de Teresa Dias Coelho (Contexto-1980);
(6ª edição de "Comunidade" com os belos desenhos de T.D.C.);
"Dores" - Maria Velho da Costa e Teresa Dias Coelho; (D. Quixote, 1994).
[Uma ressonância antiga - de setembro de 2004 - referenciando o reencontro com muitos livros esquecidos nas estantes - uns lidos e a maior parte sempre por ler. Por acaso acabei de ler, neste momento, "Resgatados" de David Dinis e Hugo Filipe Coelho - uma surtida bem construída pelos bastidores da política nacional.]
quinta-feira, dezembro 27
A democracia em debate
“É verdade, o senhor conhece aquela cela de masmorra a que na Idade Média
chamavam o «desconforto»? Em geral, esqueciam-nos aí para o resto da vida. Esta
cela distinguia-se das outras por engenhosas dimensões. Não era suficientemente
alta para se poder estar de pé, nem suficientemente larga para se poder estar
deitado. Tinha-se de adoptar o género tolhido, viver em diagonal; o sono era uma
queda, a vigília um acocoramento.”
In “A Queda”, Albert Camus, na data em que, cinquenta anos atrás, recebeu o Nobel da Literatura.
Não sei se é vantajoso para Portugal negociar com Chávez mas todos os países negoceiam com todos e, se forem grandes potências, ninguém leva a mal. A natureza dos regimes políticos interessa pouco aos negócios. De outra maneira nenhum país democrático negociava com a China que não é um país democrático. Porque não com a Venezuela que é um país democrático? Imaginem!
Não sei se é vantajoso para Portugal gastar energias na promoção de uma cimeira dos países da União Europeia com os países africanos. Uma parte significativa dos regimes políticos dos países africanos são cleptocracias, oligarquias, ditaduras e o mais que se possa imaginar para pior (com excepções!). Neste caso, mais uma vez, a natureza dos regimes políticos interessa pouco aos negócios.
Não sei se é vantajoso para Portugal apostar na consolidação e aprofundamento da União Europeia e suponho que, mesmo dentro do partido do governo, campeiam dúvidas acerca da bondade do projecto europeu. Pois se a natureza dos regimes políticos interessa pouco aos negócios que razão há para partilhar um espaço supra nacional que exige um esforço de partilha da liberdade e da democracia?
Não sei se é vantajoso para Portugal dispor de um governo que se sujeite ao julgamento das urnas, ou seja, um governo democrático se, como diz a voz do povo e a de alguns intelectuais ultra pessimistas, como Medina Carreira, os governos, nos últimos trinta anos, são todos iguais na incúria, incompetência e desleixo? A mensagem subliminar deste discurso é a de que a natureza dos regimes políticos interessa pouco aos negócios e, ainda menos, aos cidadãos.
Há cada vez mais gente que defende que não é possível em Portugal discutir seja o que for acerca do futuro, o futuro dos portugueses, pois o tempo, no nosso tempo, corre a uma velocidade vertiginosa e os políticos eleitos, seguindo as regras da democracia representativa, tornam-se lívidos perante os ciclos eleitorais e a ditadura mediática, reduzindo a ética republicana a um minúsculo emblema que ostentam na lapela.
Se a maioria dos cidadãos está apartada da política e, na sua mão, somente luze uma vaga esperança em assegurar a sobrevivência material, não sei se não seria vantajoso para Portugal “convocar as cortes” para debater, enquanto é tempo, a própria democracia em prol de uma reforma profunda do regime democrático, a duras penas conquistado.
Ao contrário de todas as evidências a natureza dos regimes políticos interessa aos negócios e, mais do que aos negócios, interessa aos cidadãos e só o inconformismo que ouse colocar a democracia em debate pode salvar a própria democracia.
[Artigo publicado na edição de hoje do Semanário Económico – versão integral.]
(Em 7 de dezembro de 2007 refletindo acerca de uma questão que sendo colocada hoje, embora noutros termos, causa grande escândalo...)
