Já me questionaram acerca da ideia de, a propósito da passagem do 50º aniversário da morte de Albert Camus (4/1/1960), levá-lo ao Panteão. O Presidente de França lançou a ideia, certamente com intencionalidade política, mas é preciso não esquecer que ele é, tal como Camus, um “imigrante”. Os filhos gémeos de Camus, embaraçados, terão a última palavra.
A este propósito, concluída a leitura da versão portuguesa de “Com Camus”, de Jean Daniel, uma raridade editorial, deparei-me com a saborosa descrição de um episódio que desencoraja qualquer tentação de apoiar a celebração imaginada por Sarkozi:
Num 14 de Julho, que deveria ser o de 1951, tínhamos assistido a um baile, na Place Saint-Sulpice, Albert Camus, a sua mãe, alguns amigos e eu. Estávamos sentados a uma mesa e, de vez em quando, Camus levantava-se para dançar com uma das mulheres que nos acompanhava. Em seguida, voltou para junto da mãe. Sentou-se, inclinou-se para ela e, bem alto, para se sobrepor à sua surdez, à música, e para que os outros pudessem ouvir, disse: “Mãe, fui convidado para o Eliseu.” Ela pediu-lhe que repetisse pelo menos três vezes a frase e, sobretudo, a palavra “Eliseu”. Ficou silenciosa um longo momento. Depois, pediu ao filho que aproximasse a orelha e disse-lhe muito alto: “Essas coisas não são para nós. Não vás, meu filho, desconfia. Essas coisas não são para nós.”
Camus olhou para nós. Não disse nada, mas pareceu-me orgulhoso da sua mãe. Em qualquer dos casos, nunca foi ao Eliseu. O único palácio oficial onde esse filho de uma criada alguma vez entrou foi, segundo creio, no do rei da Suécia, para receber o Prémio Nobel.