segunda-feira, outubro 24

Holandeses, oh!

 "Os holandeses, oh!, são muito menos modernos! Têm tempo, repare neles. Que fazem? Ora bem, estes senhores vivem do trabalho daquelas senhoras. São, de resto, machos e fêmeas, umas burguesíssimas criaturas que têm o costume de vir aqui, por mitomania ou estupidez. Em suma, por excesso ou falta de imaginação. De tempos a tempos, estes senhores puxam pela faca ou pelo revólver, mas não julgue que com muito empenho. O papel exige, eis tudo, e morrem de medo, disparando os últimos cartuchos. Posto o que, acho ainda mais moralidade neles que nos outros, aqueles que matam em família, pelo desgaste. Não notou ainda que a nossa sociedade está organizada neste género de liquidação? Já ouviu falar, naturalmente, daqueles minúsculos peixes dos cursos de água brasileiros que se lançam aos milhares sobre o nadador imprudente e o limpam, em alguns instantes, a pequenas bocadas rápidas, não deixando mais que um esqueleto imaculado? Pois bem, é essa a organização deles. «Quer uma vida limpa? Como toda a gente?» Dirá que sim, naturalmente. Como dizer que não? «De acordo. Vai ficar limpinho. Aqui tem um emprego, uma família, lazeres organizados.» E os dentes minúsculos cravam-se na carne até aos ossos. Mas sou injusto. Não é a organização deles que se deve dizer. Ela é a nossa, ao fim e ao cabo: é a ver quem limpará o próximo."  

Albert Camus, in A Queda



sábado, outubro 22

MULHERES


 Bárbara Timo - © AFP

DITADURA

Cenas finais do Congresso do Partido Comunista Chinês. As ditaduras têm horror ao contraditório, não toleram as diferenças de opinião. 



"... Hu Jintao, político de 79 anos que serviu como Presidente da China entre 2003 e 2013, foi pressionado pela equipa de segurança a levantar-se do seu assento ao lado do secretário-geral do Partido, Xi Jinping, na primeira fila do Grande Palácio do Povo."

In Sapo 24 

quinta-feira, outubro 20

SEM PERDÃO

O que se está  passar na Ucrânia é uma tragédia - a guerra seja qual o tempo e o espaço dela é sempre uma tragédia. A normalização através da comunicação do deslocamento forçado de comunidades ucranianas inteiras é um aspeto dramático desta tragédia. Na história existem muitos exemplos de fenómenos semelhantes mas nunca conhecidos em tempo real. Tudo se passa diante dos nossos olhos apelando a uma complacência inaceitável com os crimes mais repugnantes. Tão próximos de nós mesmo no espaço físico, quanto mais no mediático. Sem perdão!


Fotografia de Hélder Gonçalves       

terça-feira, outubro 18

AS ALFARROBEIRAS

 “18 de Outubro(1937) .


No mês de Setembro, as alfarrobeiras exalam um cheiro a amor sobre toda a Argélia, e é como se a terra inteira repousasse depois de se ter entregado ao sol, o ventre todo molhado por uma semente com perfume a amêndoa.

No caminho de Sidi-Brahim, depois da chuva, o cheiro a amor emana das alfarrobeiras denso e sufocante, pesando com todo o seu peso de água. Depois o sol ao absorver a água toda, com as cores de novo deslumbrantes, o cheiro a amor torna-se fluido apenas sensível ao olfacto. E é como uma amante com quem andamos pela rua, após uma tarde inteira sufocante, e que nos contempla, ombro com ombro, por entre as luzes e a multidão.”

Albert Camus, in “Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

sexta-feira, outubro 14

ITÁLIA

Os fascistas chegaram ao poder em Itália, país de todas as experimentações, e já se digladiam em suas contradições. Os italianos vão sofrer as consequências, ainda mais os imigrantes, o projeto da União Europeia periga e os democratas têm que se pôr  em guarda. 


  

https://www.ilmessaggero.it/politica/berlusconi_appunti_meloni_arrogante_cosa_c_e_scritto_nel_foglietto-6989170.html 


