O tempo das ilusões
Depois de concluída a especialidade fiquei a dar instrução militar, o tempo todo, no 2º GCAM, no Campo Grande, em Lisboa. Passaram-me pelas mãos muitas centenas de jovens soldados recrutas aos quais industriei, o melhor que sabia, na área da administração militar. Foram sucessivas "semanas de campo" e incessantes sessões de instrução de tiro na Carregueira. Estas davam-me um prazer especial com excepção do "lançamento de granadas".
Assim correu o tempo, desde meados de Abril de 1972, até ao 25 de Abril de 1974. A minha vida fazia-se entre o quartel e encontros de conspiração com os amigos e activistas que haveriam de confluir no MES (Movimento de Esquerda Socialista). Tinha a cabeça povoada de todas as ilusões que resultavam das leituras libertárias e marxistas, liberais e heróicas, sonhadoras e utópicas de Huxley, Camus, Gramsci, Luckac, Lenin, Marx, Rosa Luxemburgo, Mao, José Gomes Ferreira, Aquilino, António José Saraiva...
As ideias da democracia directa, das comunas, da plena participação popular, tinham-se sobreposto à realidade, bem mais prosaica, da democracia representativa. Os ecos próximos da experiência do Maio de 68, em França, tinha dado asas à utopia de que o caminho para a felicidade se poderia encontrar na revolta contra o poder burguês. O tempo das ilusões...
Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
quinta-feira, abril 4
quarta-feira, abril 3
25 de abril (4)
O serviço militar
A minha entrada para o serviço militar deu-se em 7 de Outubro de 1971. Passei à disponibilidade em 4 de Outubro de 1974. Cumpri 3 anos menos dois dia de serviço militar obrigatório. Apesar daquele incidente no dia 16 de Março a minha folha de serviços está impecávelmente limpa.
Como todos os futuros oficiais milicianos, nessa época, fui incorporado em Mafra. Lembro-me, com nitidez, do primeiro dia do serviço militar. Fui no autocarro da carreira com partida de Lisboa. À chegada a inspecção médica, o corte do bigode, pois já tinha antes cortado a barba que, ao longo da vida de adulto, sempre me tem acompanhado.
Seguiram-se três meses de dura instrução. Os meus companheiros mais próximos foram o José Pratas e Sousa e o Raúl Pinheiro Henriques. Na tropa faziam-se fortes amizades e cumpriam-se as regras estritas da instituição militar. Não me desgostou.
No fim da instrução seguiram-se três meses de "especialidade" cumpridos na EPAM, Lumiar, Lisboa. Por ironia do destino nunca fui mobilizado. A conjugação da classificação no curso com a abundância de oficiais do ramo da administração militar fizeram com que não fosse mobilizado para as colónias.
Fui desta forma poupado à decisão dramática que se colocava a muitos que, como eu, tinham assumido uma opção contra a guerra colonial: desertar ou embarcar. Pessoalmente, ainda bem que assim foi. Os meus pais foram poupados à angústia de ver um filho partir para longe de onde podia não mais regressar.
A minha entrada para o serviço militar deu-se em 7 de Outubro de 1971. Passei à disponibilidade em 4 de Outubro de 1974. Cumpri 3 anos menos dois dia de serviço militar obrigatório. Apesar daquele incidente no dia 16 de Março a minha folha de serviços está impecávelmente limpa.
Como todos os futuros oficiais milicianos, nessa época, fui incorporado em Mafra. Lembro-me, com nitidez, do primeiro dia do serviço militar. Fui no autocarro da carreira com partida de Lisboa. À chegada a inspecção médica, o corte do bigode, pois já tinha antes cortado a barba que, ao longo da vida de adulto, sempre me tem acompanhado.
Seguiram-se três meses de dura instrução. Os meus companheiros mais próximos foram o José Pratas e Sousa e o Raúl Pinheiro Henriques. Na tropa faziam-se fortes amizades e cumpriam-se as regras estritas da instituição militar. Não me desgostou.
No fim da instrução seguiram-se três meses de "especialidade" cumpridos na EPAM, Lumiar, Lisboa. Por ironia do destino nunca fui mobilizado. A conjugação da classificação no curso com a abundância de oficiais do ramo da administração militar fizeram com que não fosse mobilizado para as colónias.
Fui desta forma poupado à decisão dramática que se colocava a muitos que, como eu, tinham assumido uma opção contra a guerra colonial: desertar ou embarcar. Pessoalmente, ainda bem que assim foi. Os meus pais foram poupados à angústia de ver um filho partir para longe de onde podia não mais regressar.
terça-feira, abril 2
25 de abril (3) Intolerável absurdo
O golpe militar foi a consequência inevitável do predomínio dos ultraconservadores na governação. O Estado Novo, na sua fase terminal, esmagou a "ala liberal" na qual, muitos de nós, tínhamos depositado esperanças de mudança. De facto o grande acontecimento político do século XX português, depois da implantação da República, em 1910, teria sido a transição pacífica da ditadura para a democracia.
Depois da morte política de Salazar o que terá passado pela mente de Marcelo Caetano? Porque não agiu? Por falta de coragem? Por falta de um verdadeira desígnio reformista? A razão de fundo para essa trágica omissão terá sido a política colonial que, desde o início dos anos 60, foi conduzida com o recurso à guerra, em desfavor da negociação com os movimentos de libertação. O regime foi conduzido a um beco sem saída. Os reformistas civis não foram capazes de forjar uma aliança consequente com os reformistas militares.
Ainda hoje está por explicar, por outro lado, o papel da diplomacia das potências ocidentais nesta estranha situação de arrastamento de uma crise que se havia declarado, a partir de 1958, aquando da fracassada candidatura presidencial do General Humberto Delgado. As diplomacias ocidentais, que certamente estavam bem informadas dos acontecimentos em Portugal mantiveram, salvo raras e honrosas excepções, uma plácida e comprometedora inércia, que nem o cruel assassinato de Humberto Delgado desbloqueou. Será possível que os EUA e as potências europeias tenham sido apanhadas desprevenidas pelo 25 de Abril?
Intolerável absurdo!
segunda-feira, abril 1
25 de abril (2)
16 de Março de 1974 - um mau prenúncio
O chamado "Golpe das Caldas" ocorreu a 16 de Março de 1974. Passaram 45 anos.
Cumpria, como Oficial Miliciano, o serviço militar obrigatório no 2º Grupo de Companhias de Administração Militar (2º GCAM), onde hoje está instalada, no Campo Grande, em Lisboa, a "Universidade Lusófona". Depois de conhecidas as notícias do avanço da coluna militar, a partir das Caldas da Rainha, instalou-se uma grande agitação no quartel. Era sábado e eu estava lá talvez porque estivesse de serviço. Finalmente surgia uma manifestação concreta de revolta militar mas pairavam no ar notórias dúvidas e incerteza acerca do destino do golpe.
Pela manhã desse dia recebi ordem do Comandante para recolher ao quarto. Estive, de facto, preso por um breve periodo. Após o golpe ter fracassado, na manhã seguinte, mandaram-me sair. Fiquei aliviado. Iniciava-se, assim, a fase final do verdadeiro e decisivo golpe militar.
Não o podíamos adivinhar mas o "Estado Novo" que, desde a ditadura militar, instaurada pelo golpe de 28 de Maio de 1926, iria perfazer 48 anos, estava a breves semanas do fim. Várias gerações de portugueses viveram toda, ou grande parte, das suas vidas sem conhecerem a cor da liberdade, pesando sobre as cabeças dos conspiradores a responsabilidade de pôr fim ao pesadelo.
domingo, março 31
25 de abril (1)
25 de Abril
O passado e o futuro
25 de Abril de 1974. Passaram 45 anos.
Pouco tempo na história de um país. Muito tempo para uma geração. As datas históricas ganham espessura com o passar do tempo. Mas os seus protagonistas não devem apresentar-se como sobreviventes de uma época em que fizeram história. Apesar de todas as vicissitudes, excessos e erros, o 25 de Abril foi o dia da reconquista da liberdade. A data é uma circunstância. Ela identifica o tempo dos acontecimentos.
Este é o primeiro de 32 textos, fragmentos sem cronologia, notas pessoais escritas de memória, com referências a factos, alguns inéditos, que não têm pretensão de escrever história. No Portugal contemporâneo celebrar o 25 de Abril, deveria ser uma oportunidade para debater os grandes desígnios nacionais do presente e do futuro: a reforma da democracia representativa e o reforço da integração de Portugal na Europa. São estes os temas que há que debater a nível nacional.
Não creio que esta celebração seja um contributo relevante para esse debate e para a consolidação e desenvolvimento das extraordinárias conquistas políticas e sociais dos últimos 45 anos. A tendência das celebrações é a de evocar o passado e Portugal precisa, com urgência, de repensar o futuro. Apesar da mentira espreitar, as mais das vezes, nas evocações do passado, realçando o lado mais favorável das nossas próprias memórias, escondendo erros, fracassos e injustiças próprias, que outro acontecimento foi mais importante, no Século XX português, do que o 25 de Abril?
(Republico, a partir de hoje, com pequenos retoques, 32 posts acerca do 25 de abril de 1974. Não é só, nem principalmente, uma questão de manter viva a memória, é que a luta pela liberdade, com suas curvas e contracurvas sinuosas, nunca acaba.)
O passado e o futuro
25 de Abril de 1974. Passaram 45 anos.
Pouco tempo na história de um país. Muito tempo para uma geração. As datas históricas ganham espessura com o passar do tempo. Mas os seus protagonistas não devem apresentar-se como sobreviventes de uma época em que fizeram história. Apesar de todas as vicissitudes, excessos e erros, o 25 de Abril foi o dia da reconquista da liberdade. A data é uma circunstância. Ela identifica o tempo dos acontecimentos.
Este é o primeiro de 32 textos, fragmentos sem cronologia, notas pessoais escritas de memória, com referências a factos, alguns inéditos, que não têm pretensão de escrever história. No Portugal contemporâneo celebrar o 25 de Abril, deveria ser uma oportunidade para debater os grandes desígnios nacionais do presente e do futuro: a reforma da democracia representativa e o reforço da integração de Portugal na Europa. São estes os temas que há que debater a nível nacional.
Não creio que esta celebração seja um contributo relevante para esse debate e para a consolidação e desenvolvimento das extraordinárias conquistas políticas e sociais dos últimos 45 anos. A tendência das celebrações é a de evocar o passado e Portugal precisa, com urgência, de repensar o futuro. Apesar da mentira espreitar, as mais das vezes, nas evocações do passado, realçando o lado mais favorável das nossas próprias memórias, escondendo erros, fracassos e injustiças próprias, que outro acontecimento foi mais importante, no Século XX português, do que o 25 de Abril?
