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quinta-feira, agosto 16

A Música, segundo Camus

A Música é a mais perfeita das artes. (…) A Música, que não tem que dominar a matéria, e sobretudo porque a sua origem é inteiramente espiritual, um substrato matemático, alcançou a perfeição e fez da harmonia a sua própria essência.

Albert Camus, “Tentativa de Definição” in “escritos de juventude” (para que se entenda melhor a razão da mistura, neste blogue, da Música com Camus.)

quarta-feira, agosto 15

A pobreza segundo Camus

A pobreza nunca foi para mim uma infelicidade – a luz do Sol vertia nela as suas riquezas. O magnífico calor que reinava na minha infância não me deixou o mínimo ressentimento. Vivia na incomodidade, mas, ao mesmo tempo, numa espécie de gozo da alma.

Albert Camus, citação do prefácio a O Avesso e o Direito, edição de 1957, no ensaio de Paul Viallaneix aos “escritos de juventude”.

segunda-feira, agosto 13

Camus: uma rara confidência

Nunca esqueci esse belo livro (La Douleur, de André de Richaud) que foi o primeiro a falar-me de coisas que eu conhecia: de uma mãe, da pobreza, das belas tardes e do céu. Ele desatava no fundo de mim um nó formado por obscuras ligações, libertava-me de obstáculos que eu sentia sem poder nomeá-los. Li-o todo numa noite, como acontece em casos semelhantes e, ao acordar, repleto de uma nova e estranha liberdade, comecei a caminhar, hesitante, numa terra desconhecida. Acabava de aprender que os livros não proporcionam só o esquecimento e a distracção. Os meus teimosos silêncios, esses vagos e despóticos sofrimentos, o mundo estranho que me rodeava, a dignidade dos meus e a sua miséria, os meus segredos, enfim, tudo isso podia, afinal de contas, ser dito! Havia nesse livro uma libertação, um grau de verdade onde a pobreza, por exemplo, assumia repentinamente o seu verdadeiro rosto, aquele que eu suspeitava e venerava obscuramente.

Albert Camus, citação referida no “Ensaio” de Paul Viallaneix para “escritos de juventude” (Uma das raras, e preciosas, confidências de Camus, colhida in "Encontros com André Gide", Plêiade.)

domingo, agosto 12

A Queda da Luz

Amaciadas pelo calor, as grandes lajes convidavam ao repouso. E saboreava-se o esquecimento num tecido de sol, vivendo sem pensar e sobretudo sem agir, estendido preguiçosamente e absorto na total sensação do calor envolvente. Por sobre tudo isto, via-se o céu de um azul orgulhoso e arejado. Nenhum ruído, nenhum canto de ave, nenhum coaxar de rãs – apenas o zumbido indistinto e entorpecedor do grande calor. (…) Não se importava de acolher as paixões e as loucuras, o que o não impedia de se voltar para o infinito azul e repousante, na deliciosa bruma do longe.

Albert Camus In “escritos de juventude”, A queda da Luz – Notas de Leitura (Abril 1933)

sexta-feira, agosto 10

UMA QUERELA DE VERÃO

Quem está na ribalta da discussão pública? Os defensores e simpatizantes desse passado longínquo dos amanhãs que cantam. Agora na versão hardcore dos negócios com ajustes de contas entre ex-comunistas e simpatizantes fascinados e, ao mesmo tempo traídos, pelo capitalismo. Os comunistas podem mudar de partido (ou de negócio) mas nunca deixam de ser comunistas…

quinta-feira, agosto 9

ELEIÇÕES AMERICANAS

Os americanos vão às urnas escolher entre o actual presidente e um candidato conservador que faz comparações depreciando a Europa, em particular, os países do sul. Mas os países do sul da Europa são aliados estratégicos dos Estados Unidos e, para não ir mais longe, a NATO não poderá nunca prescindir da sua presença. É uma questão de geografia e de domínio por terra, mar e ar. Coisas objectivas … não ideológicas.

terça-feira, agosto 7

TAXA DE MARMITA

Não conheço o diploma, a norma, seja o que for, somente ouço falar do assunto através das notícias. Em Espanha, Catalunha, os pais vão pagar para os filhos levarem as refeições de casa para a escola. Não entendo. Uma "taxa de marmita". Não vale a pena discorrer acerca de um assunto  do qual não entendo os fundamentos nem o alcançe. Vou procurar explicações por aí. Mas que os estados, os poderes públicos, andam fazendo experiências preocupantes para a própria democracia, isso parece evidente.  

