Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
sexta-feira, janeiro 24
I CONGRESSO DO MES - O PANO DE FUNDO - 25 de abril - 40 anos, 19
Sessão pública de encerramento do I Congresso do MES – 21 e 22 de Dezembro de 1974 – Aula Magna da Cidade Universitária
O meu interesse por esta fotografia vem de longe e reside no facto do pano de fundo ter sido desenhado, em parte, com os pés. Queríamos fazer transbordar o símbolo do seu círculo fechado, subvertê-lo, criar uma imagem de movimento, mostrar um partido como lugar de caminhada e de encontro, o lugar de todas as utopias.
A Luísa Ivo, amavelmente, enviou-me a fotografia e adianta alguns detalhes: “o congresso iniciou-se sem o pano; estive com o Tolas, durante essa manhã, a continuar ou a terminar a pintura. A Mafalda controlava o processo. A uma certa altura eu e ele decidimos que deveriam aparecer mais marcas de pés a entrar para o círculo do que a sair. Então ele molhou os pés na tinta, foi até ao centro, fez o pino e saiu a caminhar com as mãos no chão e os pés para cima… Só nessa altura soube que ele praticava ginástica a um nível muito avançado!”
A fotografia fixa um momento da sessão de encerramento, no dia 22 de Dezembro, no qual está em palco Rossana Rossanda, consagrada dirigente da esquerda italiana, representante do movimento “Il Manifesto”, acompanhada por Manuel Braga da Cruz, actual reitor da Universidade Católica que traduzia o seu discurso.
Rossana, tal como Luciana Castellina, visitaram Portugal, mais do que uma vez no período da revolução, ao contrário de Lúcio Magri e de Luigi Pintor, todos do mesmo grupo de dissidentes do PCI, fundadores do “Il Manifesto”.
Na mesa, sentados, podem ver-se: Jerónimo Franco, Fernando Ribeiro Mendes, Afonso de Barros, Carlos Pratas, Augusto Mateus, José Dias, Nuno Teotónio Pereira, Rogério de Jesus, Francisco Farrica e António Machado.
Também tomaram lugar na mesa, embora não surjam nesta fotografia, Edilberto Moço, Paulo Bárcia (Didas), Vítor Wengorovius, Marcolino Abrantes, Luís Martins, Vítor Silva e Celso Cruzeiro.
[No conjunto eram os membros da “Comissão Política Nacional”, eleita no Congresso, com excepção de uns poucos cujos nomes não foram divulgados, entre os quais, eu próprio.]
PUBLICADO EM 13 DE SETEMBRO DE 2006
quinta-feira, janeiro 23
A unidade prevalece sobre o conflito
226. O conflito não pode ser ignorado ou dissimulado; deve ser aceite. Mas se ficamos encurralados nele, perdemos a perspetiva, os horizontes reduzem-se e a própria realidade fica fragmentada. Quando pa...ramos na conjuntura conflitual, perdemos o sentido da unidade profunda da realidade.
227. Perante o conflito, alguns limitam-se a olhá-lo e passam adiante como se nada fosse, lavam as mãos para poder continuar com a sua vida. Outros entram de tal maneira no conflito que ficam prisioneiros, perdem o horizonte, projetam nas instituições as suas próprias confusões e insatisfações e, assim, a unidade torna-se impossível. Mas há uma terceira forma, a mais adequada, de enfrentar o conflito: é aceitar suportar o conflito, resolvê-lo e transformá-lo no elo de ligação de um novo processo. «Felizes os pacificadores».
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA - EVANGELII GAUDIUM DO PAPA FRANCISCO
24 de novembro de 2013
quarta-feira, janeiro 22
O TEMPO
223. Este princípio permite trabalhar a longo
prazo, sem a obsessão pelos resultados imediatos. Ajuda a suportar, com
paciência, situações difíceis e hostis ou as mudanças de planos que o dinamismo
da realidade impõe. É um convite a assumir a tensão entre plenitude e
limite, dando prioridade ao tempo. Um dos pecados que, às vezes, se nota na
atividade sociopolítica é privilegiar os espaços de poder em vez dos tempos dos
processos. Dar prioridade ao espaço leva-nos a proceder como loucos para
resolver tudo no momento presente, para tentar tomar posse de todos os espaços
de poder e autoafirmação. É cristalizar os processos e pretender pará-los. Dar
prioridade ao tempo é ocupar-se mais com iniciar processos do que possuir
espaços. O tempo ordena os espaços, ilumina-os e transforma-os em elos de uma
cadeia em constante crescimento, sem marcha atrás. Trata-se de privilegiar as
ações que geram novos dinamismos na sociedade e comprometem outras pessoas e
grupos que os desenvolverão até frutificarem em acontecimentos históricos
importantes. Sem ansiedade, mas com convicções claras e tenazes.
EXORTAÇÃO
APOSTÓLICA - EVANGELII GAUDIUM DO PAPA
FRANCISCO
terça-feira, janeiro 21
UMA FOTOGRAFIA DA REVOLUÇÃO - 25 de abril - 40 anos, 17
Fotografia que me foi enviada pela Luísa Ivo, da publicação “Portugal, 1974/1975 Regards sur une tentative de pouvoir populaire, ed. Hier&Demain”, de Guy de Querrec.
. Para além da sua qualidade intrínseca nela surge, em destaque, de barba, o João Mário Anjos meu companheiro de jornada na madrugada do 25 de Abril de 1974.
PUBLICADO EM 1 DE MAIO DE 2007
segunda-feira, janeiro 20
SE EU SAIR DAQUI VIVO - 25 de abril - 40 anos, 16
Fotografia de Hélder Gonçalves
Se eu sair daqui vivo
da Casa de Saúde do Telhal
crivo numa pedra nua e resistente
o tamanho do meu mal.
Assanho-me de tal
e vou e venho
onde me seja mais natural.
Se sair daqui vivo
privo-me de tudo
da minha liberdade
que não sou um homem mudo
sou um homem de verdade.
Privo-me na idade
do bem que não fizeram
do bem que tudo tem.
É numa simplicidade
que convém.
14/3/96
Casa de Saúde do Telhal
domingo, janeiro 19
Primeiros dias de calor. Sufocante. 25 de abril - 40 anos, 15
Ilustração do meu filho Manuel, enquanto criança.
"Abril.
Primeiros dias de calor. Sufocante. Todos os animais
estão deitados. Quando o dia começa a declinar, a natureza estranha da atmosfera
por cima da cidade. Os ruídos que nela se elevam e se perdem como balões.
Imobilidade das árvores e dos homens. Pelas esplanadas, mouros de conversa à
espera que venha a noite. Café torrado, cujo aroma também se eleva. Hora suave e
desesperada. Nada para abraçar. Nada onde ajoelhar, louco de
reconhecimento."
Albert Camus
Albert Camus
[Nesta página da edição portuguesa dos "Livros do Brasil"
escrevi, à mão, em frente a Abril: “3-1968-Faro-Cais”, datando, com precisão, a
primeira leitura. O ambiente da Argélia natal de Camus tem algo a ver com o
ambiente de Faro, a minha cidade natal. Devia ser o período das Férias de
Páscoa. Curiosamente nas vésperas do “Maio de 68”.]