In “A Queda”, Albert Camus, na data em que, cinquenta anos atrás, recebeu o Nobel da Literatura.
Não sei se é vantajoso para Portugal negociar com Chávez mas todos os países negoceiam com todos e, se forem grandes potências, ninguém leva a mal. A natureza dos regimes políticos interessa pouco aos negócios. De outra maneira nenhum país democrático negociava com a China que não é um país democrático. Porque não com a Venezuela que é um país democrático? Imaginem!
Não sei se é vantajoso para Portugal gastar energias na promoção de uma cimeira dos países da União Europeia com os países africanos. Uma parte significativa dos regimes políticos dos países africanos são cleptocracias, oligarquias, ditaduras e o mais que se possa imaginar para pior (com excepções!). Neste caso, mais uma vez, a natureza dos regimes políticos interessa pouco aos negócios.
Não sei se é vantajoso para Portugal apostar na consolidação e aprofundamento da União Europeia e suponho que, mesmo dentro do partido do governo, campeiam dúvidas acerca da bondade do projecto europeu. Pois se a natureza dos regimes políticos interessa pouco aos negócios que razão há para partilhar um espaço supra nacional que exige um esforço de partilha da liberdade e da democracia?
Não sei se é vantajoso para Portugal dispor de um governo que se sujeite ao julgamento das urnas, ou seja, um governo democrático se, como diz a voz do povo e a de alguns intelectuais ultra pessimistas, como Medina Carreira, os governos, nos últimos trinta anos, são todos iguais na incúria, incompetência e desleixo? A mensagem subliminar deste discurso é a de que a natureza dos regimes políticos interessa pouco aos negócios e, ainda menos, aos cidadãos.
Há cada vez mais gente que defende que não é possível em Portugal discutir seja o que for acerca do futuro, o futuro dos portugueses, pois o tempo, no nosso tempo, corre a uma velocidade vertiginosa e os políticos eleitos, seguindo as regras da democracia representativa, tornam-se lívidos perante os ciclos eleitorais e a ditadura mediática, reduzindo a ética republicana a um minúsculo emblema que ostentam na lapela.
Se a maioria dos cidadãos está apartada da política e, na sua mão, somente luze uma vaga esperança em assegurar a sobrevivência material, não sei se não seria vantajoso para Portugal “convocar as cortes” para debater, enquanto é tempo, a própria democracia em prol de uma reforma profunda do regime democrático, a duras penas conquistado.
Ao contrário de todas as evidências a natureza dos regimes políticos interessa aos negócios e, mais do que aos negócios, interessa aos cidadãos e só o inconformismo que ouse colocar a democracia em debate pode salvar a própria democracia.
[Artigo publicado na edição de hoje do Semanário Económico – versão integral.]
(Em 7 de dezembro de 2007 refletindo acerca de uma questão que sendo colocada hoje, embora noutros termos, causa grande escândalo...)
Fotografia de Darryl Baird |
quarta-feira, dezembro 26
segunda-feira, dezembro 24
NATAL DE 2012
As celebrações fazem-nos abrir os corações, mas também adensam os dramas e acirram as disputas. A todas, e a todos, digo o que sempre digo: tornemos a breve trégua num largo horizonte de paz e concórdia. Uma tarefa de todos os dias. A sul, na minha terra, o céu está claro, o tempo ameno (noutras latitudes apela à praia!) e ouço, feitos presentes, os passos dos meus, a carne da minha carne. Que vivam!
A minha mãe. |
sábado, dezembro 22
quinta-feira, dezembro 20
quarta-feira, dezembro 19
9 ANOS
Fotografia de Hélder Gonçalves |
Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de
permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com
eles,
nada dever ao esquecimento que esvazia o sentido do perdão olhando o mundo e tomando a medida exacta da nossa pequenez,
atravessar a solidão, esse luxo dos ricos, como dizia Camus, usufruindo da luz que os nossos amantes derramam em nós porque por amor nos iluminam,
observar atentos o direito e o avesso, a luz e a sombra, a dor e a perda, a charrua e a levada de água pura, crer no destino e acreditar no futuro do homem,
louvar a Deus as mãos que nos pegam, e nunca deixam de nos pegar, mesmo depois de sucumbirem injustamente à desdita da sorte ou à lei da vida,
guardar o sangue frio perante o disparar da veia jugular ou da espingarda apontada à fronte do combatente irregular,
incensar o gesto ameno e contemporizador que se busca e surge isento no labirinto da carnificina populista,
ousar a abjecção da tirania, admirar a grandeza da abdicação e desejar a amizade das mulheres,
admirar a vista do mar azul frente à terra atapetada de flores de amendoeira em silêncio e paz.
