quarta-feira, setembro 8

O pragmatismo fúnebre

Tenho observado as notícias, de forma fragmentada, como, aliás, todos tomamos conhecimento das notícias. Uns rumores, uma vista de olhos pelas manchetes (as do "24 Horas" são imprescindíveis), um comentário ouvido de soslaio, um assassinato de carácter (ou mesmo físico), uns desastres de viação, uns atrasos na colocação dos professores, uns aumentos dos preços dos combustíveis, umas discórdias (ou discussões) no PS, pois claro, o ambiente está laço, no estilo "deixa arder", que eu volto depois para comprar barato.

Leio muitas outras coisas e, algumas, sérias. Mas essas não são para aqui chamadas. Não vale a pena. O grupo dos que lêem essas coisas sérias se saírem à rua, e tomarem contacto com a vida real dos portugueses, terão a sensação daquele combatente japonês regressado à "civilização" após 40 anos "perdido" na selva coreana. Ou o sentimento que Van Gogh sentiu quando um patrão do colégio onde trabalhou, um dia, o enviou a fazer cobranças "difíceis" nos bairros miseráveis de Londres. Não foi capaz de cobrar um cêntimo e foi despedido.

O japonês pensará com os seus botões: "Que país demencial é este agora, gente miserável, jornais de trapaça, TVs de escândalo, degradação de linguagem, vestes sombrias, cidades destruídas, campos abandonados, poses pusilânimes, discursos grosseiros, senhoras e senhores ministros de cera …".

Salvo, claro está, digo eu, o Dr. Portas o único que ainda recorda qualquer coisa dos velhos tempos …no vestir austero, na pose severa, na firmeza do discurso…

Entretanto o senhor Primeiro-ministro, após as férias, viaja. Já deviam ter percebido o seu estilo arejado. Na visita oficial ao Brasil, a primeira, afirmou solenemente que ela (a visita) se tinha ficado a dever ao facto de se juntar "o útil ao agradável", ou melhor, "o agradável ao útil". Ele desejava muito a visita e surgiu o convite. Brilhante.

Mas as mais incríveis notícias não têm afinal importância nenhuma. São para entreter. O objectivo é banalizar o essencial para ganhar tempo. E como dizia o outro "tempo é dinheiro". Sempre se fazem uns negócios. Pela "surra". Nos interstícios do ruído promovido pelos assessores de imprensa. Ao mesmo tempo aparecerão umas medidas "sociais" para fazer ver ao povo crente que a estratégia do governo lhe dá importância.

Aliás o problema do governo, como sabem, não advem do conteúdo das medidas, mas da insuficiência da comunicação. Mas esse tempo já acabou. Os sociais-democratas deste governo vão comunicar com eficácia. Não estão verdadeiramente preocupados com as reformas de fundo do País e do Estado, nem com as reformas dos pobres e idosos, nem com o drama dos desempregados. O programa apresentado nas eleições legislativas de 2002 falava em "alhos" e este o governo fala em "bugalhos". Esta situação causa engulhos a muitos sociais-democratas. Mas os do governo estão pouco preocupados com isso.

Estão preocupados é com a comunicação que, noutros tempos, se apelidava de propaganda. E, antes de mais, com as grandes operações financeiras em torno do património do Estado, (a chamada "titularização"), das privatizações (as águas, por exemplo), da aquisição de armamentos para as FFAA … Entrou-se na era do pragmatismo fúnebre.

Lembram-se do celebrado verso de Gedeão: "Eles não sabem, nem sonham, /que o sonho comanda a vida." Mas para os mentores do pragmatismo fúnebre agora a música é outra: "Eles sabem que o negócio comanda a vida".Tudo o resto é para sobreviver, à míngua, ou para morrer. É urgente um sobressalto cívico contra esta estratégia fulminante de tomada do poder real pela direita não social-democrata. Mas é mesmo urgente!


terça-feira, setembro 7

Congratulações

O PP e o PSD, partidos da maioria governamental, congratularam-se por uma decisão de um tribunal. O PSD seguiu a reboque do PP. Esperemos para ver, no futuro, quais as suas tomadas de posição acerca de outras decisões dos tribunais. De qualquer maneira estas congratulações, ao contrário de um sinal de força, parecem um sinal de fraqueza.

segunda-feira, setembro 6

Ao arrumar as estantes

Ao arrumar as estantes os papéis sobejam. E saltitam os livros. Por todo o lado surgem surpresas. As decisões são difíceis. É pragmático lançar para o lixo todos os papéis que ostentem uma aparência inútil. E arrumar fora do alcance directo da mão os livros que se não esperam ler. Mesmo os nunca lidos.