“Avril.
Premières journées de chaleur. Étouffant. Toutes les bêtes sont sur le flanc. Quand la journée décline, la qualité étrange de l´air au-dessus de la ville. Les bruits qui montent et s´y perdent comme des ballons. Immobilité des arbres et des hommes. Sur les terrasses, mauresques qui divisent en attendant le soir. Café qu´on grilles et dont l´odeur monte aussi. Heure tendre et désespérée. Rien à embrasser. Rien où se jeter à genoux, éperdu de reconnaissance.” *
* Citação de 1936, in versão portuguesa dos Cadernos de Albert Camus – Caderno Nº 1 (Maio de 1935 – Setembro de 1937) - página 25, edição Livros do Brasil; in versão original francesa “Carnets (Mai 1935 – Décembre 1948) ” – “Cahier I (Mai 1935 – septembre 1937) – página 806, Oeuvres complètes – II.
“Avril.
Premières journées de chaleur. Étouffant. Toutes les bêtes sont sur le flanc. Quand la journée décline, la qualité étrange de l´air au-dessus de la ville. Les bruits qui montent et s´y perdent comme des ballons. Immobilité des arbres et des hommes. Sur les terrasses, mauresques qui divisent en attendant le soir. Café qu´on grilles et dont l´odeur monte aussi. Heure tendre et désespérée. Rien à embrasser. Rien où se jeter à genoux, éperdu de reconnaissance.” *
* Citação de 1936, in versão portuguesa dos Cadernos de Albert Camus – Caderno Nº 1 (Maio de 1935 – Setembro de 1937) - página 25, edição Livros do Brasil; in versão original francesa “Carnets (Mai 1935 – Décembre 1948) ” – “Cahier I (Mai 1935 – septembre 1937) – página 806, Oeuvres complètes – II.
Na primeira lufada de ar
quente me surgiste
e senti o calor dos primeiros dias de verão,
sufocante fulgor das arremetidas da tua voz
insinuante aberta até ao queixo do enigma
de saber que te quero possuir mas não sei.
Ajuda-me a possuir-te mesmo que eu não
queira e te deites mal amada pois eu quero
e desespero perdido por querer que saibas
do meu desejo sincero e louco em possuir-te
nos primeiros dias de calor. Sufocante.
e senti o calor dos primeiros dias de verão,
sufocante fulgor das arremetidas da tua voz
insinuante aberta até ao queixo do enigma
de saber que te quero possuir mas não sei.
Ajuda-me a possuir-te mesmo que eu não
queira e te deites mal amada pois eu quero
e desespero perdido por querer que saibas
do meu desejo sincero e louco em possuir-te
nos primeiros dias de calor. Sufocante.
PUBLICADO EM 23 DE JANEIRO DE 2009, IN CADERNO DE POESIA
AS PALAVRAS AMARGAS DE TORGA - 25 de abril - 40 anos, 14
Fotografia de Rosário Belmar da Costa
Terceira fotografia que testemunha o primeiro acto público em que o MES (Movimento de Esquerda Socialista) se assumiu como movimento político. No 1º de Maio de 1974 todos estávamos ainda em estado de levitação.
Como tinha sido possível acontecer a liberdade? Muitos já tinham desesperado e, finalmente, em poucos dias, ecoou uma explosão de liberdade onde se juntaram, espontaneamente, multidões de desconhecidos e os mais desencontrados sentimentos.
No quartel limitei-me a assistir a tudo, a preto e brando, pela RTP, a cor destas fotografias que sobreviveram trinta e três anos. O dia 1º de Maio de 1974 fez-nos acreditar que se tinha iniciado uma nova era em Portugal. Apesar de todas as vicissitudes foi mesmo verdade mas, hoje, compreendo o desabafo que Torga plasmou, em palavras amargas, no seu “Diário”:
“Coimbra, 6 de Maio de 1974 – Continua a revolução, e todos se apressam a assinar o ponto.
- O senhor não diz nada? – Interpelou-me há pouco, despudoradamente, um dos novos prosélitos.
E fiquei sem fala diante da irresponsabilidade de semelhante pergunta. Foi como se me tivessem feito engolir cinquenta anos de protesto.”
PUBLICADO EM 30 DE ABRIL DE 2007
sábado, janeiro 18
TANGO PESSOAL - 25 de abril - 40 anos, 13
Fotografia de Hélder Gonçalves
Dizem que a memória deixa pegadas
e chamam-lhe as pegadas da memória.
Vou supor que está bem claro (claro que podia ser muito melhor).
Mas o 25 de Abril de há 25 anos não deixou apenas pegadas retóricas.
As pegadas são nomes de homens concretos à espera da morte
em Peniche ou no Tarrafal.
Das bandeiras em parada de legionários carnavalescos possuo ainda
uma caixa de cinzas.
Mais pegadas:
Os Ladrões de Bicicletas.
Redol a corrigir para os coronéis da censura um livro à pressa.
Júlio Pomar obrigado a comer cal.
Humberto Delgado a ser assassinado.
Soldados forçados a morrer em África.
A cardeala cereijiforme
preocupada com a fímbria da saia
depois de fazer jogging horizontal para baixo e para cima
sobre o cadáver santacombadense.
E, ao mesmo tempo,
eu a corromper-me a dançar o tango nos Fenianos,
o Manuel de Oliveira a fazer jogging transversal
à volta do corpo vivo de Potemkin, disfarçado de couraçado,
enquanto o carro do bebé desce para o seu destino.
Até que deixei uma noite de dançar o tango
e com dois amigos caçadores
(um deles o Alexandre O’Neill)
ferimos, a espingarda caçadeira,
em pleno escuro, no alto da Lixa,
um informador da polícia política.
Nada nos aconteceu
porque éramos tão fixes, gente tão fina,
que dançávamos o tango horizontal para cima e para baixo
em deboche obrigatório com as debutantes do Clube Tripeirense.
Entretanto, apanhávamos chumbos a Matemática.
Mais tarde, chegou-nos a vez de dançar o tango em Caxias
até que o Salgueiro Maia
garantiu de cima do tanque de guerra
que a Liberdade estava garantida.
Pegadas: claro que
esta memória não deixa pegadas de apagar com o vento.
Não são vagas pegadas a cheirar a alfazema rápida.
São antes a própria carne de que vamos vivendo.
E, olarila!,
acabou-se o tango.
Alexandre Pinheiro Torres
PUBLICADO EM 10 DE FEVEREIRO DE 2007 - O POEMA INTEGROU O PROJETO "A POESIA ESTÁ NA RUA" - ABRIL 1999
sexta-feira, janeiro 17
UM POEMA ANTIGO PARA VARIAR
Experiência II
Quero
de ti o corpo
seio
ventre aberto
Quero
o beijo de ti
sei
do sexo ao certo
Quero
de ti isso
o
lugar exacto só
Quero
a mão agora
logo
não sei já
Que
não quero sei
é
perder-me aqui
Mas
perder-me sei
Ao
certo que me quero
Quero
aonde ser
nada
mais senão eu
Agora
já sabes
o
que eu quero
Eu
é que não sei!
