O meu pai Dimas à janela da casa onde nasci. Foi através dela que conheci um mundo banhado pela claridade da luz do sul. Vivi debruçado nesta janela até aos oito anos. Todo o tempo necessário para aprender a natureza.
Paredes brancas de cal. Ladrilhos coloridos. Ruas de terra batida. Vistas de campos espraiados até ao mar. Recantos floridos. Sombras de árvores de frutos. Mãos carinhosas. Telhas de barro quente. O azul transparente do mar.
A família sobreviveu a todas as adversidades próprias das épocas de guerra. Razão mais que suficiente para, apesar da tirania, se sentir feliz. O meu pai era uma pessoa honrada e ensinou-me a liberdade. Honra e liberdade. Foi essa a herança que dele recebi. Fica-lhe bem a moldura daquela janela na qual aprendi a sonhar.
A casa permanece intacta e habitada e esta é uma das suas duas janelas térreas. O encanto que lhe encontrava estendia-se à vizinhança, aos corredores internos e às ruas circundantes.
Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
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terça-feira, março 19
domingo, julho 31
FÉRIAS 2016
Na véspera de um período de férias no tempo certo, pelo calendário, fora do tempo certo por outras razões, incluindo profissionais. Mas o cansaço exige descanso, afastamento das rotinas, cumprindo rituais diferentes noutros lugares, com outra métrica do tempo. Levo para ler, com prioridade, "Conquistadores", de Roger Crowley, e a expetativa de visitar, uma a uma, as "ilhas barreira" da Ria Formosa, a começar pela "Deserta". As minhas férias são as mais modestas das férias que se possam imaginar: "ir para a terra", no caso, demandar o Algarve.
sábado, março 26
AQUI
Aqui onde estou, no sítio onde nasci, mistura-se no ar o cheiro do mediterrâneo com a aragem do continente, temperado, numa mistura de gentes que me remete para a memória da meninice. O procissão do "senhor morto" correu, ontem pela noite, as ruas cheias de gente, nos parapeitos das janelas bastantes colchas (retomando uma tradição quase perdida), a música e o compasso. Sempre me abeiro dela sentindo a terra para além da fé, o sagrado para além da religião. Cumprindo meu desejo, e prazer, e a fé antiga dos meus.
domingo, agosto 16
FARO
Faro. Pelas ruas da baixa da cidade, reencontro os espaços que percorri, alguns intatos, banhados pela claridade da cidade meridional. No ar quente cheira a maresia e escasseia a gente, é domingo de praia, aqui tão perto.
terça-feira, maio 7
A MINHA TURMA DO 1º ANO
Uma ressonância antiga no dia em que voltaram os exames da "4ª classe". Pela minha parte, à falta de um, fiz dois: um para acesso à escola técnica, outro para acesso ao liceu. Fui para o liceu! Quem me acompanhou de perto foi a minha professora Maria José Espanhol, tão bonita, tão amável, tanto que nos gostávamos... até que um dia soube que morreu e fiquei triste como agora que a recordo sem saber qual a ciência em que se fundamentam os exames da "4ª classe".
Tenho na minha frente a fotografia da turma que frequentei nesse 1º ano em cujo verso a minha mãe escreveu: "Recordação do 1º ano – Faro – 10-4-1959".
Naquela fotografia dos professores que ilustra uma crónica de Lina Vedes pareceu-me, a um primeiro olhar, reconhecer onze (11) professoras e professores que me calharam em sorte. O tempo é traiçoeiro e a legenda, colocada posteriormente, permitiu-me identificar mais professores do que aqueles 11 que, no primeiro relance, tinha reconhecido.
O envio da fotografia da minha turma do 1º ano, adornada com uma surpreendente legenda, que mão cuidada se deu ao trabalho de fixar, permitiu-me mergulhar na memória de um convívio distante e reconhecer muitos rostos que nunca mais vi.
Na verdade entrei para o 1º ano do Liceu de Faro no ano lectivo de 1958/59. Um ano recheado de muitos, e significativos, acontecimentos políticos dos quais destaco, por curiosidade, as eleições presidenciais, às quais se candidatou Humberto Delgado (1958), e a chamada “Revolta da Sé” (1959).