(um programa para o absorto)
nada dever ao esquecimento que esvazia o sentido do perdão olhando o mundo e tomando a medida exacta da nossa pequenez,
atravessar a solidão, esse luxo dos ricos, como dizia Camus, usufruindo da luz que os nossos amantes derramam em nós porque por amor nos iluminam,
observar atentos o direito e o avesso, a luz e a sombra, a dor e a perda, a charrua e a levada de água pura, crer no destino e acreditar no futuro do homem,
louvar a Deus as mãos que nos pegam, e nunca deixam de nos pegar, mesmo depois de sucumbirem injustamente à desdita da sorte ou à lei da vida,
guardar o sangue frio perante o disparar da veia jugular ou da espingarda apontada à fronte do combatente irregular,
incensar o gesto ameno e contemporizador que se busca e surge isento no labirinto da carnificina populista,
ousar a abjecção da tirania, admirar a grandeza da abdicação e desejar a amizade das mulheres,
admirar a vista do mar azul frente à terra atapetada de flores de amendoeira em silêncio e paz.
(um programa para o absorto)
terça-feira, dezembro 18
UM CORPO
Um corpo desejável envolto em pose despojada
Ser tocado e fazer-se mais desejado entreaberto
Na espera do inesperado sem horas nem tempo
O corpo somente o corpo pontiagudo se derrete
E escorre ao longo dos meus lábios lentamente.
21 de Dezembro de 2004
Ser tocado e fazer-se mais desejado entreaberto
Na espera do inesperado sem horas nem tempo
O corpo somente o corpo pontiagudo se derrete
E escorre ao longo dos meus lábios lentamente.
21 de Dezembro de 2004
Fotografia de Margarida Delgado
[Por vezes postei poesia mais de outros, do que minha, por gosto de compor os versos com imagens como as de Margarida Delgado que sempre me encantaram.Este é de 16 de setembro de 2005.]
|
ALBERT CAMUS
15 de Set. (1937)
(...)
“Lamber a vida como um rebuçado, formá-la, estimulá-la, enfim, como se procura a palavra, a imagem, a frase definitiva, aquele ou aquela que conclui, que detém, com quem partiremos e que de futuro fará a cor do nosso olhar.”
(...)
“Quanto a mim, sinto-me numa curva da minha vida, não devido àquilo que adquiri, mas àquilo que perdi. Sinto-me com forças extremas e profundas É graças a elas que devo viver como desejo. Se hoje me encontro tão longe de tudo, é que não tenho outro desejo senão amar e admirar. Vida com rosto de lágrimas e de sol, vida sem o sal e a pedra quente, vida como a amo e a entendo, parece-me que ao acariciá-la, todas as minhas forças de desespero e de amor se conjugarão.”
(...)
“É como se recomeçasse a partida; nem mais feliz nem mais infeliz. Mas com a consciência das minhas forças, o desprezo pelas minhas vaidades, e esta febre, lúcida, que me preocupa em face do meu destino.”
Albert Camus
(...)
“Lamber a vida como um rebuçado, formá-la, estimulá-la, enfim, como se procura a palavra, a imagem, a frase definitiva, aquele ou aquela que conclui, que detém, com quem partiremos e que de futuro fará a cor do nosso olhar.”
(...)