6/11/1980
[In Primeiros
Poemas, edição de autor, Dez. 2007]
quinta-feira, janeiro 16
quarta-feira, janeiro 15
COLECÇÃO DE CONCEIÇÃO NEUPARTH - 25 de abril - 40 anos, 12
MES – Amadora
Esta fotografia foi obtida, certamente, aquando da campanha para as eleições legislativas de 25 de Abril 1976. O MES, de forma autónoma, só participou nas eleições para a Assembleia Constituinte, realizadas a 25 de Abril de 1975, e nas primeiras eleições legislativas realizadas exactamente um ano depois.
A sua extinção foi o resultado de uma dura luta entre duas correntes que se confrontaram no 4º Congresso e ocorreu, como tenho vindo a documentar, através de um jantar/festa, no dia 7 de Novembro de 1981. É esta a data exacta, confirmada pelo António Pais através da sua agenda e das fotografias, de sua autoria, que testemunham as presenças nesse evento.
A revista “Sábado”, na sua edição de 11 de Março, publicou a fotografia de grupo, que deu início a esta série, sem referir a fonte o que é lamentável e não abona acerca da deontologia profissional dos autores de uma reportagem acerca da carreira política de um dos fotografados, José António Vieira da Silva, actual Ministro da Trabalho.
Outras fotografias do jantar de extinção do MES se seguirão para surpresa de alguns dos próprios fotografados.
PUBLICADO EM 19 DE MAIO DE 2006
terça-feira, janeiro 14
ANTÓNIO SÉRGIO - ALOCUÇÃO AOS SOCIALISTAS - 25 de abril - 40 anos, 11
Uma ressonância de 9 de Setembro de
2004. Tinha acabado de ouvir Manuel Alegre certamente a
propósito do Congresso Socialista. Como andava metido em trabalhos de limpar o
pó aos livros tinha-me caído nas mãos a extraordinária peça oratória, de António
Sérgio, chamada “Alocução aos Socialistas”, de Maio de 1947.
Ora lede a suprema ironia que o fino verbo de Sérgio derrama sobre a realidade da política socialista do presente.
"Na política, como sabeis, o comportamento rectilíneo, sem argúcia alguma, – sincero, aberto, desartificioso, claro, - usa ser censurado, como sendo ingénuo: e, nessa sua qualidade de comportamento ingénuo, como prejudicial, ou pateta. Paciência. Seja. (…) Os essencialmente habilidosos (não faço empenho em negá-lo) alcançam a sua hora de simulacro e de vista. Mas é uma hora e nada mais; mas é simulacro, e só vista. Logo a seguir a esse instante, comunica-se-lhes o fogo da sua iluminação de artifício, e fica tudo em fumaça, que pouco depois não é nada."
Ora lede a suprema ironia que o fino verbo de Sérgio derrama sobre a realidade da política socialista do presente.
"Na política, como sabeis, o comportamento rectilíneo, sem argúcia alguma, – sincero, aberto, desartificioso, claro, - usa ser censurado, como sendo ingénuo: e, nessa sua qualidade de comportamento ingénuo, como prejudicial, ou pateta. Paciência. Seja. (…) Os essencialmente habilidosos (não faço empenho em negá-lo) alcançam a sua hora de simulacro e de vista. Mas é uma hora e nada mais; mas é simulacro, e só vista. Logo a seguir a esse instante, comunica-se-lhes o fogo da sua iluminação de artifício, e fica tudo em fumaça, que pouco depois não é nada."
"Aos nossos socialistas, quanto a mim,
compete-lhes resistirem ao tradicional costume de se empregarem espertezas e
competições de pessoas para apressar o momento em que há-de chegar ao
poder…"
"Antes de tudo, buscai prestigiar-vos ante a nação
inteira pelo timbre moral da vossa alma cívica; porque (como acreditais, creio
eu) não é indispensável conquistar o poder para se influir de facto na
orientação do estado."
"Não tenhais a ânsia de vos alcandorar no poleiro
com prejuízo das qualidades a que se tem chamado "ingénuas". As habilidades
dissipam-se; os caracteres mantêm-se."
"Não existam ciúmes e invejas recíprocas entre os
vários componentes da vossa grei socialista: nem tampouco os ciúmes, nem
tampouco as invejas, para com os homens que compõem as outras facções da
esquerda. Seja vosso lema a unidade. Por mim, quero trabalhar pela unidade, pelo
entendimento recíproco, pela existência de convivência amável entre os homens
políticos de orientações discordes. Incorrigivelmente "ingénuo", fraterno,
cordial."
segunda-feira, janeiro 13
PAPA FRANCISCO
204. Não podemos mais confiar nas forças cegas e na mão invisível do mercado. O crescimento equitativo exige algo mais do que o crescimento económico, embora o pressuponha; requer decisões, programas, mecanismos e processos especificamente orientados para uma melhor distribuição dos rendimentos, para a criação de oportunidades de trabalho, para uma promoção integral dos pobres que supere o mero assistencialismo. Longe de mim propor um populismo irresponsável, mas a economia não pode mais recorrer a remédios que são um novo veneno, como quando se pretende aumentar a rentabilidade reduzindo o mercado de trabalho e criando assim novos excluídos.
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA - EVANGELII GAUDIUM DO PAPA FRANCISCO
24 de novembro de 2013
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA - EVANGELII GAUDIUM DO PAPA FRANCISCO
24 de novembro de 2013
MOVIMENTO DE ESQUERDA SOCIALISTA - 25 de abril - 40 anos, 10
Colecção de Conceição Neuparth – Depositada no Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra
Em 1971 o país ainda vivia na esperança de uma solução política para a crise do Estado Novo. Sabíamos que o futuro não podia esperar muito mais. Mas não sabíamos quanto iria ainda durar a ditadura apesar das timoratas tentativas de abertura política de Marcelo Caetano.
O MES (Movimento de Esquerda Socialista) nasceu da confluência de três movimentos que despontaram e ganharam corpo ao longo da década de 60 ganhando força a partir do simulacro de eleições em 1969: o movimento operário e sindical, o movimento católico progressista e o movimento estudantil.
A cumplicidade entre um numeroso grupo de activistas que actuavam, com autonomia, contra o regime, nestes diversos movimentos sectoriais, foi sendo reconhecida por alguns de nós o que, a certa altura, desembocou na consciência de que estávamos perante um movimento político informal. Daí até à ideia da sua institucionalização foi um pequeno passo.
Lembro sempre entre os esquecidos criadores do movimento o designer Robin Fior, um estrangeiro em Lisboa. Foi ele que desenhou o símbolo do MES, o único, adoptado pelos partidos portugueses, com uma declarada feição feminil. Robin foi também o autor da linha gráfica do jornal “Esquerda Socialista” e concebeu um conjunto de cartazes surpreendentes pela sua ousada modernidade.