(Republico, a partir de hoje, com pequenos retoques, 32 posts acerca do 25 de abril de 1974. Não é só, nem principalmente, uma questão de manter viva a memória, é que a luta pela liberdade, com suas curvas e contracurvas sinuosas, nunca acaba.)
terça-feira, março 19
O meu pai Dimas
O meu pai Dimas à janela da casa onde nasci. Foi através dela que conheci um mundo banhado pela claridade da luz do sul. Vivi debruçado nesta janela até aos oito anos. Todo o tempo necessário para aprender a natureza.
Paredes brancas de cal. Ladrilhos coloridos. Ruas de terra batida. Vistas de campos espraiados até ao mar. Recantos floridos. Sombras de árvores de frutos. Mãos carinhosas. Telhas de barro quente. O azul transparente do mar.
A família sobreviveu a todas as adversidades próprias das épocas de guerra. Razão mais que suficiente para, apesar da tirania, se sentir feliz. O meu pai era uma pessoa honrada e ensinou-me a liberdade. Honra e liberdade. Foi essa a herança que dele recebi. Fica-lhe bem a moldura daquela janela na qual aprendi a sonhar.
A casa permanece intacta e habitada e esta é uma das suas duas janelas térreas. O encanto que lhe encontrava estendia-se à vizinhança, aos corredores internos e às ruas circundantes.
Paredes brancas de cal. Ladrilhos coloridos. Ruas de terra batida. Vistas de campos espraiados até ao mar. Recantos floridos. Sombras de árvores de frutos. Mãos carinhosas. Telhas de barro quente. O azul transparente do mar.
A família sobreviveu a todas as adversidades próprias das épocas de guerra. Razão mais que suficiente para, apesar da tirania, se sentir feliz. O meu pai era uma pessoa honrada e ensinou-me a liberdade. Honra e liberdade. Foi essa a herança que dele recebi. Fica-lhe bem a moldura daquela janela na qual aprendi a sonhar.
A casa permanece intacta e habitada e esta é uma das suas duas janelas térreas. O encanto que lhe encontrava estendia-se à vizinhança, aos corredores internos e às ruas circundantes.
sábado, março 16
Março
“18 de Março de 41.
Os montes por cima de Argel transbordam de flores na primavera. O aroma a mel das flores derrama-se pelas ruazinhas. Enormes ciprestes negros deixam jorrar dos seus cumes reflexos de glicínias e de espinheiros cujo percurso se mantém dissimulado no interior. Um vento suave, o golfo imenso e plano. Um desejo forte e simples – e o absurdo de abandonar tudo isto.”
Albert Camus
Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Camus, no final de 1940, casa com Francine Faure, estudante de uma família abastada de Orão. Este fragmento deixa antever a época que antecedeu a sua partida para Orão onde viverá em casa da família da mulher até aos inícios de 42.)
Os montes por cima de Argel transbordam de flores na primavera. O aroma a mel das flores derrama-se pelas ruazinhas. Enormes ciprestes negros deixam jorrar dos seus cumes reflexos de glicínias e de espinheiros cujo percurso se mantém dissimulado no interior. Um vento suave, o golfo imenso e plano. Um desejo forte e simples – e o absurdo de abandonar tudo isto.”
Albert Camus
Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Camus, no final de 1940, casa com Francine Faure, estudante de uma família abastada de Orão. Este fragmento deixa antever a época que antecedeu a sua partida para Orão onde viverá em casa da família da mulher até aos inícios de 42.)
domingo, março 10
O TEMPO
Estou escrevendo cada vez menos neste espaço, o mais antigo de todos os espaço virtuais que criei nos últimos anos. Ontem num qualquer canal de TV vi uns excertos de uma entrevista a Lobo Antunes na qual a certo passo ele dizia que o romance carece de um esforço de longa duração (ao contrário da poesia) valorizando essa esfera do tempo. Não concordo com a subalternização da poesia subjacente na sua apreciação mas concordo com o valor do tempo, do longo curso, da exigência do tempo para cumprir objetivos e construir projetos estruturantes. Mas o tempo perturba a vertigem da criação e desgasta a imaginação ameaçando tornar em rotina o que carece de entusiasmo. É um pouco deste mal que sofre a relação de mim para com este blog que, no entanto, vai continuar desafiando todas as contrariedades.
segunda-feira, março 4
BES 2014
O que escrevi acerca do BES logo após se ter desencadeado o processo do seu afundamento e posteriormente da chamada resolução não esquecendo que se tratou de uma operação pioneira na Europa. Não esquecer também que dias antes o PR, Cavaco Silva, tinha feito uma declaração publica de confiança no BES certamente com a intenção de acalmar os mercados e os depositantes. Todos os acontecimentos decisivos que marcaram o destino do BES foram de responsabilidade do governo de Passos Coelho pois a história não perdoa aos seus protagonistas. No dia 31 de julho de 2014 escrevi:
O absurdo do modelo neoliberal, ou da sua profunda degenerescência, está patente em todo o seu esplendor, no caso GES/BES. Não se trata desta feita da falência de um quiosque, de uma pequena oficina ou do café da esquina. Não podemos, neste caso, observar os olhos turvos de lágrimas do comerciante fechando de vez a porta, nem o olhar triste do funcionário despedindo-se de vez dos seus clientes habituais... Faz muito tempo que não se via nada assim. Talvez, para quem tenha vida longa, similitude com os acontecimentos dos idos de 80, entre 1983/85, para não falar, noutro contexto, no período pós 25 de abril de 74. Mas nestas épocas de crise brava (1974 e 1983) sempre havia expectativas positivas de futuro, fossem ou não realizadas, a todos agradassem ou não agradassem. A liberdade em todas as suas vertigens, após 48 anos de ditadura, e a adesão à atual União Europeia com seu interminável cortejo de promessas de prosperidade. O que me dá que pensar, ainda com energia para questionar o que for que queira, é quais as expectativas que povoam a cabeça de cada um, e de todos nós, no olho do furacão da presente crise. Pode ser que hajam mas estão ao alcance de muito poucos.
O absurdo do modelo neoliberal, ou da sua profunda degenerescência, está patente em todo o seu esplendor, no caso GES/BES. Não se trata desta feita da falência de um quiosque, de uma pequena oficina ou do café da esquina. Não podemos, neste caso, observar os olhos turvos de lágrimas do comerciante fechando de vez a porta, nem o olhar triste do funcionário despedindo-se de vez dos seus clientes habituais... Faz muito tempo que não se via nada assim. Talvez, para quem tenha vida longa, similitude com os acontecimentos dos idos de 80, entre 1983/85, para não falar, noutro contexto, no período pós 25 de abril de 74. Mas nestas épocas de crise brava (1974 e 1983) sempre havia expectativas positivas de futuro, fossem ou não realizadas, a todos agradassem ou não agradassem. A liberdade em todas as suas vertigens, após 48 anos de ditadura, e a adesão à atual União Europeia com seu interminável cortejo de promessas de prosperidade. O que me dá que pensar, ainda com energia para questionar o que for que queira, é quais as expectativas que povoam a cabeça de cada um, e de todos nós, no olho do furacão da presente crise. Pode ser que hajam mas estão ao alcance de muito poucos.
segunda-feira, fevereiro 25
Pelo 14º aniversário da morte do meu irmão Dimas
As voltas da vida levaram a que meus pais viessem a adoptar, antes do tempo, o modelo quase perfeito da família nuclear. Um casal e dois filhos. Mas é interessante que já os pais de meus pais haviam gerado famílias pequenas: os meus avós paternos com três filhos e os maternos com dois. O modelo da família alargada havia ficado pelas gerações anteriores.
O meu irmão Dimas nasceu onze anos antes de mim. Ele é contemporâneo dos inícios da guerra civil de Espanha e eu sou um “baby boomer” típico. Não sou capaz de imaginar a intensidade do impacto do meu nascimento tardio no equilíbrio familiar.
Mas é um facto que o meu irmão não concluiu o liceu tendo os meus pais que buscar uma via alternativa para a sua formação. Por ruas e travessas chegaram a um caminho que deu certo. O meu irmão, ainda antes de 1955, partiu para o Porto para aprender, ao mesmo tempo, dois ofícios: óptico e gravador.
Lembro o dia da sua partida. Naquela época a distância entre o extremo sul de Portugal e o Norte, entre Faro e o Porto, era incomensuravelmente maior do que é hoje. O meu irmão Dimas, com menos de vinte anos, instalou-se no Porto, tendo encetado a sua aprendizagem na “Óptica Retina”.
Aprendeu bem todos os segredos dos ofícios a que se propôs dedicar-se o que lhe permitiu durante quase cinquenta anos fazer um percurso ascendente, à maneira de um “self-made-man”, que lhe havia de granjear prestígio profissional e social além de prosperidade económica.
Como escrevi, por alturas da sua morte, prematura e injusta, é um caso de alguém que subiu a pulso na vida, com o esforço do seu trabalho, o apoio inicial dos pais, e uma forte exigência na qualidade do seu próprio desempenho pessoal e profissional.
Os meus pais, forçados pelas circunstâncias da vida, com alegrias e amarguras, fizeram, em relação ao futuro dos filhos, o melhor que puderam. E, no essencial, acertaram. Ao mais velho uma profissão, ao mais novo um curso superior. Depois cada um que assumisse, com liberdade, o seu próprio futuro.
O meu irmão Dimas nasceu onze anos antes de mim. Ele é contemporâneo dos inícios da guerra civil de Espanha e eu sou um “baby boomer” típico. Não sou capaz de imaginar a intensidade do impacto do meu nascimento tardio no equilíbrio familiar.
Mas é um facto que o meu irmão não concluiu o liceu tendo os meus pais que buscar uma via alternativa para a sua formação. Por ruas e travessas chegaram a um caminho que deu certo. O meu irmão, ainda antes de 1955, partiu para o Porto para aprender, ao mesmo tempo, dois ofícios: óptico e gravador.
Lembro o dia da sua partida. Naquela época a distância entre o extremo sul de Portugal e o Norte, entre Faro e o Porto, era incomensuravelmente maior do que é hoje. O meu irmão Dimas, com menos de vinte anos, instalou-se no Porto, tendo encetado a sua aprendizagem na “Óptica Retina”.
