Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
quarta-feira, setembro 3
setembro - dia 3
Regresso à barbárie. Abundam sinais alarmantes de ascensão de novas formas de totalitarismo. Não em forma de doutrina livresca ou de acções isoladas, e pontuais, levadas a cabo por tresloucados. O que está a acontecer sob os nossos olhos, desde a Ucrânia ao Iraque, um pouco por todo o mundo, com formas diversas de expressão, é o alastramento de fanatismos, novos fascismos, difíceis de caracterizar em toda a sua extensão e profundidade. Não nos deixemos ficar pelo horror das execuções mediáticas perpetradas por radicais islâmicos. Interroguemo-nos acerca da origem do apoio politico e militar, ou seja, que forças sustentam estas forças? Qual a origem dos recursos que as tornam tão letais? Ainda mais, será necessário chamar a atenção para as ideologias totalitárias que, sob as mais variadas capas ideológicas, e crenças religiosas, atraem jovens e intelectuais um pouco por todo o mundo ocidental. Notam-se esses sinais, além da indiferença que toma o lugar da condenação da barbárie, em tomadas de posição de cidadãos que connosco convivem no dia a dia e não se coíbem de acolher, expressamente, processos e medidas politicas limitativas da liberdade individual em todas as suas dimensões. Os princípios e valores nos quais assenta a nossa vida em sociedade, por mais banal que pareça a sua evocação e defesa, não podem ser menosprezados e, muito menos, espezinhados. "Liberdade, liberdade, tem cuidado que te matam ... " escreveu Jorge de Sena a propósito, noutro contexto, deste mesmo perigo. Alerta, pois, para as posturas moles, complacentes, no combate a todas as formas de totalitarismo, seja qual for a sua matriz ideológica.
segunda-feira, setembro 1
setembro - dia 1
Nasceu hoje Setembro, o mês nove, agora mais perto do fim do ano, o tempo é implacável, passa por nós sem aviso prévio, descobri nas vésperas do primeiro dia de Setembro um conjunto de cartas que a minha primeira namorada " a sério" me escreveu, e eu lhe escrevi outras, tinha 21 anos, era verão, neste mesmo mês de Setembro, tão belos os textos, escritos de primeira, apaixonados e directos como só as mulheres sabem expressar suas opiniões e sentimentos. Tantos anos passados a sensação de não ter correspondido... Por estes dias, naquele ano longínquo, deveria fazer calor, mas também chovia, e a comunicação era mais rápida do que podemos supor hoje ao teclado dos instantâneos comunicados, pois as datas das cartas, nalguns casos, marcam dias sucessivos... com uma estampilha de um escudo ... e fui buscar um poema do Ruy Belo, in "Boca Bilingue", que inicia assim:
Setembro é o teu mês, homem da tarde
anunciada em folhas como uma ameaça
Ninguém morreu ainda e tudo treme já
Ventos e chuvas rondam pelos côncavos dos céus
e brilhas como quem no próprio brilho se consome
(...)
domingo, agosto 31
sexta-feira, agosto 29
agosto - dia 29
As notícias que nos são acessíveis do mundo, e do país que é o nosso, soltam-se no ar em turbilhão. Salvo nos regimes com supressão, ou limites apertados, da liberdade de informação, ou seja, nas ditaduras, a regra é a da disputa política sempre ganhar contornos agrestes na conquista da opinião pública. Sempre assim foi em regimes democráticos onde impera o primado da lei e da liberdade de imprensa. Nada de substancialmente novo se passa nos nossos dias a não ser a emergência das redes sociais através das quais cada um de nós se pode transformar, quase que instantaneamente, num "órgão de informação". Resta continuar a manter o equilíbrio que, no caso, se resume, entre outros aspetos, em assumir a natureza micro da participação de cada um nesta torrente de informação, nem por isso dispensável no presente contexto, e a perceção de que existe um imenso mundo de informação que nunca fica acessível ao maior número de cidadãos mantendo-se no segredo dos deuses. E ainda, não menos importante, ter presente o imenso manancial de contrainformação que se dispensa de reserva para assumir a mentira em todo o seu esplendor.
