sábado, janeiro 17

janeiro - dia 17


De súbito os governos dos países europeus - que integram a UE - surgem em cena assumindo todo o protagonismo na luta anti terrorista. Os responsáveis políticos da UE, e as suas instituições, passam a plano secundário. É como se se tivesse assumido uma estranha especialização: aos governos nacionais a politica, à UE a exigência que os governos nacionais cumpram as metas dos tratados. Assiste-se, sem escândalo, ao espectáculo do regresso em força dos nacionalismos em desfavor das conquistas de uma Europa como espaço de partilha de políticas comuns. Basta olhar às imagens das manifestações de Paris! A política acantona-se nas sedes dos governos nacionais, tendo desertado das instâncias da União Europeia. Resistirá a UE sem politica comum nas áreas militar e de defesa?    

quinta-feira, janeiro 15

janeiro, dia 16

                                                       Fotografia de Hélder Gonçalves

Um mundo de violência, dividido pela posse da riqueza, como sempre ao longo da história, pela posse das matérias primas, das rotas, dos territórios; disputas pelo domínio da terra, do mar, do espaço vital, com guerra sempre à vista mesmo quando predomina a paz; cegueira ideológica, idolatria por chefes, desprestígio do sagrado, sedução e culto pelo dinheiro, sempre com novas formas, escalas e artes de cativar a maioria. A tirania espreita na esquina da intolerância. É preciso que se ergam vozes e luzam rostos capazes de, com realismo e coragem, enfrentarem, uma vez mais, o totalitarismo que, sob diversas vestes, se insinua por entre os povos que trabalham e aspiram à paz e à liberdade.  

segunda-feira, janeiro 12

RONALDO - UMA VEZ MAIS


Já escrevi muitas vezes acerca do Ronaldo, futebolista de profissão, como do futebol escrevi também, não tanto como acerca de Camus, ou citando-o amiúde, que também amava o futebol, tal como o sol, a água, a praia, gente do sul, e uma vez mais o celebro, Ronaldo, um homem que agradece num palco do mundo, na sua lingual mãe - o português. Bem haja!  

domingo, janeiro 11

11 de janeiro - 2015


W. Whitman. «Lorsque la liberté s´en va de quelque part, elle n´est pas la première chose à s´en aller. Elle attend que toutes les autres s´en aillent, elle est la toute dernière.»
Albert Camus

“Carnets – III” - Cahier nº VII (Mars 1951/Juillet 1954)
Gallimard

sexta-feira, janeiro 9

DIAS DIFÍCEIS PARA A FRANÇA E PARA O MUNDO

                                                  Fotografia de Hélder Gonçalves

Fim de tarde/noite em Lisboa, cidade pacata de um país chamado Portugal, com uma longa história, que nunca deixou de ser europeu continental e ao mesmo tempo europeu atlântico, pela cultura e pela geografia. Portugal que foi, pelos idos dos séculos XV/XVI, uma potência global, dizem os entendidos - ao contrário de outras narrativas - a primeira de todas criando, mar afora, um império em rede tanto mais surpreendentemente grandioso quanto diminuta a sua dimensão demográfica e económica. Quando nos deixamos acantonar neste espaço diminuto de terra, rodeado do grande mar, perdemos força e influência na politica europeia e global. A União Europeia não pode servir para diminuir cada um dos seus membros. Tem que servir para os engrandecer num projecto comum evoluindo para a integração politica, projecto ousado, original e difícil, salvo se quiser dar-se ao sacrifício de uma inevitável implosão. A diversidade das Nações europeias, com seus povos, no espaço físico europeu, enquanto projecto politico comum, é uma vantagem num mundo que não mais será um conglomerado de autarcias. Os acontecimentos por estes dias em França estimulam, certamente, sentimentos nacionalistas extremos. É certo e sabido não sendo necessário ser especialista em politica internacional para o pressentir. Mas, ao mesmo tempo, é uma janela de oportunidade para que os dirigentes políticos democratas, exercitem, à vista de todos, capacidade para conciliar autoridade e tolerância, aspiração à justiça e defesa da liberdade. O Presidente francês tão impopular aos olhos da opinião pública francesa, tão desprezado pelos seus pares, julgo não me enganar, tem mostrado, neste momento difícil, perante acontecimentos dramáticos, uma dimensão de homem de Estado que é apreciável e deve ser reconhecida. Domingo próximo a França vai sair à rua pela liberdade. Estarei de corpo inteiro em Portugal como se marchasse pelos Campos Elísios. Portugal deveria estar representado nessa manifestação ao mais nível do Estado como parte de uma estratégia da sua afirmação no espaço comum europeu.            