quinta-feira, outubro 13

Homenagem a Nuno Teotónio Pereira pelo centenário do seu nascimento

Prestar homenagem ao arquiteto Nuno Teotónio Pereira, ao qual estamos ligados por um longo percurso de lutas pela justiça e liberdade, é mais do que um dever através do qual nos perfilamos perante a sua memória, é o prazer de voltar à companhia de um resistente cuja ação sempre foi pautada por princípios e valores que partilhamos. O Nuno Teotónio Pereira é uma daquelas personalidades raras na qual se juntam um notável curriculum profissional e uma intervenção cívica, persistente e pertinente, assumida desde os tempos da oposição à ditadura. Ele é, na verdade, um dos arquitetos portugueses do século XX português que foi capaz, como poucos, de integrar, sem cedências à facilidade, as preocupações sociais e a arte de «arquitetar». Há por esse país muitas obras de sua autoria, ou coautoria, que testemunham esta simbiose. Participou de forma intensa e desinteressada nos movimentos de oposição à ditadura, oriundo da corrente dos católicos progressistas, que havia de confluir, nas vésperas do 25 de abril de 1974, com grupos de base operária e do movimento estudantil, no qual nós próprios participávamos, no Movimento de Esquerda Socialista (MES). Encontrámo-nos nas intermináveis sessões de debate que antecederam a criação formal deste partido desalinhado das correntes políticas dominantes. O Nuno Teotónio Pereira sempre foi uma das nossas referências enquanto personalidade que assumiu, com coragem cívica e pessoal, os difíceis desafios de combater a ditadura de forma aberta e frontal. Era, entre todos nós, um dos mais velhos, experientes e respeitados dirigentes mantendo sempre a verticalidade face às adversidades e uma autêntica capacidade de diálogo. Ao Nuno Teotónio Pereira devemos todos, os jovens quadros dos anos 60 e 70, uma imensidade de ensinamentos, gestos de desprendida solidariedade e humanidade que jamais poderemos retribuir com a mesma intensidade e sentido de dádiva. 
Que viva! 
Eduardo Ferro Rodrigues e Eduardo Graça (Testemunhos – Nuno Teotónio Pereira (nunoteotoniopereira.pt)

quarta-feira, outubro 12

domingo, outubro 9

O ACORDO

"Primeiro-ministro apresentou acordo de rendimentos para a legislatura, assinado com patrões e UGT um dia antes da apresentação do Orçamento do Estado. Numa cerimónia inédita, sindicatos e patrões deixaram leves críticas à forma apressada com que o processo foi conduzido mas elogiaram ministros e prometeram “empenho” num “caminho” de quatro anos. Costa sai sorridente: eis a maioria absoluta dialogante." (In "Expresso") O acordo de concertação social a médio prazo foi assinado pelo governo e os parceiros da Comissão Permanente de Concertação Social (CPCS) - integrando o que vulgarmente se designa por patrões e sindicatos - o que ao contrário do que dizem vários comentadores (notoriamente desorientados) não é inédito sempre com a ausência de assinatura da CGTP que nunca assina nada embora nos bastidores possa dizer que concorda mas que não pode assinar. Trata-se de uma grande vitória do governo de Costa digam o que disserem os criticos. As coisas são como são e neste momento crítico da vida nacional e internacional reunir forças criando consensos entre parceiros com interesses diversos e por vezes opostos é uma mais valia que qualquer governo muito gostaria de obter.(Os comentadores em cima do acontecimento mostram-se pouco preparados para as surpresas nem se tendo dado ao trabalho de ler o texto do acordo que foi tornado público e dizem disparates sem fim.) É a vida ...

sábado, outubro 8

A GUERRA

A guerra prossegue sem sinais de abrandamento antes pelo contrário parece alargar-se ameaçando ganhar novas formas. A incerteza está instalada sem poupar ninguém. O argumentário do regime de Putin justificando a guerra como parte de uma luta da Rússia contra o nazi fascismo é pura invenção propagandistica para consumo interno. Mas Putin tem aliados poderosos como a Arábia Saudita que levou a OPEP a reduzir a produção de petróleo tornando-o mais caro nos mercados. O que se trata nesta guerra diz-se em duas palavras hoje como sempre na história: totalitarismo versus democracia. A pior das democracias é sempre melhor do que qualquer totalitarismo.

terça-feira, outubro 4

5 OUTUBRO DE 1910

Às 8,30 da manhã passava pela Rua do Ouro, em triunfo, a artilharia, que era delirantemente ovacionada pelo povo. As ruas acham-se repletas de gente, que se abraça. O júbilo é indescritível! A essa hora, no Castelo de S. Jorge, que tinha a bandeira azul e branca, foi içada a bandeira republicana. O povo dirigiu-se para a Câmara Municipal, dando muitos vivas à REPÚBLICA, içando também a bandeira republicana. (…) Vê-se muita gente no castelo de S. Jorge acenando com lenços para o povo que anda na baixa. Os membros do directório foram às 8,40 para a Câmara Municipal, onde proclamaram a República com as aclamações entusiásticas do povo. O governo provisório consta será assim constituído: presidente, Teófilo Braga; interior, António José de Almeida; guerra, Coronel Barreto; marinha, Azevedo Gomes; obras públicas, António Luís Gomes, fazenda, Basílio Telles; justiça, Afonso Costa; estrangeiros, Bernardino Machado. Governador Civil, Eusébio Leão. Em quase todos os edifícios públicos estão tremulando bandeiras republicanas. A polícia faz causa comum com o povo, que percorre as ruas conduzindo bandeiras e dando vivas à República. (Transcrito de O Século, quarta feira, 5 de Outubro de 1910, publicação de última hora.) Raúl Brandão, in Memórias “O meu diário” – Volume II Perspectivas & Realidades