Aprendeu bem todos os segredos dos ofícios a que se propôs dedicar-se o que lhe permitiu durante quase cinquenta anos fazer um percurso ascendente, à maneira de um “self-made-man”, que lhe havia de granjear prestígio profissional e social além de prosperidade económica.
Como escrevi, por alturas da sua morte, prematura e injusta, é um caso de alguém que subiu a pulso na vida, com o esforço do seu trabalho, o apoio inicial dos pais, e uma forte exigência na qualidade do seu próprio desempenho pessoal e profissional.
Os meus pais, forçados pelas circunstâncias da vida, com alegrias e amarguras, fizeram, em relação ao futuro dos filhos, o melhor que puderam. E, no essencial, acertaram. Ao mais velho uma profissão, ao mais novo um curso superior. Depois cada um que assumisse, com liberdade, o seu próprio futuro.
sábado, fevereiro 23
domingo, fevereiro 17
LUÍSA
A Luísa que nos deixou era, a meus olhos juvenis, a mulher mais bonita da cidade de Faro. Lembro-me dela nesse tempo como se fora hoje, o dia em que nos disse adeus. Este foi o dia fatidico após tantas cumplicidades nas mais improváveis militâncias e naquela que mais interessa: a da amizade autêntica. Aqui deixo um abraço sentido ao Manuel e a toda a família.
Fotografia respigada de António Pais no encontro de 2011, o da celebração do 30º aniversário do jantar de extinção do MES.
Fotografia respigada de António Pais no encontro de 2011, o da celebração do 30º aniversário do jantar de extinção do MES.
domingo, fevereiro 10
Tempos conturbados
Tempos conturbados - todos os tempos, afinal, o são cada um a seu modo - mas neste assoma o cheiro acre a fim de regime. Deverei estar enganado pelo menos na medida em que as afirmações de fé radicais quase sempre são desmentidas. Digo quase, pois nos períodos anteriores ao advento dos totalitarismos poucos são os que se atrevem a vaticiná-los. E mesmo, para não ir mais longe, já no pleno exercício dos crimes de regimes totalitários a maioria se acobarda, e os aceita, pois de outra forma não medrariam. Assim ao alcance da nossa memória aconteceu com o nazi fascismo, de várias estirpes, e o estalinismo que duraram muitos anos, produziram guerras de uma crueldade inimaginável e praticaram crimes inomináveis. Venho preencher o espaço branco do ecran porque por essa Europa fora ganham adeptos os lideres de extrema direita, ameaçando ganhar pelo voto, senão o poder, pelo menos o direito a partilhá-lo. E não tenhamos ilusões que se tal acontecer teremos o toque de finados da União Europeia e o advento de uma guerra. E quais serão os efeitos de uma guerra no nosso tempo?
domingo, janeiro 27
Auschwitz
A 27 de janeiro de 1945 as tropas soviéticas chegaram ao campo de concentração de Auschwit e libertaram os sobreviventes.
Tenho em casa uma brochura do meu velho professor de liceu Elviro Rocha Gomes, intitulada “Hitler – Quem foi e como chegou ao poder”, um libelo acusatório implacável do nazismo e do seu chefe.
Essa brochura abre com os números do holocausto. Entre muitos outros: “250 mil ou talvez perto de 300 mil (mortos) só em 1944, em Auschwitz; 8 milhões de mártires, ao todo, em todos os campos de concentração.”
Para que conste neste triste aniversário.
sábado, janeiro 26
RACISMO
Já devo ter contado este episódio, mas a propósito do debate de hoje na AR volto ao tema. Nos dias do aceso debate que levou à viabilização do governo em funções, com António Costa como 1º ministro, tendo entrado, numa pausa do trabalho, a meio da tarde, num restaurante, praticamente vazio, para beber um café fui confrontado com uma situação inesperada.
Um de dois dos poucos clientes encostados ao balcão apercebendo-se que António Costa surgiu no ecrã da TV atirou alto e bom com a frase: “Olha o monhé!” e mais alguns impropérios que não reproduzo. Podia ter ficado impassível, mas dirigi-lhe, em termos cordatos, a observação de que estava em espaço público e que as suas observações eram de teor racista.
Reagiu de forma algo agressiva o que me obrigou a reafirmar o que lhe havia dito após o que derivou para a proclamação da liberdade, do 25 de abril, e por aí fora tendo, para encurtar razões, levado a que lhe tivesse dito que no 25 de abril havia eu próprio participado como militar. A partir daqui, de súbito, acalmou e ponto final na conversa.
No dia seguinte o gerente do restaurante, conhecido do dia a dia da minha frequência regular, chamou-me aparte e informou-me que os dois clientes com um dos quais havia travado na véspera aquela altercação eram polícias. Aí percebi o tom de autoridade empregado e também a perda de fulgor quando o cívico se apercebeu que podia estar a falar com alguma alta patente das FFAA. Eu também não confundo a árvore com a floresta, mas …
Um de dois dos poucos clientes encostados ao balcão apercebendo-se que António Costa surgiu no ecrã da TV atirou alto e bom com a frase: “Olha o monhé!” e mais alguns impropérios que não reproduzo. Podia ter ficado impassível, mas dirigi-lhe, em termos cordatos, a observação de que estava em espaço público e que as suas observações eram de teor racista.
Reagiu de forma algo agressiva o que me obrigou a reafirmar o que lhe havia dito após o que derivou para a proclamação da liberdade, do 25 de abril, e por aí fora tendo, para encurtar razões, levado a que lhe tivesse dito que no 25 de abril havia eu próprio participado como militar. A partir daqui, de súbito, acalmou e ponto final na conversa.
No dia seguinte o gerente do restaurante, conhecido do dia a dia da minha frequência regular, chamou-me aparte e informou-me que os dois clientes com um dos quais havia travado na véspera aquela altercação eram polícias. Aí percebi o tom de autoridade empregado e também a perda de fulgor quando o cívico se apercebeu que podia estar a falar com alguma alta patente das FFAA. Eu também não confundo a árvore com a floresta, mas …
segunda-feira, janeiro 14
Ameaças
Um mundo de violência, dividido pela posse da riqueza, como sempre ao longo da história, pela posse das matérias primas, das rotas, dos territórios; disputas pelo domínio da terra, do mar, do espaço vital, com guerra sempre à vista mesmo quando predomina a paz; cegueira ideológica, idolatria por chefes, desprestígio do sagrado, sedução e culto pelo dinheiro, sempre com novas formas, escalas e artes de cativar a maioria. A tirania espreita na esquina da intolerância. É preciso que se ergam vozes e luzam rostos capazes de, com realismo e coragem, enfrentarem, uma vez mais, o totalitarismo que, sob diversas vestes, se insinua por entre os povos que trabalham e aspiram à paz e à liberdade.
quarta-feira, janeiro 9
No dia do aniversário da morte de meu pai
Por aqueles dias da primavera de 1958 o meu pai perdeu o medo. Pegou-me pela mão e levou-me a ver a passagem por Faro de Humberto Delgado. Estávamos em plena campanha presidencial. Pela primeira vez, desde o imediato pós guerra, o poder de Salazar tremia.
Delgado era destemido, até à beira da loucura, segundo os seus detractores. A sua candidatura forçou à desistência de Arlindo Vicente, candidato apoiado pelo Partido Comunista. Humberto Delgado fez-se ao caminho e arrastou multidões até às urnas.
Eu também lá estive pela mão do meu pai. Seguimos de Faro para Olhão onde a recepção foi apoteótica. Nunca hei-de esquecer a mão quente de meu pai apertando a minha. Eu não sabia ainda o significado da palavra fascismo. Mais tarde Humberto Delgado foi assassinado pelos esbirros da PIDE.
Os assassinos morreram na cama. É revoltante. Tenho medo de sentir esta sensação de revolta perante a tolerância da democracia. Mas a tolerância, afinal, nunca é excessiva. Aprendi isso com o meu pai. Era um comerciante honrado. Morreu no dia 9 de Janeiro de 1992.
Delgado era destemido, até à beira da loucura, segundo os seus detractores. A sua candidatura forçou à desistência de Arlindo Vicente, candidato apoiado pelo Partido Comunista. Humberto Delgado fez-se ao caminho e arrastou multidões até às urnas.
Eu também lá estive pela mão do meu pai. Seguimos de Faro para Olhão onde a recepção foi apoteótica. Nunca hei-de esquecer a mão quente de meu pai apertando a minha. Eu não sabia ainda o significado da palavra fascismo. Mais tarde Humberto Delgado foi assassinado pelos esbirros da PIDE.
Os assassinos morreram na cama. É revoltante. Tenho medo de sentir esta sensação de revolta perante a tolerância da democracia. Mas a tolerância, afinal, nunca é excessiva. Aprendi isso com o meu pai. Era um comerciante honrado. Morreu no dia 9 de Janeiro de 1992.
domingo, janeiro 6
Albert Camus - o funeral no dia de Reis
Le 6 janvier 1960, une foule d´anonymes et quelques amis se retrouvent devant la grande maison de Lourmarin où le corps d´Albert Camus a été transporté dans la nuit. Quatre villageois portent le cercueil que suivent son épouse, son frère Lucien, René Char, Jules Roy, Emmanuel Roblès, Louis Guilloux, Gaston Gallimard et quelques amis moins connu, parmi lesquels les jeunes footballeurs du village. Le cortège avance lentement dans cette journée un peut froide et atone de ce « pays solennel et austère – malgré sa beauté bouleversante ».
Devant le caveau, Francine Camus jette une rose sur le cercueil. Le maire prononce une courte allocution et le silence n´est troublé que par le bruit de la terre sue le bois de la bière.
L´heure est de recueillement. Les communiqués officiels, les télégrammes affluent. Tous unanimes dans l´hommage et l´affliction conjugués.
Les temps ont changé, et ils sont nombreux, les détracteurs d´hier qui saluent aujourd´hui la disparition de celui aux côtés duquel ils avaient obstinément refusé de marcher. Celui qui, au terme de tant d´attaques et de malveillance, avait choisi de s´enfermer dans un douloureux silence.
Les premiers tirs étaient venus de gauche, et plus particulièrement du parti communiste qui ne pardonnait pas à cet ex-compagnon de route de prendre du recul, de regarder en face certaines réalités. De dire l´intolérable : le stalinisme, les camps, les idéaux mis au pas par des tyrans de l´histoire.