Quantas horas passadas na sua companhia, e de sua mulher, desenhando uma imagem que ficou agarrada à minha memória. Admirável Robin...
[As fotografias e respectivas legendas do Jantar de Extinção do MES vão continuar. No dia em que passa mais um aniversário do golpe militar de 28 de Maio de 1926 que abriu o caminho para a instauração da ditadura em Portugal, para que se compreenda melhor do que falamos, quando falamos do MES, aqui fica uma variante de um post publicado em Março de 2004 no qual se fala de Robin Fior.]
PUBLICADO EM 28 DE MAIO DE 2006. ROBIN FIOR ENTRETANTO FALECEU.
domingo, janeiro 12
VÍTOR WENGOROVIUS - 25 de abril - 40 anos, 9
Fotografia de António Pais
O mais brilhante tribuno do movimento estudantil durante a
crise académica de 1961/62. Eu não tinha idade para o conhecer nessa época mas
os testemunhos dos seus contemporâneos são eloquentes. Só o conheci como
veterano no processo de criação do MES bastante antes do 25 de Abril.
Era uma figura pujante de energia e criatividade, prolixo, solidário e desprendido. Era a personificação do excesso para seu prejuízo pessoal e benefício da comunidade. Um socialista católico impoluto, crente e destemido, desprendido do poder e amante da partilha.
Privei com ele, nele confiava em pleno, com ele aprendi a confiar, talvez a confiar demais. Não me arrependo de ter acreditado na luz que emanava da sua dedicação às causas utópicas que as suas palavras nunca eram capazes de desenhar até ao fim. As suas palavras perseguiam a realidade que se escapava como um permanente exercício de criação.
Com ele fui a encontros clandestinos com o Pedro Ramos de Almeida, representante do PCP, buscando as alianças necessárias ao sucesso da luta anti fascista e nunca fomos apanhados pela polícia política.
Ouvi horas das suas conversas, intervenções e discursos, aprendi a ouvir, aprendi a faceta fascinante do excesso da palavra (não só com ele) e sofri, em silêncio, o lancinante drama do seu percurso pessoal perdido no labirinto das rupturas intelectuais e sentimentais.
Fiquei feliz no dia – próximo da sua morte – em que ajudei a que pudesse assistir ao musical “ O Navio dos Rebeldes”, levado à cena no Teatro da Trindade, em homenagem aos estudantes que em 61/62 se revoltaram contra a ditadura. No fim da representação um dos actores pediu licença para, à boca de cena, assinalar a sua presença e lhe prestar homenagem.
As lágrimas correram-me pela cara quando, frente ao palco, na cadeira de rodas, o Vítor pegou no microfone e, parcimonioso nas palavras, exacto e conciso, fazendo soar o timbre inconfundível da sua voz, agradeceu elogiando o trabalho teatral a que tinha acabado de assistir.
Morreu a 27 de Fevereiro de 2005 mas viverá para sempre no coração daqueles que, verdadeiramente, o conheceram.
(Ler ainda aqui)
Era uma figura pujante de energia e criatividade, prolixo, solidário e desprendido. Era a personificação do excesso para seu prejuízo pessoal e benefício da comunidade. Um socialista católico impoluto, crente e destemido, desprendido do poder e amante da partilha.
Privei com ele, nele confiava em pleno, com ele aprendi a confiar, talvez a confiar demais. Não me arrependo de ter acreditado na luz que emanava da sua dedicação às causas utópicas que as suas palavras nunca eram capazes de desenhar até ao fim. As suas palavras perseguiam a realidade que se escapava como um permanente exercício de criação.
Com ele fui a encontros clandestinos com o Pedro Ramos de Almeida, representante do PCP, buscando as alianças necessárias ao sucesso da luta anti fascista e nunca fomos apanhados pela polícia política.
Ouvi horas das suas conversas, intervenções e discursos, aprendi a ouvir, aprendi a faceta fascinante do excesso da palavra (não só com ele) e sofri, em silêncio, o lancinante drama do seu percurso pessoal perdido no labirinto das rupturas intelectuais e sentimentais.
Fiquei feliz no dia – próximo da sua morte – em que ajudei a que pudesse assistir ao musical “ O Navio dos Rebeldes”, levado à cena no Teatro da Trindade, em homenagem aos estudantes que em 61/62 se revoltaram contra a ditadura. No fim da representação um dos actores pediu licença para, à boca de cena, assinalar a sua presença e lhe prestar homenagem.
As lágrimas correram-me pela cara quando, frente ao palco, na cadeira de rodas, o Vítor pegou no microfone e, parcimonioso nas palavras, exacto e conciso, fazendo soar o timbre inconfundível da sua voz, agradeceu elogiando o trabalho teatral a que tinha acabado de assistir.
Morreu a 27 de Fevereiro de 2005 mas viverá para sempre no coração daqueles que, verdadeiramente, o conheceram.
(Ler ainda aqui)
PUBLICADO EM 17 DE MAIO DE 2006
sábado, janeiro 11
MÁRIO VIEGAS - 25 de abril - 40 anos, 8
Obrigado Tomás Vasques por me teres lembrado o dia de aniversário do Mário Viegas.
Fizemos parte da tropa juntos ali no quartel do Campo Grande. Por sorte calhou-nos na rifa o 25 de Abril. Contei, tempos atrás, um recital singular do qual não há outro registo senão a memória dos que nele participaram.
Morreu cedo porque não podia esperar o tempo suficiente para morrer. Quando nos víamos era uma festa. Um dia em pleno espectáculo no pequeno teatro, que leva o seu nome, no S. Luís, de cima do palco meteu-me ao barulho. Era, certamente, uma personalidade difícil, um perfeccionista da palavra e da expressão corporal.
Lembro a sua interpretação da personagem de D. João VI. A poesia dita na sua voz é um autêntico acto de criação. Viu-o, pela última vez, para as bandas do Chiado a descer de carro, no lugar do pendura, a caminho do Cais de Sodré. Esbracejou, como sempre, em larga e esfuziante saudação. Correspondi sem saber que esse seria o aceno final.
Foi um cometa luminoso, e raro, que atravessou a nossa vida cultural.
PUBLICADO EM 10 DE NOVEMBRO DE 2006.
sexta-feira, janeiro 10
25 de ABRIL - NA "PORTA DE ARMAS" - 25 de abril - 40 anos, 7
No interior da “porta de armas” do quartel do Campo Grande – João Mário Mascarenhas (à esquerda) e eu próprio – fotografia inédita do 25 de Abril
Outras imagens inesquecíveis destes dias:
Os soldados deitados nas camaratas do quartel, em posição defensiva, vigiando a rua ou o recital de poesia do alferes Mário Viegas no refeitório do quartel.
O popular, de bicicleta, levantando nas mãos a bandeira nacional aos gritos: Liberdade, Liberdade, Portugal, Portugal!
