sábado, dezembro 19

12º ANIVERSÁRIO

Deixar uma marca

Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,

nada dever ao esquecimento que esvazia o sentido do perdão olhando o mundo e tomando a medida exacta da nossa pequenez,

atravessar a solidão, esse luxo dos ricos, como dizia Camus, usufruindo da luz que os nossos amantes derramam em nós porque por amor nos iluminam,

observar atentos o direito e o avesso, a luz e a sombra, a dor e a perda, a charrua e a levada de água pura, crer no destino e acreditar no futuro do homem,

louvar a Deus as mãos que nos pegam, e nunca deixam de nos pegar, mesmo depois de sucumbirem injustamente à desdita da sorte ou à lei da vida,

guardar o sangue frio perante o disparar da veia jugular ou da espingarda apontada à fronte do combatente irregular,

incensar o gesto ameno e contemporizador que se busca e surge isento no labirinto da carnificina populista,

ousar a abjecção da tirania, admirar a grandeza da abdicação e desejar a amizade das mulheres,

admirar a vista do mar azul frente à terra atapetada de flores de amendoeira em silêncio e paz.

(um programa para o absorto)

Pelo 12º aniversário da criação deste blog deixo, além do "programa para o absorto", algumas das imagens que acompanham os posts com o maior número de visitas contadas.




quinta-feira, dezembro 17

Presidenciais - take 3

Começam a densificar-lhe as notícias, testemunhos e reportagens acerca dos candidatos presidenciais sempre com o favorecimento daqueles que, conforme costumam afirmar os meios de comunicação, estão à frente nas sondagens. Se este favorecimento pelos meios de comunicação social já é lamentável nas eleições legislativas quanto mais nas presidenciais que se destinam a eleger uma pessoa que, após eleita, se torna num órgão de soberania. Num estado democrático maduro, com respeito pelas regras da igualdade, todos os candidatos, desde que devidamente acautelada a sua idoneidade pessoal, ainda antes de cumpridas todas as formalidades legais, deveriam merecer igual tratamento, em particular, o mesmo tempo de exposição mediática, em especial, pelos canais de televisão. Qualquer cidadão maior de 35 anos, em Portugal, é livre de apresentar candidatura presidencial. Esta minha questão não é nenhuma brincadeira, nem ingénua aspiração à perfeição do regime democrático. As regras do mercado não deveriam sobrepor-se às regras da democracia. No que me toca continuo a achar que as regras do mercado podem contribuir para matar a democracia. Pelo menos a televisão pública, chamada de RTP (e a rádio pública chamada de RDP) deveriam dar o exemplo seja na pré campanha, seja no período da campanha eleitoral.

terça-feira, dezembro 15

Presidenciais - take 2

Tudo na mesma, sem réstia de vibração. Estas eleições presidenciais não atraem mais do que os círculos restritos dos indefetíveis apoiantes dos candidatos. Os cidadãos eleitores estão mais do nunca afastados da campanha, e parecem não reconhecer nela mais do que um pró forma. Está a assistir-se - espero estar enganado - a uma formalidade exigida pelas regras do jogo do nosso sistema politico democrático. Não se vislumbra entusiasmo, e mobilização, em torno das candidaturas, restando esperar pelos debates nas TV s que, ao que parece, serão muitos, a ver se bons. O que está em curso é um processo eleitoral que deverá acabar com uma abstenção mais elevado do que nunca. Salvo qualquer acontecimento inesperado reinará o conformismo, mais ou menos disfarçado pela pluralidade das escolhas, no sentido da vitória da "evolução na continuidade" presidencial.

New ! BARBARA HANNIGAN & LONDON SyO Sir SIMON RATTLE dir GYöRGY LIGETI...

Hannigan on "Let me tell you"

sábado, dezembro 12

Presidenciais - take 1

Começaram a aparecer uns sinais (tardios) que anunciam as eleições presidenciais. Data: 24 de janeiro de 2016. Deixemos-nos de conversas moles assumindo que, pensemos o que quisermos pensar de Marcelo, este é um daqueles jogos com o resultado, praticamente, marcado antes do próprio jogo. Não tanto pelos méritos políticos de Marcelo mas pela expetativa criada na sua antecipada vitória. Porquê? Porque se trata de um jogo ao qual a esquerda acabou por se apresentar fragmentada no maior número de fragmentos possíveis contra um único candidato de centro/direita. O único cenário que tornaria estas presidenciais numa batalha eleitoral renhida, e ideologicamente interessante, seria a que permitisse uma disputa entre Marcelo e Guterres. A ausência deste, por vontade própria, esvaziou uma alternativa credível de centro/esquerda, socialmente mobilizadora, culturalmente esperançosa e potencialmente vencedora. A partir do presente xadrez de candidatos à esquerda resta esperar pelo desgaste provocado pelo triunfalismo de Marcelo que o obrigue a disputar uma segunda volta para a qual partiria fragilizado pelas expetativas frustradas de uma vitória à primeira e pela nefasta tradição da derrota dos candidatos apoiados pela direita à segunda. Não votarei em Marcelo mas desta vez o meu voto será decidido de véspera, o que antes nunca aconteceu.

terça-feira, dezembro 8

Os dias de dezembro

Venho aqui só para escrever que o governo do PS leva poucos dias(4)no exercício pleno de funções. Para os adivinhos dá para entender muita coisa, para o homem comum dá para entender muito pouco. O governo adotou um modelo tradicional e não seria de esperar que tivesse sido outro o modelo. Terá erros de casting mas é cedo para fazer avaliações. O mais relevante na arena política deste final de 2015/início de 2016 será o resultado das eleições legislativas em Espanha (20 de dezembro), com o anunciado fim do bipartidarismo, e suas consequências internas e externas, e das eleições presidenciais em Portugal (24 de janeiro) com uma única interrogação: Marcelo ganha à 1ª volta? Não me vou enredar em especulações mas o "namoro" de Marcelo ao eleitorado de esquerda na 1ª volta, caso não resulte numa vitória fulgurante, pode ser-lhe fatal na 2ª volta. Uma boa notícia: Cavaco está a escrever as memórias! Mais tarde darei o meu modesto contributo!

quinta-feira, dezembro 3

ELEIÇÕES - 3 de dezembro - Final

Terminou o primeiro episódio - em várias partes - desta nova época da democracia politica portuguesa. O governo minoritário do PS, liderado por António Costa, apresentou o seu programa de governo na AR e a maioria dos deputados eleitos derrotou uma moção de rejeição apresentada pela oposição. Penso que foi o que aconteceu hoje, de verdadeiramente relevante, na política nacional. Amanhã, dia 4 de dezembro, o governo inicia em plenitude de funções o seu trabalho. Sabemos que se confrontará com todas as dificuldades próprias de qualquer governo acrescidas pelas que advêm da originalidade de ser suportado por uma maioria de esquerda o que nunca antes havia acontecido em Portugal após a plena adoção da democracia representativa. Admira, mais que tudo, na envolvente deste processo o radicalismo das posições dos partidos da direita democrática. Admira a sua retórica tonitruante, e correspondente iniciativa politica, de recusa do diálogo com a esquerda no seu conjunto, ou com parte dela, e a postura displicente e, por vezes, ostensivamente provocatória do "tudo ou nada" evidenciada no decurso do debate parlamentar do programa do governo com o convulsivo ataque de riso de Passos Coelho no decurso da intervenção do Ministro das Finanças. Para finalizar esta série de pequenos textos acerca das eleições legislativas de 4 de outubro, que hoje termino, invoco a necessidade urgente de todos e cada um dos partidos e políticos, a todo e qualquer nível, reassumirem uma postura institucional democrática e republicana que se lhes exige, e a que estão obrigados, por respeito pela comunidade nacional. A politica democrática é um jogo de forças em que se debatem propostas, projetos e ideias no respeito pela lei e pelas diferenças, sem exclusões ou autoexclusões que mesmo proclamadas várias vezes em pouco tempo, não podem durar todo o tempo. Todos, afinal, sabem disso.