terça-feira, agosto 26
agosto - dia 26
Frank Grisdale
As coisas com jeito demoram tempo. Os projectos sustentáveis carecem de maturação. Pensamento e acção. Conjugados. Capacidade de projecção para a frente, em direcção ao futuro, mesmo que não pertençamos já a esse futuro que anunciamos. Todo o tempo sonha e só quem sonha com o futuro merece ser tomado a sério. Mesmo que o passado molde o nosso tempo e o nosso tempo molde o futuro. O que fica depois do tempo nos ter reduzido a cinzas é o futuro. Disse o prelector face ao seu tempo. E calou-se prudente e desconfiado no efeito das suas palavras sobre os sentimentos dos famintos de presente.
segunda-feira, agosto 25
agosto - dia 25
Passam hoje 70 anos que Paris foi libertada da ocupação nazi. É uma data longínqua e simbólica mas apetece-me lembrá-la a traço grosso. Nesse dia (talvez noite) Albert Camus escreveu um notável editorial para o jornal Combat, órgão da Resistência, intitulado: LA NUIT DE LA VÉRITÉ que começa assim:
Tandis que les balles de la liberté sifflent encore dans la ville, les canons de la libération franchissent les portes de Paris, au milieu des cris et des fleurs. Dans la plus belle et la plus chaude des nuits d’août, le ciel de Paris mêle aux étoiles de toujours les balles traçantes, la fumée des incendies et les fusées multicolores de la joie populaire. Dans cette nuit sans égale s’achèvent quatre ans d’une histoire monstrueuse et d’une lutte indicible où la France était aux prises avec sa honte et sa fureur. (...)
70 anos é muito tempo e são já uma minoria os contemporâneos desse acontecimento marcante da nossa história contemporânea. Mas nada é mais importante do que celebrar a liberdade e os acontecimentos que a evocam em toda a sua força telúrica. Desde esse dia, passaram 70 anos, a Europa tem vivido um longo período de paz que somente hoje, no tempo que é o nosso, está verdadeiramente em perigo.
sexta-feira, agosto 22
agosto - dia 22
Uma tarde quente povoada pelos medos que as notícias acalentam. Além das heranças do nosso passado doméstico, e seu reflexo no presente, continua a alastrar a violência por esse mundo. Leio a notícia de execuções públicas em Gaza em retaliação pela eliminação física de dirigentes militares do Hamas levadas a cabo por Israel. Assinalo as mais cruéis manifestações da guerra fazendo lembrar, de forma impressiva, outras guerras de todos os tempos passados. Esta cavalgada da guerra a que assistimos tem que ser refreada sem ilusões de alcançar uma paz impoluta. As potências - sempre as potências! - com argumentos de força militar ou económica, ou ambos, têm que se entender globalmente forçadas por um movimento que somente os cidadãos podem impulsionar. O Papa Francisco apela, o Secretário Geral das Nações Unidas, apela, alguns lideres políticos apelam, à paz, mas não se vê luz ao fundo do túnel que acalente a esperança de um retrocesso dos movimentos extremistas/belicistas. Alastra mesmo entre a intelectualidade, como sempre aconteceu, nos períodos que antecedem as grandes guerras, um amolecimento do espírito crítico face ao alastramento de ideologias populistas e de nacionalismos exacerbados (caso da Hungria, país membro da UE!) que, sejam quais forem as suas raízes ou tendências, todas por igual, têm que ser combatidas, e confinadas, sob pena de virmos, enquanto cidadãos do mundo, a ser responsáveis por um novo holocausto.
quinta-feira, agosto 21
agosto - dia 21
Escrevo hoje na hora de almoço, coisa rara, pois me deu uma vontade irreprimível de deixar uma palavra acerca da guerra. Chovem as notícias de assassinatos, tantas e tão frequentes, que se banalizam. A normalidade, no espaço mediático, o que vende e se torna omnipresente no imaginário da maioria dos cidadãos, é a violência, o crime, o assassinato, a retaliação, a conquista, a guerra. Na verdade mesmo aqueles que vivem em paz beneficiam, afinal, de uma ilusão. Não sei nada acerca dos meandros da guerra, a não ser a intuição de que medram os negócios de venda de armas, os negócios da morte, só sei, ao contrário de todas as ilusões que alimentávamos, que estamos em guerra.