segunda-feira, janeiro 5

CHOREI POR TI EUSÉBIO

Faz hoje um ano que morreu Eusébio. Nesse dia chorei por ele. Um herói e um símbolo para gerações de portugueses. O futebol é um jogo coletivo mas nele avultam alguns jogadores que o tornam mágico. Eusébio era um deles e desde criança me fez sonhar e acreditar que os mais fracos sempre podem vencer os mais fortes. Deixo em sua homenagem um texto que em tempos escrevi neste blogue em homenagem ao futebol. QUE VIVA!

Uma multidão no estádio, em nossa casa, parece-nos sempre pequena. Amigável. Conhecemos muitos rostos. Mesmo as vozes nos são familiares. Os ditos, as recriminações, “seu isto, seu aquilo …”. Uma multidão que incentiva os ídolos de um tempo que é o nosso é como se fosse alguém da nossa família. Os momentos de glória exigem uma multidão que aclame os heróis. Vista de longe a multidão é anónima. Uma massa de gente que grita, aclama, protesta e gesticula. Vista de perto é um mundo de paixões e afectos que se partilham com fervor. As claques podem ser uma degenerescência das multidões que aplaudem por puro prazer apoiando os seus à vitória. O tumulto pode substituir a festa. Mas a essência do futebol é a festa. A partilha do prazer entre pobres, remediados e ricos; homens e mulheres; crianças, jovens e velhos, misturados na turba que ferve na crença na vitória que, tantas vezes, se transforma na melancolia da derrota. A multidão que se manifesta mostra a alma de um povo que aspira a libertar-se das rotinas do trabalho e das agruras da vida. A história das multidões, para o bem e para o mal, é uma parte da própria história das nações, cidades, associações e famílias. O futebol é o sol que ilumina a vida da maioria nas comunidades.

domingo, janeiro 4

25 CITAÇÕES DE ALBERT CAMUS PELO 55 º ANIVERSÁRIO DA SUA MORTE




No dia do 55º aniversário da sua morte deixo 25 citações do Cadernos II – que acolhe os apontamentos escritos por Albert Camus entre Janeiro de 1942 e Abril de 1948. É muito interessante a proximidade desta escrita com a que, muitas vezes, somos levados a exercitar nas redes sociais. 

1 – Não sou feito para a política pois sou incapaz de querer ou de aceitar a morte do adversário.

2 - Vivemos num mundo em que é preciso escolher sermos vítimas ou carrascos – e nada mais.

3 - Revolta: Criar para chegar mais perto dos homens? Mas se pouco a pouco a criação nos separa de todos e nos empurra para longe sem a sombra de um amor...

4 – Bob: nos prados de Verão da Normandia. O seu capacete coberto de goiveiros e ervas bravas.

5 - A reputação. É-nos dada por medíocres e partilhamo-la com medíocres e malandros.

6 - Peste. Há neste momento portos longínquos cuja água é rósea na hora do crepúsculo.

7 - 1 De Setembro de 1943.
Aquele que desespera dos acontecimentos é um cobarde, mas aquele que tem esperança na condição humana é um louco.

8 - (Dos mentirosos) “E não há nada onde a força de um cavalo melhor se conheça do que ao fazer uma paragem súbita.”

9 - O tempo não corre depressa quando o observamos. Sente-se vigiado. Mas tira partido das nossas distracções. Talvez haja mesmo dois tempos, o que observamos e o que nos transforma.

10 - Não posso viver fora da beleza.
É o que me torna fraco diante de certos seres.