PUBLICADO NO DIA 25 DE ABRIL DE 2006
quinta-feira, janeiro 9
25 DE ABRIL - TRÊS AMIGOS DE BRANCO - 25 de abril - 40 anos, 6
Uma Fotografia Inédita - João Mário Anjos, Eduardo Ferro Rodrigues e eu próprio
Poema de geometria e de silêncio
Ângulos agudos e lisos
Entre duas linhas vive o brancoSophia de Mello Breyner Andresen
In Coral - Editorial Caminho
O 25 de Abril foi vivido, e participado, por todos nós por entre “sinais de fumo”. Cada um cumpria a sua missão e esperava que o outro a cumprisse.
A comunicação seria feita a seu tempo. Não havia net nem sequer telemóveis (celulares como dizem os nossos amigos brasileiros). Naquelas horas da manhã do 25 de Abril devem ter sido batidos todos os recordes de telefonemas jamais realizados em Portugal.
Para mim o branco foi a cor desses dias. Angústia, espera, clausura desde a madrugada de 25 de Abril até depois do 1º de Maio. Não vivi o colorido da festa nas ruas nem participei nas manifestações …
Foram muitos os que tiveram que abdicar da festa, pá! Telefonemas, telegramas, umas olhadas ao movimento defronte do quartel, imagens na rtp, a preto e branco, e pouco mais. Mas o coração transbordava de contentamento.
Um dos convivas da fotografia estava comigo no quartel e foi protagonista, mais tarde, de uma das situações mais difíceis do período de brasa da revolução. O do meio adivinhe quem é? A republicar com legendagem!
PUBLICADO EM 24 DE ABRIL DE 2006
quarta-feira, janeiro 8
25 DE ABRIL - O GOSTO DA LIBERDADE - 25 de abril - 40 anos, 5
O meu irmão Dimas ao trabalho – finais dos anos 50.
No dia 25 de Abril de 1974 em que a história, o imaginário e o simbólico se fundiram, num magna único, as raízes falaram mais alto. Uma das recordações mais fortes do 25 de Abril, que persistem em mim, foi a preocupações em telefonar, naquela manhã, do quartel onde ficara enclausurado, para casa de meus pais.
Talvez seja incompreensível a persistência desta memória mas ela explica-se pelo facto de ter vivido, a maior parte da minha vida, longe da família, rodeado pela memória das paredes brancas, da luz do sul, dos cheiros da terra com vista para o mar. Das vozes e dos olhares que me viram crescer. Das ruas que conheço de cor e sou capaz de imaginar ao pormenor. Do rosto daqueles que são o rio no qual desagua o meu imaginário.
Naquele momento mágico, a madrugada do 25 de Abril de 1974, em que o sonho de gerações de portugueses se transformou em realidade veio ao cimo das minhas preocupações o que, em regra, nunca constituía preocupação: falar com a família para lhes dar a boa nova, trocar uma palavra de regozijo, ofertar um cravo imaginado, abraçar o futuro, verter uma lágrima, agradecer a liberdade que me tinham oferecido mesmo antes dos cravos brilharem nos canos das espingardas.
Reparei então como não somos nada sem as raízes que nos prendem ao chão das nossas origens.
O 25 de Abril foi uma vertigem de libertação que ainda mais despertou em mim o gosto da participação cívica. Ganhei esse gosto pela iniciativa do meu irmão Dimas à época em que todos os pais hesitam acerca do destino dos seus filhos. Os gostos não são inatos. Não nascem connosco. São uma construção na relação com o mundo que nos rodeia.
Sendo um filho tardio recebi dos meus pais a liberdade de escolher a minha vida e do meu irmão a discreta cumplicidade para que me afirmasse, no que quer que fosse, com respeito pelos princípios da liberdade e da democracia. O 25 de Abril foi a confluência de uma miríade de vontades libertadoras, um momento singular, que honraremos cultivando o gosto da liberdade.
POST PUBLICADO EM 23 DE ABRIL DE 2006
terça-feira, janeiro 7
UMA VISITA - 25 de abril - 40 anos, 4
Fotografia de Victor Valente
Visitei hoje, pela primeira vez, em Coimbra, o Centro de Documentação 25 de Abril. Concretizei, em trabalho, uma visita adiada anos a fio. É curioso que tenha sido realizada no primeiro dia após a entrada em funções do novo Presidente da República.
Não por ele mas pelo que acabou de cessar funções. Desde há muitos anos que tenho para lá depositar um conjunto de documentos do auto extinto MES. Nada de muito importante – que não privilegio as memórias do passado, antes prefiro as do futuro – mas é uma pena que se percam alguns daqueles documentos pois são originais.
Agora que as instituições de topo do estado estão quase a ficar “limpas” de ex-MES – por via do tempo e sabe-se lá mais do quê – talvez tenha chegado a hora de esvaziar o meu pequeno e modesto saco das memórias do MES entregando-as a quem delas possa cuidar.
Gostei do que vi e senti nesta visita. Algumas coisas inéditas e comoventes. Trouxe um livro – “A Fita do Tempo da Revolução – A noite que mudou Portugal” que consiste na reprodução do manuscrito do conjunto de registos de informação das chamadas telefónicas realizadas pelas duas partes em confronto na madrugada do 25 de Abril de 74.
Assim fiquei a saber a hora exacta de um acontecimento a que assisti – quase todo – ao vivo e o qual relatei, brevemente, nalguns posts antigos que podem ser lidos aqui aqui e aqui:
05H55/ Comunicação p[ara] o Ministro
- estavam a comunicar ao Ministro q[ue] a coluna da EPC estava a passar no Cartaxo há 20 min[utos].
- passou uma coluna em Almeirim às 05.35.
- Há uma coluna não blindada na Av. Da República
(Eu ia atrás dela com o António Dias e o João Mário Anjos)(…)
- M[ensagem] para passar ao sr. Cor. Romeiras p/.
O ministro está cercado no T.[erreiro] do Paço. EPC colocou uma automet[ralhadora] na Estação de Sul e Sueste e outra na Rua do Arsenal.(Estávamos na Rua do Arsenal neste momento)(…)
06H00/Min Ex[ército]
- Romeiras já vai na 24 de Julho. Veja se pode salvar. Já estamos todos cercados.
(…)
06H14/Min[istro] cercado no Terreiro do Paço
Era o Ministro do Exército
(…)
06H21/Forças RC7 aderiram
Cmdt forças RC7 (Alf. David e Silva)
Esta era uma importante força militar que até este momento se encontrava ao lado das forças leais ao governo.
Eu pensei que esta força (temível), leal ao governo, era comandada pelo Brig. Junqueira dos Reis, mas o relato atribui o seu comando ao Alf. David e Silva, referenciando, no entanto, a presença do Brigadeiro Junqueira, aliás meu conterrâneo, tal o ministro do exército à época, Luz Cunha, somente mais tarde na fita do tempo:
07H20/ As forças in[imigas] estão a ser comandadas Brig. Reis que vai col[una] Romeiras. Vão ocupar embocaduras Terreiro [do] Paço com forças RI1.
O Brig. Junqueira dos Reis era o 2º Comandante do Governo Militar de Lisboa e comandava a força da ordem pública do GML.(Já tínhamos encetada a viagem para ajudar na tomada do nosso objectivo que era o “2º GCAM”, no Campo Grande)
Por último tinha na memória a imagem difusa de que todos estes acontecimentos se tinham passado mais cedo. Afinal era mesmo muito tarde nessa madrugada do dia mais excitante da minha vida (e do António Dias+ João Anjos que me acompanhavam).
