domingo, dezembro 16

Memórias ...


Nasci ao fundo da Rua de Santo António e ali aprendi a andar. Recordo diferentes Natais por ali passados, todos diferentes, todos iguais ao longo dos últimos 40 anos. Recordo com emoção, os últimos passeios antes das lojas fecharem pela mão do meu avô a "admirar as montras" como ele dizia. Ou então, à espera do meu pai, já fora de horas, a atender os últimos clientes que vinham de longe e que não podiam ir de mãos a abanar. E eu à espera que a loja fechasse. E o gato com o rabo a abanar. E sempre as lojas, sempre o servir. Servir e sorrir, ser competente e atencioso, ser melhor, ser diferente. A qualquer hora, fora de horas, a toda a hora…Sinto-me em casa por ali…como se sentem milhares de pessoas que nesta altura e noutras alturas procuram fugir da massificação das compras por obrigação. Que procuram apenas uma boa tarde sentida de uma cara conhecida e um doce que não venha de um franchising pasteleiro. E dois dedos de conversa. E um olá. E um café. E outro. Sem tempo, sem pressa. Apetece-me dizer que vim só por vir, que vim para estar enquanto noutros sítios digo ao que vim e o que quero comprar. Esta concentração cosmopolita dos pequenos prazeres humanos em tão pequeno espaço físico não a encontro em mais nenhuma outra parte do Algarve apesar dos teatros, arenas, shoppings e outras obras dos faraós locais. Quando por ali estou sei que pertenço aqui. Que este espaço é meu. Que faço parte desta cidade. Que não sou um mero cliente. E arrumo-me, faço a barba e até transporto um certo porte de respeito para com ela. Piso com cuidado a calçada portuguesa. Quem sabe, talvez encontre ao virar da esquina um antigo amigo, o Sr. Rodrigues ou até aviste o meu avô. Para lhe agarrar a mão e irmos por aí admirar as montras e acabarmos aquela conversa inacabada que um dia retomaremos.
.

Sem comentários: