segunda-feira, agosto 13

Camus: uma rara confidência

Nunca esqueci esse belo livro (La Douleur, de André de Richaud) que foi o primeiro a falar-me de coisas que eu conhecia: de uma mãe, da pobreza, das belas tardes e do céu. Ele desatava no fundo de mim um nó formado por obscuras ligações, libertava-me de obstáculos que eu sentia sem poder nomeá-los. Li-o todo numa noite, como acontece em casos semelhantes e, ao acordar, repleto de uma nova e estranha liberdade, comecei a caminhar, hesitante, numa terra desconhecida. Acabava de aprender que os livros não proporcionam só o esquecimento e a distracção. Os meus teimosos silêncios, esses vagos e despóticos sofrimentos, o mundo estranho que me rodeava, a dignidade dos meus e a sua miséria, os meus segredos, enfim, tudo isso podia, afinal de contas, ser dito! Havia nesse livro uma libertação, um grau de verdade onde a pobreza, por exemplo, assumia repentinamente o seu verdadeiro rosto, aquele que eu suspeitava e venerava obscuramente.

Albert Camus, citação referida no “Ensaio” de Paul Viallaneix para “escritos de juventude” (Uma das raras, e preciosas, confidências de Camus, colhida in "Encontros com André Gide", Plêiade.)

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