NOTÍCIA de um roubo ...

Acontecimentos deste género pululam, sem mediatização, em todos os países e regiões, desde o pequeno roubo no supermercado ao grande roubo, sob as mais diversas capas institucionais, magnânimo, tolerado e, quantas vezes, aplaudido. Aqui estamos na presença de um sinal público do que antes se designava por embrião de uma “forma superior de luta” das classes trabalhadoras. Este é um fato não menosprezável, que deve dar que pensar aos responsáveis políticos a todos os níveis. (interroguei-me, a propósito, das razões de não serem investigados os prejuízos apresentados pelos bancos no 1º semestre de 2012, em particular, o maior banco público português – mas admito que o BP esteja a fazer o seu trabalho. – Desculpem o incómodo!)  

Jogos Olímpicos - sinais de manipulação

Quando o público, e a comunidade, são confrontados com notícias que insinuam que existem jogos de bastidores destinados a manipular os resultados, o que fazer? Perder? Quando o objectivo é ganhar! Nos jogos olímpicos? A simples insinuação é sinal da miséria encoberta pela realidade mediática sumptuosa dos jogos.

segunda-feira, agosto 6

FÉRIAS PAGAS

As férias pagas, ou seja o direito a usufruir de um tempo de lazer sem perda de remuneração, é uma realidade recente. Esse direito foi instituído por uma lei do governo de frente popular, em França, no ano de 1936. Ainda beneficio dessa conquista. Mas o debate na Europa acerca do futuro da UE é, na verdade, um eufemismo para designar o debate acerca do futuro do estado social. Em época de escassez as férias pagas podem, em breve, voltar a ser uma reivindicação das classes trabalhadoras. Se não o forem já para a maioria!

domingo, agosto 5

FARO - LUTAR CONTRA O ESQUECIMENTO

A cidade de Faro é pequena, apesar de ser capital, pois se esventrou o centro deserto de residentes e de comércio. Nunca aconteceu não a ter visitado, e nela ter permanecido, ao menos uns dias, no verão desde que dela parti. Sinto o seu cheiro especial, cuja fragância retenho desde a infância, conheço as suas ruas, uma a uma, tal como os seus lugares, até os seus rostos (cada vez menos); vivi muitos anos na rua Emiliano da Costa, percorro com frequência a Rua de Portugal, onde nasceu Gastão Cruz, instalo-me na Rua João Lúcio, todos nomes de poetas algarvios. Grandes poetas que, salvo Gastão Cruz, nosso contemporâneo, foram esquecidos. O esquecimento é uma máquina infernal. Escrevo contra o esquecimento.

sábado, agosto 4

À DOUTA ATENÇÃO DO BANCO DE PORTUGAL

Durante quase três décadas, o meu pai foi gerente, em Vila Real, de uma das filiais distritais da Caixa Geral de Depósitos, instituição em que trabalhou, com imenso orgulho e insuperável dedicação, 47 anos da sua vida. A Caixa era também a sua família e ainda recordo a alegria que lhe dei quando, em 1971, sem o avisar, fiz concurso e fui admitido como funcionário da Caixa - aquele que foi o meu primeiro emprego.

Durante muitas décadas, a Caixa foi o banco popular de Portugal. Era à Caixa, porque a Caixa era do Estado, que as pessoas mais simples confiavam os seus haveres. A Caixa tinha "cadernetas" escritas à mão, onde era inscritos os juros e registados os saldos. Os depositantes compraziam-se em passar pelo balcão da Caixa, para fazer esse acrescento regular, que lhes assegurava "quanto tinham na Caixa".

O meu pai recordava, às vezes, uma pequena história.
Um dia, um funcionário veio avisá-lo de que um cliente, depois de ter pedido para "atualizar a caderneta", informou que queria levantar todo o dinheiro que tinha na sua conta, em espécie. Tratava-se de um montante bastante elevado e, até por razões de segurança, era um pouco estranho que o cliente quisesse transportar o dinheiro dessa forma. Estaria o homem insatisfeito com o serviço prestado pela Caixa?