Hoje sou capaz de associar o meu quotidiano juvenil, as ambiências familiares e escolares, com os acontecimentos de um tempo político, do qual guardo viva recordação, e que marcam, com nitidez, os antecedentes de um percurso pessoal que só a memória pode revelar de forma tão coerente e fiel.
Vejo os meus professores de liceu, entre os finais da década de 50 e inícios de 60, como uma mistura de conservadorismo pardo e de progressismo ilustrado encontrando-se gente de ambos os campos entre os "novos" e os "velhos" professores. A certa altura, no início dos anos 60, no Liceu de Faro, esquecendo os pardos, juntaram-se, por exemplo, no campo do progressismo ilustrado, os “velhos” Neves Júnior e Joaquim Magalhães, com os “novos” Gastão Cruz e Luísa Neto Jorge.
Já entre os alunos, além das marcas próprias da juventude de todas as épocas, é mais difícil vislumbrar, ou adivinhar, o resultado, nas suas vidas, da mistura das influências de mestres e funcionários, ilustrados ou pardos. O que é certo é que os jovens estudantes retratados ostentam uma pose compenetrada e, não lhes sendo permitido o convívio com as meninas, era-lhes imposta a “autoridade professoral” através de duas mulheres/professoras.
A fotografia foi tirada no Ginásio, onde todas eram tiradas, e no meio do grupo lá estão a Prof. ª Isabel Madruga e a Prof. ª Maria José Santos, a primeira das quais, por boas razões, nunca esquecerei. No Natal de 2007 ofereci uma cópia desta fotografia ao meu amigo Bexiga (António) e era bem capaz de mandar fazer tantas cópias quantos os personagens retratados, fazendo renascer em cada um de nós a memória de um tempo feliz.
Tenho na minha frente a fotografia da turma que frequentei nesse 1º ano em cujo verso a minha mãe escreveu: "Recordação do 1º ano – Faro – 10-4-1959".
Naquela fotografia dos professores que ilustra uma crónica de Lina Vedes pareceu-me, a um primeiro olhar, reconhecer onze (11) professoras e professores que me calharam em sorte. O tempo é traiçoeiro e a legenda, colocada posteriormente, permitiu-me identificar mais professores do que aqueles 11 que, no primeiro relance, tinha reconhecido.
O envio da fotografia da minha turma do 1º ano, adornada com uma surpreendente legenda, que mão cuidada se deu ao trabalho de fixar, permitiu-me mergulhar na memória de um convívio distante e reconhecer muitos rostos que nunca mais vi.
Na verdade entrei para o 1º ano do Liceu de Faro no ano lectivo de 1958/59. Um ano recheado de muitos, e significativos, acontecimentos políticos dos quais destaco, por curiosidade, as eleições presidenciais, às quais se candidatou Humberto Delgado (1958), e a chamada “Revolta da Sé” (1959).
Hoje sou capaz de associar o meu quotidiano juvenil, as ambiências familiares e escolares, com os acontecimentos de um tempo político, do qual guardo viva recordação, e que marcam, com nitidez, os antecedentes de um percurso pessoal que só a memória pode revelar de forma tão coerente e fiel.
Vejo os meus professores de liceu, entre os finais da década de 50 e inícios de 60, como uma mistura de conservadorismo pardo e de progressismo ilustrado encontrando-se gente de ambos os campos entre os "novos" e os "velhos" professores. A certa altura, no início dos anos 60, no Liceu de Faro, esquecendo os pardos, juntaram-se, por exemplo, no campo do progressismo ilustrado, os “velhos” Neves Júnior e Joaquim Magalhães, com os “novos” Gastão Cruz e Luísa Neto Jorge.
Já entre os alunos, além das marcas próprias da juventude de todas as épocas, é mais difícil vislumbrar, ou adivinhar, o resultado, nas suas vidas, da mistura das influências de mestres e funcionários, ilustrados ou pardos. O que é certo é que os jovens estudantes retratados ostentam uma pose compenetrada e, não lhes sendo permitido o convívio com as meninas, era-lhes imposta a “autoridade professoral” através de duas mulheres/professoras.