sábado, novembro 28

O PRÓXIMO FUTURO

É cedo para saber qual vai ser o modelo de relacionamento entre as diversas forças de esquerda que suportam o governo socialista na Assembleia da República. Passaram 48 horas sobre a tomada de posse do governo minoritário do PS cujos membros ainda não se sentaram nos respetivos gabinetes. Deste processo resulta ainda a rotação de uma parte significativa dos deputados, contando com as entradas de deputados eleitos no novo governo e as daqueles que saíram do governo que cessou funções. Outras danças se seguirão, a todos os níveis, em particular, na administração. Da qualidade do desempenho dos membros do governo não falo antes de saber o bastante da sua ação, e dos deputados - nesta legislatura mais expostos do que nas anteriores - idem. Mas sabemos ao certo que se tratará de um período, com mais ou menos parcimónia dos principais atores, no qual a politica, em todas as suas formas, assumirá maior importância e o debate publico mais intensidade o que, em si mesmo, é uma coisa boa. Parece evidente, pelos primeiros indícios, já antes anunciados, que o debate mais relevante, numa primeira fase, será travado à esquerda por razões óbvias desde logo, e fundamentalmente, como condição da estabilidade governativa. Mas passado algum tempo, após a aprovação do orçamento de estado de 2016,as forças organizadas da direita politica sentirão uma irreprimível necessidade de se reorganizar ou, pelo menos, de se acomodar de forma diferente daquela que resultou do acordo de coligação PSD/PP. O resultado das eleições legislativas em Espanha, no próximo dia 20 de dezembro, poderá contribuir bastante para o desenvolvimento da situação portuguesa. A mais que certa mudança da liderança do PCP, no inicio de 2016, será outro facto importante assim como o modelo que a direção do PS escolher para a realização das diretas e do congresso que terá lugar em breve, um acontecimento ainda fora da agenda politica por razão das eleições Presidenciais de 24 de janeiro cujo resultado, por sua vez, será crucial ou, pelo menos, bastante relevante para o futuro do modelo do compromisso politico em que assenta o governo PS empossado em 26 de novembro. Até ao final do 1º trimestre de 2016, sem contar com as eventuais mudanças no contexto internacional, deveremos ficar mais esclarecidos.

sexta-feira, novembro 27

TEMOS GOVERNO - 27 de novembro

Na madrugada do dia seguinte ao da posse do governo de António Costa que ocorreu em 26 de novembro de 2015 no Palácio da Ajuda. Fiz questão de estar presente, na qualidade de cidadão, porque sei o que quer dizer a palavra liberdade e também a palavra responsabilidade. Acabou um ciclo politico acerca de cuja natureza a história se encarregará. Não julgo útil, necessário e prudente, para beneficio da comunidade, contribuir para agudizar a crispação politica que, por ora, se tem circunscrito aos círculos políticos, apesar dos esforços de muitos meios de comunicação social (quase todos) para a propagar à maioria da população. Um dos mais interessantes fenómenos observáveis neste período pós eleitoral é o insucesso desses esforços. Como todos os que estavam melhor informados sabiam António Costa - até pelo que foi dito por ele próprio, e escrito nos documento oficiais do PS - nas condições de não obter uma maioria absoluta, dispunha de condições para alcançar um acordo à esquerda. Será, porventura, o único politico português no ativo capaz de obter sucesso em tal empreendimento. Neste dia em que escrevo não tenho tempo nem disposição para elaborar acerca dos motivos de tal vocação que merecem uma abordagem séria e aprofundada. Interessa-me, em especial, acompanhar as consequências do desenlace da crise politica e participar, tanto quanto seja capaz, na concretização de um programa politico que será hoje aprovado pelo Conselho de Ministros e cujo teor é conhecido por ter sido divulgado, ao contrário de uma nefasta tradição nacional, com antecedência. A respeito das politicas serão certamente assinaladas ruturas e continuidades, sinais de futuro e tonalidades diversas do presente, métodos e abordagens diversas do habitual, protagonistas novos e renovados relacionamentos de protagonistas antigos, um mundo de diferenças face às politicas do anterior governo e seus executantes. Aspiro a poder assinalar que este governo vai fazer diferente, sem arrogâncias nem autoritarismos; que julgará a herança do governo anterior de forma objetiva, justa e sem precipitações; que mudará o que houver a mudar, com o objetivo central de servir o bem comum em prol da melhoraria da vida dos cidadãos e da qualidade da democracia. Colocar no lugar cimeiro da politica a defesa da liberdade sem descurar a justiça e a igualdade.

quarta-feira, novembro 25

ELEIÇÕES - 25 de novembro

Após as eleições legislativas de 4 de outubro,temos novo governo. Deverá terminar, nos próximos dias, o processo que conduzirá à tomada de posse de um governo do PS apoiado numa maioria de esquerda. Uma solução inédita na história da nossa democracia no pós 25 de abril. O mais que posso desejar, como democrata e amante da liberdade, é as maiores felicidades a António Costa e ao governo a que preside. A sua tarefa é difícil e a sua ação, estou certo, será alvo de um fortíssimo escrutínio por parte da oposição e da opinião pública e publicada. A democracia politica é feita de escolhas, a mor das vezes difíceis, e os protagonistas da politica, no exercício dos seus poderes, têm que ser assertivos, prudentes e transparentes na sua relação com os cidadãos. O tempo e a experiência contam, mas ainda mais conta o caráter dos que assumem responsabilidades públicas. Espero que a escolha dos ora anunciados governantes, alguns dos quais conheço bem, nunca frustre a alta expetativa criada no seu desempenho em favor do bem comum, do progresso socio económico de Portugal, da promoção da justiça social e do fomento da participação cívica dos portugueses em defesa da democracia e da liberdade.

domingo, novembro 22

ELEIÇÕES - 22 de novembro

Este fim de semana arrefeceu, (o tempo atmosférico), escureceu, (o céu encoberto), reina a paz nas ruas, nos jornais, telefonias e TV.s passam as mesmas notícias, dominadas pelo terror que se estendeu à Europa, os mesmos divertimentos para o povo, entre comentários, em regra, imbecis. A politica ganhou espaço no debate público e a liberdade faz, no quotidiano, prova de vida. Entre perdas e ganhos, a saúde da democracia, até ao presente, apresenta melhorias. Segue o ciclo eleitoral com as eleições presidenciais, a 24 de janeiro. É também uma mudança de ciclo politico que se adivinha, em simultâneo com os sinais emitidos pelos centros de poder da Europa. Está em falta um governo em plenitude de funções...

quarta-feira, novembro 18

ELEIÇÕES - 18 de novembro

Tudo leva a crer que está a chegar ao fim o "interregno", ou seja, haverá decisão presidencial, acerca da solução de governo, provavelmente na próxima semana. O tempo pode ser medido de diversas maneiras como sabemos, além da ciência do tempo, sendo pouco para quem tem pressa, e muito para quem tem vagar. O tempo é só uma entre diversas variáveis que comandam a nossa vida individual e coletiva. "Estou sem tempo para nada", "tenho todo o tempo do mundo", "chego a tempo", "chego atrasado", pode ser indiferente, e pode fazer toda a diferença, conforme as circunstâncias. Desta vez, no processo pós eleitoral de 4 de outubro, o tempo pode ter sido cruel para os vencedores e bonançoso para os vencidos que o usaram para mudar o modo. A politica tomou o lugar onde se pensava morar a ancestral administração. A surpresa da súbita ascensão da politica não suspende a democracia nem a desvirtua pois é parte dela. Acredito que todos os políticos, em democracia, lutam pelos seus ideais, seja qual for o seu campo, e que estão preparados para outras surpresas que se sucederão. Não julgo prudente da parte dos políticos a impreparação para as surpresas da politica (ela própria), nem a recitação da história como justificação dos hipotéticos males do mundo do porvir.

domingo, novembro 15

ELEIÇÕES - 15 de novembro


Os acontecimentos da passada sexta-feira, dia 13, em Paris, cujos ecos se prolongam no tempo, criaram uma cortina, em termos comunicacionais, que encobre a crise politica portuguesa. O ataque terrorista de Paris faz vitimas inocentes e não deixa ninguém indiferente na condenação. Por enquanto a guerra, que destrói vidas, está fora das nossas fronteiras. A nossa guerra trava-se em torno da formação de um governo 46 dias após a realização de eleições. Convém conjurar a crise politica interna, sem mais demoras, antes que seja preciso enfrentar as labaredas provocadas por alguma faísca que, porventura, nos caia junto da porta. O tempo urge e os sinais não enganam!