“Quanto a mim, sinto-me numa curva da minha vida, não devido àquilo que adquiri, mas àquilo que perdi. Sinto-me com forças extremas e profundas É graças a elas que devo viver como desejo. Se hoje me encontro tão longe de tudo, é que não tenho outro desejo senão amar e admirar. Vida com rosto de lágrimas e de sol, vida sem o sal e a pedra quente, vida como a amo e a entendo, parece-me que ao acariciá-la, todas as minhas forças de desespero e de amor se conjugarão.”
(...)
“É como se recomeçasse a partida; nem mais feliz nem mais infeliz. Mas com a consciência das minhas forças, o desprezo pelas minhas vaidades, e esta febre, lúcida, que me preocupa em face do meu destino.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 1 (Maio d 1935/Setembro de 1937) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
[Passaram 70 anos sobre estas palavras escritas por Camus enquanto jovem. Vejo que a MRF também sublinha um texto da sua juventude, “La Mort heureuse”, cujo plano foi delineado em Agosto de 1935, tinha Camus a idade de 21 anos, cuja escrita atravessa toda a sua vida, mas só foi publicado postumamente.]
Divas & Contrabaixos |
UM POST DE 21 DE SETEMBRO DE 2007 COMO REPRESENTAÇÃO DE TANTOS OUTROS COM ALBERT CAMUS .
AS FOTOGRAFIAS DO HÉLDER GONÇALVES
Ir ao Vaticano para Compreender
Uma das experiências mais interessantes da minha vida
pública, nos últimos anos, foi a participações na “Pastoral da Saúde”, conclave,
de nível mundial, realizado no Vaticano.
O Padre Feytor Pinto dirigia a representação portuguesa e eu resolvi aceitar os convites movido pela curiosidade de observar e participar na reflexão acerca de um tema que, aparentemente fechado, se estende a todas as questões de natureza social.
O convite deve ter resultado da colaboração encetada entre o INATEL e o patriarcado aquando da EXPO-98. Confirmei e reforcei as minhas expectativas iniciais: a igreja dispõe de um conhecimento profundo e alargado acerca das condições de vida das populações mais desfavorecidas do planeta.
Salvaguardando os aspectos formais e a liturgia que decorrem da entidade organizadora – a Santa Sé – que, para mim, católico não praticante, não foram sequer maçadoras, tive oportunidade de ouvir testemunhos impressionantes da situação social, em particular, dos povos africanos e da América Latina.
E para meu espanto as palavras mais duras, que fariam corar o mais radical dos dirigentes dos partidos da esquerda europeia, vinham da boca de altos dignitários, cardeais e bispos, que se não coibiam de atacar a ganância das multinacionais e a injustiça das políticas da maior parte dos governos.
A minha visão da Igreja católica mudou, a partir destas experiências de participação, tendo aprendido que nela coabitam, de facto, uma pluralidade de sensibilidades na abordagem das questões da pobreza, da doença e do papel da igreja e da comunidade na defesa dos direitos humanos.
Não sei se alguma outra instituição tem tantos recursos humanos, homens e mulheres, envolvidos na ajuda humanitária e na defesa da dignidade dos mais desfavorecidos, nos quatro cantos do mundo, desde a mais remota comunidade dos confins da selva amazónica aos arrabaldes das grandes metrópoles urbanas.
Fiquei, sinceramente, a pensar, tal como tinha acontecido na minha adolescência, acerca da utilidade da nossa vida quotidiana, em regra, afastada da defesa das verdadeiras causas humanitárias.
E ainda mais quando verifiquei, por experiência própria, que, muitas vezes, a ostentação da fé não corresponde, em nada, à prática que decorre dos ensinamentos essenciais da doutrina da igreja.
Fui ao Vaticano, participei, por duas vezes nos trabalhos desta Pastoral, incluindo uma comovente cerimónia colectiva de recepção da comitiva pelo Papa, e voltei compreendendo melhor a prática da Igreja. Percebi que os valores da solidariedade, liberdade e igualdade, que vi bailarem nos olhos de muitos dos religiosos participantes daqueles conclaves, não são património exclusivo dos movimentos laicos.
