Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
segunda-feira, novembro 19
domingo, novembro 18
OS PRIMEIROS POSTES EM VÉSPERAS DO NONO ANIVERSÁRIO
Fim do ano 2003
Como sempre, nos últimos anos, à vista do mar
nas proximidades do ponto mais ocidental da Europa. O oceano atlântico, em toda
a sua plenitude, à nossa vista. O cheiro intenso a maresia. O mar nestas costas
é forte quando batido pelo vento. Não havemos de olhar demasiado para trás.
Faltam alguns amigos mas juntaram-se outros novos. A vida é feita de mudança. E
a olhar o futuro o mundo avança. Eduardo Lourenço fala numa entrevista recente
que os portugueses se preocupam mais com parecer bem e menos com fazer obra. Têm
medo de tomar posição. Arriscar nas empreitadas do progresso. Esperam que a obra
surja feita. As palavras são minhas. Não tenho a entrevista na minha frente.
Lourenço não diz, mas digo eu, que fazer obra para os portugueses é algo
estranho e potencialmente perigoso. Pode por em causa o equilíbrio necessário ao
triunfo do espírito conservador. Esta filosofia de vida está devidamente
documentada pela nossa história ? salvo em raros períodos ? e pela pena dos
nossos maiores: Camões (Luís), Pessoa (Fernando), Sena (Jorge de) ? Os governos
querem-se modestos nos grandes desígnios e sem vistas largas não vá o
engrandecimento do País ferir as cordatas relações de poder com as grandes
famílias instaladas e fazer perigar as dependências face aos interesses
estrangeiros. Dizem os tecnocratas, mais cultos, que falta músculo ao capital e
massa crítica à inteligência. Dito do ponto de vista do humanismo o que falta,
em regra, é decência aos dirigentes, civismo, educação e cultura ao povo.
Certamente se encontrarão formas originais e renovadas de trilhar, no futuro, um
novo caminho de progresso. Mas este simples blog confirma, como tantas outras
formas de expressão, em finais de 2003, um princípio que convém preservar, a
todo o custo, que Camus sintetizou numa frase que nunca mais
esqueci:
?Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade.
?Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade.
[A um mês de fazer nove anos de vida, com atividade ininterrupta, revisito alguns dos postes mais antigos deste blogue e, mais próximo de 19 de dezembro, colocarei também os mais visitados.]
sexta-feira, novembro 16
quarta-feira, novembro 14
terça-feira, novembro 13
segunda-feira, novembro 12
domingo, novembro 11
sexta-feira, novembro 9
quinta-feira, novembro 8
quarta-feira, novembro 7
ALBERT CAMUS - 99º ANIVERSÁRIO
Havia uma porta embutida na parte argamassa na qual se podia
ler: “Cantina agrícola Mme. Jacques.” Filtrava-se luz pela frincha inferior. O
homem imobilizou o cavalo junto dela e, sem descer, bateu. Acto contínuo, uma
voz sonora e decidida inquiriu: “Quem é?” “Sou o novo gerente da propriedade do
Santo Apóstolo. A minha mulher vai dar à luz. Preciso de ajuda.” Ninguém
respondeu. Passado um momento, foram levantados ferrolhos e a porta
entreabriu-se. Descortinou-se a cabeça negra e ondulada de uma europeia de
faces cheias e nariz um pouco abaulado acima dos lábios grossos. “Chamo-me
Henri Carmery. Pode ir junto de minha mulher? Tenho de chamar o médico.” (…) O
médico olhou-o com curiosidade. “Não tenha medo, que tudo há-de correr bem.”
Cormery volveu para ele os olhos claros, fitou-o calmamente e declarou com uma
ponta de cordialidade: “Não tenho medo. Estou habituado aos golpes duros do
destino.” (…) A chuva tombava com mais intensidade no telhado antigo e velho. o
médico procedeu a um exame sob os cobertores. Em seguida, endireitou-se e
pareceu sacudir algo na sua frente. Soou um pequeno grito. “É um rapaz”,
anunciou. “E bem constituído.” “Começa bem”, disse a dona da cantina. “Com uma
mudança de casa.” A mulher árabe riu no canto e bateu as palmas duas vezes.
Albert Camus, in O Primeiro Homem
segunda-feira, novembro 5
ALBERT CAMUS - NAS VÉSPERAS DO 99º ANIVERSÁRIO DO SEU NASCIMENTO
“São raros aqueles que continuam a ser pródigos depois de
terem adquirido os seus meios. Esses são os reis da vida, que se devem saudar
com discrição.”
(…)
“ – a miséria é uma fortaleza sem ponte levadiça.”
(…)
“De resto, como fazer compreender que uma criança pobre pode
por vezes ter vergonha sem nunca invejar coisa alguma?”
(…)
“E, à noite, deitado, morto de cansaço, no silêncio do
quarto onde a mãe dormia levemente, ainda ouvia uivar dentro dele o tumulto e
furor do vento que amaria ao longo de toda a vida.”
(…)
“ … a criança morrera naquele adolescente magro e vigoroso,
de cabelos revoltos e olhar arrebatado, que trabalhara todo o Verão para levar um
salário para casa e acabava de ser nomeado guarda-redes titular da equipa do
liceu e, três dias antes, saboreara pela primeira vez, quase desfalecido, o
contacto com a boca de uma jovem.”