Dvořák: Symphony No. 9 "From The New World" / Karajan · Vienna Philarmonic


quinta-feira, novembro 12

ELEIÇÕES - 12 de novembro

Após as eleições de 4 de outubro - faz um mês e uma semana - e a aprovação de proposta de rejeição do programa de governo, vive-se uma espécie de situação de Interregno. O facto novo que surgiu na politica portuguesa como é conhecido, mas ainda não apreendido por muita gente, é a mudança de posição dos partidos que têm sido chamados, muitas vezes, da "esquerda da esquerda", no caso português, o BE e o PCP. Ao contrário de outros países da Europa não aconteceu, até ao presente, em Portugal uma derrocada dos partidos socialistas e social democratas, nem a emergência de novos partidos de feição populista à direita e/ou à esquerda. O que está acontecendo é um reposicionamento dos partidos já existentes, herdeiros do ressurgimento do processo democrática permitido pela revolução do 25 de abril. Noto que o próprio BE é um partido que resulta de um entendimento entre partidos pré existentes ao 25 de abril, tais como a UDP e a LCI. O que quero dizer é que, em Portugal, continuam a não existir partidos de extrema-direita ou extrema-esquerda. Ao contrário do que certa vozearia sem rumo, que se tem feito ouvir, quer fazer crer o PCP e o BE não são partidos de extrema- esquerda. Nem nos seus programas, nem nas suas ações, se encontram as características próprias de partidos de extrema-esquerda - nem apelos à luta armada, ou à violência, nem ameaças de abandono, ou ataque, do modelo de democracia representativa em cujas instituições, aliás, participam de parte inteira com as suas posições próprias. No caso do PCP deve, aliás, sublinhar-se o papel decisivo na contenção, e enquadramento, do descontentamento popular que as medidas de austeridade mais duras suscitaram nos últimos tempos, em conjunto com a CGTP, papel que sempre foi reconhecido por todas as forças politicas, de todos os quadrantes, incluindo as de direita de forma mais ou menos discreta. As reservas do BE e do PCP a respeito dos tratados europeus e/ou da Nato são partilhadas, de forma aberta, e comummente aceite, por partidos cuja respeitabilidade ninguém ousa por em causa, como é o caso, por exemplo, dos Conservadores britânicos, entre muitos outros. Todas as diferenças programáticas, ideológicas e de ação politica prática sempre foram acomodadas pelo regime politico democrático português ao longo destes 40 anos e nada justifica que a mudança de posicionamento politico de dois partidos que integram o regime possa suscitar tamanho alarmismo a não ser por razões meramente táticas. Também não existe em Portugal uma extrema-direita com expressão politica organizada minimamente relevante e deve reconhecer-se que tal se deve, além da relativa proximidade do 25 de abril, ao posicionamento politico do CDS/PP assumidamente democrático. Claro que o mundo se move e nada, em democracia, está definitivamente adquirido sendo, pelo contrário, necessário lutar pelos seus valores fundamentais sempre e em todas as circunstâncias. O que mais me preocupa neste momento de intenso debate politico/ideológico, que é vivificador da democracia, é que o primado da liberdade se deixe subalternizar pelo princípio da igualdade, o que tem emergido em alguns discursos de tenores da esquerda. Não vou citar Camus mas aprendi à custa de experiência própria, e alheia, além do que li nos livros, que a liberdade está primeiro e que sem a defesa do primado da liberdade, o primado da igualdade se pode tornar em penúria e o primado da justiça em ditadura. Mantenhamos, pois, o equilíbrio no debate democrático, na definição e na ação politica, com respeito pela opinião alheia.

terça-feira, novembro 10

ELEIÇÕES - 10 de novembro

Hoje,o que aconteceu de novo? Desde há dias que se adivinhava! Pela primeira vez, desde o 25 de abril de 74, consumou-se uma aliança de esquerda no parlamento tendo em vista viabilizar um governo do PS. Pode parecer, para alguns, um pequeno feito mas é um acontecimento de relevante importância não só no plano simbólico como prático. A esquerda demonstra que é capaz de se unir em torno de objetivos comuns, e faz a demonstração prática dessa capacidade, criando expetativas positivas de desbloqueamento de uma espécie de monopólio do poder real pela direita que faz escola pela Europa, sob a batuta do PPE; o PCP abandona a sua posição de reserva face à participação plena no jogo da democracia representativa que, após o 25 de novembro de 75, se tornou o regime vigente em Portugal; o BE que tem origem numa federação de partidos e organizações de esquerda revolucionária (UDP, LCI e outras)abandonou também hoje, de facto, as reservas perante o regime "democrático burguês" que havia sido imposto, no período pós revolucionário, pela aliança das forças politicas conservadora, aliadas com o PS de Mário Soares. Assinalo que o MES assumiu esta rutura, de forma radical, muito tempo antes o que conduziu à sua extinção com o celebrado jantar de 7 de novembro em 1981 (um dia curioso!). Desta forma, seja qual for a evolução dos acontecimentos nas próximas semanas e meses, estamos confrontados com uma nova situação politica que poderá desembocar numa transfiguração da estrutura politico partidária portuguesa, desde logo à esquerda, caso os seus dirigentes sejam capazes de entender, em plenitude, o alcance das mudanças a que estão a dar corpo. Caso haja governo PS, apoiado à esquerda, tudo depende, em grande medida, desse governo não defraudar as expetativas que tem vindo a criar em largas camadas da população portuguesa. Acresce que o programa politico deste governo PS, já elaborado, consensualizado e assumido, é um programa de centro esquerda não se confundindo com qualquer devaneio esquerdista ou deriva conservadora liberal.

Sibelius Alla Marcia, Gothenburg Symphony & Leif Segerstam

domingo, novembro 8

ELEIÇÕES - 8 de novembro

Já a caminhar para o final da noite deste dia 8 de setembro de 2015, no que respeita à questão do governo, os dados estão praticamente todos lançados. Foi alcançado um acordo politico entre os partidos da esquerda parlamentar que permite defender a criação de um governo do PS com apoio parlamentar maioritário. O BE e o PCP acordaram com o PS um programa de governo comum que só será aprovado se for votado por todos. Por outro lado parece ser claro, neste momento, que existe um consenso no sentido de viabilizar um governo PS com apoio parlamentar maioritário, ou seja, sem a participação no governo do BE e do PCP. Para que este governo possa vir a ser criado torna-se necessário a aprovação de uma moção de rejeição ao governo empossado pelo PR a votar na próxima 3ª feira. Mais do que isso é obrigatório que o PR, de seguida, convide o líder do 2º partido mais votado nas eleições legislativas, o PS, a formar governo. Se é muito provável que a maioria de esquerda vote uma das moções de rejeição, se não for presente uma única, já é maior a incerteza acerca da posição do PR que pode, no âmbito dos seus poderes, não empossar António Costa. É necessário esperar para ver sendo certo que abundam os palpites. O mais difícil para um provável governo liderado por António Costa será mesmo o exercício da governação em tempos que continuam a ser muito difíceis. O que se aplica a qualquer que seja o governo que resultar deste processo. Um governo do PS, com o apoio da esquerda, terá que se rodear de mil cuidados, antes de mais, acerca da sua própria composição, e estrutura, pois como muito bem sabemos, a ação dos governos depende em muito dos seus titulares. Uma banalidade com mais importância e atualidade do que nunca. As exigências dos cidadãos face aos políticos são hoje, ao contrário de outros tempos, muito elevadas. A continuar.

sexta-feira, novembro 6

ELEIÇÕES - 6 de novembro

Hoje foi dado um passo que representa uma novidade absoluta na politica portuguesa desde o 25 de abril de 74. Diria mesmo desde a desistência de Arlindo Vicente, apoiado pelo PCP, em favor de Humberto Delgado, nas eleições presidenciais de 1958. O PCP declarou, formalmente, apoio à viabilização de um governo PS. Podem fazer-se as mais diversas interpretações, e estão a ser feitas neste momento, acerca desta convergência politica entre as forças politicas da esquerda portuguesa, mas a dita convergência, com efeitos políticos práticos, está consumada. Parece ser claro que existe uma oposição interna em todos os partidos de esquerda (mais visível no PS) a esta orientação de António Costa. É evidente que os partidos da direita dela discordam por razões politicas, ideológicas e práticas. Que se colocam no debate as questões de legitimidade e viabilidade politica da formação de um governo do PS com apoio parlamentar de todos os partidos de esquerda. Tudo se discute e é próprio de um regime democrático que tudo se discuta. Que existe crispação política embora contida nos círculos políticos. Que existem incertezas acerca do desfecho do processo de criação deste governo, quer pelas imperfeições do acordo hoje anunciado que carece, além do acordo programático, da conclusão de um acordo politico. Mas, em boa verdade, o passo dado representa o inicio de uma mudança profunda da estrutura politico partidária portuguesa questão que quase não é referida nem muito menos sublinhada. Não sabemos, com precisão, o tempo nem o modo dessa mudança mas é mais que certo que ela está em curso não só à esquerda como também à direita. É só esperar mais algum tempo para o confirmar.

quarta-feira, novembro 4

1º de maio de 1974


Afinal havia, pelo menos, mais uma fotografia (a quinta) que testemunha o surgimento do MES na manifestação do 1º de maio de 74, em Lisboa. Acaba de me ser enviada pela Inês Cordovil e, por sinal, é a de melhor qualidade de todas e nela é possível reconhecer, com muita nitidez, muitos dos participantes.

