domingo, agosto 10

agosto - dia 10


É difícil encontrar trabalho por mais que o jargão populista insinue de todas as formas: "eles não querem é trabalhar"!. Se assim fosse a maioria dos que emigram em busca de trabalho quedar-se-iam em ameno repouso. Não me refiro ao tema do ócio, tempo de lazer, essa conquista recente das sociedades ocidentais. Refiro-me ao trabalho, em todas as áreas da actividade humana, que além de ser um "ganha pão" é um meio de realização humana e de afirmação da personalidade. É preciso saber conjugar o tempo de trabalho com o tempo de lazer. Mas os benefícios do lazer não se alcançam no desespero da escassez dos meios materiais e na desesperança de alcançar acesso a actividades de trabalho dignas e devidamente remuneradas. Esta é uma questão complexa que se não compadece com simplificações. Manter o realismo de acreditar no futuro de uma sociedade mais justa, igualitária e livre. Aceitar os desafios das mudanças mesmo quando os obstáculos parecem intransponíveis. Trabalhar sempre o melhor que estiver ao alcance de cada um. Abrir caminho para que o maior número encontre trabalho digno.

sexta-feira, agosto 8

agosto - dia 8


De férias a sul como sempre aconteceu desde que me conheço, nem que tenha sido por um só dia como, excepcionalmente, em 1975. Próximo das terras, e praias, (mais terras, que praias) frequentadas pelos meus antepassados do lado materno e paterno. Toda a minha ascendência nasceu a sotavento deste Algarve nome que incorporou até há bem pouco tempo a designação do Reino de Portugal (e dos Algarves). Não me espreguiço, pois, em simples veraneio envolvido que me sinto pelas ressonâncias de gerações nas quais correu, e corre, sangue do meu sangue. A paisagem está por dentro de mim como estão os odores, os rostos, as vozes, os dizeres, as manhas e tudo o que resiste às facetas perversas da globalização. Caminho de pé por entre memórias felizes o que reconstrói a minha vontade de continuar a percorrer esta vida povoada de enganos.

segunda-feira, agosto 4

agosto - dia 4


Banco Bom, Banco Mau, acabou mais um episódio da maior crise de uma instituição financeira nos últimos (muitos) anos em Portugal. Outros se seguirão. Não tenho conta no BES nem nunca tive. Nenhuma instituição que tenha estado sob minha gestão alguma vez teve conta no BES. Não tenho, pois, queixas nem experiência directa de lidar com o BES. Não deveria escrever nem uma palavra acerca deste assunto, além do mais, porque tendo obtido uma formação académica em finanças, não me imagino como administrador de falências... Somente a escala dos números envolvidos, a nível nacional, é muito grande. E passamos a vida, todos nós, a ouvir falar em números de uma escala muito inferior como salário mínimo, pensões de sobrevivência, tudo o que toca ao mundo do trabalho ou das pensões, quantas vezes, apresentados como excessivos. Exigem-se reformas e todos clamam por justiça no âmbito do Estado Social. Nesse mundo conhecem-se os esquemas para obter benefícios ilegítimos, desde os beneficiários, aos fornecedores de bens e serviços. Abundam as fugas, e lateralidades, que prejudicam os cidadãos e as entidades cumpridoras. Sabemos todos que tolerar o incumprimento das obrigações de uns significa o sacrifício da obtenção de legítimos benefícios sociais de outros. Mas o sector financeiro tem gozado de uma infinita tolerância e compreensão por parte da sociedade e de todos os responsáveis dos poderes públicos seja qual for a sua natureza e cor ideológica e politica. Pela sua escala o caso BES, que se desenrola debaixo dos nossos olhos, hoje, aqui e agora, produz um efeito de descredibilização do sector financeiro e, em particular, da banca comercial que impõe uma acção rápida, diria fulminante, na investigação das suspeitas de ilícitos e de crimes. O governador do BP não pode falar deles - e falou -  sem que hajam consequências imediatas. Sou contra a justiça popular ou mediática mas é preciso fazer funcionar o estado direito e, em consequência, proteger a democracia dos seus inimigos.

domingo, agosto 3

VIVER POR CIMA

A qualquer hora do dia, em mim próprio e entre os outros, eu subia às alturas, acendia aí fogueiras bem visíveis e alegres saudações subiam até mim. Era assim que eu tomava gosto à vida e à minha própria excelência.


A minha profissão satisfazia, felizmente, esta vocação das alturas. Ela livrava-me de toda a amargura em relação ao próximo, que eu sempre obsequiava, sem nunca lhe dever nada. Colocava-me acima do juiz, que, por minha vez, eu julgava, acima do réu que eu forçava ao reconhecimento. Pondere bem nisto, meu caro senhor: eu vivia impunemente. Nenhum julgamento me dizia respeito, não me encontrava no palco do tribunal, mas em qualquer outra parte, nos urdimentos, como esses deuses que, de tempos a tempos, são descidos por meio de um maquinismo, para transfigurar a acção e dar-lhe o seu sentido. No fim de contas, viver por cima é ainda a única maneira de ser visto e saudado pela maioria.

