Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
sábado, abril 18
quinta-feira, abril 16
16 de abril - 2015
Felizmente não sabemos tudo sobre todos e cada um dos que nos rodeiam e ainda menos sabemos acerca daqueles que adivinhamos viver longe do nosso estreito círculo; pior quando alguém se esforça mesmo que com sincero esforço por se convencer que entende o que determina cada opção daqueles que não conhece nem nunca conhecerá porque nunca de verdade seremos capazes de conhecer os outros; ainda pior quando nos convencemos que nos conhecemos a nós próprios dispensando o que os outros de nós pensam que conhecem; ainda pior, muito pior, quando todos se convencem que a verdade de alguém pode ser a nossa verdade e nos tornamos crentes numa verdade comum que nos transcende.
quarta-feira, abril 15
25 de abril (II)
A minha memória dos que viveram os acontecimentos: Victor Wengorovius (no jantar de extinção do MES).
terça-feira, abril 14
segunda-feira, abril 13
sábado, abril 11
Não há vida sem diálogo ...
" Não há vida sem diálogo. Mas o diálogo foi, hoje, na maior
parte do mundo, substituído pela polémica. O século XX é o século da polémica e
do insulto. Eles ocupam, entre as nações e os indivíduos, e mesmo ao nível das disciplinas outrora
desinteressadas, o lugar que tradicionalmente cabia ao diálogo reflectido. Dia
e noite, milhares de vozes, empenhadas, cada uma por seu lado, num tumultuoso monólogo,
lançam sobre os povos uma torrente de palavras mistificadoras, de ataques, de
defesas, de exaltações. Mas qual é o mecanismo da polémica? Consiste em
considerar o adversário como inimigo, por conseguinte a simplificá-lo e a
recusar vê-lo. Aquele que insulto, já não sei de que cor são os seus olhos, ou
se acaso sorri, e como o faz. Tornados quase cegos por obra e graça da
polémica, já não vivemos entre os homens, mas num mundo de sombras." (…)
Albert Camus – alocução feita na sala Pleyel em Novembro de
1948, in Actualidades - Contexto
quinta-feira, abril 9
dia 9 de abril - 2015
O romance das eleições presidenciais em Portugal - janeiro de 2016 - está no 1º capítulo, intróito ou prefácio que para alguns candidatos a candidatos será o último. Impressiona somente a voragem comunicacional em torno de algumas criaturas vagamanente irrelevantes. Mas é a lei da vida e a regra de uma sociedade livre em regime democrático. Se continuar a este ritmo a emergência pública de aspirantes a Belém lá para os idos do verão contar-se-ão por dezenas as irrelevâncias. Por mim não estando a pensar em anunciar candidatura, embora preencha os requisitos, espero pelo dia de reflexão para decidir o meu voto. Haja paciência!
sábado, abril 4
SALGUEIRO MAIA
Pelo 23º aniversário da morte de Salgueiro Maia
O tempo faz esquecer. O tempo é malicioso. O tempo mata a memória. Salgueiro Maia não era um oficial crente nos amanhãs que cantam, dizem até que era conservador mas, perdoem-me o plebeísmo, “tinha-os no sítio”, estão a compreender! Para dar lume a uma revolução mais vale um conservador com “eles no sítio” do que um revolucionário desertor da coragem no momento da verdade. Mas, na verdade, todos os testemunhos confirmam que não era um conservador.
O tempo faz esquecer. O tempo é malicioso. O tempo mata a memória. Salgueiro Maia não era um oficial crente nos amanhãs que cantam, dizem até que era conservador mas, perdoem-me o plebeísmo, “tinha-os no sítio”, estão a compreender! Para dar lume a uma revolução mais vale um conservador com “eles no sítio” do que um revolucionário desertor da coragem no momento da verdade. Mas, na verdade, todos os testemunhos confirmam que não era um conservador.
Quem fez triunfar a revolução não foi Ramalho Eanes, nem Spínola, nem Costa Gomes, não foi nenhum General estrelado pelo Antigo Regime, ou promovido administrativamente pelo novo, quem decidiu o triunfo da revolução foram os “capitães” e o povo, que alargaram à rua o posto de comando e que tomando a rua para si tudo decidiram.
E entre todos os heróis anónimos, foi a coragem serena de Salgueiro Maia naquele momento breve, na Rua do Arsenal, enfrentando o atirador do tanque da coluna de Junqueira dos Reis, fazendo-o desobedecer às ordens, que decidiu a sorte da revolução. É prudente que, para preservar a liberdade, a democracia - seguindo o exemplo de Salgueiro Maia - não vacile no combate aos seus inimigos.
E entre todos os heróis anónimos, foi a coragem serena de Salgueiro Maia naquele momento breve, na Rua do Arsenal, enfrentando o atirador do tanque da coluna de Junqueira dos Reis, fazendo-o desobedecer às ordens, que decidiu a sorte da revolução. É prudente que, para preservar a liberdade, a democracia - seguindo o exemplo de Salgueiro Maia - não vacile no combate aos seus inimigos.
quarta-feira, abril 1
ALOCUÇÃO AOS SOCIALISTAS
"Na política, como sabeis, o comportamento rectilíneo, sem argúcia alguma, - sincero, aberto, desartificioso, claro, - usa ser censurado, como sendo ingénuo: e, nessa sua qualidade de comportamento ingénuo, como prejudicial, ou pateta. Paciência. Seja. (…) Os essencialmente habilidosos (não faço empenho em negá-lo) alcançam a sua hora de simulacro e de vista. Mas é uma hora e nada mais; mas é simulacro, e só vista. Logo a seguir a esse instante, comunica-se-lhes o fogo da sua iluminação de artifício, e fica tudo em fumaça, que pouco depois não é nada."
