segunda-feira, outubro 17

CORPO DE AROMA


Se foste corola ou barco,
mas quando?
minha irmã,
minha leve amante, minha árvore,
que o mundo levantava
na inocência absoluta
do instante.
Alta estavas no amplo e recolhida
como uma lâmpada,
alta estavas na varanda branca.
Se acaso ainda podes ser aroma
dos meus olhos,
corpo no corpo,
retiro e substância, linha alta
da delícia,
nada te pedirei na minha ânsia
de puro espaço,
de azul imediato,
de luz para o olvido e o deserto.

António Ramos Rosa

No dia do seu aniversário. Poeta maior
da língua portuguesa e da minha cidade
de Faro, por lembrança
de Pura Coincidência da qual “roubo” a
fotografia e mudo o poema,

In “Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa”
de Eugénio de Andrade. “Campo das Letras".

NADA CONSTA


Fotografia de Angelle

Falta-me a folha cinco
E entretanto a barba foi crescendo
a minha barba veio crescendo ferozmente
indiferente à morte de um ou outro amigo
às letras protestadas aos desgostos domésticos
às viagens lunares às convenções às lutas
Quando as coisas se erguem contra o homem
se eriçam agressivas contra ele
nem ao poeta basta o parapeito das palavras
Eu por exemplo homem de pouco tempo
trazido pelos dias aqui estou
Continuo a dizer: se alguma coisa há
que podias perder e ainda não perdeste
de que já a perdeste podes estar certo
Falta-me a folha cinco
Estou com a barba feita
Ainda este ano talvez em marienbad
eu vi mulheres curtidas pelos lutos
Mal de morte é o meu
em plena posição de pé às três da tarde
em meio do movimento do rossio
sentado à tarde no cinema em dias de semana
Já caem carnes já se perdem pêlos
já quase só me resta a devoção
lisboa certos dias um amigo às vezes
Poucas coisas importantes pensei durante a vida
uma mesa de sol em pleno inverno
um mar incontroverso alguns papéis
- continua a faltar-me a folha cinco -
pois apesar de tudo nada consta

Ruy Belo

"País Possível"
Editorial Presença

ESPANHA - "Se buscan 60.000 Científicos"


Observatorio de Roque de los Muchachos en la isla de La Palma.
(INSTITUTO DE ASTROFÍSICA DE CANARIAS)

Dou a conhecer um artigo, publicado no "El País", no qual se expoem as preocupações dos espanhóis acerca do seu atraso no plano tecnológico. É muito útil para comparar com os projectos portugueses na mesma área, aliás bandeira política do governo socialista, que se deverão espelhar no OE, para 2006, apresentado hoje mesmo.

"Ésa es la cifra (60.000) que calculan los expertos para permitir que España se suba al tren tecnológico. Mientras tanto, el crecimiento de la economía puede ser sólo un espejismo a medio plazo

La investigación científica se ha convertido en la palanca que marca diferencias en el crecimiento económico. Aunque el conocimiento y la información han sido siempre fuentes de riqueza y poder, nunca habían adquirido un papel tan relevante en el mercado. España se la juega en unos pocos años si quiere alcanzar el tren de la nueva economía.

España dedica a I+D la mitad que Francia y una tercera parte que EE UU. En 2000 registró poco más de 100 patentes, frente a las 6.000 de Alemania y las 15.000 de EE UU”.

(Texto integral do artigo no IR AO FUNDO E VOLTAR)

domingo, outubro 16

A TUA MÃO


Fotografia de Bogdan Jarocki

A tua mão é outra que não a mão
Com as rugas que reconheci
A tua mão louca
Na minha mão entrelaçada

A tua mão solta
Em minha mão determinada
Lhe reconheço as unhas
A tua mão na minha carne cravada

A tua mão fala
Soletra sons e alinhava palavras
Lhe reconheço a voz
A tua mão na minha reticulada

A tua mão vive
Curiosa audaz expedita
Lhe reconheço o toque no corpo
E me excita na minha mão pousada

Lisboa, 14 de Julho de 2005

COUPLE


Couple - In "Femmes fatales"

Que me desculpem os que gostam de futebol – com mil razões – mas este, sim, é o acontecimento mais importante para a humanidade.