Albert Camus, in A Queda


sábado, agosto 2

agosto - dia 1


O BES, em menos de nada, afundou-se. Um banco de referência, com história e mercado, está a estrebuchar caído no chão dando a sensação, a quem assiste de fora, que afastada a família que lhe dá o nome, ninguém sabe o que fazer dele. Pode ser que esteja enganado, assim espero, mas o Estado vai socorrê-lo, em linguagem comum, "entrará com o dinheiro", "uma pipa de massa", diria o Dr. Barroso. Estou a ser simplista, está bem de ver, pois a fórmula para a entrada temporária do Estado será  engenhosa e sempre teria de o ser. Nada de novo. A tralha dos Espíritos Santos, diabolizados como é da praxe, dará lugar a quem? Para já, quer dizer, depois de amanhã, ao Estado, salvo qualquer milagre de última hora. Os jornalistas das economias surgiram hoje, pelo menos a meus olhos, nervosos e hesitantes como o verão que teima em não despontar. Nada de nacionalização do BES. De acordo, que não é solução. Resta explicar, bem explicado, como é que um banco privado, representando 20% do mercado nacional, uma grossa fatia do crédito concedido, milhões de depositantes, continuará a ser privado se a maioria do capital passar a ser público. E caso a explicação corresponda à operação de salvamento em curso, que desejo seja bem sucedida, como será apresentada a saída pós intervenção do Estado. A que prazo e em que condições. E qual a medida das consequências dessa intervenção na economia e na vida quotidiana dos cidadãos. O problema do BES, a partir de hoje, deixou, em definitivo, de ser privado, tornando-se público. Um problema de todos nós.

                                                           Fotografia de Hélder Gonçalves

quinta-feira, julho 31

julho - dia 31

                                                          Fotografia de Hélder Gonçalves

O absurdo do modelo neoliberal, ou da sua profunda degenerescência, está patente em todo o seu esplendor, no caso GES/BES. Não se trata desta feita da falência de um quiosque, de uma pequena oficina ou do café da esquina. Não podemos, neste caso, observar os olhos turvos de lágrimas do comerciante fechando de vez a porta, nem o olhar triste do funcionário despedindo-se de vez dos seus clientes habituais... Faz muito tempo que não se via nada assim. Talvez, para quem tenha vida longa, similitude  com os acontecimentos dos idos de 80, entre 1983/85, para não falar, noutro contexto, no período pós 25 de abril de 74. Mas nestas épocas de crise brava (1974 e 1983) sempre havia expectativas positivas de futuro, fossem ou não realizadas, a todos agradassem ou não agradassem. A liberdade em todas as suas vertigens, após 48 anos de ditadura, e a adesão à actual União Europeia com seu interminável cortejo de promessas de prosperidade. O que me dá que pensar, ainda com energia para questionar o que for que queira, é quais as expectativas que povoam a cabeça de cada um, e de todos nós, no olho do furacão da presente crise. Pode ser que hajam mas estão ao alcance de muito poucos.

quarta-feira, julho 30

julho - dia 30







Se todas as notícias a que o cidadão comum está exposto forem levadas a sério o cidadão comum, para sua sanidade mental, terá que se proteger delas. As notícias, como sabem os que sabem, quando são produzidas destinam-se a produzir efeitos sempre, ou quase, previamente conformados em função de interesses de poder sejam directamente de natureza politica, económica ou outros. Há académicos por esse mundo fora que se dedicam a estudar o tema nas suas diversas vertentes. Nada de novo. O que é novo nestes dias que passam, aqui e agora, é a confluência de tantas notícias que surgem, aos olhos de quem esteja minimamente atento, como sucessivas frentes de fogo e de contra fogo. Uma luta sem tréguas, ameaçando o vale tudo, pelo poder num país escasso, dependente, pobre, acabrunhado, deficitário em cultura do pleno exercício das liberdades e da democracia. Sem desprimor para os políticos, reformados e no activo, que os há sérios e empenhados, uma espécie de plutocracia*, na qual, paradoxalmente, os ricos são cada vez mais pobres.
   
* A plutocracia (do grego ploutos: riqueza; kratos: poder) é um sistema político no qual o poder é exercido pelo grupo mais rico. Do ponto de vista social, esta concentração de poder nas mãos de uma classe é acompanhada de uma grande desigualdade e de uma pequena mobilidade. (In Wikipédia).