In Les Derniers Jours de la vie d´Albert Camus, José Lenzini, Actes Sud
sexta-feira, janeiro 4
O DIA DA MORTE DE ALBERT CAMUS
“Camus trabalhou assiduamente em O Primeiro Homem durante todo o ano de 1959. Em Novembro foi para Lourmarin para aí permanecer ate à passagem do ano; depois, em Paris, queria ficar com um teatro próprio e considerou também a hipótese de desempenhar o papel principal masculino no filme Moderato Cantabile baseado no conto de Marguerite Duras. O Natal passou-o com a família na casa da Provença e a família Gallimard passou com eles a festa do Ano Novo. A 2 de Janeiro a mulher de Camus teve de regressar a Paris com as crianças por causa do recomeço das aulas. Os Gallimard propuseram a Camus regressar de carro com eles no dia seguinte. Queriam ir calmamente e aproveitar para comer bem, pelo que previram dois dias para o regresso. A 4 de Janeiro o grupo em viagem almoçou em Sens, a cerca de cem quilómetros de Paris. Depois prosseguiram viagem pela estrada nacional, passando por uma série de pequenas aldeias. Próximo de Villeblevin, o carro derrapou sem razão aparente e chocou frontalmente contra uma árvore. À excepção de Camus, que ia sentado ao lado do condutor, foram todos cuspidos do carro: Michel Gallimard ficou gravemente ferido e foi levado para o hospital com a mulher e a filha que não mostravam ferimentos visíveis. Morreu poucos dias depois.
Camus fracturou o crânio e a coluna vertebral. Foi um tipo de morte violenta com que já tinha sonhado, uma morte, como Camus escrevera em 1951 nos Carnets, … em que se nos desculpem os gritos contra a dilaceração da alma. A isso contrapõe um fim longo e constantemente lúcido para que ao menos não se dissesse que eu fora colhido de surpresa.
O corpo de Camus foi depositado em câmara-ardente no salão da Câmara de Villeblevin e na manhã seguinte transladado para Lourmarin. Dois dias após o acidente realizou-se o funeral. Na frente do cortejo funerário iam Francine Camus, o irmão de Camus e René Char. Não levaram o caixão para a igreja, mas directamente para o cemitério que ficava a alguma distância, frente à casa de Camus. Aí tem Camus a sua campa entre as dos aldeões, de igual tamanho e com uma simples pedra.”
In Camus, de Brigitte Sändig
Camus fracturou o crânio e a coluna vertebral. Foi um tipo de morte violenta com que já tinha sonhado, uma morte, como Camus escrevera em 1951 nos Carnets, … em que se nos desculpem os gritos contra a dilaceração da alma. A isso contrapõe um fim longo e constantemente lúcido para que ao menos não se dissesse que eu fora colhido de surpresa.
O corpo de Camus foi depositado em câmara-ardente no salão da Câmara de Villeblevin e na manhã seguinte transladado para Lourmarin. Dois dias após o acidente realizou-se o funeral. Na frente do cortejo funerário iam Francine Camus, o irmão de Camus e René Char. Não levaram o caixão para a igreja, mas directamente para o cemitério que ficava a alguma distância, frente à casa de Camus. Aí tem Camus a sua campa entre as dos aldeões, de igual tamanho e com uma simples pedra.”
In Camus, de Brigitte Sändig
segunda-feira, dezembro 31
Ano Novo
Fim do ano, ano novo. Não há balanços, mas há balanços. Prefiro o ano novo ao ano velho. Revejo-me mais no futuro do que no passado. O futuro abre a porta a novos desafios. É uma porta de entrada no desconhecido, confirma expetativas ou contraria-as. O tempo fascina-me, o espaço conforma-me. Espero, tenho esperança, que o futuro nos surpreenda desdizendo os justificados receios dos arautos da desgraça. O medo é o pior inimigo da paz. Comecemos por nós próprios, nossos familiares e amigos.Busquemos em nós a força da esperança num futuro de paz e concórdia entre os povos e as nações. Bom ano de 2019.
sexta-feira, dezembro 28
2019
A todas, e todos, que me visitam aqui - alguns bons amigos de longa data - o desejo de um Bom Ano de 2019.
segunda-feira, dezembro 24
quinta-feira, dezembro 20
I CONGRESSO DO MES - 44 ANOS
Por estes dias de solstício de inverno (21 de dezembro) passa mais um aniversário do I Congresso do MES, realizado a 21 e 22 de dezembro de 1974. Para quem não saiba, por razões da usura do tempo, trata-se de um pequeno partido político criado, de facto, imediatamente antes do 25 de abril de 1974 mas formalizado somente após a restauração das liberdades, em data imprecisa no plano burocrático, mas precisa no plano político, a meu ver, na manifestação do 1º de maio de 74, em Lisboa, através da inscrição da sua sigla – ainda sem símbolo - num pano que muitas generosas mãos arvoraram.
Foi longo o período de gestação do MES, ainda mais se medido à velocidade vertiginosa dos acontecimentos pós 25 de abril de 1974, sendo o seu I Congresso realizado somente cerca de oito meses após o dia 25 de abril. Naquele contexto oito meses era uma eternidade … Este processo, trespassado por lutas e debates, teve muitos e ilustres protagonistas oriundos de diversos sectores da oposição à ditadura. Muito já foi escrito, estudado e debatido acerca da ditadura, seus protagonistas e processos (apesar de alguns, nos quais me incluo, acharem que foi pouco).
O despretensioso escrito que dou à estampa deve-se, no essencial, à necessidade que sinto, de manter viva a memória e divulgar nomes de cidadãos – dos quais somente uma meia dúzia têm notoriedade pública - que partilharam a experiência única, e irrepetível, de participarem numa revolução. De onde surgiram, o que os impeliu a reunirem-se sob uma mesma bandeira, o que os entusiasmou, o que ganharam e perderam, quando, e como, se desiludiram, quais os percursos pessoais e profissionais que percorreram não vem ao caso.
O que quero mesmo, repetidamente, de forma consciente e voluntária, é colocar a memória e os nomes de protagonistas do MES (infelizmente somente parte deles) não como resquício de um passado glorioso, mas como legenda de um acontecimento histórico concreto que permitiu restaurar, apesar de todas as faltas e erros, o mais precioso bem de que uma comunidade humana se pode orgulhar, a liberdade. Aquisição que, como todos sabemos, nunca é definitiva conquistando-se, a duras penas, no quotidiano da vida, ontem, hoje e amanhã.
Tenho escrito acerca do MES, que o mesmo é dar rosto a pessoas que, a partir da segunda metade do século XX, fizeram parte de um relevante sector intelectual não-alinhado com o Partido Comunista, de um segmento do movimento sindical/operário de base forjado num programa inovador de cariz, assumidamente, anti capitalista, de um núcleo duro do movimento estudantil que se havia radicalizado, saindo da órbita dos comunistas e dos grupos maoistas, após as lutas de 1969 e de uma franja significativa do movimento católico progressista que se bateu duramente, em particular, contra a guerra colonial.
As confluências de diversas correntes sectoriais, através dos seus activistas, no MES foi possível pela acção de muita gente que assumiu simples, ousadas ou mesmo inúteis tarefas, assumindo um papel relevante em cada uma delas, que não sou capaz de fazer caber neste escrito, mas que me apetece referenciar, correndo o risco do subjectivismo de meu juízo, algumas individualidades que muito influenciaram o desenvolvimento da curta história do MES.
Serei inevitavelmente injusto para muitos amigos que prezo mas preciso, neste breve exercício, de ser sucinto.
- No sector intelectual, Nuno Brederode Santos que, como já descrevi noutras crónicas, com descrição e rara inteligência/intuição política, foi o verdadeiro mentor da opção pela saída do MES da corrente política que sempre foi publicamente associada à liderança de Jorge Sampaio, a sua personalidade de referência mais marcante em termos políticos e com notoriedade pública até ao presente;
- No sector sindicalista/operário António Santos Júnior, líder incontestado do movimento operário, com origem nas lutas da TAP, que havia de encabeçar uma lista vencedora nas eleições do Sindicato dos Metalúrgicos, sendo silenciado quando se preparava para tomar a palavra no comício do 1º de maio em nome do MES e Agostinho Roseta, desde sempre ligado de forma continuada, e persistente, à acção politico-sindical que originou uma corrente sindical não comunista que haveria de desembocar, com todas as suas vicissitudes, na UGT;
- No movimento estudantil Alberto Martins, pelo papel desempenhado no despoletar da crise académica de 1969 em Coimbra, afrontando de forma desabrida os ditamos do regime e Ferro Rodrigues no movimento estudantil de Lisboa, em particular, em Económicas que havia sido transformada, após 1968, na peugada do movimento de Maio em França, numa espécie de "território libertado”;
- No movimento dos católicos progressistas, Nuno Teotónio Pereira, oriundo de famílias conservadoras, com obra de referência na actividade profissional de arquitecto, tendo vindo a tornar-se numa referência incontornável na luta contra a guerra colonial, e a ditadura, para as novas gerações e Vítor Wengorovius, o mais intenso mobilizador de vontades, o orador mais infatigável de todos, sempre buscando consensos, superando divergências e reparando relações.
(Manuel Serra adversário direto, e assumido, de Mário Soares no I Congresso do PS, realizado a uma semana de distância do I do MES, no mesmo local, contou-me, na última conversa antes de falecer, que havia reunido com VW para desafiar o MES a aderir ao PS logo em dezembro de 1974, criando condições para ganhar aquele Congresso, o que VW nunca me revelou.)
O MES constituiu-se, formalizando-se, num Partido a custo pois as suas raízes beberam muito da ideologia libertária, que havia esmorecido ao longo do período da ditadura, mas que César de Oliveira fez retornar propondo, e fazendo vencer, a consigna que o MES adaptou nos seus primórdios: «A emancipação dos trabalhadores tem de ser obra dos próprios trabalhadores».
O MES foi, na verdade, um partido minoritário de elites, e de causas perdidas, nunca se assumindo como projecto politico de poder, abordando as eleições às quais concorreu – constituintes de 1975 e legislativas de 1976 - com um surpreendente espírito de cruzada pedagógica junto dos portugueses, que nunca haviam conhecido a cor da liberdade, razão pela qual, sem apelo nem agravo, em todas foi estrondosamente derrotado.
O MES foi, no seu âmago, um partido da esquerda radical, mais do que um partido esquerdista, lidando mal com alinhamentos ideológicos mesmo aquando da sua deriva marxista-leninista, reconheçamo-lo, uma mera proclamação artificial e dolorosamente patética. O MES foi um esboço de casa comum na qual se acolheram cidadãos desalinhados – livres de compromissos com o antigo regime - que aspiravam combater as brutais desigualdades e iniquas misérias herdadas do “Estado Novo”.