Suspendem-se as decisões vezes sem conta. É uma tarefa de governo autêntica. Mesmo quando a biblioteca é pequena. Mas como definir a dimensão de uma biblioteca? Na casa dos meus avós (maternos), para além do "borda de água", havia um só livro. Tenho-o agora comigo. Era a Bíblia Sagrada. Uma edição antiga. Era uma grande biblioteca, a dos meus avós.

Hoje, ao arrumar as estantes, caiu de dentro da primeira edição de "O Canto e as Armas", de Manuel Alegre, (1967, Colecção Nova Realidade, Impresso na Tipografia do Carvalhido - Porto), um poema. Numa folha A5, muito bem dobrada e conservada, dactilografado à máquina, eis o poema, de qualidade discutível, mas cuja mensagem é o espelho de uma época de resistência à ditadura:

ENTENDER

Entender
mas sem falar,
é fundamental.
E em silêncio
há braços e mãos
que ajudam corpos
movem montanhas,
esperam p´los dias…

Sempre entendendo
sem falar,
tal e qual.

Assinado à mão: Carlos.


Por mais que puxe pela cabeça não sou capaz de identificar o autor. Por vezes a memória fixa os acontecimentos mas omite os protagonistas. A memória, salvo os Santos (e em Portugal não os há) e as multidões anónimas (e em Portugal só as há, por vezes, no futebol), é injusta para os homens que fazem a história.
.

Maria João Pires

Uma das maiores figuras da cultura portuguesa, a pianista Maria João Pires, está desiludida. Ao contrário de tantos outros optou por ficar em Portugal. Investiu as suas energias e prestígio num arrojado projecto cultural no interior.

No interior promovendo a verdadeira deslocalização, o combate, a sério, contra a desertificação humana, o equivalente a umas 20 Secretarias de Estado. Enfim o mais difícil. Ainda para mais os incêndios, deste verão, tocaram a Belgrais.

É que há territórios do interior que apoiam, através da sua própria existência física, ou dos rendimentos que geram, projectos culturais. É o caso de Belgrais, de Maria João Pires, como de um outro, que conheço melhor, o da "Fundação de Fronteira e Alorna", de Fernando Mascarenhas. O ano passado também ardeu uma grande área do montado de sobro, situado no Alentejo, que financia, em parte, as actividades desta Fundação.

Os projectos culturais destas entidades, sob o impulso de mulheres e homens verdadeiros defensores da cultura, sofrem também, em silêncio, com os incêndios.

No seu desabrimento Maria João Pires assume as dificuldades das iniciativas ousadas e, quantas vezes, a impotência dos seus mentores face à desconfiança, à inveja e à ignorância. Portugal deixa-se abandonar pelos seus melhores filhos ou exila-os na sua própria terra. Resta Espanha e o Atlântico, não é?

"Pianista Vai Dirigir Projecto Cultural em Salamanca"


Luis Nunes de Almeida

Acabo de ver a notícia da sua morte. Era Presidente do Tribunal Constitucional. Recordo-o como amigo, aberto, afável, cordial e íntegro. Conheci-o, de perto, nos tempos em que ambos militamos no MES (Movimento de Esquerda Socialista). Uma aventura a muitas vozes que, estou certo, nenhum de nós esqueceu. Sinto-me mais pobre.

domingo, setembro 5

LIBROS

Vuelvo a casa
una vez más
con siete libros.

Dirán que engullo el saber,
que todo es pose,
que nadie puede leer tanto, ni tan rápido;
que, como los otros, no disfruto
la lectura;
que esto es parte de mi furor numérico;
que para qué tanto, si no se me pone cara
de docto y circunspecto.

No sospechan, ni de lejos,
la verdad:
me gusta la chica de la librería.

DIEGO VALVERDE VILLENA
In Hartz

Informação e "conversas de café"

O artigo com o título em epígrafe, publicado, 6ª feira passada, no "Semanário Económico", está disponível na abébia vadia.

sábado, setembro 4

Notícias do meu país

As notícias da manhã deram para perceber algumas situações previsíveis. O governo reuniu em Évora - em mangas de camisa - para preparar a concretização do seu programa. Mas já passaram 50 dias. O programa, ao que se consta, é, no essencial, o mesmo do anterior governo. Ou seja do governo de José Manuel Barroso. Este é um governo de continuidade, não é? Devia ser fácil pôr o motor em marcha.

