quarta-feira, junho 17

O Nuno Teotónio Pereira e as desventuras eleitorais do MES


Nuno Teotónio Pereira foi, recentemente, evocado numa cerimónia comemorativa do 85º aniversário da Associação de Inquilinos Lisbonenses. Um dia, pelos idos de 2004, numa série de postas, fiz-lhe uma breve, e escassa, referência considerando que é uma das personalidades mais marcantes da história do MES (Movimento de Esquerda Socialista). Fiquei com uma dívida por pagar.

O Arquitecto Nuno Teotónio Pereira é uma daquelas personalidades raras na qual se juntam um notável curriculum profissional e uma postura de intervenção cívica, persistente e pertinente, assumida desde os tempos da oposição à ditadura. Ele é, na verdade, um dos arquitectos portugueses contemporâneos que foi capaz, como poucos, de integrar, sem cedências à facilidade, as preocupações sociais e a arte de «arquitectar». Há por esse país muitas obras de sua autoria, ou co-autoria, que testemunham esta simbiose.

Nos tempos de brasa do 25 de Abril foi um dos mais proeminentes dirigentes do MES, posição que saiu reforçada aquando da ruptura do grupo de Jorge Sampaio, ocorrida no 1º Congresso de Dezembro de 1974. O MES, na sua curta existência, só participou, de parte inteira, nas duas primeiras eleições da nossa III República: as eleições para a Assembleia Constituinte, disputadas em 25 de Abril de 1975, e as primeiras eleições para a Assembleia da República disputadas em 25 de Abril de 1976.

As nossas esperanças iniciais eram muitas elevadas. A lista do MES, pelo círculo de Lisboa, às eleições para a Assembleia Constituinte, foi encabeçada pelo Afonso de Barros a que se seguiram o Eduardo Ferro Rodrigues, o Augusto Mateus e o Luís Martins (padre, ainda a exercer…). A lista candidata às primeiras eleições legislativas, realizadas em 25 de Abril de 1976, foi encabeçada pelo Nuno Teotónio Pereira, seguido do subscritor destas linhas.

Poder-se-ia pensar que o MES havia encontrado o seu líder. Puro engano. Ao contrário dos restantes partidos, sem excepção, a personalidade que encabeçava a lista por Lisboa nunca foi, no caso do MES, o líder do partido pela simples razão de que no MES nunca existiu um líder. O que hoje penso é que, por incrível que pareça, sempre assumimos, do princípio ao fim, o que poderia designar-se como uma obsessão pelo colectivo.

Estávamos perante as primeiras eleições, verdadeiramente, livres e democráticas, após quase 50 anos de ditadura. Ainda hoje me interrogo como foi possível que tenhamos, no MES, encarado essas eleições, cuja transcendência política era inegável, como meros actos de pedagogia, mais do que actos destinados à disputa do poder. Ainda hoje me questiono acerca das raízes da concepção que permitiram à UDP (com o BE ainda tão longe!) ter obtido, nas eleições para a Assembleia Constituinte, menos votos do que o MES, a nível nacional, e feito eleger um deputado.

Existem muitas evidências dessa atitude de participação «não interesseira» do MES, desde o discurso anti-eleitoralista, que emanava de uma desconfiança, de raiz ideológica, acerca da verdadeira natureza da democracia representativa que, na verdade, aceitávamos como um mal menor, até à ausência de sinais de personalização nas campanhas eleitorais nas quais nunca foram utilizadas sequer fotografias dos cabeças de lista pelo círculo de Lisboa. A participação nas campanhas, embora tenha utilizado todos os meios, à época disponíveis, nunca cedeu um milímetro à personalização.

Após o fracasso da candidatura do MES à constituinte, ainda mais me parece estranho, à distância de 35 anos, a abdicação de personalizar na figura do Nuno Teotónio Pereira a campanha para as eleições destinadas a eleger a 1ª Assembleia da República. A sua participação como cabeça de lista pode ser interpretada, não me lembrando dos detalhes do processo decisório, como uma tentativa de credibilizar o MES jogando na refrega eleitoral a figura do seu mais proeminente dirigente.

Mas, ao contrário do que aconselharia a mais elementar lógica eleitoral, a campanha não valorizou a figura do Nuno Teotónio Pereira o que acabou por constituir o haraquiri político eleitoral do MES. Lembro-me de ter ocupado o segundo lugar nessa lista e do desconforto que senti quando, chegada a hora de votar, numa secção de Benfica, no meio da multidão, comovido até às lágrimas, sozinho, pressenti a derrota inevitável. E essa derrota foi ainda mais pesada do que aquela que averbámos nas eleições para a Assembleia Constituinte.

Se há uma personalidade que não merecia sair derrotada da aventura política do MES é o Nuno Teotónio Pereira a quem, como escrevi, em 2004 , devemos todos, os jovens quadros dos anos 60 e 70, uma imensidade de ensinamentos, gestos de desprendida solidariedade e humanidade que jamais poderemos retribuir com a mesma intensidade e sentido de dádiva.

Que viva!
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3 comentários:

Unknown disse...

Este é o sentimento profundo que falta quando escreve sobre os temas actuais. Quando aquilo pelo que se lutava fazia muito mais sentido do que aquilo que se possui neste momento. Quando o sonho comandava a vida. Quando o vosso sonho se transformou em parte do meu sonho, naquelas reuniões intermináveis em que eu dormia em duas cadeiras até às tantas da manhã, porque tinha cinco anos. Porque a memória fica para sempre nos nossos corações.

Eduardo Graça disse...

Mas uma vez mais está enganada acerca da sua apreciação. Nada mudou, de essencial, na minha maneira de encarar o mundo, e as pessoas, desde a época a que se refere até à actualidade. Muitos dos problemas são os mesmos mas as circunstâncias são muito diferentes. Aprendi que para mudar o mundo é preciso lutar dentro do sistema politico democrático e não intentar derrubá-lo. Todas as tentativas conhecidas de implantação de democracias populares, ou socialismo real, resultaram no cercaeamento da liberdade e em mais miséria. Não há um único caso de sucesso resultante das chamadas revoluções socialistas. Só mesmo quem não conheça, ou não queira conhecer,a realidade pode afirmar o contrário.

almeola disse...

O Nuno, nas eleições para a Assembleia Constituinte em Abril de 1975, foi cabeça de lista por Portalegre. Penso que devido ao facto de já ter ligações anteriores ao Distrito, onde foi candidato a candidato pela oposição democrática nas eleições de 1973. Não se chegou a apresentar candidatura porque não se conseguiu apresentar o número mínimo de assinaturas. Além dessa ligação política, o Nuno tinha / tem casa em Marvão, habitada pelo Miguel há vários anos, onde o núcleo de Portalegre chegou a realizar algumas passagens d'ano, com a presença do Nuno e também do Augusto Mateus. Como curiosidade, a propósito da casa de Marvão,não me recordo se por altura das eleições para a Constituinte ou já no decorrer do Verão, o Nuno fez 1 reunião com a população de Marvão, para que esta decidisse o que fazer com a dita. As gentes de Marvão acharam que a casa estava bem entregue.