segunda-feira, novembro 2

ELEIÇÕES - 2 de novembro

Na situação politica atual há uma questão que, pelo menos de forma generalizada, não está presente na agenda dos políticos que tomam a palavra no discurso público e muito menos dos comentadores encartados que pululam por tudo o que é espaço comunicacional. Trata-se da transformação, reforma ou reformulação, dos partidos que ganharam expressão, e peso politico, no período pós 25 de abril. Não sei das razões de não se discutirem os partidos por dentro de si próprios e ainda menos das razões de não serem estudados, enquanto entidades autónomas, e sujeitos à critica vinda de fora, não só pelo lado das politicas que preconizam mas também da forma como se organizam para prosseguir essas politicas. Nada justifica que tendo mudado, de forma substancial, a realidade socioeconómica do país ao longo destes 40 anos de regime democrático, nada, ou quase, tenha mudado na realidade partidária. Este é um debate que está por fazer, e que deverá ser feito de forma aberta e participada, não sendo subsidiário de guerras nos aparelhos partidários. O momento politico presente, de forma evidente à esquerda, abre as portas a esse debate pois não haverá governo apoiado pela(s) esquerda(s) que se sustenha se entre elas não forem acordados mais do que pactos que sirvam as conveniências de momento; nem haverá à direita, a breve prazo, convergência que se sustenha fora do exercício do poder. Será que as lideranças político-partidárias terão a coragem de serem elas próprias, de forma aberta, a colocarem os termos da reforma partidária? Neste contexto não é de admirar os movimentos internos, como o de Francisco Assis (no PS)e outros que surgirão (noutros quadrantes), que representam, no essencial, a necessidade de debater uma reforma profunda dos partidos herdados do 25 de abril de 74.

domingo, novembro 1

ELEIÇÕES - 1 de novembro

Quase um mês passado,após o dia do voto, para o cidadão comum, o momento é de espera. Os diretórios partidários movimentam-se e buscam posicionar-se para uma nova fase da luta politica que se adivinha ser de confronto entre duas barricadas nas quais tendem a acantonar-se a direita e a esquerda. A imagem pública que resulta destas semanas pós eleitorais é a da erosão do centro politico, quiçá do seu desaparecimento. Parece-me, no entanto, que o centro politico permanece como espaço no qual vão desaguar todas as aspirações do diálogo e compromisso políticos. O que está em causa, no essencial, neste processo é mais do que a formação do governo e sua natureza politico/ideológica, é a resposta a uma necessidade de reformulação do desenho da organização político-partidária herdada do 25 de abril de 74. Mais do que a questão do governo está em equação a questão do futuro do regime democrático. Para que a democracia se não esvaia em prol do vencimento de um qualquer populismo, que assoma por toda a Europa, é crucial manter viva a capacidade de levantar pontes e mantê-las abertas em todos os sentidos, envolvendo todos os partidos democráticos, sem exclusões, nem concessões às pulsões populistas sejam de direita ou de esquerda. A tarefa sempre mais difícil para os democratas de todas as ideologias é a de acreditar, mesmo nas situações, aparentemente, de rutura que os compromissos são possíveis, a todos os níveis, envolvendo todos os protagonistas.

quarta-feira, outubro 28

ELEIÇÕES - 28 de outubro

Ainda no rescaldo das eleições de 4 de outubro. Percorrem-se as curvas e contracurvas na sequência do resultado eleitoral. Como já foi assinalado por alguns (poucos) comentaristas o desenho partidário em Portugal manteve-se no essencial ao contrário de outros países da UE. Não emergiram novos partidos nem soçobraram os partidos tradicionais. Criou-se uma nova correlação de forças impulsionada pela mudança de orientação do PCP tornando a esquerda tradicional, de súbito, aspirante a partilhar o poder a nível de governo. De que forma? Não se sabe ainda ao certo. Pela primeira vez, após o período do PREC, a surpresa sobrepõe-se ao adquirido. Numa Europa sofrendo de uma multiplicidade de encruzilhadas, na defensiva no plano estratégico face aos USA, em pleno questionamento do próprio modelo de união, Portugal torna-se alvo de atenções redobradas. Mas também a Espanha, pelo movimento independentista da Catalunha, com eleições nacionais à vista (20 de dezembro), também a Polónia com a vitória nas eleições do último domingo de um partido de ultra direita, e outros casos que se seguirão revelando, certamente, a ascensão dos partidos populistas e a erosão dos social democratas e socialistas. Faz lembrar, com as devidas distâncias, o período que antecedeu a 2ª grande guerra, com disputas na proteção das fronteiras nacionais, emergência de nacionalismo exacerbados, perseguição ou levantamento de barreiras a refugiados ... Portugal é somente um pequeno país no meio da imensidão de uma fogueira que ameaça a democracia dia a dia mais difícil de controlar!

terça-feira, outubro 27

ANIVERSÁRIO



Neste dia, 25 anos passados, nasceu o meu filho Manuel. Pouco tempo, muito tempo, todo o tempo na minha lembrança seja qual for a felicidade ou a dor que, a cada momento, nos acompanhe. Venho a esta velha tela branca, escrevendo directamente nela, como tantas vezes no passado, para assinalar o seu aniversário e com ele a vontade de sempre, com a sua mãe, o acompanharmos em todas as suas andanças cada qual à sua maneira. Que seja feliz!

sábado, outubro 24

ELEIÇÕES - 24 DE OUTUBRO


Mais de 40 anos depois do 25 de abril de 1974, como resultado de eleições livres e democráticas, por sobre as mais diversas vicissitudes, incluindo um histórico de tentativas de assassinato de carácter, Ferro Rodrigues foi eleito Presidente da Assembleia da República. O contexto e as circunstâncias politicas desta eleição são dissecadas, em todos os sentidos, pró e contra, pelos políticos e pela comunicação social. Nada a acrescentar. O que me leva a escrever estas linhas é a necessidade de assinalar que, pela via democrática, esta eleição coloca no lugar da segunda figura do Estado um cidadão impoluto, livre, justo e incorruptível. Para o exercício destas funções são, certamente, necessários os votos e não é indiferente a cor politica e ideológica do eleito. Mas o mais relevante é o seu perfil pessoal e a confiança de que, em circunstância alguma, deixará de honrar os princípios da ética republicana. Não que a anterior presidente da AR e outros que a antecederam, desde Henrique de Barros, Presidente da Assembleia Constituinte, não tenham honrado os compromissos próprios da função. Mas a eleição de Ferro Rodrigues, no inicio de uma nova época politica, com redobradas exigências de equilíbrio entre as instituições e firmeza na defesa da democracia, são uma garantia de abertura, diálogo e busca incessante de consenso apesar de toda a crispação deste início de mandato.
Haja saúde!

terça-feira, outubro 20

ELEIÇÕES - 20 de outubro

Continuo a não conhecer o que se passa nos bastidores da politica nacional mas torna-se cada vez mais evidente o regresso em força da politica. As disputas em democracia podem ser duras mas a sua dureza no quadro democrático, através do voto e do debate, é uma alternativa à violência. Muitas cabeças lúcidas - faço questão de acreditar que em todos os campos em confronto elas existem - já identificaram a natureza da situação criada pelos resultados das eleições legislativas de 4 de outubro e as suas novidades. A novidade mais relevante é a decisão do PCP de aceitar partilhar o poder a nível de governo que sempre havia recusado desde, pode dizer-se, antes do 25 de abril. Quem conheça, mesmo que só ao de leve o PCP, sabe que as suas decisões estratégicas, ou mesmo as táticas mais relevantes, não são tomadas do dia para a noite. Acredito, no entanto, que a assunção da liderança do PS por António Costa terá favorecido a decisão do PCP. Poucos falam, nestes momentos de viragem, de questões que estão para além do "pronto a vestir", mas eu creio que a decisão de Costa de assumir a liderança do PS, trazia no seu bojo a ideia de, mais tarde ou cedo, por fim ao autoafastamento do PCP da esfera do poder a nível de governo. O mesmo não acontece, como todos sabem, a outros níveis como o autárquico em cuja gestão o PCP tem assumido, desde o 25 de abril, um papel relevante embora confinado quase só às Regiões da Grande Lisboa e Alentejo. As personagens politicas, quer seja através da sua tradição familiar, quer do exercício de politicas de proximidade e por cultura pessoal, podem assumir papéis surpreendentes em mudanças politicas de fundo. Esta história não se pode fazer a quente nem sequer é possível avaliar com rigor a direção que vai assumir e, muito menos, o grau de sucesso de uma eventual aliança, mais ou menos formal, entre os atuais partidos que ocupam o lado esquerdo do nosso espetro partidário. Mas tenho a certeza que as personalidade dos dirigentes políticos fazem a diferença. Muita água vai correr debaixo das pontes nas próximas semanas mas é certo que está a acontecer uma mudança politica em Portugal cujas consequências são difíceis de medir. O sistema politico/partidário move-se de forma real, resta saber se os protagonistas têm consciência da amplitude e direção do movimento que estão a desencadear.