Ainda por cima o "Pacto de estabilidade e crescimento" (PEC) vai ser flexibilizado. Ou seja, vai deixar de ser inflexível. O Dr. Bagão Félix regozija-se. O PS tinha razão. O Estado, afinal, vai poder gastar mais. Aposto que o Dr. Bagão Félix vai fazer uma encenada comunicação ao país na véspera do Congresso do PS. Com uma forte vertente de "preocupação social". Pois o PS já não está no governo e os próximos anos são de eleições.

A pesada herança agora é da Dra. Manuela Ferreira Leite. A "Dama de Ferro" desceu às catacumbas e não se ouve da sua boca nem um suspiro. O que ontem era verdade hoje passou a ser mentira.

Um pormenor exemplar e delicioso: o Dr. Fontão de Carvalho vai assumir o pelouro das finanças da CML. Era ele mesmo o responsável por esse mesmo pelouro na gestão do Dr. João Soares. É para a gente se rir.

sexta-feira, setembro 3

Ilha da Barreta

Mais conhecida por Deserta a "Ilha da Barreta" é um paraíso que sobreviveu ao "assassínio" do Algarve. Fui lá hoje, de novo, com o meu filho que se dedica, com paixão, aos prazeres da pesca.

O dia estava "nuvrado" como dizia meu pai, que amanhã faria 94 anos, usando uma palavra antiga. Mas a paisagem da praia algarvia, sem sol escaldante, ganha um fulgor inusitado.

É o melhor do Algarve. As águas e as aves, o vento suave e fresco, o recorte da praia e o silêncio são, no conjunto, de uma beleza esplendorosa.

Sem nada a ganhar senão divulgar este paraíso aqui deixo o acesso à página electrónica da única entidade que presta serviços na "Ilha Deserta".

quinta-feira, setembro 2

Alegre e Sócrates

Vi que Alegre preconiza um programa político em que a ética republicana toma a dianteira. O problema desta atitude corajosa (nem outra coisa, dele, seria de esperar) é o de surgir de um candidato perdedor. Toda a campanha para a liderança socialista está condicionada pela "ideologia realista" da maioria dos dirigentes socialistas.

A candidatura de Alegre é uma candidatura de contra-poder. A candidatura de Alegre, nos últimos tempos, é uma novidade na política portuguesa. Ferro também o foi mas a direita não lhe perdoou a independência face aos poderes fácticos.

Alegre tem a vantagem de não aspirar, de facto, a ganhar o PS. Afinal o papel desempenhado por Alegre, no PS, está mais próximo do papel desempenhado, no PSD, por Santana, antes de Sampaio lhe ter oferecido, de bandeja, o poder. Ser uma voz crítica e incómoda num partido acomodado.

No país o problema de Alegre é ser penalizado pela opinião pública, ao mesmo tempo, pelo seu papel na "contra-revolução" (efeito esquecimento) e por preconizar, ou mostrar abertura, a uma aliança à esquerda (efeito medo).

No fim Alegre preconiza aquilo que Sócrates não é capaz de defender mas que é capaz de fazer. A fraqueza de Sócrates é a sua força: não tem passado para esquecer, nem futuro para temer.

quarta-feira, setembro 1

Carocho

Dedicado ao "Sempre-à-Coca" aqui reproduzo este post que já foi publicado na abébia vadia. Tal excepcional duplicação deve-se à decisão daquela juíza de turno que aproveitou o ensejo para mandar "prender toda a gente". O que comprova, como poderão verificar mais à frente, que o "Carocho" me faz cada vez mais falta.

O meu amigo Sempre-á-Coca, na sua deriva "citadora", actividade nobre que tem andado pelas horas da morte com a intelectualidade toda a bater no Sócrates, lembrou-me uma fase de "desfasamento" na minha vida.

Ando com a leitura dos clássicos, da "estação estúpida", atrasada uma semana. Ainda não li o Salvado mas já li o Sócrates.

O que é verdade é que as minhas verdadeiras preocupações, aquelas mesmo que me preocupam, estão desfasadas das manchetes dos tablóides, incluindo o Expresso.

Isto preocupa-me. Pois só aconteceu, a sério, uma vez na minha vida e, na época em que aconteceu, não haviam tablóides. É que eu quando era adolescente lia, quase todos os dias, os jornais todos.

Era na pequena biblioteca de uma "Sociedade" da cidade de Faro e eu "papava", de fio a pavio, sem preconceitos ideológicos, desde o "Diário da Manhã", ao "Novidades" a acabar no "República". Nessa altura andava desfasado.

Tinha, à época, um amigo, muito chegado, que o Sempre-à-Coca é capaz de conhecer, que era o "Carocho" - um homem de todas as vidas. Não é gato, não. É mesmo homem.