"Aos nossos socialistas, quanto a mim, compete-lhes resistirem ao tradicional costume de se empregarem espertezas e competições de pessoas para apressar o momento em que há-de chegar ao poder…"
"Antes de tudo, buscai prestigiar-vos ante a nação inteira pelo timbre moral da vossa alma cívica; porque (como acreditais, creio eu) não é indispensável conquistar o poder para se influir de facto na orientação do estado."
"Não tenhais a ânsia de vos alcandorar no poleiro com prejuízo das qualidades a que se tem chamado "ingénuas". As habilidades dissipam-se; os caracteres mantêm-se."
"Não existam ciúmes e invejas recíprocas entre os vários componentes da vossa grei socialista: nem tampouco os ciúmes, nem tampouco as invejas, para com os homens que compõem as outras facções da esquerda. Seja vosso lema a unidade. Por mim, quero trabalhar pela unidade, pelo entendimento recíproco, pela existência de convivência amável entre os homens políticos de orientações discordes. Incorrigivelmente "ingénuo", fraterno, cordial."
António Sérgio, In "Alocução aos Socialistas", No Banquete do Primeiro de Maio de 1947.
Veja aqui
segunda-feira, março 30
30 de março - 2015
Voltando a um tema antigo: a polítca. Na Madeira (região autónoma - grande conquista do 25 de abril) tiveram lugar eleições. Os resultados deram expressão a uma mudança, com a peculariedade do protagonista que lidera pertencer ao mesmo Partido do antecessor. O que acontece na RA da Madeira é que não há espaço para mudanças senão pela rotação da liderança no Partido do poder. Simples. É um modelo de rotativismo de um só partido. Porquê? Os restantes partidos assumiram a subalternidade e não a alternativa. E, no caso particular do PS, uma subalternidade abdicando da identidade própria, ao contrário do CDS.
sexta-feira, março 27
27 de março - 2015
Teresa Dias Coelho
Não se sabe ao certo o que aconteceu pois nunca nada que não se tenha vivido se sabe ao certo. Despenhou-se um avião de um modelo conhecido, dizem que em fim de vida, de uma companhia alemã - alemã - dessas "baratas", negócio de uma das "caras" - voando nos céus da Europa. As primeiras notícias, como quase sempre neste tipo de tragédias, eram confusas pois o que se sabia é que o avião se havia despenhado numa zona de difícil acesso nos Alpes franceses. Todos os mais altos dirigentes políticos dos países, mais directamente atingidos, apareceram à boca de cena declarando o seu pesar o que parece normal. A esta hora ainda decorrem as investigações mas correu mundo a notícia que o copiloto - um jovem alemão - alemão - havia feito despenhar o avião arrastando para a morte todos os que nele viajavam. Alerta geral. Pensava eu que face à ameaça terrorista que, muito compreensivelmente, a todos preocupa, tinham sido tomadas as mais rigorosas medidas de segurança que, aliás, os passageiros sentem na pele - mais nuns aeroportos que noutros - quase sendo despidos naqueles momentos que antecedem o acesso à zona do embarque. Mas não! As medidas de segurança, pelo menos algumas, são inimigas de si próprias. A porta que se fecha a sete chaves para impedir o assalto do inimigo externo pode ser uma arma letal nas mãos do "inimigo" interno. Finalmente torna-se necessário recorrer à mais humana das medidas de segurança: a garantia, e exigência, de uma permanente direcção colectiva, neste caso, na cabine de pilotagem da aeronave. Peritos e técnicas sofisticadas para quê?
Não se sabe ao certo o que aconteceu pois nunca nada que não se tenha vivido se sabe ao certo. Despenhou-se um avião de um modelo conhecido, dizem que em fim de vida, de uma companhia alemã - alemã - dessas "baratas", negócio de uma das "caras" - voando nos céus da Europa. As primeiras notícias, como quase sempre neste tipo de tragédias, eram confusas pois o que se sabia é que o avião se havia despenhado numa zona de difícil acesso nos Alpes franceses. Todos os mais altos dirigentes políticos dos países, mais directamente atingidos, apareceram à boca de cena declarando o seu pesar o que parece normal. A esta hora ainda decorrem as investigações mas correu mundo a notícia que o copiloto - um jovem alemão - alemão - havia feito despenhar o avião arrastando para a morte todos os que nele viajavam. Alerta geral. Pensava eu que face à ameaça terrorista que, muito compreensivelmente, a todos preocupa, tinham sido tomadas as mais rigorosas medidas de segurança que, aliás, os passageiros sentem na pele - mais nuns aeroportos que noutros - quase sendo despidos naqueles momentos que antecedem o acesso à zona do embarque. Mas não! As medidas de segurança, pelo menos algumas, são inimigas de si próprias. A porta que se fecha a sete chaves para impedir o assalto do inimigo externo pode ser uma arma letal nas mãos do "inimigo" interno. Finalmente torna-se necessário recorrer à mais humana das medidas de segurança: a garantia, e exigência, de uma permanente direcção colectiva, neste caso, na cabine de pilotagem da aeronave. Peritos e técnicas sofisticadas para quê?
terça-feira, março 24
HERBERTO HELDER
ERA UMA VEZ UM PEQUENO INFERNO E UM PEQUENO PARAÍSO ...
"Era uma vez um pequeno inferno e um pequeno paraíso, e as pessoas andavam de um lado para outro, e encontravam-nos, a eles, ao inferno a ao paraíso, e tomavam-nos como seus, e eles eram seus de verdade. As pessoas eram pequenas, mas faziam muito ruído. E diziam: é o meu inferno, é o meu paraíso. E não devemos malquerer às mitologias assim, porque são das pessoas, e neste assunto de pessoas, amá-l...as é que é bom. E então a gente ama as mitologias delas. A parte isso o lugar era execrável. As pessoas chiavam como ratos, e pegavam nas coisas e largavam-nas, e pegavam umas nas outras e largavam-se. Diziam: boa tarde, boa noite. E agarravam-se, e iam para a cama umas com as outras, e acordavam. Às vezes acordavam no meio da noite e agarravam-se freneticamente. Tenho medo - diziam. E depois amavam-se depressa, e lavavam-se, e diziam: boa noite, boa noite. Isto era uma parte da vida delas, e era uma das regiões (comovedoras) da sua humanidade, e o que é humano é terrível e possui uma espécie de palpitante e ambígua beleza.”