Beethoven Symphony #9 in D minor Opus 125, 4th movement. Leonard Bernst...


sexta-feira, outubro 16

ELEIÇÕES - 16 de outubro


Não sei o que se passa nos bastidores das negociações neste período pós eleitoral. Assinalo os sinais da sua existência através de declarações, réplicas, respostas e imagens. A vantagem do nosso sistema partidário pelo "bloqueamento" nos extremos, que tem evitado a emergência de partidos populistas, revela-se uma desvantagem quando se torna imperioso debater soluções de governo. A "coligação PSD/CDS-PP" não encontra interlocutor à sua direita, nem sequer qualquer pequeno partido, ou movimento, da direita, ou extrema direita, ao contrário do que acontece em muitos países, e essa desertificação obriga a buscar soluções ao centro esquerda (PS) ou esquerda (BE ou PCP) já que não emergiu outra força com expressão eleitoral suficiente (o PAN pode ser uma surpresa mas somente no futuro). O resultado das eleições de 4 de outubro tornou, pois, o PS a chave para a viabilização de um governo, circunstância que a coligação, aparentemente, menosprezou não entendo, por ora, a razão. Costa explorou o vazio (a politica tem horror ao vazio)e encetou uma "longa marcha" que, paradoxalmente, tem que percorrer em pouco tempo para forjar uma maioria parlamentar de apoio a um governo minoritário do PS (ou de coligação o que será muito mais difícil). Era sabido, para quem estivesse atento aos sinais, que o PCP estava, desde há muito, a preparar a saída do seu auto isolamento politico face à partilha do poder a nível de governo. O BE, por seu lado, soube interpretar a natureza do seu crescimento nas eleições que só poderá consolidar conquistando posições no aparelho de estado já que, ao contrário do PCP, é um partido sem implantação autárquica, urbano, de raiz ideológica, cujo crescimento tem dependido mais que tudo de dificuldades alheias. Costa mesmo sob fogo cerrado abre caminho para, como é próprio da politica, fazer das dificuldades com que se deparam os partidos socialistas e social democratas europeus, as forças que podem permitir a regeneração, ou reforma, do PS português, reconfigurando partidariamente a esquerda. Se for essa a sua aspiração eis um desígnio que vai para além das suas circunstâncias. O seu principal obstáculo é o próprio PS.

quarta-feira, outubro 14

NUNO TEOTÓNIO PEREIRA

A propósito de uma homenagem a prestar no dia 15 de outubro de 2015.

O Arquitecto Nuno Teotónio Pereira é uma daquelas personalidades raras na qual se juntam um notável curriculum profissional e uma postura de intervenção cívica, persistente e pertinente, assumida desde os tempos da oposição à ditadura. Ele é, na verdade, um dos arquitectos portugueses contemporâneos que foi capaz, como poucos, de integrar, sem cedências à facilidade, as preocupações sociais e a arte de «arquitectar». Há por esse país muitas obras de sua autoria, ou co-autoria, que testemunham esta simbiose.

Nos tempos de brasa do 25 de Abril foi um dos mais proeminentes dirigentes do MES, posição que saiu reforçada aquando da ruptura do grupo de Jorge Sampaio, ocorrida no 1º Congresso de Dezembro de 1974. O MES, na sua curta existência, só participou, de parte inteira, nas duas primeiras eleições da nossa III República: as eleições para a Assembleia Constituinte, disputadas em 25 de Abril de 1975, e as primeiras eleições para a Assembleia da República disputadas em 25 de Abril de 1976.

As nossas esperanças iniciais eram muitas elevadas. A lista do MES, pelo círculo de Lisboa, às eleições para a Assembleia Constituinte, foi encabeçada pelo Afonso de Barros a que se seguiram o Eduardo Ferro Rodrigues, o Augusto Mateus e o Luís Martins (padre, ainda a exercer…). A lista candidata às primeiras eleições legislativas, realizadas em 25 de Abril de 1976, foi encabeçada pelo Nuno Teotónio Pereira, seguido do subscritor destas linhas.

Poder-se-ia pensar que o MES havia encontrado o seu líder. Puro engano. Ao contrário dos restantes partidos, sem excepção, a personalidade que encabeçava a lista por Lisboa nunca foi, no caso do MES, o líder do partido pela simples razão de que no MES nunca existiu um líder. O que hoje penso é que, por incrível que pareça, sempre assumimos, do princípio ao fim, o que poderia designar-se como uma obsessão pelo colectivo.

Estávamos perante as primeiras eleições, verdadeiramente, livres e democráticas, após quase 50 anos de ditadura. Ainda hoje me interrogo como foi possível que tenhamos, no MES, encarado essas eleições, cuja transcendência política era inegável, como meros actos de pedagogia, mais do que actos destinados à disputa do poder. Ainda hoje me questiono acerca das raízes da concepção que permitiram à UDP (com o BE ainda tão longe!) ter obtido, nas eleições para a Assembleia Constituinte, menos votos do que o MES, a nível nacional, e feito eleger um deputado.

Existem muitas evidências dessa atitude de participação «não interesseira» do MES, desde o discurso anti-eleitoralista, que emanava de uma desconfiança, de raiz ideológica, acerca da verdadeira natureza da democracia representativa que, na verdade, aceitávamos como um mal menor, até à ausência de sinais de personalização nas campanhas eleitorais nas quais nunca foram utilizadas sequer fotografias dos cabeças de lista pelo círculo de Lisboa. A participação nas campanhas, embora tenha utilizado todos os meios, à época disponíveis, nunca cedeu um milímetro à personalização.

Após o fracasso da candidatura do MES à constituinte, ainda mais me parece estranho, à distância de 35 anos, a abdicação de personalizar na figura do Nuno Teotónio Pereira a campanha para as eleições destinadas a eleger a 1ª Assembleia da República. A sua participação como cabeça de lista pode ser interpretada, não me lembrando dos detalhes do processo decisório, como uma tentativa de credibilizar o MES jogando na refrega eleitoral a figura do seu mais proeminente dirigente.

Mas, ao contrário do que aconselharia a mais elementar lógica eleitoral, a campanha não valorizou a figura do Nuno Teotónio Pereira o que acabou por constituir o haraquiri político eleitoral do MES. Lembro-me de ter ocupado o segundo lugar nessa lista e do desconforto que senti quando, chegada a hora de votar, numa secção de Benfica, no meio da multidão, comovido até às lágrimas, sozinho, pressenti a derrota inevitável. E essa derrota foi ainda mais pesada do que aquela que averbámos nas eleições para a Assembleia Constituinte.

Se há uma personalidade que não merecia sair derrotada da aventura política do MES é o Nuno Teotónio Pereira a quem, como escrevi, em 2004 , devemos todos, os jovens quadros dos anos 60 e 70, uma imensidade de ensinamentos, gestos de desprendida solidariedade e humanidade que jamais poderemos retribuir com a mesma intensidade e sentido de dádiva.

Que viva!

domingo, outubro 11

ELEIÇÕES -11 de outubro

Uma semana exata após as eleições de 4 de outubro estamos no patamar de um período da política em Portugal repleto de novidades e incertezas. A charneira é sempre a parte mais frágil de um sistema de forças sejam quais forem as forças que se confrontam. Nos próximos dias o SG do PS será submetido às mais altas pressões para decidir num ou noutro sentido o posicionamento político do partido charneira para a formação do governo. As pressões são próprias da politica e atingem o auge nos momentos das grandes decisões, ou seja, aquelas que se orientam no sentido de grandes mudanças. Os partidos em democracia não servem para se servir a si próprios e, em círculo fechado, os interesses dos seus dirigentes. Os partidos servem para concretizar politicas que os eleitores sufragam em eleições a partir de propostas que lhes são apresentadas. O regime democrático, quando amadureceu e é servido por verdadeiros democratas, permite sempre encontrar soluções razoáveis e legais. Por vezes falta é a coragem ...

quarta-feira, outubro 7

ELEIÇÕES - 7 de outubro

Já passaram as eleições mas não o efeito delas. Achei estranho que no decurso da campanha eleitoral não tivessem assumido protagonismo os "capitães de indústria", à nossa dimensão, ao contrário do que aconteceu nas eleições antecedentes. Nem sequer, do outro lado, os lideres sindicalistas do professorado e das classes de profissionais dos serviços. Nem os intelectuais destacados que têm costela politica e verve discursiva radical. É claro que passaram uns anos, sopraram ventos e correram marés, se criaram expetativas não cumpridas e se adensaram medos inesperados. Mas o que é facto é que muitas personagens de proa se remeteram ao silêncio não sentindo a necessidade de vir à praça pública expôs-se tomando partido. Eles tinham as suas razões e o resultado das eleições confirmou-as. A partir de domingo passado podem reposicionar-se conforme a formatura da solução politica que sair do debate político em curso. E talvez sejam obrigados a voltar à antena... E sempre lucrar com quem assumir o governo mesmo se lhes for, finalmente, adverso. Mas independentemente das preferências, e filiações político-partidárias de todos e de cada um, é de saudar, nesta época de desalentos e dificuldades, o regresso da política. Ela aí está!