POST EDITADO EM 10 DE MARÇO DE 2006
segunda-feira, janeiro 6
PRESIDENTES, ELIS E OS EFEITOS COLATERIAS DA DITADURA - 25 de abril - 40 anos,3
Elis Regina
Em Portugal, com respeito a Presidentes da República, excluindo a 1ª República (1910/1926), ninguém se queixa de terem sido demais. É interessante observar o sublime e recolhido regozijo dos portugueses perante a durabilidade dos mandatos presidenciais.
Descontados Gomes da Costa, que “comandou” a “revolução nacional”, em 1926, e de António de Spínola, que “comandou” a de 1974, tendo sido rapidamente descartados, Portugal contou, no exercício da função presidencial, no Estado Novo, desde 1926 a 1974, com três Presidentes da República: Óscar Fragoso Carmona, Craveiro Lopes e Américo Thomás (chefes militares respectivamente das forças de “Terra, Ar e Mar”) e, depois do 25 de Abril, com quatro: Costa Gomes, Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio.
Verdadeiramente só os três últimos foram eleitos, pelo voto livre dos portugueses, preenchendo, em 2006, 30 anos de vivência democrática.
Curiosamente, desde o fim da 1ª República, até aos nossos dias, no decurso de oitenta anos (80) só dois Presidentes foram civis (Soares e Sampaio), ambos eleitos. Todos os outros foram altos chefes militares ou acabaram sendo altos chefes militares (caso de Eanes). Os seus mandatos, em média, foram longos.
Talvez se possa concluir que o progresso da Pátria não tem ganho grande coisa por estar associado ao autoritarismo que esses militares, em contextos diferentes, protagonizaram nem à durabilidade dos seus mandatos. Curioso, não é? Dá para pensar!
(A foto de Elis Regina, retirada do new york on time, nada tem a ver, aparentemente, com o assunto. É que me veio à memória uma cena que nunca mais esqueci e na qual participei. As ditaduras provocam estranhos fenómenos de cegueira, de distorção da realidade e de injustiça na apreciação do papel dos outros em cada momento. Então não é que um belo dia uma entidade ligada à ditadura se lembrou de promover um espectáculo, em Lisboa, com a Elis Regina e o Jair Rodrigues e o movimento estudantil, não sei porque carga de água, metido em brios de revolta, resolveu boicotá-lo. A Elis e o Jair não entendiam nada do que se estava a passar – via-se-lhes nos rostos espantados - mas o que é verdade é que não houve espectáculo. À Elis, lá onde se encontre, e ao Jair, pela parte que me toca, desculpem!)
POST DE 2005, SOB ETIQUETA 25 DE ABRIL
domingo, janeiro 5
LUIZ PACHECO (25 de abril - 40 anos,2)
Acabei de ler o “Diário Remendado (1971-1975)” de Luiz Pacheco, da D. Quixote. Uma diário autobiográfico, ou algo que se aproxima do género. Não se trata, certamente, de uma obra-prima mas é leitura muito interessante para aqueles que se interessam pelo percurso de alguns dos chamados escritores portugueses malditos do nosso tempo.
Ao que consta do posfácio de João Pedro George, “biógrafo improvável” de Pacheco, segundo as palavras do próprio, este texto “é um fragmento de um diário muito mais vasto”. O que supõe que outros diários possam vir a surgir no futuro.
Retenho duas curiosidades que me tocaram pessoalmente: a descrição dos acontecimentos do dia 25 de Abril de 1974, por Pacheco, que termina com estas duas frases esplêndidas: “Foi bonito e foi rápido. Já posso morrer mais descansadinho.”
Ainda a revelação de que Aldina, uma “pintora com biografia”, mulher de António José Forte, segundo Pacheco, votou no MES nas eleições para a Assembleia Constituinte de 25 de Abril de 1975. Uma boa companhia.
Veja aqui uma parte da obra de Luiz Pacheco.
CHORO POR TI EUSÉBIO
Morreu Eusébio. Um herói e um símbolo para gerações de portugueses. O futebol é um jogo coletivo mas nele avultam alguns jogadores que o tornam mágico. Eusébio era um deles e desde criança me fez sonhar e acreditar que os mais fracos sempre podem vencer os mais fortes. Deixo em sua homenagem um texto que em tempos escrevi neste blogue em homenagem ao futebol. QUE VIVA!
Uma multidão no estádio, em nossa
casa, parece-nos sempre pequena. Amigável. Conhecemos muitos rostos. Mesmo as
vozes nos são familiares. Os ditos, as recriminações, “seu isto, seu aquilo …”.
Uma multidão que incentiva os ídolos de um tempo que é o nosso é como se fosse
alguém da nossa família. Os momentos de glória exigem uma multidão que aclame os
heróis. Vista de longe a multidão é anónima. Uma massa de gente que grita,
aclama, protesta e gesticula. Vista de perto é um mundo de paixões e afectos que
se partilham com fervor. As claques podem ser uma degenerescência das multidões
que aplaudem por puro prazer apoiando os seus à vitória. O tumulto pode
substituir a festa. Mas a essência do futebol é a festa. A partilha do prazer
entre pobres, remediados e ricos; homens e mulheres; crianças, jovens e velhos,
misturados na turba que ferve na crença na vitória que, tantas vezes, se
transforma na melancolia da derrota. A multidão que se manifesta mostra a alma de
um povo que aspira a libertar-se das rotinas do trabalho e das agruras da vida.
A história das multidões, para o bem e para o mal, é uma parte da própria
história das nações, cidades, associações e famílias. O futebol é o sol que
ilumina a vida da maioria nas comunidades.
sábado, janeiro 4
Emídio Guerreiro (25 de abril - 40 anos,1)
Este é o ano do 40º aniversário do 25 de abril sobre o qual muito se falará (assim espero que seja) numa celebração de um acontecimento já longínquo daquelas que começam a ressoar a liturgia morta. É a realidade pois o tempo não perdoa. Mas a memória carece de ser avivada sempre que estiver em causa a questão da liberdade. Coloquei neste blogue a etiqueta "25 de abril" em 160 posts sendo certo que só bastante tarde comecei a utilizar etiquetas por assuntos. Vou voltar a postar diariamente, ou quase, uma seleção desses posts para lembrar o regresso à liberdade e à democracia, após 48 anos de ditadura.
Na época de todas as mortes. Emídio Guerreiro um lutador pela democracia e pela liberdade. Morreu aos 105 anos. Bem haja.
Biografia Breve - Uma vida em três séculos
Ao longo da sua longa vida, que atravessou três séculos, Emídio Guerreiro assistiu à implantação da República, viu nascer e morrer a ditadura, de que foi um dos mais destacados combatentes, atravessou duas guerras mundiais e participou na construção do regime democrático em Portugal.