Herberto Helder
Herberto Helder
sábado, março 21
DIA MUNDIAL DA POESIA
Em memória do meu irmão Dimas |
I
nas minhas mãos sinto
o que não tenho
10 de Fevereiro de 2006
II
o raio de luz estilhaça o espaço
do meu silêncio
11 de Fevereiro de 2006
III
no fim do tempo as cores belas do poente
12 de Fevereiro de 2006
IV
as cidades ocupam o lugar dos campos abandonados
mas é neles que me revejo
17 de Fevereiro de 2006
V
subindo a montanha do tempo descubro
as mãos vazias de nada
19 de Fevereiro de 2006
VI
o tempo corre desvairado e na poeira de seus passos
meu filho se fez homem
21 de Fevereiro de 2006
VII
não me digas não pois mesmo no teu silêncio alisado
eu descubro uma voz que sempre fala e me descobre
23 de Fevereiro de 2006
VIII
Sinto as ruas da infância as pedras gotas de água
ângulos gritos silêncios de dorida e surda mágoa
9 de Março de 2006
IX
Sulcava um ar lavrado de indefinível espessura
o prazer do jogo das palavras não ditas perdura
10 de Março de 2006
X
Pode ser este o último poema a que mais nenhum suceda
como antes do princípio: a palavra recortada no silêncio
10 de Março de 2006
XI
Numa manhã de um dia qualquer subi olhei
do ponto mais alto procurei não vi ninguém
15 de Março de 2006
XII
Sofre-se devagar lentamente as palavras malditas
dos lamentos ecoam nos vagos silêncios do destino
21 de Março de 2006
XIII
Enroscada ao côncavo do corpo a solidão
incendeia o desejo no alvor da primavera
21 de Março de 2006
XIV
XIV
Nada acontece de novo desde o tempo luminoso
esboço a sépia quente o teu corpo simplesmente
24 de Março de 2006
XV
Ouço o insuportável zumbido das mágoas
vozes do meu sangue que o tempo apagou
30 de Março de 2006
XVI
Vejo a criação como o lugar dos silêncios
templo vazio prenhe do tempo imaginado
1 de Abril de 2006
XVII
O sol quente irradia primavera à vista do mar
flores saúdam o vento a única força do mundo
3 de Abril de 2006
XVIII
A terra quente a meus pés o pó do carvão ardendo
o frio da manhã fumos soltos o vento sol nascente
4 de Abril de 2006
XIX
No calor da sombra a terra quente subiu
em fúria desordenada rompeu o silêncio
7 de Abril de 2006
XX
Inóspito caminho, o sangue quente latejou
na cavalgada o prazer no dorso da espada
8 de Abril de 2006
XXI
A noite alisando a pele dos sentidos os floria
soletrando silêncios a madrugada amanhecia
10 de Abril de 2006
XXII
Olhei as mãos de seus sulcos emergiam desenhos
inacabados preces sonhos regressos imaginados
12 de Abril de 2006
XXIII
O dia desce sobre a cidade as ruas fumegam
os passos ecoam como corpos vestidos de dor
16 de Abril de 2006
*
XXIV
Um brado difuso me percorre no fio do silêncio
desesperada ausência o rosto na voz esquecida
18 de Abril de 2006
XXV
Se fosse noite ver-te-ia correr em mim
longa carícia colorida, sonho sem fim
20 de Abril de 2006
XXVI
Sabemos de nós tudo através do olhar dos outros
21 de Abril de 2006
XXVII
No cimo a luz branca pontiaguda ilumina
as mãos que tendem o pão da minha vida
3 de Maio de 2006
XXVIII
Como as palavras as imagens, que tomamos como nossas, são um
bocado do imaginário que sobrevive à decapitação dos sonhos. Caminhamos por
entre escombros.
Quando minha mãe morreu nos meus braços não chorei. Só
chorei quando, velando o seu corpo, me surgiu pela frente uma vizinha que
frequentava a minha infância. O imaginário, naquele breve momento, tomou de
assalto as minhas defesas que ruíram com estrondo.
Percebi a leveza insustentável dos corpos depois de mortos e
a infinita fraqueza que se esconde por detrás da nossa aparente normalidade.