domingo, outubro 4

À memória de Fernando Pessoa

Se eu pudesse fazer com que viesses
Todos os dias, como antigamente,
Falar-me nessa lúcida visão -
Estranha, sensualíssima, mordente;
Se eu pudesse contar-te e tu me ouvisses,
Meu pobre e grande e genial artista,
O que tem sido a vida - esta boémia
Coberta de farrapos e de estrelas,
Tristíssima, pedante, e contrafeita,
Desde que estes meus olhos numa névoa
De lágrimas te viram num caixão;
Se eu pudesse, Fernando, e tu me ouvisses,
Voltávamos à mesma: Tu, lá onde
Os astros e as divinas madrugadas
Noivam na luz eterna de um sorriso;
E eu, por aqui, vadio de descrença
Tirando o meu chapéu aos homens de juízo...
Isto por cá vai indo como dantes;
O mesmo arremelgado idiotismo
Nuns senhores que tu já conhecias
- Autênticos patifes bem falantes...
E a mesma intriga: as horas, os minutos,
As noites sempre iguais, os mesmos dias,
Tudo igual! Acordando e adormecendo
Na mesma cor, do mesmo lado, sempre
O mesmo ar e em tudo a mesma posição
De condenados, hirtos, a viver -
Sem estímulo, sem fé, sem convicção...
Poetas, escutai-me. Transformemos
A nossa natural angústia de pensar -
Num cântico de sonho!, e junto dele,
Do camarada raro que lembramos,
Fiquemos uns momentos a cantar!

António Botto

Poema de Cinza
As Canções de António Botto
Editorial Presença1999

sexta-feira, outubro 2

ELEIÇÕES - 2 de outubro



Deixei passar o tempo e por pouco não vinha a tempo de deixar uma última palavra acerca das eleições legislativas que terão o seu desfecho no próximo domingo. Votarei no PS. Na verdade sempre votei no PS após ter votado no MES as duas únicas vezes que, antes de alegremente se finar, foi a votos: em 25 de abril de 1975 e 25 de abril de 1976, respetivamente para a Assembleia Constituinte e para a 1ª Assembleia Legislativa. O meu voto, em eleições democráticas, tem a mesma importância do voto de qualquer outro cidadão, daí a sua importância. Ninguém é mais importante que outrem nesta matéria de votar, somos todos iguais. Acresce que o meu voto, em eleições livres, não é condicionado por ninguém, sou eu próprio que, em consciência, decido. O voto livre e democrático é uma conquista civilizacional extraordinária pela qual vale a pena lutar pois, apesar de todos os seus defeitos, é a mais poderosa barreira aos populismos e a todas as tentações ditatoriais, que as há! A melhor forma de defender esta conquista extraordinária, salvaguardando a democracia e a liberdade, é exercer, em pleno, o direito ao voto. Como tal sempre os democratas proclamaram em todos os tempos: às urnas! às urnas!

quinta-feira, outubro 1

ELEIÇÕES - 1 de outubro

A "guerra" das sondagens encobre a verdadeira batalha pela credibilidade entre duas candidaturas com vocação para assumir responsabilidades de governo: a do PS e a do PSD (coligado com o PP). As restantes candidaturas com expressão eleitoral relevante situam-se à esquerda (PCP e BE) sendo que é necessário lembrar que o BE é o resultado de uma federação de partidos de esquerda revolucionária (UDP, LCI, ...). Confirma-se nesta campanha, como resultado da não emergência de novos partidos, ao contrário do que acontece noutros países, uma forte tendência para o crescimento da abstenção e do número de indecisos até ao dia do voto. Quero crer que o resultado final resultará do distribuição do sentido do voto daqueles que hoje se declaram indecisos e ... de algum acontecimento inesperado... mas como se costuma dizer, em linguagem futebolística, "prognósticos só no fim do jogo".

terça-feira, setembro 29

APOIO A ANTÓNIO COSTA

A minha inscrição no PS (Partido Socialista Português) ocorreu em 1986, após a extinção festiva do MES, em 1981, seguida de um conjunto de iniciativas fracassadas para tentar manter viva a chama de uma participação politica ativa independente dos partidos. A certa altura foi necessário fazer opções. Pela parte que me toca, decidi, em conjunto com um grupo que sempre se havia mantido unido, aderir ao PS. A minha militância nos anos mais recentes tem sido escassa mais por razões das funções públicas que tenho exercido do que pela falta de interesse pela politica que nunca me abandonou nem, certamente, abandonará. Não me sinto confortável misturando funções institucionais em organizações públicas, ou para públicas, e atividade política partidária. Mas sempre, nos momentos que considero relevantes, e decisivos, não me dispenso de tomar posição no terreno da disputa partidária. Sinto essa obrigação e não cedo a qualquer tipo de calculismo. Nas vésperas de uma eleição original no nosso regime democrático parlamentar - que defendo - as chamadas primárias, venho declarar o meu apoio a António Costa. Razões? Algumas que a razão desconhece! Outras que se fundamentam, no essencial, na perceção que Costa é o político profissional da área do centro esquerda mais capaz de buscar consensos em todas as direções e, mais importante, de os concretizar. Na nossa sociedade contemporânea esta é para mim a faceta mais importante de um líder de um partido de poder, pois é disso que se trata quando se fala, no nosso país, do PS ou do PSD. Nada sei, nem me dou ao trabalho de adivinhar, acerca do futuro da governação pós eleitoral. Mas sei que convém a toda a gente, seja qual for o seu posicionamento politico/ideológico, que o PS seja capaz de dialogar, de forma séria e realista, à sua esquerda e direita. Parece uma banalidade mas é da essência da politica a capacidade de, aceitando as diferenças e refregas próprias da luta democrática, buscar o maior consenso possível sem abdicar nunca da defesa dos princípios da liberdade e da democracia. Penso que, no campo socialista, Costa é quem reúne as melhores condições para pacificar o seu próprio partido e lançar as sementes de uma reforma profunda do regime que o salvaguarde da voracidade dos populismos que o ameaçam.
(Publicado em 26 de setembro de 2014 e que, no essencial, corresponde ao que penso hoje - apesar de toda a vozearia própria das campanhas eleitorais - nas vésperas das eleições legislativas de 4 de outubro.)

sábado, setembro 26

Sibelius: Symphony No. 6 / Rattle · Berliner Philharmoniker


ELEIÇÕES - 26 de setembro

A uma semana do dia de reflexão, que antecede o dia do voto, a campanha eleitoral reduzir-se-á cada vez mais aos apelos à maioria sem a qual, dirá a coligação de direita, não haverá condições para governar, dizendo o PS que não haverá condições para assegurar a estabilidade. Do meu achar ocorrem-me dois comentários: 1) o povo português, nas sucessivas eleições democráticas, desde 1975, segundo o sistema eleitoral saído do 25 de abril, sempre mostrou uma notável sabedoria nas suas escolhas voando sobre as circunstâncias de cada uma delas e suas diversas, e inevitáveis, pressões; 2)ao longo deste ciclo politico de 40 anos de democracia representativa (1975/2015)- a 1ª República durou 16 anos(1910/1926)e a ditadura 48 anos (1926/1974)- a geometria dos partidos manteve-se, no essencial, estável - salvo o episódio da emergência do PRD - e as maiorias parlamentares sempre assentaram em votações maioritárias nos partidos do que vulgarmente se designa por "bloco central", ou seja, PS e PSD, num assumido modelo rotativista adaptado à opção de pertença ao espaço europeu que assumiu a forma de integração na UE, nas suas diversas fases, a partir de 1986. Assim iremos continuar a partir de 4 de outubro próximo com mais ou menos alianças e ajustamentos à direita é à esquerda. O que está em cima da mesa nestas eleições é, no fundo, mais do que tudo o resto, a escolha do chefe de governo - uma perversão do sistema - Costa ou Passos? Passos ou Costa? Quem é mais credível na sua capacidade de gerar compromissos políticos e dar garantias de estabilidade?