Nele se acolheram uma plêiade de altos quadros intelectuais, operários, sindicalistas, estudantis, activistas de movimentos sociais emergentes, com escassa experiência política, que na voragem de um singular tempo de brasa, sonhavam – sob diversos e contraditórios ideários socializantes - a mudar tudo na sociedade portuguesa fazendo do MES, na sua breve existência, antes e pós I Congresso de 21 e 22 de dezembro de 1974, um espaço de rebeldia e, no período fundador, de criatividade como revelam, por exemplo, as designações de inúmeras estruturas criadas e a obra gráfica, criada por Robin Fior, para a criação de uma imagem para o MES.
O MES foi, por fim, um partido que ousou auto extinguir-se – se bem que nem todos os que nele tomaram parte tenham concordado com o “sacrifício” - tendo cada um dos seus membros, ao longo do tempo, saído, em liberdade, dando ca aminho às suas vidas nos mais diversos caminhos. Extinguindo-se, por ato público o MES assumiu, de forma radical, o fracasso do seu projecto político salvando a essência dos sonhos que presidiram à sua criação.
Um Movimento que influenciou uma geração inteira e que, 40 anos passados, deixou um legado de luta por causas que genuinamente foram (e são) assumidas por justas, porque fundadas na aspiração à igualdade, justiça social e liberdade.
Que viva!
(Republicação de um post de 22 de dezembro de 2014 com uma pequana alteração na frase de abertura.)
Foi longo o período de gestação do MES, ainda mais se medido à velocidade vertiginosa dos acontecimentos pós 25 de abril de 1974, sendo o seu I Congresso realizado somente cerca de oito meses após o dia 25 de abril. Naquele contexto oito meses era uma eternidade … Este processo, trespassado por lutas e debates, teve muitos e ilustres protagonistas oriundos de diversos sectores da oposição à ditadura. Muito já foi escrito, estudado e debatido acerca da ditadura, seus protagonistas e processos (apesar de alguns, nos quais me incluo, acharem que foi pouco).
O despretensioso escrito que dou à estampa deve-se, no essencial, à necessidade que sinto, de manter viva a memória e divulgar nomes de cidadãos – dos quais somente uma meia dúzia têm notoriedade pública - que partilharam a experiência única, e irrepetível, de participarem numa revolução. De onde surgiram, o que os impeliu a reunirem-se sob uma mesma bandeira, o que os entusiasmou, o que ganharam e perderam, quando, e como, se desiludiram, quais os percursos pessoais e profissionais que percorreram não vem ao caso.
O que quero mesmo, repetidamente, de forma consciente e voluntária, é colocar a memória e os nomes de protagonistas do MES (infelizmente somente parte deles) não como resquício de um passado glorioso, mas como legenda de um acontecimento histórico concreto que permitiu restaurar, apesar de todas as faltas e erros, o mais precioso bem de que uma comunidade humana se pode orgulhar, a liberdade. Aquisição que, como todos sabemos, nunca é definitiva conquistando-se, a duras penas, no quotidiano da vida, ontem, hoje e amanhã.
Tenho escrito acerca do MES, que o mesmo é dar rosto a pessoas que, a partir da segunda metade do século XX, fizeram parte de um relevante sector intelectual não-alinhado com o Partido Comunista, de um segmento do movimento sindical/operário de base forjado num programa inovador de cariz, assumidamente, anti capitalista, de um núcleo duro do movimento estudantil que se havia radicalizado, saindo da órbita dos comunistas e dos grupos maoistas, após as lutas de 1969 e de uma franja significativa do movimento católico progressista que se bateu duramente, em particular, contra a guerra colonial.
As confluências de diversas correntes sectoriais, através dos seus activistas, no MES foi possível pela acção de muita gente que assumiu simples, ousadas ou mesmo inúteis tarefas, assumindo um papel relevante em cada uma delas, que não sou capaz de fazer caber neste escrito, mas que me apetece referenciar, correndo o risco do subjectivismo de meu juízo, algumas individualidades que muito influenciaram o desenvolvimento da curta história do MES.
Serei inevitavelmente injusto para muitos amigos que prezo mas preciso, neste breve exercício, de ser sucinto.
- No sector intelectual, Nuno Brederode Santos que, como já descrevi noutras crónicas, com descrição e rara inteligência/intuição política, foi o verdadeiro mentor da opção pela saída do MES da corrente política que sempre foi publicamente associada à liderança de Jorge Sampaio, a sua personalidade de referência mais marcante em termos políticos e com notoriedade pública até ao presente;
- No sector sindicalista/operário António Santos Júnior, líder incontestado do movimento operário, com origem nas lutas da TAP, que havia de encabeçar uma lista vencedora nas eleições do Sindicato dos Metalúrgicos, sendo silenciado quando se preparava para tomar a palavra no comício do 1º de maio em nome do MES e Agostinho Roseta, desde sempre ligado de forma continuada, e persistente, à acção politico-sindical que originou uma corrente sindical não comunista que haveria de desembocar, com todas as suas vicissitudes, na UGT;
- No movimento estudantil Alberto Martins, pelo papel desempenhado no despoletar da crise académica de 1969 em Coimbra, afrontando de forma desabrida os ditamos do regime e Ferro Rodrigues no movimento estudantil de Lisboa, em particular, em Económicas que havia sido transformada, após 1968, na peugada do movimento de Maio em França, numa espécie de "território libertado”;
- No movimento dos católicos progressistas, Nuno Teotónio Pereira, oriundo de famílias conservadoras, com obra de referência na actividade profissional de arquitecto, tendo vindo a tornar-se numa referência incontornável na luta contra a guerra colonial, e a ditadura, para as novas gerações e Vítor Wengorovius, o mais intenso mobilizador de vontades, o orador mais infatigável de todos, sempre buscando consensos, superando divergências e reparando relações.
(Manuel Serra adversário direto, e assumido, de Mário Soares no I Congresso do PS, realizado a uma semana de distância do I do MES, no mesmo local, contou-me, na última conversa antes de falecer, que havia reunido com VW para desafiar o MES a aderir ao PS logo em dezembro de 1974, criando condições para ganhar aquele Congresso, o que VW nunca me revelou.)
O MES constituiu-se, formalizando-se, num Partido a custo pois as suas raízes beberam muito da ideologia libertária, que havia esmorecido ao longo do período da ditadura, mas que César de Oliveira fez retornar propondo, e fazendo vencer, a consigna que o MES adaptou nos seus primórdios: «A emancipação dos trabalhadores tem de ser obra dos próprios trabalhadores».
O MES foi, na verdade, um partido minoritário de elites, e de causas perdidas, nunca se assumindo como projecto politico de poder, abordando as eleições às quais concorreu – constituintes de 1975 e legislativas de 1976 - com um surpreendente espírito de cruzada pedagógica junto dos portugueses, que nunca haviam conhecido a cor da liberdade, razão pela qual, sem apelo nem agravo, em todas foi estrondosamente derrotado.
O MES foi, no seu âmago, um partido da esquerda radical, mais do que um partido esquerdista, lidando mal com alinhamentos ideológicos mesmo aquando da sua deriva marxista-leninista, reconheçamo-lo, uma mera proclamação artificial e dolorosamente patética. O MES foi um esboço de casa comum na qual se acolheram cidadãos desalinhados – livres de compromissos com o antigo regime - que aspiravam combater as brutais desigualdades e iniquas misérias herdadas do “Estado Novo”.
Nele se acolheram uma plêiade de altos quadros intelectuais, operários, sindicalistas, estudantis, activistas de movimentos sociais emergentes, com escassa experiência política, que na voragem de um singular tempo de brasa, sonhavam – sob diversos e contraditórios ideários socializantes - a mudar tudo na sociedade portuguesa fazendo do MES, na sua breve existência, antes e pós I Congresso de 21 e 22 de dezembro de 1974, um espaço de rebeldia e, no período fundador, de criatividade como revelam, por exemplo, as designações de inúmeras estruturas criadas e a obra gráfica, criada por Robin Fior, para a criação de uma imagem para o MES.
O MES foi, por fim, um partido que ousou auto extinguir-se – se bem que nem todos os que nele tomaram parte tenham concordado com o “sacrifício” - tendo cada um dos seus membros, ao longo do tempo, saído, em liberdade, dando ca aminho às suas vidas nos mais diversos caminhos. Extinguindo-se, por ato público o MES assumiu, de forma radical, o fracasso do seu projecto político salvando a essência dos sonhos que presidiram à sua criação.
Um Movimento que influenciou uma geração inteira e que, 40 anos passados, deixou um legado de luta por causas que genuinamente foram (e são) assumidas por justas, porque fundadas na aspiração à igualdade, justiça social e liberdade.
Que viva!
(Republicação de um post de 22 de dezembro de 2014 com uma pequana alteração na frase de abertura.)
quarta-feira, dezembro 19
Absorto - 15 anos
Deixar uma marca
Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
nada dever ao esquecimento que esvazia o sentido do perdão olhando o mundo e tomando a medida exacta da nossa pequenez,
atravessar a solidão, esse luxo dos ricos, como dizia Camus, usufruindo da luz que os nossos amantes derramam em nós porque por amor nos iluminam,
observar atentos o direito e o avesso, a luz e a sombra, a dor e a perda, a charrua e a levada de água pura, crer no destino e acreditar no futuro do homem,
louvar a Deus as mãos que nos pegam, e nunca deixam de nos pegar, mesmo depois de sucumbirem injustamente à desdita da sorte ou à lei da vida,
guardar o sangue frio perante o disparar da veia jugular ou da espingarda apontada à fronte do combatente irregular,
incensar o gesto ameno e contemporizador que se busca e surge isento no labirinto da carnificina populista,
ousar a abjecção da tirania, admirar a grandeza da abdicação e desejar a amizade das mulheres,
admirar a vista do mar azul frente à terra atapetada de flores de amendoeira em silêncio e paz.
(um programa para o absorto)
terça-feira, dezembro 18
15 anos
Um dos primeiros posts deste blog que daqui a minutos faz 15 anos de vida.
Fatal
Os moços tão bonitos me doem,
impertinentes como limões novos.
Eu pareço uma atriz em decadência,
mas, como sei disso, o que sou
é uma mulher com um radar poderoso.
Por isso, quando eles não me vêem
como se dissessem: acomoda-te no teu galho
eu penso: bonitos como potros. Não me servem.
Vou esperar que ganhem indecisão. E espero.