Emídio Guerreiro nasceu a 6 de Setembro de 1899, em Guimarães, numa família de ideais republicanos, que acolheria como seus durante toda a vida. Frequentou a Universidade do Porto, onde cursou Matemática, depois de ter lutado como voluntário na I Guerra Mundial - o seu primeiro encontro com a conturbada história do século XX.
Em 1926, um golpe de Estado impõe a ditadura em Portugal, mas a 3 de Fevereiro do ano seguinte Emídio Guerreiro junta-se aos revoltosos que, em vão, tentaram derrubar os golpistas.Em 1928, funda no Porto a loja maçónica "A Comuna", do Grande Oriente Lusitano Unido.
Em 1932, escreve um panfleto contra o então presidente Óscar Carmona, acabando por ser detido, mas um ano depois conseguiria evadir-se, iniciando um exílio que se prolongaria por mais de 40 anos. A primeira paragem é em Espanha, onde dá aulas, mas o início da guerra civil leva-o a combater ao lado das forças republicanas.
Em 1939, com a vitória dos franquistas, fixa-se em França, passando à clandestinidade quando os nazis invadem o país, durante a II Guerra Mundial, tendo sido membro activo da resistência à ocupação alemã. Findo o conflito, Emídio Guerreiro voltou ao ensino de Matemática, desta vez na Academia de Paris.
Na capital francesa, funda em 1967, juntamente com outros exilados políticos, a LUAR, Liga Unificada de Acção Revolucionária, para combater o regime salazarista.
De regresso a Portugal, depois do 25 de Abril, foi um dos fundadores do PPD. Em 1975 foi eleito secretário-geral, tendo liderando o partido durante o período de ausência de Sá Carneiro no estrangeiro, por doença. Deputado à Assembleia Constituinte, viria a afastar-se do PPD, descontente com o rumo que o partido estava a seguir, e nos últimos anos aproximou-se do PS.
Em entrevista ao "Expresso", por ocasião do centenário do seu nascimento, Emídio Guerreiro elegeu a dignidade humana como o ideal que norteou a sua vida.
"Como não pode haver dignidade se não houver liberdade, naturalmente que eu lutei pela liberdade. Lutei contra todos os regimes prepotentes, lutei contra todas as ditaduras", afirmou.
LUSA
PELO 54º ANIVERSÁRIO DA MORTE DE ALBERT CAMUS
No dia do 54º aniversário da morte de Albert Camus (7/11/1913-4/1/1960) evoco a sua memória deixando mais um fragmento da sua escrita sobre um dos temas mais relevantes que atravessam a sua obra: justiça e liberdade.
“Antinomias políticas. Vivemos
num mundo em que é preciso escolher sermos vítimas ou carrascos – e nada mais.
Esta escolha não é fácil. Pareceu-me sempre que na realidade não há carrascos,
há apenas vítimas. No fim de contas, bem entendido. Mas é uma verdade que está
pouco espalhada.
Gosto imenso da liberdade. E para todo o intelectual, a liberdade acaba por confundir-se com a liberdade de expressão. Mas compreendo perfeitamente que esta preocupação não está em primeiro lugar para uma grande quantidade de Europeus, porque só a justiça lhes pode dar o mínimo material de que precisamos e que, com ou sem razão, sacrificariam de bom grado a liberdade a essa justiça elementar.
Sei estas coisas há muito tempo. Se me parecia necessário defender a conciliação entre a justiça e a liberdade, era porque aí residia em meu entender a última esperança do Ocidente. Mas essa conciliação apenas pode efectivar-se num certo clima que hoje é praticamente utópico. Será preciso sacrificar um ou outro destes valores? Que deveremos pensar, neste caso?”
Gosto imenso da liberdade. E para todo o intelectual, a liberdade acaba por confundir-se com a liberdade de expressão. Mas compreendo perfeitamente que esta preocupação não está em primeiro lugar para uma grande quantidade de Europeus, porque só a justiça lhes pode dar o mínimo material de que precisamos e que, com ou sem razão, sacrificariam de bom grado a liberdade a essa justiça elementar.
Sei estas coisas há muito tempo. Se me parecia necessário defender a conciliação entre a justiça e a liberdade, era porque aí residia em meu entender a última esperança do Ocidente. Mas essa conciliação apenas pode efectivar-se num certo clima que hoje é praticamente utópico. Será preciso sacrificar um ou outro destes valores? Que deveremos pensar, neste caso?”
Albert Camus, in Caderno n.º 5 (setembro 1945/abril
1948)
sexta-feira, janeiro 3
Beethoven - Symphony No. 9
Tão afastado da música! Regresso, neste início de 2014, com a Sinfonia nº 9 de Beethoven. Vou intervalar as palavras, as imagens e a música ao ritmo da minha disposição, gosto e acaso. Para todas, e todos, os meus amigos que insistem em visitar-me com os desejos de Bom Ano de 2014.
quinta-feira, janeiro 2
DIA 2
Dia 2. Como romper o ciclo vicioso? Com um acontecimento novo. Como romper o cerco? Com um novo intento, uma fuga, um salto, um movimento. Todos se olham e se interrogam mesmo julgando-se adversários ou inimigos. Não perder o equilíbrio, prezar os que nos amam, criar se nos propiciarem a oportunidade, resistir à injustiça dos homens e do mundo, reunir as forças que em nosso redor anseiam por romper a inação, não desistir de nada em que acreditemos, um pequeno gesto pode mudar uma vida, uma multidão de gestos pode mudar o mundo. Segurar com firmeza a vida e nunca abdicar de apreciar a beleza.
quarta-feira, janeiro 1
ANO NOVO
Fotografia de Hélder Gonçalves
Ainda à beira do atlântico, mar que desaba na praia longo e grosso, desfeito em espuma, com sua voz ecoando ressonâncias a descobertas, vos deixo os desejos de BOM ANO DE 2014.
Ainda à beira do atlântico, mar que desaba na praia longo e grosso, desfeito em espuma, com sua voz ecoando ressonâncias a descobertas, vos deixo os desejos de BOM ANO DE 2014.
2014
Fotografia de Hélder Gonçalves
Dia um. Ano 2014. Dia de Ano Novo, como soe dizer-se, aqui assinalo o regresso a casa. Perto do ponto mais ocidental da Europa ouço o marulhar das ondas deste mar que sempre me acompanha nesta época. Os amigos são um espaço de pertença que se confunde com a natureza que me invade. Nada a lamentar. Reconstruindo os espaços, físicos e humanos, que nos permitem ganhar energias para enfrentar os desafios da vida em todas as suas dimensões. Aí vou, 2014 para te enfrentar como se foras o ano PRIMEIRO da minha vida.
segunda-feira, dezembro 30
PORMENORES
Não sei se vale muito a pena preocuparmo-nos com pormenores, mas há pormenores que se preocupam connosco. A longevidade, noutros tempos, era um pormenor despiciendo, uma raridade em pessoa, que tendo sido levada à conta de pormenor despiciendo se transformou num pormenor tremendo. Os velhos tornaram-se um despertador que marca todas as estratégias de futuro. Muitos estudaram o fenómeno intitulado, academicamente, por "envelhecimento demográfico", a quebra da natalidade associada à explosão da longevidade. Poucos são capazes de encarar a morte de frente. Ainda menos as sociedades. Hoje numa reunião daquelas que se dedicam ao encerramento do ano, alguém não podia voltar ao conclave a 2 janeiro, por ser o dia do nascimento do seu primeiro filho. Há pormenores surpreendentes.
domingo, dezembro 29
REVOLTA
"Revolta
Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade.