S/data
XXIX
Nas pedras irregulares do chão da infância
luminosas as sombras que acolhem os corpos
15 de Maio de 2006
XXX
Fosse meu tudo o que não tem medida certa
seria feliz por possuir o mundo
Tomaria em mãos as diversas artes
sendo múltiplo fingir-me-ia uno
uno por dentro e por fora repartido em partes
19 de Maio de 2006
XXXI
Gosto de iniciar o caminho pelo princípio
Onde não se encontra nada o que abraçar
Inventar tudo desde o começo mesmo sem
A ideia clara do caminho que hei-de rasgar
Buscar a luz que alumia a vida na revolta
Da palavra e na surpresa de afinal confiar
Gosto de sentir o frio na testa desabrigada
Cavar fendas na memória e nelas recordar
O meu mundo secreto único e indivisível
Separado de todos os mundos é outro mar
Gosto de ouvir ao longe sons esquecidos
E nos largos vazios o silêncio a esvoaçar
4 de Junho de 2006
XXXII
Passar o tempo ver passar o passado no presente
Sonhar com as longínquas memórias nas doridas
Noites anoitecidas a ver passar o tempo sedento
De nos devorar o corpo ainda quente dos afagos
Esquecidos de mãos que vagamente escorregam
Pelo esquecimento como todas as mãos milhões
De sinais passaram e deles já todos esqueceram
Os ensinamentos, o toque, a música, o desespero
Passar o tempo deixar em herança esquecimento
Sabendo que mais nada restará senão só o tempo
18 de Junho de 2006
XXXIII
Olhar ao longe por entre a neblina
O mar de verão que acalma a vida
15 de Julho de 2006
XXXIV
Este mar é a luz da minha memória
16 de Julho de 2006
XXXV
Sempre o som do mar ao fundo
No silêncio da noite se agiganta
Encosta acima mais nítido puro
21 de Julho de 2006
XXXVI
Branca como sombra reflectida no chão
terra mãe percorrida ao som do silêncio
S/data
XXXVII
Estendo a memória até onde a mão alcança
o tempo submerso resplandece de sabedoria
23 de Novembro de 2006
21 de março - ano de 2015
Tempos conturbados - todos os tempos, afinal, o são cada um a seu modo - mas neste assoma o cheiro acre a fim de regime. Deverei estar enganado pelo menos na medida em que as afirmações de fé radicais quase sempre são desmentidas. Digo quase, pois nos períodos anteriores ao advento dos totalitarismos poucos são os que se atrevem a vaticiná-los. E mesmo, para não ir mais longe, já no pleno exercício dos crimes de regimes totalitários a maioria se acobarda, e os aceita, pois de outra forma não medrariam. Assim ao alcance da nossa memória aconteceu com o nazi fascismo, de várias estirpes, e o estalinismo que duraram muitos anos, produziram guerras de uma crueldade inimaginável e praticaram crimes inomináveis. Venho preencher o espaço branco do ecran porque por essa Europa fora ganham adeptos os lideres de extrema direita, ameaçando ganhar pelo voto, senão o poder, pelo menos o direito a partilhá-lo. E não tenhamos ilusões que se tal acontecer teremos o toque de finados da União Europeia e o advento de uma guerra. E quais serão os efeitos de uma guerra no nosso tempo?
quarta-feira, março 18
AS EVIDÊNCIAS
XVIII
Deixai que a vida sobre nós repouse
qual como só de vós é consentida
enquanto em vós o que não sois não ouse
erguê-la ao nada a que regressa a vida.
Que única seja, e uma vez mais aquela
que nunca veio e nunca foi perdida.
Deixai-a ser a que se não revela
senão no ardor de não supor iguais
seus olhos de pensá-la outra mais bela.
Deixai-a ser a que não volta mais,
a ansiosa, inadiável, insegura,
a que se esquece dos sinais fatais,
a que é do tempo a ideia da formosura,
a que se encontra se se não procura.
26-3-1954
Jorge de Sena
domingo, março 15
HÉLDER GONÇALVES - uma prenda
As primeiras fotografias que postei neste blogue são de autoria do meu amigo Hélder Gonçalves. É um grande fotógrafo amador, pois a sua profissão é outra na qual, aliás, são elevados os seus méritos. Ontem enviou-me uma fotografia captada no dia 1 de março passado que aqui deixo com os desejos de melhoras e um abraço.
sexta-feira, março 13
FERRO RODRIGUES
Em 30 de setembro de 2014 publiquei neste espaço pessoal um texto raro a respeito do regresso à "grande política" do Eduardo Ferro Rodrigues. Não tenho como regra fazer a louvaminha dos amigos e, ainda menos, dos amigos de longa data. Mas senti necessidade de escrever o que escrevi e sinto hoje necessidade de reeditar as palavras de saudação que aqui trouxe. Elas, para quem souber entender o seu sentido profundo, explicam as críticas, a meu ver injustas, de que tem sido alvo por estes dias. Multidões de virgens ofendidas clamam pela necessidade urgente de trazer para a política gente honrada, competente e com sentido de serviço público. Cidadãos que, sem prejuízo dos seus naturais defeitos, assumindo funções politicas de relevo, constituam uma barreira às derivas populistas e demagógicas que tanto têm desprestigiado, aos olhos dos cidadãos, a politica, os partidos e a democracia. Mas quando os cidadãos honrados assumem os pesados riscos de uma ativa e empenhada intervenção política aqui del rei que o bom senso é erigido em fraqueza, a competência em maçada e o sentido de serviço público, afinal, numa banalidade.
Uma escolha é uma escolha. No caso de Ferro Rodrigues é o regresso à "grande política" de quem nunca, na verdade, se afastou. Apenas se ausentou para recobrar forças. Sinto este ressurgimento como um ato de justiça. Vai ser duro para ele conjugar sentimento e razão. O seu regresso à ribalta não anuncia somente o regresso da política, que a vitória de Costa pronuncia, mas um sinal de abertura ao diálogo em todas as direcções. As soluções politicas de governo de futuro não se jogam na tradicional alternativa, pura e dura, esquerda/direita. Nem sequer num jogo de palavras em torno de alternativa versus alternância. É preciso ir mais longe. Fundar um novo modelo de alianças políticas em cuja matriz nem hajam excluídos à partida, nem escolhidos eternos. Um novo pacto social que viabilize uma verdadeira reforma do estado social. É difícil fazer POLITICA que nunca dispense a aceitação da diversidade, a superação das contradições e a busca dos consensos em torno de soluções que satisfaçam o maior número. A sociedade organizada - os cidadãos de todas as condições - espera por propostas nas quais acredite e lhes dêem alento para lutar por um futuro melhor para si e para a comunidade. Políticos são precisos. Por isso o regresso do Ferro Rodrigues é uma boa notícia para além da nossa velha e profunda amizade.
quinta-feira, março 12
Dia 12 de março - 2015
Voltando ao tema do nosso tempo político que é um tempo no qual o debate público é uma coisa banal. Um resultado da liberdade de expressão do pensamento. Sempre que acontece, e acontece muitas vezes, que nos sentimos constrangidos no uso da liberdade algo vai mal. Na questão da liberdade o excesso é sempre preferível à escassez. Em qualquer caso o mundo move-se a diversos níveis e na política as forças posicionam-se em permanência para a disputa do poder. É da própria natureza das coisas, com o carácter dos protagonistas pelo meio marcando o tom e o ritmo dos acontecimentos que podem influenciar e, na maior parte dos casos, podem influenciar pouco. Mas voltando ao tema do nosso tempo político questiono-me acerca da viabilidade de conduzir, governo e oposição, cada qual com seus objectivos, mais de seis (6) meses de disputa eleitoral aberta ( para não usar a expressão campanha). É a realidade com a qual cada um em seu mister tem de lidar. Só há uma postura séria neste contexto para quem tem responsabilidade, seja a que nível for, na vida pública: minimizar os erros e não se deixar enredar em enganos.