Quando cuidam que não,
estão todos no meu bolso.
Adélia Prado
Fatal
Os moços tão bonitos me doem,
impertinentes como limões novos.
Eu pareço uma atriz em decadência,
mas, como sei disso, o que sou
é uma mulher com um radar poderoso.
Por isso, quando eles não me vêem
como se dissessem: acomoda-te no teu galho
eu penso: bonitos como potros. Não me servem.
Vou esperar que ganhem indecisão. E espero.
Quando cuidam que não,
estão todos no meu bolso.
Adélia Prado
segunda-feira, dezembro 17
Pelo 82º aniversário do Papa Francisco, que viva!
O Papa Francisco faz hoje 82 anos. Num contexto em que algumas grandes potências estão a ser dirigidas por tresloucados e reina um ambiente de ódio e confrontação social aberta à beira da guerra, Francisco é uma das poucas vozes com eco global que mantém bem alto os valores do humanismo e da paz e concórdia entre as nações. Que viva!
"56. Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria feliz. Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por isso, negam o direito de controlo dos Estados, encarregados de velar pela tutela do bem comum. Instaura-se uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe, de forma unilateral e implacável, as suas leis e as suas regras. Além disso, a dívida e os respetivos juros afastam os países das possibilidades viáveis da sua economia, e os cidadãos do seu real poder de compra. A tudo isto vem juntar-se uma corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões mundiais. A ambição do poder e do ter não conhece limites. Neste sistema que tende a devorar tudo para aumentar os benefícios, qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa perante aos interesses do mercado divinizado, transformados em regra absoluta."
In EXORTAÇÃO APOSTÓLICA - EVANGELII GAUDIUM DO PAPA FRANCISCO - 24 de novembro de 2013
"56. Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria feliz. Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por isso, negam o direito de controlo dos Estados, encarregados de velar pela tutela do bem comum. Instaura-se uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe, de forma unilateral e implacável, as suas leis e as suas regras. Além disso, a dívida e os respetivos juros afastam os países das possibilidades viáveis da sua economia, e os cidadãos do seu real poder de compra. A tudo isto vem juntar-se uma corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões mundiais. A ambição do poder e do ter não conhece limites. Neste sistema que tende a devorar tudo para aumentar os benefícios, qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa perante aos interesses do mercado divinizado, transformados em regra absoluta."
In EXORTAÇÃO APOSTÓLICA - EVANGELII GAUDIUM DO PAPA FRANCISCO - 24 de novembro de 2013
BEETHOVEN - Symphony no. 9 "CHORAL" - Leonard Bernstein (4)
Ludwig van Beethoven (Bonn, batizado em 17 de dezembro de 1770 — Viena, 26 de março de 1827)
quarta-feira, dezembro 12
MARCELO - 70º ANIVERSÁRIO
A Marcelo Rebelo de Sousa pelo seu 70º aniversário deixo um texto escrito, e publicado, logo no início do seu mandato presidencial. Que se mantenha fiel depositário de todas as esperanças e equilibrios que é o que na vida em sociedade e na politica cada vez mais falta faz, se anseia e se deseja. Parabéns!
Ainda à entrada do ano novo umas palavras acerca do Presidente Marcelo no qual, enquanto candidato, não votei. Desde o inicio a sua notoriedade pessoal era tamanha que lhe permitiu conduzir uma campanha sem os constrangimentos do propagandismo tradicional. Uma vantagem que se casou bem com a sua personalidade permitindo-lhe surgir aos olhos do povo como um cidadão igual aos outros - sendo tão diferente! Nos tempos que correm, propensos às mais variadas derivas populistas, eis que Marcelo inventa um discurso politico, e uma postura cidadã, apropriáveis pelo maior número, até ao presente, passando ao lado do populismo tendencialmente anti democrático. Ser popular não é ser populista. Qual o segredo? Ser capaz de manter um ritmo na ação muito além da que resulta da vulgar postura institucional/burocrática; dispor de sensibilidade para entender quão importante se torna, nos nossos dias, encurtar a distância entre os políticos e os cidadãos; manter viva a inteligência para não desprezar o valor do tempo, na vida e na politica, apesar de tudo parecer nele excessivamente rápido; ser capaz de prevenir nas relações institucionais para não ter que intervir; ser autêntico na busca de acordos, equilíbrios, diálogos e, se possível, consensos entre forças e tendências aparentemente inconciliáveis; entender a dimensão e o peso, no contexto internacional, do país (pequeno e muito dependente) redimensionando a esfera da ação externa a todos os níveis. É pouco, é muito? É circunstancial, é permanente? É tático, é estratégico? Nunca se sabe ao certo numa época tão excessiva em disrupções e ameaças estruturais em cada estado nação e na esfera supra nacional. Mas já lá vai o tempo em que era aceitável mantermo-nos impávidos, e serenos, nas nossas certezas para não aceitarmos olhar e ouvir, atentamente, as certezas dos nossos adversários. Na politica, como na vida, mais vale a abertura critica à mudança, que corre em todos os sentidos, do que o silêncio das certezas mortas.
Fotografia de Helder Gonçalves
Ainda à entrada do ano novo umas palavras acerca do Presidente Marcelo no qual, enquanto candidato, não votei. Desde o inicio a sua notoriedade pessoal era tamanha que lhe permitiu conduzir uma campanha sem os constrangimentos do propagandismo tradicional. Uma vantagem que se casou bem com a sua personalidade permitindo-lhe surgir aos olhos do povo como um cidadão igual aos outros - sendo tão diferente! Nos tempos que correm, propensos às mais variadas derivas populistas, eis que Marcelo inventa um discurso politico, e uma postura cidadã, apropriáveis pelo maior número, até ao presente, passando ao lado do populismo tendencialmente anti democrático. Ser popular não é ser populista. Qual o segredo? Ser capaz de manter um ritmo na ação muito além da que resulta da vulgar postura institucional/burocrática; dispor de sensibilidade para entender quão importante se torna, nos nossos dias, encurtar a distância entre os políticos e os cidadãos; manter viva a inteligência para não desprezar o valor do tempo, na vida e na politica, apesar de tudo parecer nele excessivamente rápido; ser capaz de prevenir nas relações institucionais para não ter que intervir; ser autêntico na busca de acordos, equilíbrios, diálogos e, se possível, consensos entre forças e tendências aparentemente inconciliáveis; entender a dimensão e o peso, no contexto internacional, do país (pequeno e muito dependente) redimensionando a esfera da ação externa a todos os níveis. É pouco, é muito? É circunstancial, é permanente? É tático, é estratégico? Nunca se sabe ao certo numa época tão excessiva em disrupções e ameaças estruturais em cada estado nação e na esfera supra nacional. Mas já lá vai o tempo em que era aceitável mantermo-nos impávidos, e serenos, nas nossas certezas para não aceitarmos olhar e ouvir, atentamente, as certezas dos nossos adversários. Na politica, como na vida, mais vale a abertura critica à mudança, que corre em todos os sentidos, do que o silêncio das certezas mortas.
Fotografia de Helder Gonçalves
sábado, dezembro 1
REGRESSO
No campo da Alameda, em Faro, a equipa de júniores de basquetebol do Farense na qual eu alinhava com a camisola nº4. Guardei a camisola que é linda e está como nova. Esta é uma actividade de que guardo uma memória bem viva no centro da qual vivem os meus companheiros de equipa. E que dizer do campo da Alameda, assim como do público que, nos jogos com o Olhanense, em regra, se envolvia à pancada e eu, lá dentro, sem perceber nada. Afinal rivalidade exacerbada. A mim só me interessava o jogo pelo jogo. A equipa era mediana em qualidade de jogo mas, apesar de tudo, tinha centrímetros para a época. Eu acrescentava 1,83 cm mas o Silvino, se não erro, era o mais alto. O melhor, salvo melhor opinião, era o Bastardinho. (em baixo à esquerda).
domingo, novembro 25
AS INUNDAÇÕES DE NOVEMBRO DE 1967
No dia 25 de novembro de 1967, era sábado, lembro-me de sair, era já tarde/noite, do ISCEF, pouco mais de um ano após ter iniciado os estudos naquela escola. Teria ido, certamente, participar numa reunião ou, mais prosaicamente, jantar na cantina da Associação de Estudantes. Ao sair devo ter feito o caminho de casa, um quarto alugado, ao cimo da Calçada da Estrela. (hoje, passados 51 anos, este percurso e sua envolvente, está, praticamente, igual).
Chovia muito, mas não estranhei porque, ao contrário de hoje, era normal chover nesta época do ano. Não levava qualquer resguardo para a chuva, que nem me pareceu excessiva, e caminhei colado às paredes até chegar ao destino. A minha perceção da chuva que caía naquela hora não me permitiu sequer imaginar as consequências que haveria de provocar. Chovia, simplesmente.
Na manhã do dia seguinte, domingo, devo ter feito o caminho oposto, corriam as notícias de inundações em diversos sítios de Lisboa e arredores, e devo ter-me dirigido ao Técnico para me juntar à gigantesca mobilização estudantil que se organizou para avançar para as zonas mais atingidas em socorro das vitimas e no apoio à reparação dos estragos.
O quartel general, que me lembre, havia sido montado no Técnico e deve ter sido a primeira vez que, à margem dos poderes instalados, com autonomia e mobilizando recursos próprios, se promoveu uma ação voluntária juvenil de grande envergadura à margem da politica oficial do regime. Foi um processo organizado que enquadrou a vontade espontânea de uma multidão de jovens estudantes ávidos de participação cívica e politica.
Fui numa brigada para Alhandra munidos de meios rudimentares e lembro-mo com nitidez de nos afadigarmos a limpar ruas no meio da maior destruição que se possa imaginar. Retenho na memória o ambiente de caos e de tensão pois, afinal, estávamos a participar numa ação voluntária não autorizada que, naquela época, comportava riscos pessoais. Não havia medo, mas necessidade, e vontade, de ação.
Os meios para o socorro eram escassos, mas o que contava, de verdade, era participar, prestar solidariedade, ver com os próprios olhos in loco o que, de súbito, nos surgiu como uma calamidade de enormes proporções. Uma pá na lama, os destroços, uma palavra de conforto e incentivo, uma força coletiva que enfrentava sem medo a situação dramática de populações desprotegidas e, afinal, um regime decadente acobertado na ignorância, na censura e na repressão.
