Nunca esqueci esse belo livro
(La Douleur, de André de
Richaud) que foi o primeiro a falar-me de coisas que eu conhecia: de uma mãe,
da pobreza, das belas tardes e do céu. Ele desatava no fundo de mim um nó
formado por obscuras ligações, libertava-me de obstáculos que eu sentia sem
poder nomeá-los. Li-o todo numa noite, como acontece em casos semelhantes e, ao
acordar, repleto de uma nova e estranha liberdade, comecei a caminhar,
hesitante, numa terra desconhecida. Acabava de aprender que os livros não
proporcionam só o esquecimento e a distracção. Os meus teimosos silêncios,
esses vagos e despóticos sofrimentos, o mundo estranho que me rodeava, a
dignidade dos meus e a sua miséria, os meus segredos, enfim, tudo isso podia,
afinal de contas, ser dito! Havia nesse livro uma libertação, um grau de
verdade onde a pobreza, por exemplo, assumia repentinamente o seu verdadeiro
rosto, aquele que eu suspeitava e venerava obscuramente.
Albert Camus, citação referida no “Ensaio” de Paul
Viallaneix para “escritos de juventude” (Uma das raras, e preciosas,
confidências de Camus, colhida in "Encontros com André Gide", Plêiade.)