A fotografia foi tirada no Ginásio, onde todas eram tiradas, e no meio do grupo lá estão a Prof. ª Isabel Madruga e a Prof. ª Maria José Santos, a primeira das quais, por boas razões, nunca esquecerei. No Natal de 2007 ofereci uma cópia desta fotografia ao meu amigo Bexiga (António) e era bem capaz de mandar fazer tantas cópias quantos os personagens retratados, fazendo renascer em cada um de nós a memória de um tempo feliz.
quarta-feira, outubro 21
FARO - LAPSOS
O sismo que, hoje, ocorreu foi um lapso. E logo aconteceu na minha terra, pois só na minha terra poderia acontecer, ou reparei que aconteceu porque aconteceu na minha terra. É o segundo lapso que aconteceu na minha terra num curto lapso de tempo: o primeiro foi a eleição de Macário Correia. Assim fiquei duplamente seguro de que na minha terra todos os acontecimentos podem ser, simplesmente, lapsos. Excepto a concentração anual de motards, que acontece mesmo, e o abandono dos arredores, o campo, tratado, na minha terra, como um lapso verdadeiro.
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terça-feira, fevereiro 17
A MINHA TURMA DO 1º ANO DO LICEU DE FARO
Clique na fotografia e legenda para ampliar
Tenho na minha frente a fotografia da turma que frequentei nesse 1º ano em cujo verso a minha mãe escreveu: "Recordação do 1º ano – Faro – 10-4-1959".
Naquela fotografia dos professores que ilustra uma crónica de Lina Vedes pareceu-me, a um primeiro olhar, reconhecer onze (11) professoras e professores que me calharam em sorte. O tempo é traiçoeiro e a legenda, colocada posteriormente, permitiu-me identificar mais professores do que aqueles 11 que, no primeiro relance, tinha reconhecido.
O envio da fotografia da minha turma do 1º ano, adornada com uma surpreendente legenda, que mão cuidada se deu ao trabalho de fixar, permitiu-me mergulhar na memória de um convívio distante e reconhecer muitos rostos que nunca mais vi.
Na verdade entrei para o 1º ano do Liceu de Faro no ano lectivo de 1958/59. Um ano recheado de muitos, e significativos, acontecimentos políticos dos quais destaco, por curiosidade, as eleições presidenciais, às quais se candidatou Humberto Delgado (1958), e a chamada “Revolta da Sé” (1959).
Hoje sou capaz de associar o meu quotidiano juvenil, as ambiências familiares e escolares, com os acontecimentos de um tempo político, do qual guardo viva recordação, e que marcam, com nitidez, os antecedentes de um percurso pessoal que só a memória pode revelar de forma tão coerente e fiel.
Vejo os meus professores de liceu, entre os finais da década de 50 e inícios de 60, como uma mistura de conservadorismo pardo e de progressismo ilustrado encontrando-se gente de ambos os campos entre os "novos" e os "velhos" professores. A certa altura, no início dos anos 60, no Liceu de Faro, esquecendo os pardos, juntaram-se, por exemplo, no campo do progressismo ilustrado, os “velhos” Neves Júnior e Joaquim Magalhães, com os “novos” Gastão Cruz e Luísa Neto Jorge.
Já entre os alunos, além das marcas próprias da juventude de todas as épocas, é mais difícil vislumbrar, ou adivinhar, o resultado, nas suas vidas, da mistura das influências de mestres e funcionários, ilustrados ou pardos. O que é certo é que os jovens estudantes retratados ostentam uma pose compenetrada e, não lhes sendo permitido o convívio com as meninas, era-lhes imposta a “autoridade professoral” através de duas mulheres/professoras.
A fotografia foi tirada no Ginásio, onde todas eram tiradas, e no meio do grupo lá estão a Prof. ª Isabel Madruga e a Prof. ª Maria José Santos, a primeira das quais, por boas razões, nunca esquecerei. No Natal de 2007 ofereci uma cópia desta fotografia ao meu amigo Bexiga (António) e era bem capaz de mandar fazer tantas cópias quantos os personagens retratados, fazendo renascer em cada um de nós a memória de um tempo feliz.