11 - A espessura das nuvens diminuiu. Logo que o sol se libertou, as terras começaram a fumegar.

13 - Esse vento singular que corre sempre à borda da floresta. Curioso ideal do homem: no próprio seio da natureza, possuir uma casa.

14 - 11 De Novembro. Como ratazanas (*).

15 - Quantos esforços desmedidos para ser apenas normal!

16 - O homem que eu seria se não houvesse sido a criança que fui!

17 - A liberdade é poder defender o que não penso, mesmo num regime ou num mundo que aprovo. É poder dar razão ao adversário.

18 - Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade.

19 - O coração a envelhecer. Ter amado e nada todavia ser salvo!

20 – Dezembro. Esse coração cheio de lágrimas e de noite.

21 – Escreve-se nos momentos de desespero. Mas o que é o desespero?

22 - É preciso atravessar todo o país do amor antes de encontrar a chama do desejo.

23 -...foi quando tudo ficou coberto de neve que reparei que as portas e as janelas eram azuis

24 - Sei o que é o domingo para um homem pobre que trabalha.

25 - Há um momento em que a juventude se perde. É o momento em que os seres se perdem. E é preciso saber aceitar. Mas esse momento é duro.

(*) – O desembarque aliado na África do Norte separa Camus da sua terra e dos seus.

NO DIA DO 55 º ANIVERSÁRIO DA MORTE DE ALBERT CAMUS





“Camus trabalhou assiduamente em O Primeiro Homem durante todo o ano de 1959. Em Novembro foi para Lourmarin para aí permanecer ate à passagem do ano; depois, em Paris, queria ficar com um teatro próprio e considerou também a hipótese de desempenhar o papel principal masculino no filme Moderato Cantabile baseado no conto de Marguerite Duras. O Natal passou-o com a família na casa da Provença e a família Gallimard passou com eles a festa do Ano Novo. A 2 de Janeiro a mulher de Camus teve de regressar a Paris com as crianças por causa do recomeço das aulas. Os Gallimard propuseram a Camus regressar de carro com eles no dia seguinte. Queriam ir calmamente e aproveitar para comer bem, pelo que previram dois dias para o regresso. A 4 de Janeiro o grupo em viagem almoçou em Sens, a cerca de cem quilómetros de Paris. Depois prosseguiram viagem pela estrada nacional, passando por uma série de pequenas aldeias. Próximo de Villeblevin, o carro derrapou sem razão aparente e chocou frontalmente contra uma árvore. À excepção de Camus, que ia sentado ao lado do condutor, foram todos cuspidos do carro: Michel Gallimard ficou gravemente ferido e foi levado para o hospital com a mulher e a filha que não mostravam ferimentos visíveis. Morreu poucos dias depois.

Camus fracturou o crânio e a coluna vertebral. Foi um tipo de morte violenta com que já tinha sonhado, uma morte, como Camus escrevera em 1951 nos Carnets, … em que se nos desculpem os gritos contra a dilaceração da alma. A isso contrapõe um fim longo e constantemente lúcido para que ao menos não se dissesse que eu fora colhido de surpresa.

O corpo de Camus foi depositado em câmara-ardente no salão da Câmara de Villeblevin e na manhã seguinte transladado para Lourmarin. Dois dias após o acidente realizou-se o funeral. Na frente do cortejo funerário iam Francine Camus, o irmão de Camus e René Char. Não levaram o caixão para a igreja, mas directamente para o cemitério que ficava a alguma distância, frente à casa de Camus. Aí tem Camus a sua campa entre as dos aldeões, de igual tamanho e com uma simples pedra.” 

In Camus, de Brigitte Sändig
Circulo de Leitores

sexta-feira, janeiro 2

COM QUE ENTÃO LIBERTOS, HEIN?.