BENFICA


Nuno Gomes

FCPorto-0 Benfica-2

Que me desculpem os que detestam o futebol – com mil razões – mas este, sim, é um acontecimento verdadeiramente importante!

sábado, outubro 15

ANTEVISÃO


“Olhar da Sofia” – Fotografia de Hélder Gonçalves

“Um povo corrompido que atinge a liberdade tem a maior dificuldade em mantê-la”.

Maquiavel

Epígrafe ao poema “O Grito do Silêncio” (19/10/75) de Jorge de Sena

Retribuição


Monica Bellucci

Ai como me tenho esquecido de retribuir aqueles que se não esqueceram do mim!

Em Dezembro farei uma revisão desta matéria e também das simpatias, citações e referências relevantes.

Para agora, em retribuição, linkei os seguintes blogs:

Aviso à Navegação

Mapa dos Dias

Diários do Inesperado

Ligeiramente Desfocado

O Cafajeste

Viagem

Inquietações

Bloco das Musas

ALI FARKA TOURÉ

IMAGENS DE MARROCOS

A Política Segue Dentro de Momentos


Nas palavras do inefável Espada, Cavaco tem dado mostras de um “notável sentido de equilíbrio” (in “Expresso”). Mas se alguém se der ao trabalho de analisar as datas dos diplomas que criaram os corpos especiais na administração pública, os institutos públicos, as empresas municipais, as bonificações da contagem do tempo de serviço, os sistemas de saúde especiais, e por aí adiante, verificará que ostentam, na sua maior parte, datas de 1985 a 1995.

Nesses dez anos Cavaco concretizou uma política de distribuição de rendimentos apoiado na abastança dos fundos da adesão plena de Portugal à UE (1985) que Soares viabilizou e a que ele, num primeiro momento, se opôs (lembram-se?).

Cavaco, ao contrário do que querem fazer crer os seus epígonos, foi um despesista. Ora o povo quanto mais se lhe dá mais exige. O príncipe perde o brilho com as mãos vazias face às clientelas que criou. Foi o que, em 1995, aconteceu a Cavaco.

Hoje, dez anos passados, Cavaco representa uma desvantagem para Sócrates pois não é fácil ao candidato apoiado pelo PS (Soares) defender o desmantelamento do sistema de privilégios que Cavaco propiciou a vastas clientelas dentro, e fora, da administração pública.

Cavaco vai surgir como o homem providencial que deu progresso ao país e um relativo bem-estar ao povo, com honestidade e competência. Mas Cavaco corre o risco de vir a ser apelidado de esquerdista, quer pela sua tendência irreprimível para interferir na acção do governo, quer pela necessidade de dar satisfação ao eleitorado, da extrema-direita à extrema-esquerda, que nele procurará refúgio para a “salvação” de privilégios em vias de extinção.

Soares vai surgir como o político que, em Portugal, é o expoente máximo da democracia e do europeísmo o que, convenhamos, não é nada pouco. Soares garantirá uma magistratura de influência aberta, fundada na experiência e na distância face às minudências da governação. Mas Soares corre o risco de não conseguir distanciar-se da imagem do “homem do regime” sobre o qual se avolumam as sombras de fim de época.

Tudo visto e ponderado, apesar da dramatização da campanha presidencial, até finais de 2008, seja qual for o futuro presidente, não haverá crise política a sério. A razão é simples: o Estado não terá, nos próximos anos, nada para distribuir que valha a maçada de uma crise política pura e dura.

A não ser que haja um golpe de estado constitucional! Pois se até Alberto João Jardim anunciou o seu apoio a Cavaco e Morais Sarmento, seu incondicional, afirmou ontem: “O Presidente deve sobrepor-se ao Governo”.

sexta-feira, outubro 14

... é a coerência.