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sexta-feira, outubro 10
FARO A SAQUE
O problema não está no facto daquele local ser o da “concentração anual dos motards” de Faro, nem no cumprimento, ou incumprimento, do plano director municipal, nem no abate de pinheiros, autorizado por uma entidade, no desconhecimento de outra (s), nem no facto do proprietário do terreno ser a diocese do Algarve (isso mesmo, a diocese!), nem no desempenho do construtor que tomou a cargo a operação imobiliária, nem do local dar pelo nome de LUDO, certamente, uma área protegida…. O problema está na mistura destes ingredientes e mais alguns! Um cocktail raro no qual se casam os interesses materiais com os insondáveis mistérios da fé! Inenarrável!
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quinta-feira, agosto 7
FARO - O INSÓLITO PSD ALGARVIO
Pobres e mal agradecidos. A governação autárquica da cidade de Faro, salvaguardados raros e esporádicos actos de lucidez, tem sido, ao longo dos últimos decénios, um desastre. Todo a gente o sabe, toda a gente o diz. Uma cidade em declínio mas que possui a maior riqueza natural do Algarve – um naco majestoso da Ria Formosa - e a maior riqueza intelectual da região - a Universidade do Algarve - localizada em Faro. É muito, apesar de todos os erros, deixando em aberto a esperança de um futuro melhor. Mas há quem não tenha emenda. A direcção nacional do PSD anuncia que não se faz representar na Festa do Pontal e o PSD local anuncia que não apoia a atribuição da medalha de ouro da cidade ao primeiro-ministro pela criação de um curso de medicina na Universidade do Algarve. O PSD não se lobriga, abandona à sua sorte os seus próprios prosélitos, desdenha de uma importante conquista em benefício da região, definha, a olhos vistos, como alternativa política, pelo silêncio, ausência e provincianismo.
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segunda-feira, agosto 4
A BARRA DA CULATRA
Nesta espécie de despique A Defesa de Faro apresenta imagens da “Barra da Culatra”. [Clique nas imagens para ampliar.]
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UM LUGAR DO OUTRO MUNDO
Bruno Barbey - Near the Town of Faro. Gipsy family
De regresso temporário, antes de nova partida, alimentarei aos soluços esta pequena estrada de comunicação. Ainda não foram concluídas as visitas, nem atingidos os mínimos de recuperação (de quê?), talvez do cansaço de permanência no mesmo lugar. As línguas de areia na ponta mais longínqua da ilha da Culatra são um paraíso na terra. Um lugar do outro mundo. Chega-se lá de barco particular e as areias movem-se com as marés não permitindo, graças a Deus, a ocupação permanente pelo homem predador da natureza. Olhando a serra algarvia, que se desnuda a norte, pensei nas gerações dos meus antepassados que de lá olharam este mar de delícias mas raramente provaram, fisicamente, da sua formosura. Contrastes ...
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sábado, agosto 2
MEMÓRIA DA MINHA CIDADE
Uma cidade é a memória viva das suas gentes. Por estes dias revisito a cidade de Faro, ao sul do Sul, calcorreando lugares, revendo famílias, amigos e confrontando-me com memórias. No coração da cidade, frente à antiga “travessa dos surradores” na qual, noutro tempo, suponho, o pelo das bestas era limpo e alisado, sobreviveu uma marca do passado político que também foi o meu.
Deve ser uma das últimas reminiscências da acção dos “pintores de parede” que, no ano quente de 1975, desenharam o símbolo feminil do MES que sobreviveu a todas as limpezas, a todas as tentativas de destruição do centro comercial de Faro – a Rua de Santo António – que se mantém acesa, qual luz bruxuleante, desvanecida, mas viva, como diria o poeta, memória que, apesar de todas as vicissitudes, me conforta.