quarta-feira, setembro 23

ELEIÇÕES - 23 de setembro

Na campanha eleitoral os acontecimentos, notícias, indicadores vários, vão suceder-se, nos próximos dias, a uma velocidade vertiginosa. Por dentro, e por fora, a realidade ameaça confundir-se com a ficção no alinhamento da propaganda das 4 principais forças partidárias em confronto. Aos refugiados, que oferecem uma praia de concórdia entre os contendores, juntou-se o escândalo da VW que, na frente interna, pode atingir um dos principais investimentos estrangeiros em Portugal, responsável por uma fatia substancial da exportação nacional de bens transacionáveis. Que tenha dado por isso ainda nenhuma das forças políticas em presença se pronunciou acerca das eventuais consequências para a economia nacional do abalroamento da AutoEuropa pelo escândalo que levou hoje à demissão do CEO da VW, apesar da questão ser de verdadeiro interesse nacional. E a Catalunha aqui tão perto!...Na frente interna a não venda do Novo Banco, no tempo previsto, obrigou o INE a rever o deficit de 2014 para 7,2%. Nada que não fosse esperado, e conhecido, pelos mais atentos ao processo e que representa uma curva apertada para o governo, e para a coligação, que conduz, nesta reta final da campanha, a uma velocidade vertiginosa. O piso ficou mais escorregadio ... Votar é a única verdadeira resposta a todas as legítimas dúvidas acerca de como melhorar o futuro das perspetivas de vida da comunidade.

terça-feira, setembro 22

ELEIÇÕES - dia 22 de setembro

A campanha eleitoral vai de vento em popa a 11 dias do voto e, entretanto, já sabemos o resultado das eleições legislativas na Grécia, vamos saber o resultado das eleições na Catalunha (dia 27); a Europa debate-se, desunida, com a magna questão dos refugiados, os países emergentes ameaçam ainda mais a economia mundial - profunda crise politica no Brasil, crise económica em Angola, crise financeira na China - arrastando pesadas consequências para o equilíbrio geoestratégico global, culminando, por estes dias, com o caso da VW colocando a Alemanha sob pressão através da descredibilização de uma das suas mais fortes, e prestigiadas, marcas e mais rico negócio. A nossa campanha eleitoral que levo muito a sério não é, pois, senão uma espécie de pequena disputa no contexto de uma crise global a que o papa Francisco fez referência - sem medo das palavras - como as vésperas da 3ª guerra mundial. É só isto... e viva tudo o que cada um achar que lhe permita manter o equilíbrio, já agora sem deixar de votar no dia 4 de outubro.

sexta-feira, setembro 18

ELEIÇÕES - 18 de setembro

Sondagens são sondagens, está bem de ver, é um assunto muito batido. Quem as faz fatura o que tem a faturar - devem existir negociações e tabelas - os meios divulgam as sondagens que compram e os políticos sofrem com os efeitos na opinião pública mais do que com as previsões das ditas. Faltam 15 dias para o dia do voto nestas legislativas e a partir daqui vale tudo para formar opinião a favor dos nossos e tudo vale para descredibilizar os outros - tornando-os, aos olhos da opinião, como adversários vencidos. Mas quer-me parecer que as sondagens - pelo menos uma boa parte delas - nas suas diversas versões, e formatos, associadas aos meios que as compram e divulgam ameaçam, como aconteceu noutros sufrágios, descredibilizar-se de vez. Basta que o resultado real da eleição seja concludente a desmentir as suas previsões. A ver vamos como dizia o cego!

terça-feira, setembro 15

ELEIÇÕES - 15 de setembro

Os dois temas baluarte do momento político são, a meu ver, como antes afirmei, o dos refugiados/versus unidade europeia, a nível global, e o do BES/versos eleições legislativas, a nível nacional. O tema dos refugiados põe a nu as fissuras, contradições e conflitos entre os estados nação que persistem por detrás da construção da unidade política europeia (anã, como todos sabem); o tema do BES coloca no caminho da candidatura da coligação PSD/PP uma pedra de muitas toneladas que não será fácil remover. Todas as palavras são possíveis aos responsáveis políticos (candidatos ou não)debitar para atenuar os efeitos da crise dos refugiados ou da in- resolução da crise do BES, mas a realidade não se move, muito menos se transforma, à base de palavras, slogans, disfarces, mas de ações concretas, programas com metas, e meios, que sejam enunciados e percecionados pelos cidadãos como realistas e praticáveis. O que distingue um político responsável, e respeitado, de um lunático, vendedor de ilusões, é essa capacidade de apresentar soluções que se mostrem, aos olhos de todos, ou do maior número, como capazes de resolver os problemas que todos assumem ser necessário resolver em favor do bem comum. Nestes últimos dias os políticos europeus têm andado à deriva na busca de soluções para o problema dos refugiados. Dessa deriva resulta o avolumar de uma sensação de impotência que começa a ser perigosa para a própria democracia (que dizer da natureza politica do governo húngaro, e consequentes medidas, senão que é fascizante?). No processo eleitoral em Portugal coincide, como é natural, uma retórica própria de campanha eleitoral com os acontecimentos, inevitáveis, de uma agenda económica e social com a qual os protagonistas da campanha se confrontam. Juntando as duas coisas parece-me cada vez mais que o PS, na campanha, é assim como a Alemanha, na Europa: todos a atacam tanto mais, quanto mais precisam dela.

domingo, setembro 13

ELEIÇÕES - 13 de setembro

Faltam exatamente três semanas para o voto nas legislativas. É pouco tempo mas no espaço mediático vão ter lugar muitos acontecimentos. Uns programados, outros inesperados, buscando influenciar a opinião pública. Mas os mais relevantes, neste curto período de tempo, vão ser mesmo os acontecimentos reais tais como os que decorrem da questão dos refugiados, e sua influência na unidade da própria UE, - a nível global - e a questão do BES (ou Novo Banco)nas suas diversas facetas - a nível nacional. Tratam-se de dois pontos que simbolizam, trazendo ao debate, de forma impressiva, ou mesmo dramática, a questão geoestratégica do papel da Europa no mundo e a questão da crise profunda do sistema financeiro. Se as candidaturas em presença nesta eleições não forem capazes de abordar, de forma séria e informada, estas duas questões à política restará um papel subalterno ameaçando tornar irrelevante o voto dos cidadãos e fazendo perigar a própria democracia representativa. Não nos admiremos, pois, de ver surgir por todo o lado manifestações cada vez mais acirradas de populismo, ameaçadoras da paz e da concórdia entre as nações.

NATÁLIA CORREIA - pelo aniversário do seu nascimento

Queixa das almas jovens censuradas

Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.

Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.

Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.

Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.

Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.

Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.

Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.

Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.

Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.

Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.

Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte.

Natália Correia
Poesia Completa
Publicações Dom Quixote
1999

sábado, setembro 12

ELEIÇÕES - dia 12 de setembro

Como sempre aconteceu, embora com intensidade e interpretações diferentes, as eleições democráticas encerram disputas em torno de projetos alternativos. Seria estranho que o debate de ideias, em torno desses projetos, fosse um coro no qual todos os protagonistas tocassem a mesma música. As eleições democráticas são o momento de evidenciar as diferenças buscando o apoio do maior número de eleitores tendo em vista alcançar o poder. A diferença, e vantagem, civilizacional do processo de escolha pela via democrática está, no essência, da disputa do poder ser travada pela via pacífica, ou seja, sem violência de qualquer tipo. O debate pode ser crispado, as vozes e os gestos podem ser vivazes, mas no início e no fim dos debates os adversários cumprimentam-se e seguem na sua vida ... É esta a tradição dos regimes democráticos e devemos sentir-nos honrados por assim continuar a ser garantindo a continuidade deste tipo de regime que, apesar de todos os seus defeitos, é aquele que garante que as escolhas politicas possam ser feitas em liberdade e em paz. É que chegar até aqui custou muitos sacrifícios e vidas ...