O meu pai mandou entrar o cliente para o seu gabinete. Era um homem muito simples, residente numa aldeia próxima de Vila Real, idêntico a uma imensidão de outros clientes oriundos das áreas rurais, que constituiam uma grande massa dos depositantes na Caixa. Perante a estranheza manifestada, pela inusitada (e até arriscada) operação que ele pretendia executar, o homem respondeu: "O dinheiro é ou não é meu? Posso ou não posso fazer com ele o que me apetecer? Quero levantá-lo todo e já!". Perante esta inabalável determinação, o meu pai mandou preparar grandes envelopes com as notas, que foram entregues ao cliente. Após receber o dinheiro, o homem perdeu largos minutos a contar todas as notas. No final, disse: "Agora, quero depositar isto tudo outra vez. Foi só para saber se o dinheiro ainda era meu!". E era, claro.

Lembrei-me disto, na tarde de hoje, também na Caixa, também em Vila Real, quando assisti ao drama de uma pobre senhora de aldeia, a dona Celeste, confrontada com a impossibilidade de resgate do montante de um "produto" em que, há alguns anos, tinha sido convencida a empregar alguns largos milhares de euros e que, agora, se via impossibilitada de levantar, sem perder uma importante fatia do próprio capital. Fui testemunha por largos e pungentes minutos do embaraço delicado dos funcionários, dos lamentos lancinantes da senhora, seguidos do seu desmaio, com hipótese de convocação do 112. Um espetáculo triste, penoso e indigno, que incomodou quem a ele assistiu. Que não sei mesmo como acabou, porque, logo que pude, saí, indignado.

Quem terá sido o funcionário espertalhote que vendeu à dona Celeste o "produto", em cujo "small print" estavam (espero eu!) as condicionantes limitativas das possibilidades de resgate? Aquele que o fez impingiu àquela pobre senhora, que tinha uma evidente limitação cultural para entender as peculiaridades da evolução financeira dos mercados, um "produto" em que enterrou muitos dos seus haveres. E, goste-se ou não da palavra, essa pessoa incorreu, na prática, numa verdadeira fraude. Ela e, com ela, a Caixa Geral de Depósitos, instituição onde também eu tenho as minhas economias e que, por ser propriedade do Estado, sempre tive por um banco diferente, onde tinha a certeza que os clientes nunca seriam tratados assim. Enganei-me, pelos vistos.

Se fosse vivo, e se tivesse assistido a esta lamentável cena, o meu pai teria hoje sentido uma imensa tristeza, idêntica à que eu próprio experimentei. Mas ele já morreu, como também já parece ter desaparecido aquela Caixa Geral de Depósitos que foi o seu orgulho, em que as pessoas mais simples deste país, por muitos anos, se habituaram a confiar.

sexta-feira, agosto 3

Deixar uma marca

Nestes primeiros dias de agosto ensaiarei um regresso à escrita - quase sem imagens - neste espaço, criado em 19 de dezembro de 2003, com o texto que reproduzo de seguida:

Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,

nada dever ao esquecimento que esvazia o sentido do perdão olhando o mundo e tomando a medida exacta da nossa pequenez,

atravessar a solidão, esse luxo dos ricos, como dizia Camus, usufruindo da luz que os nossos amantes derramam em nós porque por amor nos iluminam,

observar atentos o direito e o avesso, a luz e a sombra, a dor e a perda, a charrua e a levada de água pura, crer no destino e acreditar no futuro do homem,

louvar a Deus as mãos que nos pegam, e nunca deixam de nos pegar, mesmo depois de sucumbirem injustamente à desdita da sorte ou à lei da vida,

guardar o sangue frio perante o disparar da veia jugular ou da espingarda apontada à fronte do combatente irregular,

incensar o gesto ameno e contemporizador que se busca e surge isento no labirinto da carnificina populista,

ousar a abjecção da tirania, admirar a grandeza da abdicação e desejar a amizade das mulheres,

admirar a vista do mar azul frente à terra atapetada de flores de amendoeira em silêncio e paz.

(um programa para o absorto)