domingo, março 8
sábado, março 7
7 de março - ano de 2015
As próximas eleições legislativas - regresso ao assunto - serão realizadas, salvo qualquer solavanco imprevisível no calendário, num dos dias, a escolher pelo senhor PR, 27 de setembro, 4 ou 11 de outubro de 2015, a uma distância de sete (7) meses, desde o presente dia. Nada obsta a que, em democracia, se realizem debates e discussões, se acalorem as polémicas e se avolumem os casos, pois é o mais próprio da democracia liberal. Mas ... acontece que o calendário politico eleitoral tem, neste ano de 2015, uma peculiaridade: à eleição legislativa sucede-se a eleição presidencial (sem intervalo para descanso!), imbricadas uma na outra, condicionando-se mutuamente. E, ainda mais, acontece que nos seis meses antes e após a eleição presidencial (a realizar em janeiro de 2016) o PR não pode dissolver a AR (Artº 172 - 1. A Assembleia da República não pode ser dissolvida nos seis meses posteriores à sua eleição, no último semestre do mandato do Presidente da República ou durante a vigência do estado de sítio ou do estado de emergência.). Ora, no caso desta conjuntura eleitoral, atenta a sequência dos atos eleitorais, o PR, em funções, não poderá dissolver a AR a partir de um dia de finais do presente mês de março/meados do próximo mês de abril, e o próximo PR, eleito em janeiro de 2016, não a poderá dissolver até abril de 2016. Ou há condições para formar governo com o resultado das legislativas ou .... Tudo se resolverá nos termos da lei e dos bons costumes!
quinta-feira, março 5
5 de março - ano de 2015
É difícil conceber uma campanha eleitoral tão longa no tempo como a que já está em marcha. Mas, ao contrário, mais difícil era entender o tempo em que não havia verdadeiras campanhas eleitorais. Para quem não se lembra esse tempo já existiu - e existe - em muitas partes do mundo e em Portugal estão vivos muitos daqueles que o viveram. Sempre é preferível o confronto aberto das opiniões divergentes, com mais ou menos ruído, ou golpe baixo, do que o silêncio conformista da tirania. Preocupante é o perigo do seu regresso muito bem assinalado hoje pelo 1º ministro francês a propósito do avanço da extrema direita no seu país. Com todos os sobressaltos os países do sul da Europa têm vindo a ser portadores de novos movimentos sociais que, nalguns casos, se transformam em partidos, longe de se fundarem em ideologias fascistas, nazis, ou populistas radicais de direita, mas o mesmo se não pode dizer de França.França é o centro do problema político da Europa no próximo futuro. Não só por fazer parte, com a Alemanha, do núcleo central da ideia da construção da União Europeia - uma ideia destinada à preservação da paz na Europa antes de tudo o mais - como pelo seu peso na economia, história e geopolítica da Europa moderna. Com a eventual emergência de um poder político dominado por um partido de extrema-direita - seja qual for o seu disfarce - a União Europeia estará condenada ao fracasso. E surgirão, em todo o seu terrível esplendor, os sinais de guerra. Estamos cada vez mais perto de um tempo de grandes decisões.
quarta-feira, março 4
4 de março, ano de 2015
Pelo calendário político previsível deveremos estar exactamente, no dia de hoje, a 7 (sete) meses das eleições legislativas. (uma mera ante visão sem qualquer bússola!) Sem descontos das férias de verão (como será o mês de agosto?) pela amostras dos dias que passam, sete meses de campanha eleitoral. A que se sobreporá outra campanha - a presidencial - que se estende até janeiro. A que se sobreporá o processo de formação do governo, saído do resultado das legislativas, em plena pré campanha presidencial. Só falo, está bem de ver do calendário. Nem de conteúdos políticos, nem dos tons dos debates, nem dos protagonistas, nem dos acontecimentos políticos inesperados, nem das surpresas de conjuntura da economia nacional e internacional, nem de eventuais conflitos bélicos, nada de nada, somente de calendário, ou seja, de tempo.
segunda-feira, março 2
2015 - dia 2 de março
Houve um tempo em que acreditei na bondade intrínseca do homem, a velha crença na superioridade da filosofia de Rousseau, misturada com uma longa vivência, enquanto jovem adulto, por razões históricas, no período dos chamados 40 anos gloriosos, do crescimento económico que se julgava iria perdurar para todo o sempre. Deveria saber por uma miríade de outras razões, oriundas da religião na qual fui educado, nos livros que li e nas experiências que vivi, que não é assim. O homem não é naturalmente bom. Mas sou obrigado a fazer um esforço para assumir esta negação da bondade intrínseca do homem. Mas não posso mais deixar-me iludir. Vamos caminhando.
domingo, março 1
2015 - dia 1 de março
Este espaço existe há mais de um decénio porque o seu autor,
identificado, assim o quer. É uma janela entre milhões de janelas através da
qual eu olho a rua – o espaço público – e comunico, em liberdade, com aqueles
que por vontade própria, ou por mero acaso, decidem visitá-lo. Hoje por hoje é
uma banalidade dispor de um espaço desta natureza, talvez mesmo um pouco
antiquado, face a outros meios que entretanto surgiram e que, no conjunto,
criaram uma rede cujos densidade e propósitos vão muito além, suponho, do que a
mais hilariante imaginação pode supor. Nada busco com esta presença continuada
senão manter aberta essa ínfima janela com o exterior, no fundo, comunicar
dando expressão a uma vontade própria de reunir a minha voz a outras vozes que,
por uma qualquer razão, estejam disponíveis para ouvir. Hoje o meu filho chegou
da Áustria, onde regressará mais tarde, e tudo correu bem. O gato ficou feliz. Hoje, dia 1 de março do qual, por razões que desconheço, sempre gostei muito.
sexta-feira, fevereiro 27
"Quando não se tem carácter é preciso ter método."