sexta-feira, setembro 11

11 de Setembro 2001


SALVADOR ALLENDE - 11 de setembro de 1973-2015

REQUIEM POR SALVADOR ALLENDE

Foi de súbito no outono juro solenemente que o foi
mas as árvores fora tinham de novo folhas recentes
primavera no chile primavera no mundo
Sinto-me vivo habito muito de pé numa casa
leio vagarosamente os jornais sei devagar que os leio
enfrento meu velho borges o muito meu destino sul-americano
Acabara um poema enchia o peito de ar junto da água
sentia-me importante conquistara palavras negação do tempo
o mar era mais meu sob a minha voz ali solta na praia
talvez voz metafísica decerto voz de um privilegiado
ombro a ombro com gente analfabeta uma gente sensível e leal
mas que não pode ler e vive muito menos por o não saber
embora saiba olhar o mar sem o saber interpretar
acabara um poema enchia o peito de ar junto da água
quando o irmão Miguel veio pequeninamente pela areia
e convulsivamente me falou da situação no chile
veio pela praia e punha nas palavras mãos de solidão
mãos conviventes com outras palavras mãos que palavra a palavra
erguem um poema no silêncio só circundante
Allende tinha uns óculos os óculos tinham-no
com eles via a vida com eles via os homens via homens
via problemas de homens e as coisas que via era coisas de homens
hoje apenas uns óculos sem nenhum olhar por detrás
Nos finais de setembro nos princípios de novembro
tu meu amigo que não posso nomear sem te denunciar
dar-me-ás talvez notícias tuas notícias meramente pessoais
já que projectos sociais projectos cívicos profissionais
ficariam decerto nas policiais desertas mãos dos generais
mãos que mataram mãos que assaltaram a casa de neruda
mãos limpas já do sangue despojadas já das alianças
que caridosamente deram que assim conseguiram
solucionar os prementes problemas do país
Ouvi falar também desse cargueiro playa larga
praia comprida mas praia deserta e não só da palavra
pois quanta praia tinha hoje só tem o sangue dos milhares das pessoas fuziladas
A onze de setembro nesta praia portuguesa só uns passos pela areia
algum poema terminado alienado algum termo conquistado
tão inefável como por exemplo o do tancazo
atribuído ao golpe orientado por pablo rodriguez
homem que vai modelando palavras ao ritmo martelado pelo ódio
na tentativa vã de destruir frases hoje históricas
do grande cavalheiro que decerto foi allende
e já antes de o dizer com a vida dizia que por exemplo
mais vale morrer de pé do que viver ajoelhado ou então
se as direitas me ajudam a ganhar ganharão as direitas
País amável calorosa entrada em santiago
e ver-me em frente desse homem sozinho relutante em recorrer às armas
e que depois de o ter visto e o ter ouvido
ao homem que for homem poderei chamar-lhe
seja qual for o nome salvador allende
Que nestas minhas minerais palavras de poeta
vibre um pouco o vigor da tua voz
bafejando de paz primeiro o bom povo do chile
depois o povo bom de todo o mundo
Que a ignomínia da história não demore em cobrir com o seu manto
os que têm a força mas não têm a razão
pois o nazi-fascismo não ganhou nem nunca ganhará
Mando-te uma ave preta rente à leve ondulação do mar
tu mandas-me do mar a ave branca do teu rosto
vento que vem do mar vento que vem do chile
Aqui neste dia de súbito cinzento
somente povoado pelo meu sofrimento
e pelo pensamento desse sofrimento
voo também vou também eu nesse lenço
que retiro do bolso aqui à beira-mar
e o meu lenço ao vento é uma ave avesíssima uma ave de paz
uma ave avezada a cada uma das derrotas existentes no mar
somente agora destruída trespassada pela bala que leva uma vida
ave que ao entoar seu canto profundíssimo afinal apenas diz
muito obrigada salvador allende
obrigada por essa tua vida de cabeça erguida
só agora tombada trespassada pela bala que leva uma vida
mas não pode levar de vencida a obra por allende começada
selada por essa promessa de lutar até ao fim até à hora de morrer
nesse importante posto onde te investiram a lei e o povo
Foi no ano de mil novecentos e setenta
ano em que eu fiquei a apodrecer no meu país
que uma coligação do tipo frente popular tomou
pela via legal conta do poder no Chile
legalidade sempre respeitada por ti allende
mas por fim desrespeitada pelos militares pelas direitas pela
cristã democracia partido bem pouco cristão e pouco democrático
falavas tu dizias a verdade
uma bala na boca nessa boca donde ainda pouco antes
saíam as palavras na verdade belas como balas
salvador allende guerrilheiro sem metralhadora e sem boina
de casaco e gravata para essas guerrilhas no parlamento
guerrilhas todas elas tão contrárias à guerra quão favoráveis à paz
essa palavra alada como ave ave não só de georges braque
mas de nós todos aves verticais aves a última estação
árvores desfolhadas num definitivo inverno
allende do cansaço dos problemas da preocupação constante em jogares limpo
com quem em vez de mãos utensílio de paz vinha com bombas em lugar das mãos
allende já há muito tempo sem uns olhos para olhares o mar
e sem poderes olhar as pedras preciosas de que fala
pablo neruda teu e meu poeta teu íntimo amigo
em las piedras del cielo esse livro puríssimo
e são pedras do céu mas mais do que do céu pedras da terra
Sol que te pões e nascerás no Chile
leva-me a um país que em criança conhecíamos apenas
dos sacos de serapilheira com o nome impresso de um nitrato
e não por dar o nome a uma pequena mas confusa praça de lisboa
nem por sair nas páginas diárias dos jornais
Do Chile chegou-me não há muito a amizade do hernán
que em Madrid conheci e não responde há muito às minhas cartas
e a de mais chilenos de olhos vagamente tristes sérios quase portugueses
e desse país mais comprido do globo veio-me também
o lápis-lazúli pedra não já de esperança pedra de amizade
Os camiões há muito já que não sulcavam as estradas do país
estradas bafejadas pela aragem enviada pelo mar por esse
oceano pacífico de um país ainda há pouco bem pacífico
O washington post falava já do golpe dias antes do golpe
ninguém delas mas elas encontravam-se ali mesmo
as autoridades militares as autoridades militares as autoridades americanas
vestiam mesmo as fardas do exército chileno
esses americanos gente do dinheiro e do veneno
de um veneno talvez chamado dinheiro
que terá pago em parte as modificações dos foguetes do tipo poseidon
montados já a bordo dos divinos submarinos nucleares americanos
assunto de política estrangeira americana
Hernán urrutia meu amigo austral
que em barajas vi olhar voltar
para mim a cabeça pela última vez
marcelo coddo professor em concepción
com quem que bem me lembro conversei sobre o poeta cardenal
e sobre a jovem poesia nicaraguense
e tantos outros que nem mesmo me terão deixado o nome
mas me deixaram alguma palavra a música da fala um certo sorriso
um certo olhar visível por detrás de uns óculos
talvez hoje quebrados por quem não considera
talvez suficiente o quebrar da vida na haste da vida
embora porventura tenha visto aquela sequência de fellini
e desconhece que afinal a vida reproduz a arte
Escrevo este poema no jornal com as notícias frescas
após ter evitado ver as caras de triunfo desses locutores luzidios da televisão
e mesmo ter ouvido a voz desse pedro moutinho
a voz das afluências ao nosso principal estádio o da cova da iria
e dos cortejos presidenciais e dessas tão espontâneas manifestações
voz afinal da cia e da itt e dos demais tentáculos
do imperialismo norte-americano
maneira americana de se estar no mundo
de estar no mundo arrebatando o pão dos homens do terceiro mundo
terceiro mundo ou melhor último mundo
que pagarão agora o preço da cabeça dos trabalhadores chilenos
que marcham mas decerto em vão na direcção
do centro de Santiago onde vingara
a rebelião dos marinheiros vindos de valparaiso
cabeça dos imensos deserdados deste mundo
Sabíamos decerto um pouco em que consistia
essa via chilena para o socialismo
e líamos talvez um livro acerca do programa da chamada unidade popular
e discursos de allende naquela cidade distante
embora houvesse muito mais notícias nos jornais
e a gente nos cafés falasse mais em futebol
livro por certo lido com a janela aberta sobre a noite de outono
sobre campos relvados de momento habitados pela escuridão
donde talvez se erguiam cantos pouco menos que religiosos
exaltadores de ideologias já e sem remédio ultrapassadas
Era uma vez um chileno chamado salvador allende que
fez um grande país de um país pequeno onde
talvez três anos nós houvéssemos depositado a esperança
quando fosse qual fosse a nossa nacionalidade
todos nós fomos um pouco chilenos
Mas que diabo importa em suma a qualquer de nós
que um homem se detenha quando a história caminha
em frente sempre altiva e serena
como mulher de muito tempo sabedora
Posso dizer por certo como há já muitos anos
acerca dos milicianos espanhóis dizia neruda
allende não morreste estás de pé no trigo

Ruy Belo
In “Todos os Poemas – III” – “Toda a Terra” – I Parte “Areias de Portugal”
Assírio & Alvim – 2ª edição (Outubro de 2004)

Fotografia de Hélder Gonçalves

quinta-feira, setembro 10

ELEIÇÕES - 10 de setembro

A política está a ser colocada na defensiva. Mais do que o candidato A ou B é a política que, na nossa época, está em causa. Reproduzem-se, através da comunicação social, discursos que cavalgam a onda do desprestígio da política. Faltam, no nosso país, partidos políticos populistas - à esquerda ou à direita - com capacidade para capturar o sentimento de descrença no regime democrático. O discurso da descrença passa para o comentariado nacional que na sua maioria é ocupado, de forma direta ou indireta, por gente que despreza a política e os políticos. A imprensa livre é quase uma relíquia do passado e o poder dos grandes grupos económicos impõe as suas leis. Sempre existiram interesses económicos com influência na área da comunicação social mas nunca a liberdade de opinião dos seus profissionais esteve tão condicionada por esses interesses.

Sibelius Alla Marcia, Gothenburg Symphony & Leif Segerstam