Albert Camus, in O Primeiro Homem
[Depois de amanhã, 7 de novembro, faz 99 anos que nasceu Camus. Está prestes a iniciar-se o ano do centenário do seu nascimento. Espero que, em Portugal, alguma coisa aconteça. A ver. ]
domingo, novembro 4
A MINHA TURMA DO 1º ANO
Tenho na minha frente a
fotografia da turma que frequentei nesse 1º ano em cujo verso a minha mãe
escreveu: "Recordação do 1º ano – Faro – 10-4-1959".
Naquela fotografia dos
professores que ilustra uma crónica de Lina Vedes pareceu-me, a
um primeiro olhar, reconhecer onze (11) professoras e professores que me
calharam em sorte. O tempo é traiçoeiro e a legenda, colocada posteriormente,
permitiu-me identificar mais professores do que aqueles 11 que, no primeiro
relance, tinha reconhecido.
O envio da fotografia da minha
turma do 1º ano, adornada com uma surpreendente legenda, que mão cuidada se deu
ao trabalho de fixar, permitiu-me mergulhar na memória de um convívio distante e
reconhecer muitos rostos que nunca mais vi.
Na verdade entrei para o 1º ano
do Liceu de Faro no ano lectivo de 1958/59. Um ano recheado de muitos, e
significativos, acontecimentos políticos dos quais destaco, por curiosidade, as
eleições presidenciais, às quais se candidatou Humberto Delgado (1958), e a
chamada “Revolta da Sé” (1959).
Hoje sou capaz de associar o meu
quotidiano juvenil, as ambiências familiares e escolares, com os acontecimentos
de um tempo político, do qual guardo viva recordação, e que marcam, com nitidez,
os antecedentes de um percurso pessoal que só a memória pode revelar de forma
tão coerente e fiel.
Vejo os meus professores de
liceu, entre os finais da década de 50 e inícios de 60, como uma mistura de
conservadorismo pardo e de progressismo ilustrado encontrando-se gente de ambos
os campos entre os "novos" e os "velhos" professores. A certa altura, no início
dos anos 60, no Liceu de Faro, esquecendo os pardos, juntaram-se, por exemplo,
no campo do progressismo ilustrado, os “velhos” Neves Júnior e Joaquim
Magalhães, com os “novos” Gastão Cruz e Luísa Neto Jorge.
Já entre os alunos, além das
marcas próprias da juventude de todas as épocas, é mais difícil vislumbrar, ou
adivinhar, o resultado, nas suas vidas, da mistura das influências de mestres e
funcionários, ilustrados ou pardos. O que é certo é que os jovens estudantes
retratados ostentam uma pose compenetrada e, não lhes sendo permitido o convívio
com as meninas, era-lhes imposta a “autoridade professoral” através de duas
mulheres/professoras.
A fotografia foi tirada no
Ginásio, onde todas eram tiradas, e no meio do grupo lá estão a Prof. ª Isabel
Madruga e a Prof. ª Maria José Santos, a primeira das quais, por boas razões,
nunca esquecerei. No Natal de 2007 ofereci uma cópia desta fotografia ao meu
amigo Bexiga (António) e era bem capaz de mandar fazer tantas cópias quantos os
personagens retratados, fazendo renascer em cada um de nós a memória de um tempo
feliz.
[Republicação.]
segunda-feira, outubro 29
“Homenagem ao Papagaio Verde e outros contos de Jorge de Sena”
(...)
“Um
dia, quando, arquejante da rua e das escadas, cheguei à varanda, o Papagaio
Verde estava inerte no canto da gaiola, com o bico pousado no chão. Peguei-lhe,
aspergi-o com água, sacudi-o, com a mão auscultei-o longamente. Não morrera
ainda. Levei-o para a sala, deitei-o nas almofadas, puxei a cadeira para junto
do piano, e, enquanto com os dedos da mão esquerda lhe apertava a pata, toquei
só com a direita a música de que ele gostava mais. As lágrimas embaciavam-me as
teclas, não me deixavam ver distintamente. Senti que os dedos dele apertavam os
meus. Ajoelhei-me junto da cadeira, debruçado sobre ele, e as unhas dele
cravaram-se-me no dedo. Mexeu a cabeça, abriu para mim um olho espantado,
resmoneou ciciadas algumas sílabas soltas. Depois, ficou imóvel, só com o peito
alteando-se numa respiração irregular e funda. Então abriu descaidamente as
asas e tentou voltar-se. Ajudei-o, e estendeu o bico para mim. Amparei-o
pousado no braço da cadeira, onde as patas não tinham força de agarrar-se. Quis
endireitar-se, não pôde, nem mesmo apoiado nas minhas mãos. Voltei a deitá-lo
nas almofadas, apertou-me com força o dedo na sua pata, e disse numa voz clara
e nítida, dos seus bons tempos de chamar os vendedores que passavam na rua: -
Filhos da puta! – Eu afaguei-o suavemente, chorando, e senti que a pata
esmorecia no meu dedo. Foi a primeira pessoa que eu vi morrer.”
Jorge de Sena
domingo, outubro 28
Em homenagem a minha mãe
Em homenagem a minha mãe pelo 11º aniversário de sua morte.
Era o tempo da natureza esplendorosa, a seiva assomando por
todos os poros da vida. A terra e o mar beijavam-se num longo beijo sem fim sob
o céu azul. A terra dava frutos que me pareciam divindades na perfeição da sua casca.
As melancias fascinavam-me pela sua grandeza esférica e pela névoa dos seus
açúcares. Era o vermelho do prazer contra o sangue, vermelho da dor.
[20/1/2008]
sexta-feira, outubro 26
quarta-feira, outubro 24
terça-feira, outubro 23
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