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sexta-feira, julho 25
CURSO DE MEDICINA NO ALGARVE
Nubar Alexanian
Um dia, ao jantar, ainda recentemente, um médico amigo deu-se ao trabalho de me explicar o processo de blindagem do acesso aos cursos de medicina. Trata-se, em breves palavras, de pura usurpação do poder por uma corporação ou, ainda mais fininho, por uma geração dentro dessa corporação. A manobra tem contornos dantescos, como tantas outras que ocorrem no nosso país, grotescos e irreais. Mas que existem, existem … Mariano Gago qualifica a situação a que se chegou de irresponsabilidade social: uma elite de médicos, estabelecidos na praça, com as suas ligações em rede, amarrando todos poderes, “secou” o acesso aos cursos de medicina. A ponta do iceberg, que todos podemos observar, em todo o esplendor, são as notas de acesso aos cursos de medicina que podem catrapiscar por aqui. Apesar das evidências do disparate, a roçar as raias do criminoso, a abertura de um curso de medicina na Universidade do Algarve, suscita vagas de comentários desprimorosos, ou mesmo insultuosos, comprovando a força social da corporação, ou de alguns dos seus ilustres membros, que mesmo com os pés para a cova, movem o céu e a terra para manterem a coutada protegida de intrusos que lhes estraguem o negócio. Talvez viesse a propósito ouvir uma palavrinha de Sua Excelência o Senhor Presidente da República acerca do tema. É muito simples: apoia Sua Excelência a expansão da oferta de vagas nos cursos de medicina? Apoia a abertura de um novo curso de medicina na universidade da sua região de origem?
Um dia, ao jantar, ainda recentemente, um médico amigo deu-se ao trabalho de me explicar o processo de blindagem do acesso aos cursos de medicina. Trata-se, em breves palavras, de pura usurpação do poder por uma corporação ou, ainda mais fininho, por uma geração dentro dessa corporação. A manobra tem contornos dantescos, como tantas outras que ocorrem no nosso país, grotescos e irreais. Mas que existem, existem … Mariano Gago qualifica a situação a que se chegou de irresponsabilidade social: uma elite de médicos, estabelecidos na praça, com as suas ligações em rede, amarrando todos poderes, “secou” o acesso aos cursos de medicina. A ponta do iceberg, que todos podemos observar, em todo o esplendor, são as notas de acesso aos cursos de medicina que podem catrapiscar por aqui. Apesar das evidências do disparate, a roçar as raias do criminoso, a abertura de um curso de medicina na Universidade do Algarve, suscita vagas de comentários desprimorosos, ou mesmo insultuosos, comprovando a força social da corporação, ou de alguns dos seus ilustres membros, que mesmo com os pés para a cova, movem o céu e a terra para manterem a coutada protegida de intrusos que lhes estraguem o negócio. Talvez viesse a propósito ouvir uma palavrinha de Sua Excelência o Senhor Presidente da República acerca do tema. É muito simples: apoia Sua Excelência a expansão da oferta de vagas nos cursos de medicina? Apoia a abertura de um novo curso de medicina na universidade da sua região de origem?
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segunda-feira, julho 21
O PECADO NA BRASILEIRA
Pelo menos no tempo de aulas, frequentando o Liceu e morando na Rua de Santo António, eu entrava na Brasileira quase todos os dias. Na descida no caminho de casa no tempo do calor – e o tempo do calor durava muito tempo – entrava na Brasileira, passava pelo balcão, tomava na mão um copo de água fresca dos que repousavam em cima de uma bandeja, bebia-a sofregamente e desandava. Lembro-me do ambiente como se fosse hoje: dos empregados, do patrão, do ar fresco do interior, pelo menos para mim, e do fascínio dos gelados que não eram para comer a toda a hora, nem sequer todos os dias, mas somente nos dias de festa. Foi na Brasileira que, pela primeira vez, de forma vibrante, senti um revés na minha formação católica. Após uma cerimónia na Sé – não sei se o crisma se a comunhão solene – transgredi com as regras que me haviam, dolorosamente, sido ensinadas. Escapei-me sozinho – não sei porquê – dirigi-me à Brasileira e não resisti: comi o gelado que não deveria ter comido e assumi o sentimento de culpa que guardei bem guardado. A verdade é que, no momento, me reconciliei com a vida terrena caindo numa das suas armadilhas.