Com que então libertos, hein? Falemos de política,
discutamos de política, escrevamos de política,
vivamos quotidianamente o regressar da política à posse de cada um,
essa coisa de cada um que era tratada como propriedade do paizinho.
Tenhamos sempre presente que, em política, os paizinhos
tendem sempre a durar quase cinquenta anos pelo menos.
E aprendamos que, em política, a arte maior é a de exigir a lua
não para tê-la ou ficar numa fúria por não tê-la,
mas como ponto de partida para ganhar-se, do compromisso,
uma boa lâmpada de sala, que ilumine a todos.
Com o país dividido quase meio século entre os donos da verdade e do poder,
para um lado, os réprobos para o outro só porque não aceitavam que
não houvesse liberdade, e o povo todo no meio abandonado à sua solidão
silenciosa, sem poder falar nem poder ouvir mais que discursos de salamaleque,
há que aprender, re-aprender a falar política e a ouvir política.
Não apenas pelo prazer tão grande de poder falar livremente
e poder ouvir em liberdade o que os outros nos dizem,
mas para o trabalho mais duro e mais difícil de - parece incrível - 
refazer Portugal sem que se dissipe ou se perca uma parcela só
da energia represa há tanto tempo. Porque é belo e é magnífico
o entusiasmo e é sinal esplêndido de estar viva uma nação inteira.
Mas a vida não é só correria e gritos de entusiasmo, é também
o desafio terrível do ter-se de repente nas mãos
os destinos de uma pátria e de um povo, suspensos sobre o abismo
em que se afundam os povos e as nações que deixaram fugir
a hora miraculosa que uma revolução lhes marcou. Há que caminhar
com cuidado, como quem leva ao colo uma criança:
uma pátria que renasce é como uma criança dormindo,
para quem preparamos tudo, sonhamos tudo, fazemos tudo,
até que ela possa em segurança ensaiar os primeiros passos.
De todo o coração, gritemos o nosso júbilo, aclamemos gratos
os que o fizeram possível. Mas, com toda a inteligência 
que se deve exigir do amadurecimento doloroso desta liberdade
tão longamente esperada e desejada, trabalhemos cautelosamente,
politicamente, para conduzir a porto de salvamento esta pátria
por entre a floresta de armas e de interesses medonhos
que, de todos os cantos do mundo, nos espreitam e a ela.

Jorge de Sena

SB, 2/5/74

POEMAS "POLÍTICOS E AFINS" (1972-1977)
In "40 ANOS DE SERVIDÃO"

O POEMA POUCO ORIGINAL DO MEDO


O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis

Vai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no teto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

*

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Sim
a ratos

Alexandre O'Neill

In ”Tempo de Fantasmas”
“Cadernos de Poesia” – Fascículo Onze - Segunda Série
Novembro de 1951

quinta-feira, janeiro 1

1 de Janeiro


Primeiro dia do ano da graça de 2015. Não sei o que escrevi, por aqui, desde 2004, no primeiro dia dos últimos dez anos. Insisto, por gosto, em manter este espaço escrevendo quase sempre directo na tela esbranquiçada. O tempo tende a corroer a memória e a percepção desse fenómeno leva-me a preservar um espaço público (que sei que é restrito) no qual a possa evocar. A evocação da memória que está ao meu alcance evocar e que muitos dos meus amigos visitantes (alguns amigos pessoais) não se importam em comigo partilhar. Não me sentiria de bem comigo sem a sua presença, sua atenção atenta e crítica, que é parte da construção deste espaço de comunicação sem custos, nem constrangimento a fidelidades certas. Prossigamos.

terça-feira, dezembro 30

2014/2015

                                                      Arcos de Valdevez - (1966)

    Ao longo de tanto tempo a escrevinhar por aqui e por ali, sem destinatários pré definidos, reparo que muitos nomes, rostos e vozes, se esconderam, silenciaram ou desapareçam. Ressoa na minha cabeça a sua lembrança. É a lei da vida, no ronronar do tempo, e curvo-me perante a inevitabilidade do esquecimento de uns e pela memória de outros que permanece viva em mim. Prossigamos!

segunda-feira, dezembro 29

2015

                                                  Ana Hatherly - ABAIXO A GUERRA

      As previsões para 2015 surgem em catadupa. E somente tomamos conhecimento de muito poucas... O circulo delas estreita-se e, finalmente, fecha-se em torno de cada um de nós. Mesmo neste circulo pessoal, uninominal, é difícil fazer previsões. Costumo sintetizar o que mais desejo para familiares e amigos com uma palavra que encerra o mais importante: saúde! E acrescento outra, sem ironia: prosperidade! Para todas e todos.