No que me respeita ficou uma experiência sem dissabores. Não poderia imaginar que estávamos nas vésperas da queda de Salazar e da emergência, em 27 de setembro de 1968, do governo de Marcelo Caetano, menos de um ano depois daquelas trágicas inundações. Afinal aquela gigantesca ação voluntária havia de contribuir, de forma relevante, para o início do processo politico que desembocou no 25 de abril de 1974.
Não foi a minha primeira participação num movimento cívico, com vocação politica, (havia participado antes nas “eleições” de 1965) mas foi a ação mais impressiva e intensa que jamais esqueci e que muito contribuiu para configurar uma vontade de participação cívica e politica que nunca mais me abandonou.
sexta-feira, novembro 9
Pelo aniversário do jantar de extinção do MES
Esta é a fotografia, de autoria de António Pais, na qual surgem retratados o maior número dos particpantes no jantar de extinção do MES realizado no dia 7 de nevembro de 1981. Aparentemente alguém mais fotografou este original acontecimento da vida dos partidos politicos que emergiram no pós 25 de abril que permaneçe desconhecido. Mas a maior coleção de fotografias é mesmo de autoria do António Pais (publico mais algumas a partir do seu álbum cujo original me foi cedido e tardiamente devolvido.)
ALBERT CAMUS - PELO 105º ANIVERSÁRIO DO SEU NASCIMENTO
"Havia uma porta embutida na parte argamassa na qual se podia ler: “Cantina agrícola Mme. Jacques.” Filtrava-se luz pela frincha inferior. O homem imobilizou o cavalo junto dela e, sem descer, bateu. Acto contínuo, uma voz sonora e decidida inquiriu: “Quem é?” “Sou o novo gerente da propriedade do Santo Apóstolo. A minha mulher vai dar à luz. Preciso de ajuda.” Ninguém respondeu. Passado um momento, foram levantados ferrolhos e a porta entreabriu-se. Descortinou-se a cabeça negra e ondulada de uma europeia de faces cheias e nariz um pouco abaulado acima dos lábios grossos. “Chamo-me Henri Carmery. Pode ir junto de minha mulher? Tenho de chamar o médico.” (…) O médico olhou-o com curiosidade. “Não tenha medo, que tudo há-de correr bem.” Cormery volveu para ele os olhos claros, fitou-o calmamente e declarou com uma ponta de cordialidade: “Não tenho medo. Estou habituado aos golpes duros do destino.” (…) A chuva tombava com mais intensidade no telhado antigo e velho. o médico procedeu a um exame sob os cobertores. Em seguida, endireitou-se e pareceu sacudir algo na sua frente. Soou um pequeno grito. “É um rapaz”, anunciou. “E bem constituído.” “Começa bem”, disse a dona da cantina. “Com uma mudança de casa.” A mulher árabe riu no canto e bateu as palmas duas vezes."
Albert Camus, in "O Primeiro Homem".
quinta-feira, novembro 1
Contra a intolerância e o ódio
As derivas autoritárias crescem por todo o lado “invadindo” os regimes políticos democráticos assentes no sufrágio universal em seus diversos modelos. Se Trump emergiu nos USA e Bolsonaro no Brasil, não esquecendo que a China é governada em regime de partido único, o Partido Comunista, e vão três “países-continentes”, a culpa da ascensão dos partidos de extrema direita na Europa não pode ser assacada, de forma ligeira, à UE. Pelo contrário, em minha opinião, a Europa resiste e não tem outro caminho senão combater o autoritarismo, dentro e fora dela própria, pelo incremento da diplomacia do diálogo assumindo sempre a primeira linha do primado da mediação sobre o confronto, da promoção da paz e da concórdia entre as nações, sobre a guerra. Mesmo em contracorrente tudo começando pela nossa própria ação individual no seio das comunidades locais, inventando novas formas de resistência à intolerância e ao ódio.
(Fotografia de René Char, poeta e capitão da Resistência ao nazi fascismo.)
(Fotografia de René Char, poeta e capitão da Resistência ao nazi fascismo.)
sábado, outubro 27
Pelo aniversário do meu filho Manuel
Não tarda havias de nascer. Seriam 9 da manhã. Fizeste-te homem. Acredito no futuro em ti, em tua mãe e em todos nós. Crente no progresso erguido pelo nosso ânimo, inteligência e trabalho. Diversos e "unidos como os dedos da mão".
terça-feira, outubro 23
Um dia... vai para muitos anos
Reproduzo um post antigo - de novembro de 2005 - a propósito de notícias que citam passagens de um livro de memórias do homem que mais tempo exerceu o poder no pós 25 de abril:
Um dia – vai para muitos anos – estava a assistir a uma aula do dito cujo no meio da maior das contestações que é possível imaginar – devia ser de finanças públicas que era (e é) a sua única especialidade – ele explicava a coisa com base no exemplo da ilha onde a comunidade era reduzida a um humano, ou a um casal de humanos, já não me lembro muito bem.
Estávamos fartos, como os jovens estão sempre fartos de formalismos e trejeitos autoritários, se forem jovens normais, claro, quando o dito a propósito de uma reivindicação, certamente exagerada, como são todas as reivindicações dos jovens, disse uma mentira cuja já não me lembro qual foi.
O homem, naquele momento, revelou-se, a meus olhos e ouvidos, um mentiroso compulsivo, e apossou-se de mim um desassossego fulminante que deu no que deu, ou seja, numa refrega forte e feia que o fez vacilar e, dizem, cair desmaiado mas eu não vi, ou já não me lembro, pois me debatia nos braços de quem me susteve os ímpetos.
Quem estava presente e assistiu à cena, digna de um filme de acção, a preto e branco, género série B, sabe melhor do que eu descrevê-la, que já mo têm feito, mas eu não acredito em nada do que se passou, passa e passará, com o dito cujo desde a ocorrência do infausto acontecimento.
Fiquei em estado de amnésia intermitente face à criatura – que sofre do mesmo mal mas do ramo político – e fiquei possuído por uma descrença, em geral, acerca do saber dos professores e, ainda mais, dos métodos por eles utilizados. É um clássico na matéria mas, graças a Deus, há excepções.
Toda esta prédica é para dizer que me preocupa, ligeiramente, ter de me assumir como concidadão da mentira elevada à mais alta dignidade do estado.
A pobrezinha da Nação merece melhor, na mais alta magistratura, que mais não seja, alguém, do cuja verdade sempre se possa duvidar, mas que assuma a política pelos cornos, sem vergonha e com coragem, elevando-se ao nível do que ela é, a mais nobre arte de transformar o homem e o mundo.
Desculpai o desabafo. A bem da Nação. Aos 14 de Novembro de 2005.
sábado, outubro 20
Iguais e diferentes
O mundo é feito de diferenças, gentes e territórios, crenças e cores, tudo se mistura, coexiste, se interpenetra, nada é puro a não ser na imaginação dos artistas, que vivam os artistas!, e um dos males do mundo, em todas as épocas, é a elevação ao altar das virtudes da pureza, seja do que for. Tenho a certeza de ser fruto de múltiplas misturas assim como de todos os que me rodeiam. Quando assobiam a melodia da inevitabilidade de nos isolarmos, das ilhas, dos ghettos, dos muros, sinto o frio próprio que antecede a indignação cívica e a luta pela convivência tendencialmente igualitária, assumindo o convívio fraternal entre diferentes.
domingo, outubro 14
CAUSAS E COMPROMISSOS
O PS, como sempre, continua a ser a esquerda possível. Capaz de vencer eleições e constituir governos aceitáveis pela maioria da opinião pública. É pouco? É muito? É o que é! Não é a chamada “esquerda das causas” mas a “esquerda dos compromissos”. Os compromissos que viabilizam as causas, pois as causas impostas sem compromissos são o princípio da barbárie. É preciso conhecer um pouco de história para perceber esta diferença essencial. Em 1979 deixei de votar na “esquerda das causas”, na qual militei, porque percebi que as causas não são propriedade da esquerda. As verdadeiras “causas” pelas quais vale a pena lutar são património dos democratas que estão presentes em todos os quadrantes políticos, ideológicos e partidários. Essas causas resumem-se em dois palavras simples: liberdade e justiça.
sexta-feira, outubro 5
REPÚBLICA
5 de outubro de 1910
Às 8,30 da manhã passava pela Rua do Ouro, em triunfo, a artilharia, que era delirantemente ovacionada pelo povo.
As ruas acham-se repletas de gente, que se abraça. O júbilo é indescritível!
A essa hora, no Castelo de S. Jorge, que tinha a bandeira azul e branca, foi içada a bandeira republicana.
O povo dirigiu-se para a Câmara Municipal, dando muitos vivas à REPÚBLICA, içando também a bandeira republicana.
(…)
Vê-se muita gente no castelo de S. Jorge acenando com lenços para o povo que anda na baixa. Os membros do directório foram às 8,40 para a Câmara Municipal, onde proclamaram a República com as aclamações entusiásticas do povo.
O governo provisório consta será assim constituído: presidente, Teófilo Braga; interior, António José de Almeida; guerra, Coronel Barreto; marinha, Azevedo Gomes; obras públicas, António Luís Gomes, fazenda, Basílio Telles; justiça, Afonso Costa; estrangeiros, Bernardino Machado.
Governador Civil, Eusébio Leão.
Em quase todos os edifícios públicos estão tremulando bandeiras republicanas. A polícia faz causa comum com o povo, que percorre as ruas conduzindo bandeiras e dando vivas à República.
(Transcrito de O Século, quarta feira, 5 de Outubro de 1910, publicação de última hora.)
Raúl Brandão, in Memórias “O meu diário” – Volume II
Perspectivas & Realidades
segunda-feira, outubro 1
terça-feira, setembro 25
Manter a chama viva
Tenho escrito pouco aqui neste sítio antigo que dentro de pouco tempo fará 15 anos de existência. Aos meus fiéis amigos direi que 15 anos é muito tempo no mundo virtual que muda de forma alucinante ainda para mais nos casos de gentes que intervêm pelo puro prazer de escrever e intervir assumidamente enquanto cidadão livre. Mas não deixarei que morra este espaço e um dia destes, quando dispuser de mais tempo livre, até poderá recrudescer a minha vontade de lhe dar mais vida. Haja saúde!
domingo, setembro 16
ESQUERDA SOCIALISTA Nº0
Com data de 12 de setembro de 1974 saiu para a rua o n. 0 do "Esquerda Socialista", jornal do MES sob a direção de César de Oliveira, com um edição de 100 000 exemplares. Celebro a efeméride em homenagem ao César e ao José Manuel Galvão Teles que, em boa verdade, foi quem viabilizou esta aventura editorial.