terça-feira, agosto 19
agosto - dia 19
segunda-feira, agosto 18
domingo, agosto 17
agosto - dia 17
Último dia de férias de verão, sempre um regresso à terra, visitando toda a largura do sotavento junto ao mar, da fronteira a Vila Moura com epicentro em Faro - berço meu. Visitações familiares desde a minha tia Lucília, decana da família, nos seus 97 anos, um belo rosto que se mantém luminoso, até aos mais jovens sobrinhos netos, campeões nacionais de ténis nas respetivas categorias. Sucessivas gerações mantendo, no essencial, os mesmos traços físicos, bronzeados do sul e longilíneos porque sim, em suas tarefas e misteres, juntos à terra que os viu nascer. O futuro desenha-se, para todos e cada um, com uma enorme interrogação. Mas não foi sempre assim? Praticando a arte de sobreviver a toda procela.
sexta-feira, agosto 15
quarta-feira, agosto 13
agosto - dia 13
A nossa cidade é aquela que nos habita mais do que aquela que habitamos. E somos habitados por muitas cidades e lugares delas. Tal como pelas pessoas que ao longo da vida amamos. Nada pode mudar esta capacidade do homem incorporar a natureza, transformando-se e, por fim, a ela regressar. Finito na esplendorosa compreensão da sua existência e dos limites do seu papel individual na relação com ela. A vida irradia beleza pelas ruas da cidade banhada de luz e arrefecida pela misteriosa brisa que sopra suave. Desde que me conheço que reconheço a sua aura que atravessa os corpos elegantes dos carregadores de mercadorias que desfilam nos corredores das festas de verão ou a caminho do mercado. Por entre notícias de morte de ilustre, e notável, gente e do alastrar de guerras sempre injustas, raia, embora incipiente, a aurora de um novo humanismo. Basta estar atento aos sinais.
segunda-feira, agosto 11
domingo, agosto 10
agosto - dia 10
É difícil encontrar trabalho por mais que o jargão populista insinue de todas as formas: "eles não querem é trabalhar"!. Se assim fosse a maioria dos que emigram em busca de trabalho quedar-se-iam em ameno repouso. Não me refiro ao tema do ócio, tempo de lazer, essa conquista recente das sociedades ocidentais. Refiro-me ao trabalho, em todas as áreas da actividade humana, que além de ser um "ganha pão" é um meio de realização humana e de afirmação da personalidade. É preciso saber conjugar o tempo de trabalho com o tempo de lazer. Mas os benefícios do lazer não se alcançam no desespero da escassez dos meios materiais e na desesperança de alcançar acesso a actividades de trabalho dignas e devidamente remuneradas. Esta é uma questão complexa que se não compadece com simplificações. Manter o realismo de acreditar no futuro de uma sociedade mais justa, igualitária e livre. Aceitar os desafios das mudanças mesmo quando os obstáculos parecem intransponíveis. Trabalhar sempre o melhor que estiver ao alcance de cada um. Abrir caminho para que o maior número encontre trabalho digno.
sexta-feira, agosto 8
agosto - dia 8
De férias a sul como sempre aconteceu desde que me conheço, nem que tenha sido por um só dia como, excepcionalmente, em 1975. Próximo das terras, e praias, (mais terras, que praias) frequentadas pelos meus antepassados do lado materno e paterno. Toda a minha ascendência nasceu a sotavento deste Algarve nome que incorporou até há bem pouco tempo a designação do Reino de Portugal (e dos Algarves). Não me espreguiço, pois, em simples veraneio envolvido que me sinto pelas ressonâncias de gerações nas quais correu, e corre, sangue do meu sangue. A paisagem está por dentro de mim como estão os odores, os rostos, as vozes, os dizeres, as manhas e tudo o que resiste às facetas perversas da globalização. Caminho de pé por entre memórias felizes o que reconstrói a minha vontade de continuar a percorrer esta vida povoada de enganos.
quinta-feira, agosto 7
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