Como já antes escrevi algures, aquando da minha última
estadia em Faro de férias, por sinal, curtas demais, o alfarrabista que faz
venda na esquina da rua que frequento, trouxe-me um conjunto de livros de Camus
em português. Sempre aparece uma surpresa. Desta vez fiquei a saber que existe
mais um livro de autor português acerca de Camus: “Do Absurdo à Solidariedade –
a visão do mundo de albert camus”, de Hélder Ribeiro.
O livro é muito interessante, pelo menos para mim, e estou a
finalizar a sua leitura. Foi dele que repesquei a citação seguinte que tem o
interesse de, para surpresa de muitos, reforçar a ideia de que Camus não se
considerava um autor existencialista o que muitos estudiosos da sua obra têm
assinalado de forma abundante. Qual o interesse da questão? Que mais não seja a
citação evidencia como os autores são desapropriados do seu papel e do lugar da
sua obra na história e se toma por verdade adquirida uma mentira vulgar.
Eis a citação de Camus cujas fontes, referenciadas no livro
em apreço, aqui se omitem:
Começo a estar ligeiramente (muito ligeiramente) incomodado
pela confusão contínua que me confunde com o existencialismo. Enquanto o
mal-entendido passa nos jornais, a coisa não é tão grave. Mas ao chegar às
revistas, prova bastante a falta de informação em que se encontra a crítica.
Uma vez que Troyat escreve que toda a peça de A. Camus não é senão uma
ilustração dos princípios existencialistas de J.-P. Sartre, sinto-me na
obrigação de precisar três pontos:
1 – Calígula foi escrito em 1938. Nessa época, o
existencialismo francês não existia na sua versão actual, ateia. Nesse tempo,
ainda Sartre não tinha publicado as obras onde devia dar forma a essa
filosofia.
2 – O único livro de ideias que eu escrevi – Le Mythe de
Sisyphe – foi dirigido precisamente contra as ideias existencialistas. Uma
parte dessa crítica aplica-se ainda, no seu espirito, à filosofia de Sartre.
3 – Não é pelo facto de dizermos que o mundo é absurdo que
se aceita a filosofia existencialista. Nesse caso, 80% dos passageiros do
metro, a acreditarmos nas conversas que aí ouvimos, são existencialistas. E não
posso acreditar nisso. O existencialismo é uma doutrina completa, uma visão do
mundo, que supõe uma metafísica e uma moral.
Embora me aperceba da importância histórica desse movimento,
não tenho suficiente confiança na razão para entrar num sistema. Não nutro
muito gosto pela demasiado célebre filosofia existencial e, para dizer tudo,
creio que as suas conclusões são falsas. Mas ela representa, pelo menos, uma
grande aventura do pensamento. Sartre e eu não acreditamos em Deus, é verdade. E
também não acreditamos no racionalismo absoluto. Não, não sou existencialista. Sartre
e eu ficamos admirados de ver os nossos nomes sempre associados.
Pensamos mesmo um dia publicar um pequeno anúncio onde
assinaremos não ter nada em comum e nos recusaremos a responder ao que cada um
deve ao outro. Porque, enfim, é uma brincadeira. Sartre e eu publicámos todos
os nossos livros antes de nos conhecermos. E quando nos conhecemos foi para
constatar as nossas diferenças. Sartre é existencialista e o único livro de ideias
que eu publiquei era dirigido contra as filosofias ditas existencialistas.