Em épocas de revolução o tempo ganha uma dimensão proporcionalmente inversa ao empolgamento dos protagonistas. Quanto mais fervor revolucionário mais o tempo parece escasso. Todos os sonhos parecem realizáveis e as vozes conciliadoras, ou que se atrevam a apelar ao realismo, tendem a ser silenciadas ou desprezadas.
Apesar do seu temperamento afectuoso e, ao mesmo tempo, irascível, César de Oliveira, uma grande figura de intelectual da esquerda portuguesa do século passado, abandonou a direcção interina do “Esquerda Socialista”, após a edição dos seus seis primeiros números, sob a pressão de uma maioria radicalizada que, considerava o jornal ”politicamente ambíguo”, “graficamente confuso” e “financeiramente desastroso”.
Acusações tanto mais injustas, digo-o hoje sem contemplações, atentas as dificuldades em reunir, à época, as condições para erguer qualquer órgão de imprensa partidária (e mesmo generalista!), fora da esfera de influência do PCP e dos grupos marxistas-leninistas-maoistas, ainda por cima, em oposição, ideológica e política, aos princípios essenciais da orientação político-partidária daquelas organizações.
Foram aliás essas dificuldades que explicam o longo tempo, quatro meses e dez dias (uma eternidade!), que mediou entre o surgimento público do MES, anunciado no pano artesanal que desfilou na grande manifestação do 1º de Maio de 1974, e o dia 11 de Setembro desse ano quando saiu do prelo o nº 0 do “Esquerda Socialista”. O cartaz dizia “Movimento de Esquerda Socialista (em organização) ”, uma fórmula impensável à luz das regras tradicionais do marketing político, mas que explica, em duas palavras, as delongas no surgimento do jornal.
Era preciso dar corpo a uma ideia que andava no ar, ou seja, estabelecer as bases programáticas e organizativas de um partido, criando-o de raiz, a quente, na bigorna da revolução, não deixando perder as energias de tantos e tão promissores movimentos de luta sectorial e o entusiasmo dos militantes que exigiam aderir a um movimento político que nem os seus fundadores sabiam muito bem ao que vinha e nos quais não constava, que me lembre, uma única personalidade relevante ligada à imprensa.
Que experiência mais apaixonante se poderia desejar na volúpia da revolução, que fervilhava nas ruas, do que responder ao desafio de criar um partido de “esquerda socialista” despojado, à partida, de recursos materiais e de apoios internacionais? Mas como encontrar energias para fundar, do nada, o mais depressa possível, um órgão de imprensa que lhe desse rosto e voz?
Ao fim de muitas, e acesas, discussões, nas quais o César de Oliveira se enfurecia amiúde, lançaram-se as bases de uma equipa de trabalho para elaborar o “Esquerda Socialista”, arranjou-se uma sede provisória na Rua Garrett, que a partir do nº 8 passou para a Rua Rodrigues Sampaio e a partir do nº 30 para a Av. D. Carlos I, convenceu-se a Renascença Gráfica a vender “fiado” os trabalhos de edição e impressão, contratou-se uma distribuidora e o “Esquerda Socialista” foi para a rua.
Esta aventura, FAÇA-SE JUSTIÇA, não teria sido possível sem o empenho do José Manuel Galvão Teles e como, ainda hoje, não sei se alguém lhe agradeceu o suficiente daqui lhe envio o meu tardio obrigado!
No decurso da 2ª fase da sua existência, de Dezembro de 1974 a Julho de 1975, a direcção do “Esquerda Socialista” foi atribuída, pela Comissão Política Nacional (CPN) a Augusto Mateus, tendo sido editados mais 27 números, do nº 12 ao 38, com periodicidade semanal, compostos por 12 páginas a 2 cores e ao preço de venda ao público de 3$00. (a única excepção foi um nº especial, a propósito do 11 de Março de 1975, que saiu apenas com 4 páginas ao preço de 1$00).
Se não erro, pois não tenho a colecção completa na minha frente (não sei que é feito dela), foram editados, contando com o nº 0, quarenta números do “Esquerda Socialista”, com uma tiragem, no seu ocaso, entre 17.000 e 20. 000 exemplares, mesmo assim bastante relevante acerca da presença política do MES no processo revolucionário em curso, como era da praxe dizer-se.
O jornal “Esquerda Socialista”, carregando, em particular, nesta derradeira fase, as marcas próprias da sua época, mais criativo e anarquizante, na sua primeira fase, constitui um testemunho interessante para uma análise política, e cronológica, do período revolucionário compreendido entre o 28 de Setembro de 1974 e a aprovação do “Plano Aliança Povo-MFA, em Junho de 1975.
Mas ainda não tinha acabado a aventura do “Esquerda Socialista” e já tinha sido criado o “Poder Popular”, o outro órgão de imprensa do MES, que se pretendia mais próximo da luta das classes populares, porta-voz de um programa político do MES que nunca deixou de reflectir, a partir do final de 1976, embora sem expressão pública, a luta interna entre facções que se digladiavam no seu seio.
(Publicado nos Caminhos da memória).
terça-feira, setembro 4
PELO ANIVERSÁRIO DE MEU PAI DIMAS
Este é um dia que nunca esqueço ao contrário de tantos outros dias. O dia de aniversário de meu pai Dimas Franco Neto Graça (4/9/1910- 9/1/1991), Um homem bom que nunca me faltou, a mais das vezes sem palavras, mas cujos gestos me marcaram profundamente. Deve ter sofrido por mim, devo tê-lo feito sofrer, tantas vezes de forma desnecessária, pela irreverência de filho tardio que fui. Não sei explicar por palavras em texto corrido este sentimento de profunda gratidão pelo respeito que manteve até ao fim dos seus dias pela minha liberdade mesmo receando pelo meu destino em fidelidade com ela. Sempre presente no meu coração!
sábado, setembro 1
SETEMBRO
Nasceu hoje Setembro, o mês nove, agora mais perto do fim do ano, o tempo é implacável, passa por nós sem aviso prévio, descobri nas vésperas do primeiro dia de Setembro um conjunto de cartas que a minha primeira namorada " a sério" me escreveu, e eu lhe escrevi outras, tinha 21 anos, era verão, neste mesmo mês de Setembro, tão belos os textos, escritos de primeira, apaixonados e directos como só as mulheres sabem expressar suas opiniões e sentimentos. Tantos anos passados a sensação de não ter correspondido... Por estes dias, naquele ano longínquo, deveria fazer calor, mas também chovia, e a comunicação era mais rápida do que podemos supor hoje ao teclado dos instantâneos comunicados, pois as datas das cartas, nalguns casos, marcam dias sucessivos... com uma estampilha de um escudo ... e fui buscar um poema do Ruy Belo, in "Boca Bilingue", que inicia assim:
Setembro é o teu mês, homem da tarde
anunciada em folhas como uma ameaça
Ninguém morreu ainda e tudo treme já
Ventos e chuvas rondam pelos côncavos dos céus
e brilhas como quem no próprio brilho se consome
(...)
Setembro é o teu mês, homem da tarde
anunciada em folhas como uma ameaça
Ninguém morreu ainda e tudo treme já
Ventos e chuvas rondam pelos côncavos dos céus
e brilhas como quem no próprio brilho se consome
(...)
sábado, agosto 11
SMO
A propósito de um tema que voltou ao debate volto a publicar um post de 29 de setembro de 2004. Esta continua a ser, no essencial, a minha posição acerca do SMO apesar da passagem do tempo que torna ao mais necessário um debate exigente atenta a complexidade do tema.
"O Dr. Portas surge, ufano, a proclamar o fim do Serviço Militar Obrigatório (SMO). O acontecimento aparece aos olhos da grande maioria como uma grande conquista civilizacional. Em particular aos olhos da juventude. As juventudes partidárias rejubilam.
O Dr. Portas ostenta um orgulho que estaria nas antípodas das suas próprias convicções caso fosse um verdadeiro patriota. No momento em que se consagra o fim do SMO quero afirmar que sempre fui a favor da conscrição, ou seja, do “alistamento militar”.
Acho que o fim do SMO é uma cobardia moral e um sinal de resignação patriótica.
A partir de agora o país ficará a dispor de forças militares profissionais. A maioria dos jovens nunca terá acesso à experiência militar. Nunca saberá manejar uma arma. Nunca terá a noção real do que é a defesa nacional. O país perderá um dos últimos redutos onde se exercitava o sentimento de pertença à comunidade nacional.
Ficam os ex-combatentes para o exercício da demagogia patrioteira. Ficam as compras de armamento para o aumento da despesa pública. Ficam os edifícios e os terrenos militares devolutos para combater o deficit.
O patriotismo virou negócio por grosso e a retalho. E negócio chorudo!"
quinta-feira, agosto 2
A sul - mais um ano
Como sempre no verão regresso às origens. É mais do que uma rotina ou facilidade de viagem por razões económicas, ou familiares, é a satisfação de uma necessidade. Respirar o ar da minha meninice que se distingue de todos os outros, olhar o espaço e a gente que nele habita, reconhecer a própria identidade nos lugares que trago agarrados na memória. Tudo simples e natural. Reencontro já poucos dos meus amigos de juventude (ontem o Silvino)porque o tempo é cruel. Encontrei-me com o Gervásio, meu primo irmão, o mais velho de todos os familiares diretos, igual a si próprio para além da sua relativa surdez. Reconheço-me a mim próprio no ar que se respira e nas escassas falas que sobrevivem.
quarta-feira, julho 18
sexta-feira, julho 13
O JOÃO MÁRIO MORREU
O João Mário Anjos morreu. Desde os anos 60 do século passado que partilhamos muitas causas e militâncias. Sempre foi discreto e descobri com o passar do tempo, desde cedo, a sua inteireza de caráter e coragem excecionais. Não dá para explicar com muitos detalhes neste momento mas em muitas circunstâncias ele foi o primeiro a alinhar na linha da frente sem vacilar. Por ter tido um pressentimento cumpri há pouco tempo um dever que me tinha imposto a mim próprio e fui visitá-lo a casa. Estava doente mas no contexto da doença gostei de o ver e de lhe falar na companhia de sua dedicada mulher Adelaide. Hoje chorei com a notícia da sua morte e nunca se sabe ao certo o que nos leva, na verdade, a chorar por uns e a não chorar por outros. Será do nosso próprio estado de espirito mas no caso do João Mário é mais do que isso, uma torrente de memórias que nos faz acreditar na imortalidade. Mas dizia Camus "A imortalidade é uma ideia sem futuro". Que os deuses te abençoem!
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