domingo, dezembro 28

2014


Balanços do ano, cada um faz os seus, em tempo de desencanto como sempre acontece quando esmorece a esperança fundada em expectativas herdadas de um tempo que acabou. Os "trinta anos gloriosos", do pós II guerra mundial, deram lugar a tempos de abrandamento do crescimento, estagnação, atenuação do papel do Estado, libertando as chamadas forças do mercado.  Uma história que se repete ciclicamente com guerras de permeio, ou conflitos regionais, que destroem riqueza, transferem rendimentos do trabalho para o capital, ou vice versa. O certo é que os longos ciclos, que podem ser lidos através de séculos, não iludem as necessidades e expectativas do homem no seu tempo concreto. Daí a  ilusão ou a desilusão, a revolta ou o acomodamento. É só escolher a quem pode escolher.

sábado, dezembro 27

A BELEZA


“Pequena baía antes de Tenés, na base de uma cadeia de montanhas. Semicírculo perfeito. Ao cair da noite uma plenitude angustiada plana sobre as águas silenciosas. Compreende-se então porque é que os Gregos formaram a ideia do desespero e da tragédia sempre através da beleza e do que nela há de opressivo. É uma tragédia que culmina. Ao passo que o espírito moderno produz o seu desespero a partir da fealdade e do medíocre.
É o que Char quer dizer talvez. Para os Gregos, a beleza é o ponto de partida. Para um europeu, é um fim, raramente atingido. Não sou moderno.” 


Albert Camus, in Caderno nº5 (Setembro de 1945/ Abril de 1948).

segunda-feira, dezembro 22

MES - 40º ANIVERSÁRIO DO I CONGRESSO (Pela última vez desta vez)


Passam por estes dias de solstício de inverno (21 e 22 de dezembro) 40 anos sobre o I Congresso do MES. Para quem não saiba, por razões da usura do tempo, trata-se de um pequeno partido político criado, de facto, imediatamente antes do 25 de abril de 1974 mas formalizado somente após a restauração das liberdades, em data imprecisa no plano burocrático, mas precisa no plano político, a meu ver, na manifestação do 1º de maio de 74, em Lisboa, através da inscrição da sua sigla – ainda sem símbolo - num pano que muitas generosas mãos arvoraram. 

Foi longo o período de gestação do MES, ainda mais se medido à velocidade vertiginosa dos acontecimentos pós 25 de abril de 1974, sendo o seu I Congresso realizado somente cerca de oito meses após o dia 25 de abril. Naquele contexto oito meses era uma eternidade … Este processo, trespassado por lutas e debates, teve muitos e ilustres protagonistas oriundos de diversos sectores da oposição à ditadura. Muito já foi escrito, estudado e debatido acerca da ditadura, seus protagonistas e processos (apesar de alguns, nos quais me incluo, acharem que foi pouco).

O despretensioso escrito que dou à estampa deve-se, no essencial, à necessidade que sinto, de manter viva a memória e divulgar nomes de cidadãos – dos quais somente uma meia dúzia têm notoriedade pública - que partilharam a experiência única, e irrepetível, de participarem numa revolução. De onde surgiram, o que os impeliu a reunirem-se sob uma mesma bandeira, o que os entusiasmou, o que ganharam e perderam, quando, e como, se desiludiram, quais os percursos pessoais e profissionais que percorreram não vem ao caso.

O que quero mesmo, repetidamente, de forma consciente e voluntária, é colocar a memória e os nomes de protagonistas do MES (infelizmente somente parte deles) não como resquício de um passado glorioso, mas como legenda de um acontecimento histórico concreto que permitiu restaurar, apesar de todas as faltas e erros, o mais precioso bem de que uma comunidade humana se pode orgulhar, a liberdade. Aquisição que, como todos sabemos, nunca é definitiva conquistando-se, a duras penas, no quotidiano da vida, ontem, hoje e amanhã. 
 