O Padre Feytor Pinto dirigia a representação portuguesa e eu resolvi aceitar os convites movido pela curiosidade de observar e participar na reflexão acerca de um tema que, aparentemente fechado, se estende a todas as questões de natureza social.
O convite deve ter resultado da colaboração encetada entre o INATEL e o patriarcado aquando da EXPO-98. Confirmei e reforcei as minhas expectativas iniciais: a igreja dispõe de um conhecimento profundo e alargado acerca das condições de vida das populações mais desfavorecidas do planeta.
Salvaguardando os aspectos formais e a liturgia que decorrem da entidade organizadora – a Santa Sé – que, para mim, católico não praticante, não foram sequer maçadoras, tive oportunidade de ouvir testemunhos impressionantes da situação social, em particular, dos povos africanos e da América Latina.
E para meu espanto as palavras mais duras, que fariam corar o mais radical dos dirigentes dos partidos da esquerda europeia, vinham da boca de altos dignitários, cardeais e bispos, que se não coibiam de atacar a ganância das multinacionais e a injustiça das políticas da maior parte dos governos.
A minha visão da Igreja católica mudou, a partir destas experiências de participação, tendo aprendido que nela coabitam, de facto, uma pluralidade de sensibilidades na abordagem das questões da pobreza, da doença e do papel da igreja e da comunidade na defesa dos direitos humanos.
Não sei se alguma outra instituição tem tantos recursos humanos, homens e mulheres, envolvidos na ajuda humanitária e na defesa da dignidade dos mais desfavorecidos, nos quatro cantos do mundo, desde a mais remota comunidade dos confins da selva amazónica aos arrabaldes das grandes metrópoles urbanas.
Fiquei, sinceramente, a pensar, tal como tinha acontecido na minha adolescência, acerca da utilidade da nossa vida quotidiana, em regra, afastada da defesa das verdadeiras causas humanitárias.
E ainda mais quando verifiquei, por experiência própria, que, muitas vezes, a ostentação da fé não corresponde, em nada, à prática que decorre dos ensinamentos essenciais da doutrina da igreja.
Fui ao Vaticano, participei, por duas vezes nos trabalhos desta Pastoral, incluindo uma comovente cerimónia colectiva de recepção da comitiva pelo Papa, e voltei compreendendo melhor a prática da Igreja. Percebi que os valores da solidariedade, liberdade e igualdade, que vi bailarem nos olhos de muitos dos religiosos participantes daqueles conclaves, não são património exclusivo dos movimentos laicos.
segunda-feira, dezembro 17
JANTAR DE EXTINÇÃO DO MES
O João Pedro Henriques do Glória Fácil … publicou a fotografia do jantar de extinção do MES com uma legenda depurada. Os meus agradecimentos. Quando se justificar actualizarei a legenda.
CRUZEIRO SEIXAS
Ao ler uma entrevista de Cruzeiro Seixas à pergunta :
“A quem desejaria dar um grande abraço?”, respondeu: ”A muitos que morreram e me
fazem tanta falta como o António Maria Lisboa, o Mário-Henrique Leiria, o Jose
Pierre e os meus pais.”
Curiosa coincidência a nomeação de dois poetas aos quais , recentemente, fiz referência. Mas nunca tinha referido o próprio Cruzeiro Seixas.
Até quando
sementes
estaremos entregues
a este passar sobre a terra
exausta de nos esperar?
Até quando havemos de sonhar
ser flor e fruto
e não a dor infinita da morte
do teu olhar?(Áfricas 957)
Cruzeiro Seixas, Poema Inédito (e entrevista) In “Poetas Visitados”, de Maria Augusta Silva – Edições Caixotim
[Post de 21 de Julho de 2005. Atravessando o mar da poesia ... ]
Curiosa coincidência a nomeação de dois poetas aos quais , recentemente, fiz referência. Mas nunca tinha referido o próprio Cruzeiro Seixas.
Até quando
sementes
estaremos entregues
a este passar sobre a terra
exausta de nos esperar?