“Eu moro no bairro judeu, ou o que assim se chamava até ao momento em que os nossos irmãos hitlerianos limparam tudo. Que barrela! Setenta e cinco mil judeus deportados e assassinados, é a limpeza pelo vácuo. Admiro esta aplicação, esta paciência metódica! Quando não se tem carácter, é preciso ter método.”
Albert Camus, in "A Queda"
quarta-feira, fevereiro 25
SETE POEMAS DE AMOR E MORTE - PELO 10º ANIVERSÁRIO DA MORTE DO MEU IRMÃO DIMAS
O chão branco de fogo cega o olhar
Longe a coroa de mar envolve a terra
E os sonhos rasam o teto do mistério
II
A parede milenar suspensa deixa ver
O passado remoto e as vozes ressoam
Pelo ar de boca em boca sussurradas
III
A risca amarela marca um tempo eterno
E os sinais de fogo desenhados a quente
Na memória fixam o momento da morte
IV
A lápide gravada a letras claras assinala
O tempo que se desfez na mão fechada
Torrão quente que faz do corpo semente
V
A eira debandou do trigo elevado ao céu
E as ervas tomaram a forma de regatos
Correndo para as nascentes fulminadas
VI
Toca a corneta na estrada anunciando
O peixe e os corpos jovens banham-se
Na sombra fresca do arvoredo ardente
VII
Fixo o olhar perdido à beira do poço
E a pedra lançada ao fundo não ecoa
Canção de amor à morte desesperada
Lisboa, 22 de Março de 2005
segunda-feira, fevereiro 23
JOSÉ AFONSO - PELO 28º ANIVERSÁRIO DA SUA MORTE
José Afonso (canto inferior esquerdo) na época em que foi professor provisório na Escola Industrial e Comercial de Faro (de 7 de Outubro de 1958 a 18 de Julho de 1959). Com a curiosidade de nesta fotografia, certamente tirada no Campo de Futebol de S. Luís, em Faro, surgir o Dr. Emílio Campos Coroa (de óculos escuros com um ramo de flores).
quinta-feira, fevereiro 19
Os Holandeses ...
"Os holandeses, oh!, são muito menos modernos! Têm tempo, repare neles. Que fazem? Ora bem, estes senhores vivem do trabalho daquelas senhoras. São, de resto, machos e fémeas, umas burguesíssimas criaturas que têm o costume de vir aqui, por mitomania ou estupidez. Em suma, por excesso ou falta de imaginação. De tempos a tempos, estes senhores puxam pela faca ou pelo revólver, mas não julgue que com muito empenho. O papel exige, eis tudo, e morrem de medo, disparando os últimos cartuchos. Posto o que, acho ainda mais moralidade neles que nos outros, aqueles que matam em família, pelo desgaste. Não notou ainda que a nossa sociedade está organizada neste género de liquidação? Já ouviu falar, naturalmente, daqueles minúsculos peixes dos cursos de água brasileiros que se lançam aos milhares sobre o nadador imprudente e o limpam, em alguns instantes, a pequenas bocadas rápidas, não deixando mais que um esqueleto imaculado? Pois bem, é essa a organização deles. «Quer uma vida limpa? Como toda a gente?» Dirá que sim, naturalmente. Como dizer que não? «De acordo. Vai ficar limpinho. Aqui tem um emprego, uma família, lazeres organizados.» E os dentes minúsculos cravam-se na carne até aos ossos. Mas sou injusto. Não é a organização deles que se deve dizer. Ela é a nossa, ao fim e ao cabo: é a ver quem limpará o próximo."
Albert Camus, in A Queda
domingo, fevereiro 15
fevereiro de 2015 - dia 15 (tão cedo não acontece...)
Ao fim do dia, já noite, a meio de um mês de fevereiro frio de 2015, 50 anos passados sobre o infame assassinato do General Humberto Delgado, soube-se, através de um vídeo divulgado hoje, que o chamado estado islâmico degolou, na Líbia, 21 egípcios capturados por serem cristãos. O ocidente europeu, através dos seus dirigentes, eleitos pelo povo, pela via democrática, entretanto degladiam-se em torno da disputa do poder no seu espaço físico, desde a guerra clássica pela conquista de territórios, definição de fronteiras e rotas, até à luta por quotas de mercado para os seus bens e serviços, passando pela definição do valor relativo da força de trabalho e do capital, papel e dimensão do estado social,.... (mapas, compassos, orçamentos, armas, ...).
É como se fosse uma velha família reunida em torno de uma intrincada questão de heranças após a morte dos pais que conceberam um modelo e fizeram fortuna através do uso de uma sabedoria urdida pela guerra mas que ao longo de 60 anos de paz se perdeu. Não conheço os meandros, não posso nem quero conhecê-los, somente vejo as manifestações exteriores através das imagens, letras e sons que me chegam - as que chegam, adivinho que muitas manipuladas - mas as caras dos protagonistas mais ou menos simpáticas, austeras, cansadas ou estarrecidas, mostram mais desorientação do que determinação e sentido de estado.