Imagem In ph&-no

“ – Está certo de que o contágio é inevitável, de que o isolamento é recomendável? – Já não tenho a certeza de nada, mas tenho a certeza de que os cadáveres abandonados, a promiscuidade, etc., não são recomendáveis. As teorias podem mudar, mas há qualquer coisa que vale sempre e em todos os tempos, é a coerência.”

Albert Camus

Caderno n.º 4 (Janeiro 1942/Setembro 1945) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

SYLVIE VARTAN


Sylvie Vartan – 1964

Lembra-me o primeiro vídeo a cores que vi. Foi na feira de Faro. Num caixote enorme luzia a figura e a voz de Sylvie Vartan… Depois do som das “caixas de discos” nascia o reino da imagem … a meus olhos um momento raro e deslumbrante … “Tous mes copains” …

quinta-feira, outubro 13

Amar é a arte de esquecer


in my solitude Fotografia de adelaide teles
in Olhares


Não sei que dizer e se me fiz entender
Se me dou a conhecer se me faço ler
E não sei sequer perdido nada de mim
Se me ouves as palavras que alinho
Não sei porque te escrevo e adivinho
Teus passos ouço o teu coração bater
Baixinho tuas falas de ti contigo
Nas ruas do bairro à beira postigo
Onde te confessas sem nada esconder
Sigo os pensamentos e não os sigo
Perdido por te perder não te persigo
Sei que amar é a arte de esquecer.

Azenhas do Mar, 24 de Julho de 2005

ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS - OS COMENTÁRIOS


Fotografia in Algo … Análogo …

Curioso fenómeno o dos comentários aos resultados das eleições autárquicas: nunca são referidos os resultados!

Os dirigentes do PS comportam-se como derrotados, tendo sido vencedores; os dirigentes do PSD como vencedores, tendo sido derrotados; o PSD “esconde” a aliança com o CDS/PP; o CDP/PP esconde-se por detrás dessa aliança.

Texto integral em IR AO FUNDO E VOLTAR

HAROLD PINTER


Harold Pinter - Nobel da Literatura 2005. Desta vez fiquei contente.

Veja mais informação acerca de Harold Pinter aqui

Site do Nobel da Literatura atribuído a Harold Pinter

PAULETA


Pauleta, no jogo de ontem com a Letónia, último da fase de apuramento para a final do Campeonato Mundial de Futebol, a disputar na Alemanha, em Junho de 2006, bateu o record de golos de Eusébio, que durava desde 1973.

Marcando dois golos, na vitória de Portugal (3-0), Pauleta, que joga em França, no PSG, alcançou 42 golos ao serviço da equipa nacional portuguesa, tornando-se o maior goleador português de todos os tempos a nível de selecção.

Um feito que vai perdurar, certamente, durante uma geração.

(Além do mais nasceu em 28 de Abril pelo que comemoramos o aniversário no mesmo dia - parabéns!)

quarta-feira, outubro 12

Confissão ...


Mónica Bellucci

“Não posso viver fora da beleza. É o que me torna fraco diante de certos seres.”

Albert Camus


Caderno n.º 4 (Janeiro 1942/Setembro 1945) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

A Direita Perdeu as Eleições Autárquicas - 2005


Fotografia in PELA LENTE

Deixo aqui as conclusões de uma reflexão acerca dos resultados finais das eleições autárquicas de 2005 já disponibilizados pelo STAPE.

A sua versão integral pode ser lida no IR AO FUNDO E VOLTAR.

1 - A direita (e não o PSD), em 2005, é maioritária em número de Presidências de Câmara, como já o era em 2001, mas perde expressão em votos, mandatos, percentagem e Presidentes de Câmara.

2- O PS recua ligeiramente, em número de Presidências de Câmara, face a 2001, mas melhora os seus resultados, em votos, mandatos e percentagem.

3- A esquerda no seu conjunto, cresce eleitoralmente, em todos os itens, face a 2001, sendo maioritária excepto em número de Presidências de Câmara.

4 - Nestas eleições autárquicas, comparadas com as de 2001, a direita perdeu expressão eleitoral e, em contrapartida, a esquerda ganhou.