Fotografia de Hélder Gonçalves

domingo, julho 27

Amy Winehouse I love you more than you'll ever know LIVE (Inédit RARE)


Ne me quitte pas


julho - dia 27


Ao contrário do que é próprio da sua missão, mesmo considerando a presente época de férias, os jornais (refiro-me às suas edições online)  actualizam as notícias a passo de caracol. Num mundo repleto de acontecimentos preocupantes, quando não aterradores, que caem em catadupa no nosso conhecimento por outras vias, os jornais entraram numa espécie de estado vegetativo. A sua falta de vitalidade, e o decréscimo da sua influência no presente, noutros tempos tão marcante na vida pública, resulta de uma crise porventura irreversível (uma ou outra excepção confirmam a regra). Os chamados jornais tradicionais, mesmo quando vertidos para versões em formato virtual, estão em vias de extinção. Se não é assim, assim parece. O assunto está estudado e já muito se dissertou acerca da matéria. Faço simplesmente uma observação que resulta da minha experiência de leitor de jornais, em todas as formas e formatos, desde há muitos anos.  

sexta-feira, julho 25

julho - dia 25

Cansado. Por entre notícias de guerras, abertas e ocultas, disputas e enredos burocráticos. Na véspera de férias, com seu encanto, na busca do equilíbrio permanente, tenho na lembrança aquela frase de Camus, que nunca esqueço e cito de cor: "manter o equilíbrio para não nos tornarmos assassinos". É cada dia mais forte o cheiro a pólvora e o ranger dos laços que unem os usurpadores do bem comum. Um dia, mais cedo que tarde, mais perto que longe, a maioria da comunidade, a todas as escalas, terá que se levantar para abrir portas a uma nova época. Uma época na qual os cidadãos, livres e autónomos, tomem de novo posse dos seus destinos. Pela paz, pela vida, pela liberdade.
                                                        Fotografia de Hélder Gonçalves
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terça-feira, julho 22

julho - dia 22

                                                          Fotografia de Hélder Gonçalves

Ao escrever, tomando posição, corremos riscos. Desde logo o de mais tarde verificarmos que estávamos errados (tantas vezes! ...). Mas preciso de escrever que não gosto do discurso de Rui Rio: as suas tiradas acerca do direito de voto, que o mutilam ou condicionam, são perigosas para a liberdade. Não gosto de sentir que me podem retirar o direito de voto se, por uma circunstância qualquer, decidir abster-me de votar o que nunca, até hoje, fiz. A faceta austera dos políticos pode ser suportável quando não à custa do sacrifício da liberdade, essa exacta liberdade, abstracta, que se sobrepõe à ordem mesmo quando a escassez a ameaça encostar à parede. Lembro-me de Lorca e de tantos outros - ontem, hoje e amanhã - encostados à parede não pela injustiça dos mundos mas pelas mãos dos homens que são capazes, sem piedade nem escrúpulos, de matar outros homens. Não gostei da CPLP ter admitido a Guiné Equatorial por todas as razões que tantos já apontaram: o regime politico vigente nesse país que não preza, mais uma vez, a liberdade; a língua portuguesa que deixa de ser a marca simbólica da Comunidade - mesmo quando sabemos que nalguns países de língua oficial portuguesa mal se fala o português. Podia a CPLP sobreviver contra a opinião do Brasil e de Angola? Talvez não! Podia Portugal sobreviver à CPLP? Com certeza que sim! Como hoje se diz a propósito de tanta coisa podíamos, nós portugueses, neste caso, ser austeros utilizando a palavra simples e clara: Não!

Aditamento: depois de ter lido e ouvido, ao longo deste dia, inúmeros opiniões acerca do assunto Guiné Equatorial/CPLP, mesmo relativizando a sua importância, mantenho a opinião "ingénua" acima afirmada. 

JULIO BALMACEDA Y CORINA DE LA ROSA en la Milonga del Moran (Milonga) "N...


domingo, julho 20

julho - dia 20


Volto ao tema da guerra. Os portugueses vêem a guerra como realidade distante. Assistimos às cenas de guerras localizadas que se multiplicam pelo mundo no sofá. Não há portugueses vivos que tenham sofrido os efeitos da guerra à porta de suas casas. Não conhecemos ao vivo os horrores da guerra. Não sofremos dos seus efeitos destruidores na nossa vida, de familiares e de amigos. Temos sido poupados e julgamos-nos imunes às suas terríveis consequências. Nem se conhecem manifestos que expressem posições colectivas de repúdio pelas guerras que, aparentemente, não nos dizem respeito. Assistimos resignados à devastação de comunidades, e à morte de inocentes, sem um gesto de solidariedade ou uma palavra de repulsa. Mal tomamos partido. Podemos dizer que sentimos, mas não expressamos, em sobressalto colectivo, a nossa indignação. Julgo não ser injusto se disser que nem os órgão de soberania assumem em plenitude o dever da condenação da guerra em solidariedade com as suas vitimas inocentes. Reina, entre os portugueses, perante uma real ameaça de generalização da guerra  um silêncio sepulcral. Estranha forma de vida!