A justiça num mundo silencioso, a justiça dos mundos destrói a cumplicidade, nega a revolta e devolve o consentimento, mas desta vez sob a mais baixa das formas. É aqui que se vê o primado que o valor da liberdade pouco a pouco recebe. Mas o difícil é nunca perder de vista que ele deve exigir ao mesmo tempo a justiça, como foi dito.
Dito isto, há também uma justiça, ainda que muito diferente, fundando o único valor constante na história dos homens que só morreram bem, quando o fizeram pela liberdade.
A liberdade é poder defender o que não penso, mesmo num regime ou num mundo que aprovo. É poder dar razão ao adversário."
Albert Camus, Caderno n.º 4 (janeiro 1942/setembro 1945)
(Mesmo perto do fim do Caderno nº 4, esta releitura, leva-me a retomar uma das citações que melhor explicita uma das preocupações dominantes em todo o pensamento e obra de Camus: a relação entre liberdade e justiça. Quando, nos nossos dias, na vida quotidiana e nos combates cívicos e políticos, se menospreza, ou subalterniza, o valor da liberdade sempre me vem à memória o primeiro parágrafo desta citação: “Finalmente, escolho a liberdade …”)
CONTINUAR (II)
No último domingo do ano de 2013, uma última palavra acerca
deste blogue em actividade desde o mês de dezembro de 2003. Dez anos é muito
tempo e nunca imaginei que este blogue pudesse durar tanto tempo. Não vale a
pena tentar explicar a permanência desta janela de comunicação com os outros. O
que para mim vale a pena, por razões e fidelidade, é dar-lhe continuidade
desafiando-me a permanecer activo, lúcido e presente em todas as batalhas que
sejam precisas travar para preservar esse precioso bem: a liberdade.
sábado, dezembro 28
ALBERT CAMUS
Ainda neste ano do centenário de Albert Camus publico uma série de sublinhados de leitura com inevitáveis repetições e algumas novidades a partir de um trabalho que preparei e que, por uma qualquer razão, não foi publicado. Mas, ao mesmo tempo, prossigo nas releituras de onde surgirão, certamente, novos posts.
Entre muitos modelos possíveis de testemunho acerca do centenário do nascimento de Albert Camus, nascido em 7/11/1913, escolho um entretecido de citações dos “Carnets”, a leitura inaugural da sua obra, pelos meus 20 anos, com breves notas. A biografia e bibliografia de Camus, pelo centenário, foram, de forma surpreendente para mim, razoavelmente divulgadas e o seu estilo de escrita, concisa, fragmentável, “excessivamente perfeita”, segundo os seus detractores, suporta a minha ousadia. As citações são retiradas da edição portuguesa dos Cadernos nº 1 (maio de 1935/setembro de 1937); nº2 (setembro de 1937/abril de 1939); nº3 (abril de 1939/fevereiro 1942); nº4 (janeiro 1942/setembro 1945) e nº 5 (setembro 1945/abril 1948) e não obedecem a ordem cronológica; as citações da edição francesa são acompanhadas pela indicação da fonte.
"O prazer que se encontra
nas relações entre homens. Aquele, subtil, que consiste em dar ou pedir lume-
uma cumplicidade, uma franco-maçonaria do cigarro."
Caderno n.º
2 (setembro de 1937/abril de 1939)
sexta-feira, dezembro 27
A PALAVRA LIVRE DE UM PAPA SEM MEDO
Fotografia de Hélder Gonçalves
É espantoso o alvoroço que vai nas hostes - da direita à esquerda - a propósito das palavras ditas, e escritas, pelo Papa Francisco. Não imagino o que se passará nos meandros da igreja de Roma, nem nos corredores dos paços Episcopais. Porventura um misto de incredulidade e medo pelo destemor das suas criticas à sociedade desigual e violenta em que vivemos, criamos e alimentamos, cada um à sua maneira, e com sua quota de responsabilidade, palavras que ressoam fundo pelos quatro cantos do mundo. Nada que já não tenha acontecido antes com outros Papas. Nada que não corresponda ao que se espera de uma voz que deve obediência a princípios que a Igreja proclama e aos quais se deve manter fiel. Na EXORTAÇÃO APOSTÓLICA - EVANGELII GAUDIUM - um texto assumidamente programático - o Papa, no fundo, nada mais faz do que assumir os princípios da doutrina social da igreja (para simplificar), apontando um caminho que permita derramar nas nossas sociedade de consumo, amplamente desesperançadas, uma nova crença no Homem, na sua obra e futuro. Como escreve Adriano Moreira num recente artigo de opinião o Estado Social, que o Papa defende, não é mais do que uma criação da confluência do ideário e da ação da doutrina social da igreja e do socialismo democrático. Não admira que uma ampla frente de lideres políticos, da esquerda à direita democráticas, de lideres de opinião de todos os quadrantes ideológicos (salvo os extremistas, seja qual for a sua extração), e milhões de mulheres e homens de boa vontade, crentes e não crentes, sintam vibrar o seu coração com as palavras e ações deste Papa. Na minha modesta opinião nada mais natural num mundo e num tempo sedento de liberdade e de justiça verdadeiras.
quinta-feira, dezembro 26
VISITAS DE NATAL
Da esquerda para a direita: o meu irmão Dimas de flor na lapela. O meu pai Dimas, vestido a rigor, de fato e gravata. Minha mãe, Tolentina, de fina camisa branca. A avó, Maria da Conceição, já doente, austera no seu vestido preto. A tia Lucília, uma beleza cinéfila, brilha à luz quente que envolve o Algarve de todas as estações. O mais pequeno, eu próprio, circunspecto, talvez, pela contrariedade do traje.
Fim da visitação de Natal. A mais comovente de todas é a visita à minha tia Lucília. Irmã mais nova de meu pai. Nascida em 1917. Os fragmentos de suas memórias sempre me surpreendem. A primeira mulher que me beijou chamada às pressas para ajudar no meu nascimento. Uma mulher linda que se desprende ao encontro dos outros. Nesta fotografia, na casa do encontro de hoje, somos os sobreviventes do grupo que mostra uma família feliz.
quarta-feira, dezembro 25
DIA DE NATAL
Dia de Natal. Chove no sul. A luz é a mesma. Quando rompe no céu nuvrado a luz do sul é diferente. O cheiro, mesmo na cidade, suspenso no ar é diferente. O ar que me rodeia o corpo é diferente. Somos uma unidade feita de terra e de gente que trazemos dentro. Toda a vida. Regresso e partida. Divisão e partilha. Memória e ação. Somos natureza. Natal.
Subscrever:
Mensagens (Atom)