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terça-feira, março 11
O POLIS, FARO E O DR. SILVA NOBRE
A propósito da descrição de um episódio (A Defesa de Faro)
Bela descrição que dá para pensar em tantas coisas, desde a evolução dos cuidados de saúde públicos à religião, desde os espaços públicos da cidade às suas figuras ilustres, como o Dr. Silva Nobre. A cidade que não sobrevive sem a iniciativa criadora das suas gentes, sem cuidar dos seus espaços mais nobres, sem criar riqueza, promovendo a economia, a educação, a cultura, a história, o ambiente, atraindo o investimento e a massa cinzenta.
Bela descrição que dá para pensar em tantas coisas, desde a evolução dos cuidados de saúde públicos à religião, desde os espaços públicos da cidade às suas figuras ilustres, como o Dr. Silva Nobre. A cidade que não sobrevive sem a iniciativa criadora das suas gentes, sem cuidar dos seus espaços mais nobres, sem criar riqueza, promovendo a economia, a educação, a cultura, a história, o ambiente, atraindo o investimento e a massa cinzenta.
Faro tem duas saídas para não se deixar apagar do mapa do desenvolvimento da região e do país: a universidade, pólo de atracção para a criação de riqueza na área do conhecimento e o turismo, pólo de atracção para criar riqueza na área da economia mercantil. Todos os investimentos estratégicos, numa época em que os recursos, incluindo os fundos comunitários vão ser cada vez mais escassos, deveriam ser canalizados, no essencial, para estas duas áreas.
O Polis pode ser um factor de mobilização de recursos útil para a dinamização de uma estratégia de desenvolvimento da cidade se não passar ao lado de qualquer uma delas.
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sábado, abril 21
O "ESPALDÃO"
O “ESPALDÃO”
Ao cimo da rua onde nasci, do outro lado da estrada da circunvalação, ficava o “Espaldão”. Era pequena a distância e foi lá que vi pela primeira vez na minha vida rãs a coaxar nas poças e foi lá que tomei a noção de espaço livre. Aprendi o medo de me encontrar perdido, de regressar a casa tarde demais, de ser repreendido, de me esquecer do tempo, ser apanhado numa emboscada ou correr os perigos que afinal não existiam. As redondezas do “Espaldão”, até aos meus oito anos, compreendiam toda a minha vida: a casa onde nasci, as ruas e os becos, os vizinhos, o estabelecimento e o armazém, o ganha-pão da família, o barbeiro, a feira do Carmo, a igreja, a carroça dos cães, os vendedores ambulantes, a rua de terra, o cheiro das estações e, lá mais acima, um lugar de mistérios. O “Espaldão”, ali ao lado da minha cidade, foi a minha primeira natureza antes de conhecer o que era a natureza. Tudo tão perto e tão longe na cidade que era um lugar limitado pelo meu olhar mas sem limites para a minha liberdade.
Ao cimo da rua onde nasci, do outro lado da estrada da circunvalação, ficava o “Espaldão”. Era pequena a distância e foi lá que vi pela primeira vez na minha vida rãs a coaxar nas poças e foi lá que tomei a noção de espaço livre. Aprendi o medo de me encontrar perdido, de regressar a casa tarde demais, de ser repreendido, de me esquecer do tempo, ser apanhado numa emboscada ou correr os perigos que afinal não existiam. As redondezas do “Espaldão”, até aos meus oito anos, compreendiam toda a minha vida: a casa onde nasci, as ruas e os becos, os vizinhos, o estabelecimento e o armazém, o ganha-pão da família, o barbeiro, a feira do Carmo, a igreja, a carroça dos cães, os vendedores ambulantes, a rua de terra, o cheiro das estações e, lá mais acima, um lugar de mistérios. O “Espaldão”, ali ao lado da minha cidade, foi a minha primeira natureza antes de conhecer o que era a natureza. Tudo tão perto e tão longe na cidade que era um lugar limitado pelo meu olhar mas sem limites para a minha liberdade.
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