Tenho escrito acerca do MES, que o mesmo é dar rosto a pessoas que, a partir da segunda metade do século XX, fizeram parte de um relevante sector intelectual não-alinhado com o Partido Comunista, de um segmento do movimento sindical/operário de base forjado num programa inovador de cariz, assumidamente, anti capitalista, de um núcleo duro do movimento estudantil que se havia radicalizado, saindo da órbita dos comunistas e dos grupos maoistas, após as lutas de 1969 e de uma franja significativa do movimento católico progressista que se bateu duramente, em particular, contra a guerra colonial.

As confluências de diversas correntes sectoriais, através dos seus activistas, no MES foi possível pela acção de muita gente que assumiu simples, ousadas ou mesmo inúteis tarefas, assumindo um papel relevante em cada uma delas, que não sou capaz de fazer caber neste escrito, mas que me apetece referenciar, correndo o risco do subjectivismo de meu juízo, algumas individualidades que muito influenciaram o desenvolvimento da curta história do MES.

Serei inevitavelmente injusto para muitos amigos que prezo mas preciso, neste breve exercício, de ser sucinto.

- No sector intelectual, Nuno Brederode Santos que, como já descrevi noutras crónicas, com descrição e rara inteligência/intuição política, foi o verdadeiro mentor da opção pela saída do MES da corrente política que sempre foi publicamente associada à liderança de Jorge Sampaio, a sua personalidade de referência mais marcante em termos políticos e com notoriedade pública até ao presente;

- No sector sindicalista/operário António Santos Júnior, líder incontestado do movimento operário, com origem nas lutas da TAP, que havia de encabeçar uma lista vencedora nas eleições do Sindicato dos Metalúrgicos, sendo silenciado quando se preparava para tomar a palavra no comício do 1º de maio em nome do MES e Agostinho Roseta, desde sempre ligado de forma continuada, e persistente, à acção politico-sindical que originou uma corrente sindical não comunista que haveria de desembocar, com todas as suas vicissitudes, na UGT;

- No movimento estudantil Alberto Martins, pelo papel desempenhado no despoletar da crise académica de 1969 em Coimbra, afrontando de forma desabrida os ditamos do regime e Ferro Rodrigues no movimento estudantil de Lisboa, em particular, em Económicas que havia sido transformada, após 1968, na peugada do movimento de Maio em França, numa espécie de "território libertado”;

- No movimento dos católicos progressistas, Nuno Teotónio Pereira, oriundo de famílias conservadoras, com obra de referência na actividade profissional de arquitecto, tendo vindo a tornar-se numa referência incontornável na luta contra a guerra colonial, e a ditadura, para as novas gerações e Vítor Wengorovius, o mais intenso mobilizador de vontades, o orador mais infatigável de todos, sempre buscando consensos, superando divergências  e reparando relações.

(Manuel Serra adversário direto, e assumido, de Mário Soares no I Congresso do PS, realizado a uma semana de distância do I do MES, no mesmo local, contou-me, na última conversa antes de falecer, que havia reunido com VW para desafiar o MES a aderir ao PS logo em dezembro de 1974, criando condições para ganhar aquele Congresso, o que VW nunca me revelou.)

O MES constituiu-se, formalizando-se, num Partido a custo pois as suas raízes beberam muito da ideologia libertária, que havia esmorecido ao longo do período da ditadura, mas que César de Oliveira fez retornar propondo, e fazendo vencer, a consigna que o MES adaptou nos seus primórdios: «A emancipação dos trabalhadores tem de ser obra dos próprios trabalhadores».

O MES foi, na verdade, um partido minoritário de elites, e de causas perdidas, nunca se assumindo como projecto politico de poder, abordando as eleições às quais concorreu – constituintes de 1975 e legislativas de 1976 - com um surpreendente espírito de cruzada pedagógica junto dos portugueses, que nunca haviam conhecido a cor da liberdade, razão pela qual, sem apelo nem agravo, em todas foi estrondosamente derrotado.