Até quando havemos de sonhar
ser flor e fruto
e não a dor infinita da morte
do teu olhar?(Áfricas 957)
Cruzeiro Seixas, Poema Inédito (e entrevista) In “Poetas Visitados”, de Maria Augusta Silva – Edições Caixotim
[Post de 21 de Julho de 2005. Atravessando o mar da poesia ... ]
domingo, dezembro 16
ENTÃO GANHOU O BUSH, NÃO FOI?
No ano 2050 ninguém se vai lembrar desta madrugada
em que fui dormir com a certeza do resultado amargo
da refrega entre dois campos vizinhos mas separados
pelo largo estuário do rio onde correm diferentes olhares
sobre o homem, a vida, a morte, a paz e a guerra.
Todas as diferenças onde se amparam o viver das gentes,
ilustres e vulgares, milhões que acreditam nas escolhas
que julgam mudarem o seu futuro. Mas qual futuro?
Então ganhou o Bush, não foi?
O meu filho, pelas sete da manhã, abriu a porta do quarto
e deu-me a notícia cheio de uma ingénua esperança
de que a sorte mudasse pelos caprichos de um estado
que acorda mais tardio para a coisa. Mas não, eu já sabia,
desde antes. A noite não se faz dia ao estalido
dos dedos de uma mão mesmo que sejam um milhão,
dez, cem milhões de dedos das mãos dadas todas do mundo.
O guerreiro quer guerra e o infiel é o seu duplo.
Então, ganhou o Bush, não foi?
Perguntou-me, a medo, o empregado de mesa
que me serve todos os dias, solícito, além do melão fresco,
o frugal sumo de laranja e os dois rissóis do meu contentamento.
Pois foi, era o que tinha de ser, e o que tem de ser tem muita força.
Então ganhou o Bush, não foi?
Foi!
Que lhe faça bom proveito e ao povo que nele confia.
Tenho a certeza que os poetas da América não
vão deixar de poetar e a mim só me interessa
a POESIA
nem a mentira,
nem a ignomínia,
nem o negócio da morte,
nem da guerra preventiva a cobardia,
nem a vã glória que o vencedor anuncia.
Então ganhou o Bush, não foi?
QUE VIVA A POESIA!
Lisboa, 3 de Novembro de 2004
em que fui dormir com a certeza do resultado amargo
da refrega entre dois campos vizinhos mas separados
pelo largo estuário do rio onde correm diferentes olhares
sobre o homem, a vida, a morte, a paz e a guerra.
Todas as diferenças onde se amparam o viver das gentes,
ilustres e vulgares, milhões que acreditam nas escolhas
que julgam mudarem o seu futuro. Mas qual futuro?
Então ganhou o Bush, não foi?
O meu filho, pelas sete da manhã, abriu a porta do quarto
e deu-me a notícia cheio de uma ingénua esperança
de que a sorte mudasse pelos caprichos de um estado
que acorda mais tardio para a coisa. Mas não, eu já sabia,
desde antes. A noite não se faz dia ao estalido
dos dedos de uma mão mesmo que sejam um milhão,
dez, cem milhões de dedos das mãos dadas todas do mundo.
O guerreiro quer guerra e o infiel é o seu duplo.
Então, ganhou o Bush, não foi?
Perguntou-me, a medo, o empregado de mesa
que me serve todos os dias, solícito, além do melão fresco,
o frugal sumo de laranja e os dois rissóis do meu contentamento.
Pois foi, era o que tinha de ser, e o que tem de ser tem muita força.
Então ganhou o Bush, não foi?
Foi!
Que lhe faça bom proveito e ao povo que nele confia.
Tenho a certeza que os poetas da América não
vão deixar de poetar e a mim só me interessa
a POESIA
nem a mentira,
nem a ignomínia,
nem o negócio da morte,
nem da guerra preventiva a cobardia,
nem a vã glória que o vencedor anuncia.
Então ganhou o Bush, não foi?
QUE VIVA A POESIA!
Lisboa, 3 de Novembro de 2004
[4 de novembro de 2004. Postando um poema escrito em cima do resultado das eleições americanos de Novembro desse ano.] |
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