domingo, outubro 2

Edgar Morin

Edgar Morin. Em louvor da longevidade.
"A 101 ans, le théoricien de la complexité revient sur un siècle de vie, traversé par la guerre et la résistance, le communisme, la fraternité et l’amour, la recherche et l’écriture, mais aussi la mort, vécue enfant, d’une mère infiniment aimée. Le sociologue et philosophe, Edgar Morin, directeur de recherche émérite au CNRS et docteur honoris causa dans de nombreuses universités de par le monde, vient de publier Réveillons-nous (Denoël, 80 pages, 12 euros). A 101 ans, le théoricien de la complexité revient sur un siècle de vie, traversé par la guerre et la résistance, le communisme, la fraternité et l’amour, la recherche et l’écriture, mais aussi la mort, vécue enfant, d’une mère infiniment aimée." (In "Le Monde")

MULHERES

Dilma, uma expresidente de que não se fala, no dia das presidencias no Brasil.

sexta-feira, setembro 30

CAVACO O AMORFOCRATA DÁ SINAL DE VIDA

Uma vez mais Cavaco sinaliza que está vivo.
Quando Cavaco fala ou escreve algo para o público é sinal de que temos a esquerda no poder, no caso português, pasme-se, os socialistas a solo, caso raro, mesmo único, na Europa. Logo me apetece, conhecendo a criatura, escrever também algo pois a conheço de tempos idos, e de todos os tempos, mesmo de muito antes de ter emergido na politica. Assim tendo ele escrito hoje, como faz com periodicidade mais ou menos anual, um artigo no Público reproduzo um pequeno escrito de 2021. "Cavaco Silva enquanto vivo nunca perdoará à esquerda e aos socialistas a ousadia de ser governo (eleito). Mais ainda quando está em causa gerir recursos financeiros que se estimam abundantes. Não admira assim que uma vez mais venha a terreiro escrever contra o "perigo vermelho", quando na Europa e não só a esquerda recupera posições desde a Alemanha à Itália, dos USA ao Brasil. Haja paciência. Como escrevi faz anos Cavaco Silva é um “amorfocrata”: um democrata com ausência de forma definida. Tolera os partidos e aceita a constituição."

A TRAGÉDIA

Hoje, sexta feira, 30 de setembro de 2022, "a Rússia vai anexar formalmente quatro regiões da Ucrânia que estão actualmente sob ocupação militar russa ou são controladas por forças separatistas." (In "Público"). Sucedem-se os acontecimentos que ameaçam a paz na europa e no mundo. Além dos atos de guerra (hibida, como agora se diz), Putin e a nomenclamatura que lhe é fiel (pelo menos por enquanto) executam "números" politicos ridiculos, quiçá trágicos, como o dos referendus seguidos de anexão de territórios que pertençem a outro país. A chantagem do nuclear parece resultar até o dia em que vira tragédia. Somente a queda por dentro do atual regime politico russo pode estancar esta caminhada para o inferno.

terça-feira, setembro 27

LULA

Um dia destes numa conversa com um dirigente de uma grande organização da sociedade civil brasileira, dizia-me ele que Bolsonaro ia ganhar as presidenciais; eu não conheço a realidade política do Brasil, somente o que se diz e escreve acerca dela, retorqui que me parecia que não, Lula desde que pudesse ser candidato, bastava pôr um pé no chão, logo ganharia; a minha convição advém do carisma da sua figura junto dos mais pobres e desprotegidos - a maioria dos brasileiros, da política seguida por Bolsonaro perante a pandemia de Covid 19, desprezível, e o alinhamento de Lula na corrente que tem levado a que na América do Sul nos últimos tempos em sucessivas eleições nessa região do mundo as forças de esquerda tenham ganho. Lula está velho, verdade, a voz gasta, o gesto mais lento, verdade, o radicalismo de direita ou de esqurda é um perigo, mas como dizia uns anos atrás Fernando Henrique Cardoso, Lula é um conservador... o mais conservador possível dos radicais, digo eu!

segunda-feira, setembro 26

ITÁLIA

Não sou capaz de usar meias palavras para comentar o resultado das eleições em Itália. Após avanços e recuos, ao longo dos últimos anos, a extrema direita ganha as eleições em Itália. É a vitória do neo fascismo na época atual, com bastantes semelhanças com os anos 30 do século passado. Não há que ter contemplações na condenação do que será uma politica anti valores democráticos europeus, racista e xenófoba do governo que vier a formar-se. A UE entrou numa zona de perigo real para a sua própria sobrevivência como projeto de afirmação de uma Europa democrática defensora das liberdades.