Políticos prisioneiros de mudanças que não foram capazes de antecipar? O que são e para que servem? Esta é, afinal, uma mera apreciação impressionista que a realidade no próximo futuro pode desmentir e tudo acabar numa grande festa com desfiles militares aclamados por multidões agradecidas e bailes populares de regozijo pela paz.
sábado, fevereiro 14
fevereiro - dia 14
O que me apetece escrever neste final de dia chuvoso, invernal, é simplesmente que o mundo está perigoso. Chovem notícias de acontecimentos com ressonâncias de guerra sendo as restantes acerca de negócios, falências, empréstimos, resgates, negociações, dixotes nacionalistas, dinheiro, milhões de milhões de que se desconhece o rasto ou se descobre o rastro. Cheira a dinheiro sujo saído de negócios obscuros, manchado de sangue suor e lágrimas de gente honesta, trabalhadores, aforradores ..., dinheiro oriundo de rendimentos do trabalho e do capital honestos, desviado por uma horda de gente que se acoita sob os mais diversos poderes que ninguém tem a coragem de denunciar de forma directa e frontal. Espera-se que uma guerra, desta vez mundial, resolva o imbróglio? Enojante!
quarta-feira, fevereiro 11
General Humberto Delgado - nas vésperas do 50º aniversário do seu assassinato
Terminada a leitura da Biografia de Humberto Delgado, de autoria de seu neto Frederico Delgado Rosa, não resisto a deixar algumas notas. Na minha meninice – como já antes assinalei – senti pessoalmente o frémito da campanha presidencial de 1958 e nunca mais se apagaram da minha memória as imagens do empolgamento popular que a figura de Humberto Delgado suscitou.
Esta obra promissora de desenvolvimentos, e aprofundamentos, que se aguardam para o próximo futuro, mereceria, além do mais, uma verdadeira divulgação popular que contribuísse para desmitificar o branqueamento do fascismo português e da figura do seu líder e mentor – Salazar – que amiúde se quer fazer passar como um político brando na repressão, tolerante nos costumes e eficaz na política.
A leitura das 1225 páginas de texto deste livro sugere uma meditação acerca do "fenómeno Humberto Delgado", após o golpe militar de 28 de Maio de 1926, até aos nossos dias, mesmo que não nos aventuremos pelos caminhos da crítica e nos limitemos – como é o caso – ao simples papel de leitores atentos e interessados. Eis algumas breves, e despretensiosas, dessas possíveis reflexões:
(1) É do mais elementar bom senso desconfiar das ideias feitas acerca da história, em particular, da “história oficial”, quando envolve personagens carismáticos e acontecimentos com forte carga política e emotiva;
(2) Os protagonistas que marcam, pelo seu pensamento e acção, a história das nações são homens com suas virtudes e defeitos transformando-se a si próprios a par das transformações que suscitam;
(3) O General Humberto Delgado foi um distinto militar de carreira, apoiante do golpe militar do 28 de Maio, e da ditadura entre 1926 e o dealbar dos anos 50, tendo acabado por sacrificar a carreira, e a própria vida, no combate sem tréguas ao regime fascista, após a ruptura política com Salazar, a partir das eleições presidenciais de 1958, às quais se candidatou, como independente, por vontade própria;
(4) Foi ele o verdadeiro precursor do 25 de Abril de 1974 pois defendeu (quase sempre) que a ditadura só cairia através da acção militar, que haveria de ser protagonizada pelas forças armadas, apoiadas pelo povo, o que viria, de facto, a acontecer pouco menos de nove anos após o seu assassinato que ocorreu em 13 de Fevereiro de 1965;
(5) Delgado foi, politicamente, um liberal democrata, fortemente influenciado pela cultura anglófona, e pela sociedade americana (o que lhe valeu o magnífico epíteto de “General Coca Cola”) influências assumidas ao longo de várias missões profissionais – em representação do estado português - na Inglaterra, Estados Unidos e também no Canadá;
(6) Delgado foi um político que nunca deixou de ser General e de cuja áurea anti-salazarista a esquerda, do seu tempo, se quis apropriar sem, na verdade, partilhar das suas ideias e acções, que desprezava apodando-as, pelo menos, de aventureiras;
(7) O General Humberto Delgado foi atraído a uma cilada e assassinado pela PIDE, por espancamento, e não a tiro, com conhecimento de Salazar, que sempre encobriu este hediondo crime, sob as mais variadas artimanhas, no plano interno e da diplomacia, entrando, inclusive, em rota de colisão com Franco;
(8) O julgamento dos autores materiais do crime – que não dos seus autores morais que sempre foram poupados pela democracia – em Tribunal Militar – foi uma triste farsa que não permitiu apurar a verdade e muito menos punir os criminosos;
(9) Todo o processo desde o assassinato de Delgado, passando pelo encobrimento do crime, à descoberta dos corpos, à investigação judicial e perícias forenses, realizadas pelas autoridades espanholas, até à condução do processo judicial em Portugal, julgamento e recursos judiciais, constitui um caso exemplar que permite, nos planos político e judicial, entender muitos aspectos da realidade contemporânea portuguesa e as peripécias de processos que ainda correm os seus trâmites;
(10) Este livro deveria ser de leitura obrigatória para todos os políticos, militares, juízes, magistrados, jornalistas e decisores de todos os escalões da hierarquia do estado a começar pelo Senhor Presidente da República;
(11) Espero que o autor, cuja coragem não pode ser só uma herança de sangue, prossiga as suas investigações para que os portugueses possam conhecer todos os meandros do assassinato de Humberto Delgado, para que sejam identificados os seus autores, materiais e morais, assim como os encobridores, localizados os que ainda possam estar vivos, reabrindo, eventualmente, o processo, levando a que os criminosos paguem pelos seus actos e contribuindo, dessa forma, para que os portugueses se reconciliem com a justiça do seu país.
(12) Nunca nenhum processo-crime está definitivamente encerrado enquanto subsistirem fundadas suspeitas de que se não fez justiça. É o caso.
[Publicado em agosto de 2008, após a leitura da sua biografia.]
segunda-feira, fevereiro 9
Tudo é de temer.