5 - As notícias em contrário são manifestamente falsas!

(Se alguém se der ao trabalho de conferir os números e algum estiver errado diga qualquer coisa.)

EUSÉBIO


Eusébio no Mundial de 1966 em Inglaterra

Eusébio da Silva Ferreira é o maior jogador do futebol português de sempre.

É ele o detentor do record de golos marcados ao serviço da selecção nacional de futebol.

Curiosamente hoje Portugal disputa, contra a Letónia, no Porto, o último jogo da fase de apuramento para o Campeonato do Mundo a realizar na Alemanha no próximo ano e Pauleta, neste jogo, pode igualar ou ultrapassar o record de 41 golos marcados por Eusébio.

Por outro lado o próximo campeonato do mundo realiza-se, exactamente, 40 anos após o de 1966, em Inglaterra, em que Eusébio alcançou o máximo de notoriedade e do qual ficou célebre a fotografia que escolhi para este post.

Faço, assim, questão de assinalar a data em que a selecção nacional de futebol se qualifica para a fase final do mundial de futebol. Porque é um acontecimento relevante para o desporto nacional e também para a projecção da imagem de Portugal no mundo.

Eusébio bem merece assistir a este feito e, mais do que isso, deveria a Federação Portuguesa de Futebol encontrar uma fórmula de associar Eusébio à campanha que decorre deste este dia até à final do Campeonato do Mundo no qual Portugal pode aspirar a alcançar um lugar cimeiro.

terça-feira, outubro 11

"MORREU DOM FUAS, ..."


Fotografia daqui

Morreu Dom Fuas, gato meu sete anos,
pomposo, realengo, solene, quase inacessível,
na sua elegância desdenhosa de angorá gigante,
cendrado e branco, de opulento pêlo,
e cauda com pluma de elmo legendário.

Contudo, às suas horas, e quando acontecia
que parava em casa mais que por comer
ou visitar-nos condescentemente como
a duquesa de Guermantes recebendo Swann,
tinha instantes de ternura toda abraços,
que logo interrompia retornando
aos seus paços de império, ao seu olhar ducal.

Nunca reconheceu nenhuma outra existência
de gato que não ele nesta casa. Os mais
todos se retiravam para que ele passasse
ou para que ele comesse, eles ficando
ao longe contemplando a majestade
que jamais miou para pedir que fosse.

Andava adoentado, encrenca sobre encrenca,
e via-se no corpo e no opulento pêlo,
como no ar da cabeça quanta humilhação
o sofrimento impunha a tanto orgulho imenso.
Por fim, foi internado americanamente,
no hospital do veterinário. E lá,
por notícia telefónica, sozinho, solitário,
como qualquer humano aqui, sabemos que morreu.

A única diferença, e é melhor assim,
em tão terror ambiente de ser-se o animal que morre
foi não vê-lo mais. Porque ou nós morremos,
como dantes se morria em público,
a família toda, ou toda a corte à volta, ou
é melhor que se não veja no rosto de qualquer
- mesmo ou sobretudo no de um gato que era tão orgulho em vida -
não só a marca desse morrer sozinho de que se morre sempre
mesmo que o mundo inteiro faça companhia,
mas de outra solidão tecnocrata, higiénica
que nos suprime transformados em
amável voz profissional de uma secretária solícita.

Dom Fuas, tu morreste. Não direi
que a terra te seja leve, porque é mais que certo
não teres sequer ter tido o privilégio
de dormir para sempre na terra que escavavas
com arte cuidadosa para nela pôres
as fezes de existir que tão bem tapavas,
como gato educado e nobre natural.
Nestes anos de tanta morte à minha volta,
também a tua conta. Nenhum mais
terá o teu nome como outros tantos gatos
antes de ti foram já Dom Fuas.

18/12/77

Jorge de Sena

X – Dois “Poemas Só Pessoais” (1977-1978)
in “40 Anos de Servidão”, (2ª edição revista)
Morais Editores

sabor a sal


Fragmento de uma obra-prima de Margarida Delgado em sabor a sal