O MES foi, no seu âmago, um partido da esquerda radical, mais do que um partido esquerdista, lidando mal com alinhamentos ideológicos mesmo aquando da sua deriva marxista-leninista, reconheçamo-lo, uma mera proclamação artificial e dolorosamente patética. O MES foi um esboço de casa comum na qual se acolheram cidadãos desalinhados – livres de compromissos com o antigo regime - que aspiravam combater as brutais desigualdades e iniquas misérias herdadas do “Estado Novo”. 

Nele se acolheram uma plêiade de altos quadros intelectuais, operários, sindicalistas, estudantis, activistas de movimentos sociais emergentes, com escassa experiência política, que na voragem de um singular tempo de brasa, sonhavam – sob diversos e contraditórios ideários socializantes - a mudar tudo na sociedade portuguesa fazendo do MES, na sua breve existência, antes e pós I Congresso de 21 e 22 de dezembro de 1974, um espaço de rebeldia e, no período fundador, de criatividade como revelam, por exemplo, as designações de inúmeras estruturas criadas e a obra gráfica, criada por Robin Fior, para a criação de uma imagem para o MES.

O MES foi, por fim, um partido que ousou auto extinguir-se – se bem que nem todos os que nele tomaram parte tenham concordado com o “sacrifício” - tendo cada um dos seus membros, ao longo do tempo, saído, em liberdade, dando ca aminho às suas vidas nos mais diversos caminhos. Extinguindo-se, por ato público o MES assumiu, de forma radical, o fracasso do seu projecto político salvando a essência dos sonhos que presidiram à sua criação.

Um Movimento que influenciou uma geração inteira e que, 40 anos passados, deixou um legado de luta por causas que genuinamente foram (e são) assumidas por justas, porque fundadas na aspiração à igualdade, justiça social e liberdade.

Que viva!

domingo, dezembro 21

I Congresso do MES – Um almoço tardio? (40º aniversário)