Cá entre nós, a servidão, de preferência sorridente, é pois inevitável. Mas não o devemos reconhecer. Quem não pode fugir a ter escravos, não valerá mais que os chame homens livres? Por princípio, em primeiro lugar, e depois para os não desesperar. É-lhes bem devida esta compensação, não acha? Deste modo eles continuarão a sorrir e nós manter-nos-emos de consciência tranquila. Sem o que, seríamos forçados a voltar-nos para nós mesmos, ficaríamos loucos de dor, ou até modestos, tudo é de temer.
Albert Camus, in A Queda"
domingo, fevereiro 8
sexta-feira, fevereiro 6
"CARTAS A UM AMIGO ALEMÃO"
« […] Acontece-me, por vezes, ao voltar de uma dessas curtas tréguas que nos deixa a luta comum, pensar em todos os recantos da Europa que conheço bem. É uma terra magnífica, feita de sacrifícios e de história. Revejo as peregrinações que fiz com todos os homens do Ocidente. As rosas nos claustros de Florença, as tulipas douradas de Cracóvia, o Hradschin com os seus paços mortos, as estátuas contorcidas da ponte Karl sobre Ultava, os delicados jardins de Salzburgo. Todas essas flores, essas pedras, essas colinas e essas paisagens onde o tempo dos homens e o tempo da natureza confundiram velhas árvores e monumentos! A minha memória fundiu essas imagens sobrepostas para delas formar um rosto único: o da minha pátria maior. Algo me oprime quando penso, então, que sobre esse rosto enérgico e atormentado paira, desde alguns anos, a vossa sombra. E no entanto, há alguns desses lugares que você visitou comigo. Eu não imaginava, nessa altura, que fosse um dia necessário defendê-los contra os vossos. E agora ainda, em certos momentos de raiva e desespero, lamento que as rosas possam ainda crescer no claustro de São Marcos, os pombos lançar-se em bandos da catedral de Salzburgo e os gerânios vermelhos germinarem incessantemente nos pequenos cemitérios da Silésia.
Mas, noutros momentos, e são esses os verdadeiros, sinto-me feliz que assim seja. Porque todas as paisagens, todas as flores e todos os trabalhos, a mais antiga das terras, vos demonstram, em cada Primavera, que há coisas que não podereis abafar no sangue. […] Sei assim que tudo na Europa, a paisagem e a alma, vos rejeitam serenamente, sem ódios desordenados, mas com a força calma das vitórias. As armas de que dispõe o espírito europeu contra as vossas são as mesmas que nesta terra sempre renascente fazem crescer as searas e as corolas. O combate em que nos empenhamos possui a certeza da vitória, porque é teimoso como a Primavera. […] »
Albert Camus, in Cartas a um Amigo Alemão, Carta Terceira (Abril de 1944).
domingo, fevereiro 1
2 de fevereeiro de 1954 - neve a sul
Foi através da leitura de “O aprendiz de Feiticeiro” de Carlos de Oliveira que, na minha memória reluziu a data em que, acontecimento raro, caiu neve em Lisboa e também – imaginem - em Faro.
No extremo sul de Portugal, à beira mar, terra de temperatura moderada, o surgimento da neve foi um acontecimento inusitado que perdurou na memória de todos.
Eis o excerto daquele belo livro do grande poeta português - Carlos de Oliveira– nascido no Brasil – a propósito daquele acontecimento memorável:
“Contudo, relato a seguir o que me aconteceu na noite de 1 para 2 de Fevereiro de 1954, quando venci por fim a proibição interior e alinhei sem emendas ou hesitações os sessenta e três versos da primeira fala de “O Inquilino”….”
(…)“E entramos por fim no que mais interessa: acabado o impulso das primeiras palavras, afastei a cadeira distraidamente e levantei-me, tentando delinear o seguimento da peça, cuja ideia me surgira só no acto de escrever. Nenhum plano anterior, nenhum esboço. Levantei-me e andei para a janela, metido na pele do inquilino, perguntando a mim mesmo (ou a ele) se não haveria outras perguntas a fazer antes duma decisão que podia ferir o equilíbrio do mundo ou coisa parecida. Foi quando a madrugada explodiu numa féerie mais ou menos nórdica, como se tivesse realmente bastado mexer na cadeira, na ordem pré-estabelecida do quarto, para desencadear o imprevisto: uma tempestade de neve em Lisboa.” (…)
No extremo sul de Portugal, à beira mar, terra de temperatura moderada, o surgimento da neve foi um acontecimento inusitado que perdurou na memória de todos.
Eis o excerto daquele belo livro do grande poeta português - Carlos de Oliveira– nascido no Brasil – a propósito daquele acontecimento memorável:
“Contudo, relato a seguir o que me aconteceu na noite de 1 para 2 de Fevereiro de 1954, quando venci por fim a proibição interior e alinhei sem emendas ou hesitações os sessenta e três versos da primeira fala de “O Inquilino”….”
(…)“E entramos por fim no que mais interessa: acabado o impulso das primeiras palavras, afastei a cadeira distraidamente e levantei-me, tentando delinear o seguimento da peça, cuja ideia me surgira só no acto de escrever. Nenhum plano anterior, nenhum esboço. Levantei-me e andei para a janela, metido na pele do inquilino, perguntando a mim mesmo (ou a ele) se não haveria outras perguntas a fazer antes duma decisão que podia ferir o equilíbrio do mundo ou coisa parecida. Foi quando a madrugada explodiu numa féerie mais ou menos nórdica, como se tivesse realmente bastado mexer na cadeira, na ordem pré-estabelecida do quarto, para desencadear o imprevisto: uma tempestade de neve em Lisboa.” (…)
A revolta do corpo ...
"Ao fim de dois mil anos de cristianismo, a revolta do corpo. Foram precisos dois mil anos para que de novo surgisse a nudez nas praias. Consequentemente, o excesso. E o corpo reencontrou o seu lugar nos usos. Falta ainda dar-lhe de novo o seu lugar na filosofia e na metafísica. É um dos sentidos da convulsão moderna."
Albert Camus, in Caderno n.º 5 (Setembro 1945/Abril 1948) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
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