Pano de fundo do I Congresso do MES (Aula Magna da Cidade Universitária de Lisboa)
O I Congresso do MES realizou-se nos dias 21 e 22 de dezembro de 1974. As efemérides valem o que valem, mas não poderia deixar passar em claro o 40º aniversário do I Congresso do MES. As razões são muitas, e diversas, e no último destes posts evocativos, a publicar daqui a uma semana, tentarei acrescentar algo ao que já foi sendo dito e escrito (embora pouco) ao longo dos últimos anos. Por agora republico os posts dedicados a esse I Congresso que foram dados à estampa no blogue
Caminhos da Memória.
I Congresso do MES – algumas reflexões tardias
«Nuno Teotónio Pereira (NTP) considera mesmo que a cisão ocorrida no MES, em Dezembro de 1974, em razão da qual “saíram os melhores quadros”, “foi uma verdadeira tragédia”.
Sem ela, talvez não tivesse ocorrido “a deriva esquerdista do MFA, que foi fatal”.»
Esta reflexão de Nuno Teotónio Pereira (NTP) acerca do I Congresso do MES, surgida numa
entrevista concedida a Joana Lopes (em conjunto com Edmundo Pedro), fez-me pensar no interesse de trazer a lume algumas memórias, em jeito de reflexão, acerca da minha própria vivência naquele movimento político que publiquei, nos primórdios da existência do meu blogue
ABSORTO, no início de Abril de 2004, certamente, para uma escassíssima audiência. Seleccionei quatro postas das quais trago hoje a lume duas acerca do I Congresso do MES realizado em Dezembro de 1974.
O I Congresso do MES – I
O Movimento de Esquerda Socialista, forjado no período ante-25 de Abril, rompeu-se no seu 1º Congresso, realizado na Aula Magna, em Lisboa, a meio do mês de Dezembro de 1974.
Nesse congresso estavam em confronto duas concepções do papel de um Partido da esquerda socialista no «processo revolucionário».
Uma maioria, fortemente radicalizada, sentia-se legitimada, pelo curso dos acontecimentos, para impor, ao futuro MES, uma orientação política anti-capitalista que, em si mesmo, não tinha originalidade, não fora ser fortemente influenciada pela ideologia da democracia directa que, no caso do MES, tomaria a designação de Poder Popular.
Ficava assim subalternizada a aceitação programática do modelo de democracia representativa vigente na maioria dos países da Europa ocidental.
A minha participação nesse congresso foi marcada pela dilaceração de ter percebido que não seria possível, na prática, evitar uma ruptura entre o grupo liderados por Jorge Sampaio e o grupo maioritário dos delegados ao Congresso.
Alguns dirigentes com responsabilidades, nos quais me incluía, tomamos, pelo silêncio, o partido da maioria, deixando que o coração vencesse a razão, abrindo, assim, a porta a uma deriva esquerdista com a qual, apesar de tudo, tempos mais tarde, tivemos a capacidade de cortar de forma original.
O I Congresso do MES – II
A ruptura política operada no 1º Congresso, e a consequente saída de Jorge Sampaio do nascente MES, não foi inesperada. Ela resultou de um longo processo de debate que durou semanas, ou meses, ao longo dos quais não se estabeleceram as pontes pessoais e políticas que poderiam ter inflectido aquele desenlace.
Recebi, pela minha parte, abundantes avisos e missivas alertando para a gravidade da ruptura que se adivinhava no horizonte. Tenho em minha posse os originais de duas cartas que me foram dirigidas, a título pessoal, que testemunham a consciência daquela situação.
Uma foi-me enviada, do Porto, por José Galamba de Oliveira, datada de 7 de Novembro de 1974, afirmando:
«(…) Parece-me que estamos numa encruzilhada. Não prevejo que futuro está traçado a curto e médio prazo para este país nem vejo claro o que deveremos e poderemos fazer para inflectir favoravelmente o desenrolar do processo histórico. Embora não pense que a luta de classes se desenrole nas cúpulas, gostava de saber o que está arquivado nas gavetas das secretárias de Ford, Brejnev e companhia. Cada vez mais o que se passa num país é menos independente do panorama internacional, e continuo sem ver claro qual o projecto do PCP cá para o burgo lusitano.»
E afirma a propósito do Congresso que se avizinhava:
«Não estamos suficientemente fortes para depurações. Toda a flexibilidade e diplomacia são poucas para preservar o essencial.»
Numa longa carta, de 15 de Dezembro de 1974, que me enviou de Moçambique, Luís Salgado de Matos adverte:
«…rezo aos meus santinhos para que não façam cisões – sobretudo a cisão na confusão. Corre-se mais o risco da grupuscularização sem dogma que da social democratização derrapante: não defendo a síntese da carne e do peixe (…) mas julgo que é um risco grave cortar o pano sem ver o tecido. Cisão, a haver – pelo que se pode desenhar – afastará o social democratismo (…) mas reduzirá o MES ao nível do grupinho necessariamente sectário mas sem um conjunto rígido de princípios (que costuma ser a safa destes grupinhos).»
Sábias palavras…