Passam hoje 40 anos sobre a realização do I Congresso do Movimento de Esquerda Socialista (MES), realizado nos dias 21 e 22 de dezembro de 1974, na Aula Magna da Cidade Universitária, em Lisboa. A propósito desta efeméride que me interessa evocar, não por saudosismo, mas por respeito aos que participaram nos acontecimentos do 25 de abril reunidos, de forma mais ou menos formal, em torno do projeto do MES, deixo um post do Nuno Brederode Santos, publicado nos Caminhos da Memória em resposta ao de minha autoria que ontem reproduzi. 
A efeméride ocorre no dia do solstício de inverno de 2014 pelo que celebro também essa extraordinária coincidência astral entre estas duas datas separadas por 40 anos. 
Meu caro Eduardo: 
Começo, se mo permites, pela matéria dos autos, com comentários pontuais. 
Talvez nem te esteja a corrigir, mas o que admito é que, à partida para o Congresso fundacional do MES, eu queria que os meus amigos (pessoais e políticos) saíssem. Isto era do pleno conhecimento de alguns, o que não significa que merecesse a sua concordância. Porque a quase totalidade foram para lá na melhor fé, embora sabendo que havia o risco de não terem margem para ficar. Aquilo em que eu diferia deles nem é, pelo menos no comum das situações, muito bonito: e, por isso, lhe chamei «reserva mental». Para corresponder à honestidade intelectual com que vens tratando do assunto – um assunto em que estás completamente envolvido – senti-me na obrigação compulsiva de te fazer saber que havia quem, do outro lado (o meu), tivesse por aliados os «zulus» que queriam correr com os «doutores». 
Ora isso não faz de mim «tenor». Mesmo que eu tivesse qualidades pessoais para isso, ou a ambição disso – o que não era manifestamente o caso – não conseguiria sê-lo: cheguei a essa novela muito tarde e, ainda por cima, tinha de lidar em simultâneo com velhos amigos, que conhecia de ginjeira, mas também com outros, que eles bem conheciam e eu não (por se tratar de amizades que eles fizeram desde 69/70, ou seja, quando começou a minha ausência «militar»). 
O que eu fiz reflecte, aliás, o que te digo: ao datar a minha carta de saída do primeiro dia dos trabalhos, eu coloquei-me na posição, de pressionar os outros, é certo, mas também na de eu próprio já não ter recuo. Afundei as caravelas, como o Cortez. Mas até nisso há distinções. Porque outro signatário, que foi o J. M. Galvão Telles, foi sendo empurrado para essa atitude. Mas não havia nele senão abertura: e a prova, que tu mesmo já invocaste, é que levou a «militância» ao ponto de arranjar uma sede de que era ele, obviamente, o verdadeiro penhor. 
O que eu queria não fica retratado com aquilo a que chamas «federação inorgânica de grupos convergentes», porque era mais simples (ainda que pouco maduro, admito hoje). O que eu queria era que entrássemos para o PS, mas ganhando o tempo de um compasso de espera com dois fins: a) O primeiro e mais importante, era deixar passar a fase do PS como cabeça da frente nacional de resistência ao esquerdismo (o que arrastaria também o desbloqueamento de algumas tensões que subsistiam entre o Melo Antunes e «os 9», de um lado,  e a direcção do PS, do outro); o segundo era permitir a «digestão» e  o «luto», de que a maior parte dos meus amigos políticos carecia após o malogro da aposta no MES. 
Era, pois, necessário um interinato. E, para esse, eu queria um «grilo do Pinóquio», um «clube» de reflexão ao qual, numa carta que ainda enviei de Moçambique, eu chamava, assumindo o paradoxo, um «PSU sem carácter partidário». De facto, a «coisa» tinha de ser compatível com filiações partidárias. Por exótica que tal liberdade hoje pareça. Basta citar o caso do César Oliveira, que não aceitaria acompanhar uma saída conjunta, se ficasse tão dela prisioneiro quanto se sentia no MES. Ora, com pequenas adaptações, foi o que veio a suceder com a saída do MES em grupo e a criação do grupo de Intervenção Socialista (que durou até à nossa entrada para o PS, em 1978) não andou longe disso. 
Quanto ao decurso do Congresso. De facto, já sabíamos que a maioria (a tal a que eu chamava «zululãndia») iria fazer valer os seus direitos e colocar os «doutores» em minoria. Mas havia dois imponderáveis. O primeiro era saber se resistiriam, no contexto da época, à assunção formal do marxismo-leninismo. O segundo era quais os sinais que dariam a essa minoria, indiciadores da tolerância e flexibilidade com que se preparavam para tratá-la. Ora as respostas dadas foram ambas claras. 
Na primeira questão, porque o obreirismo patente nalguns discursos já falaria por si mesmo, mas o marxismo-leninismo foi, de facto, formalmente proclamado na moção que viria a ser a vencedora. Na segunda questão, porque os discursos da maioria podiam reflectir três hipotéticas atitudes: afirmar princípios, mas ressalvar algum pluralismo; fingir – algo «arrogantemente», diria eu – que a minoria nem existia; ou, na prática, convidá-la a sair. A nossa percepção foi a de poucos discursos se terem colocado na primeira hipótese, quase todos se colocando na segunda e o Afonso ter encarnado explicitamente a terceira (numa resposta explícita e «ad hominem» ao discurso anterior do Jorge Sampaio). Claro que o factor geracional – eu diria mesmo de amizade pessoal – que a muitos de nós ligava o Afonso teve o efeito «demolidor» de que tu falas.
Para terminar, quero só esclarecer que não foram poucas as pessoas que quiseram então largar o nascente MES, mas sem qualquer propósito de virem a ligar-se ao PS ou a qualquer outro partido. O César, por exemplo, viria a militar na UEDS; o João Bénard ou a Luísa Castilho são exemplos dos muitos que, nos primórdios de 1978, não quiseram acompanhar a entrada no PS e preferiram ficar independentes.
Quanto ao resto, meu caro Eduardo, não estou em condições de discutir o muito mais que vais apreciando e comentando: a aventura do MES até ao fim. Mas reitero que muito me impressionou o teu raríssimo e genuíno esforço de autocrítica, nos textos que já publicaste na blogosfera. Além do mais, gostei muito da conversa. E nem desgostei da refeição. É, pois, uma experiência a repetir, se e quando estiveres para aí virado.
Abraço
Nuno