O "Carocho" sabia tudo. Tinha todas as informações possíveis e imaginárias. E eu, nada. Ele descrevia, com requinte, os factos, das fontes dele, e eu ficava com cara de parvo. Desde os "Ballets Roses" até aos escândalos da terra, ele sabia tudo.

E eu desfasado. Eu só sabia das informações que vinham na comunicação social que, como é sabido, não correspondiam nada à realidade. É claro que havia a censura.

Mas eu acreditava que, mesmo assim, devia andar a par das notícias. De tal maneira me actualizava que andava sempre ao lado da realidade verdadeira. É mais ou menos como agora. Não há censura. Mas o resultado é o mesmo.

A diferença é que agora são as autoridades que não acreditam nas notícias. De que elas próprias são as fontes. O lápis azul foi substituído pelo "não se pode perturbar o inquérito" ou "não se pode descredibilizar a investigação".

Porra que falta me faz o meu amigo "Carocho". Ele também era indiferente às notícias que vinham na comunicação social mas era porque tinha acesso às verdadeiras. E não era do CM nem da PIDE.

Faço daqui um apelo a quem souber do paradeiro do "Carocho" que lhe dê os meus azimutes. Ele que entre em contacto urgente comigo. Volta "Carocho".

terça-feira, agosto 31

Reencontros imediatos

Reencontrei, ao descarregar duas estantes de livros, algumas peças interessantes entre as quais o poema que Xanana Gusmão escreveu, a meu pedido, para o projecto "A poesia está na Rua", integrado nas celebrações do 25º Aniversário do 25 de Abril. A iniciativa foi promovida pelo INATEL e pela Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto. O poema intitula-se "25 (anos) de Abril!" e é datado de Salema, 6 de Abril de 1999. A pomessa da sua publicação será cumprida num dos próximos dias.

"O discurso previsível

Ontem à noite, depois de ter escrito isto: no restaurante, na mesa vizinha, dois indivíduos conversam, em voz não elevada mas bem marcada, bem treinada, bem timbrada, como se se tivessem preparado numa escola de dicção para se fazerem ouvir pelos vizinhos nos locais públicos: tudo quanto dizem, frase por frase(sobre alguns nomes de amigos, sobre o último filme de Pasolini), tudo está perfeitamente conforme o previsto: nem uma só falha no sistema endoxal. Concordância desta voz, que não escolhe pessoa, com a Doxa inexorável : é a jactância!"

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 34
(pag. 14, 1 de 3)

Edição portuguesa - Edições 70


segunda-feira, agosto 30

"O barco do aborto"

A questão que o barco em questão coloca é conhecida e polémica. Não a vou abordar agora. O que é mais interessante, neste caso, é a reacção do dr. Portas. Ainda bem que, de quando em vez, surgem uns "barcos" destes. Caso contrário o Dr. Portas não teria oportunidade de mostrar a sua raça. Nem o governo de mostrar as suas divisões internas. Algumas perguntas que todos se põem: quanto custa ao orçamento de estado a vigilância pela marinha de guerra ao "barco do aborto"? Qual o enquadramento legal da abordagem e "revista" aos barcos que naveguem, aparentemente, para se aproximarem do referido "barco do aborto"? A liberdade no mar é diferente da liberdade em terra? O tiranete brinca aos governos com a República e com o mais alto magistrado da nação?

sábado, agosto 28

Uma visita a Allende

Um dia, de visita a Santiago do Chile, cumpri um dos meus sonhos. Visitei a campa de Salvador Allende, prestando-lhe uma homenagem, pessoal e íntima, que sempre desejei desde a sua morte trágica em 11 de Setembro de 1973.

Era manhã cedo e acompanhado pelo meu companheiro de viagem e pelo motorista chileno, que fez questão de nos fazer companhia, lá fomos ao cemitério central da capital chilena. Antes de entrar compramos um ramo de cravos vermelhos. Fazia um frio de rachar.

O cemitério é monumental e a caminhada até ao nosso destino foi longa e solitária. Naquela hora o cemitério estava quase deserto de visitantes.

À entrada do cemitério entreguei o ramo de cravos nas mãos do motorista chileno para atenuar a sua comoção. Ele nunca tinha visitado a campa de Allende mas percebemos que chorava. Depositamos os cravos e recolhemo-nos uns breves instantes. Senti intensamente o frio mas o meu coração ficou reconfortado como se tivesse cumprido um dever de honra.

Uma notícia e uma reportagem recentes fizeram-me lembrar a visita à campa de Allende. Chamaram-me a atenção para o Chile e a sua história recente. A notícia diz-nos que "O Supremo Tribunal do Chile anunciou ter decidido hoje levantar a imunidade do general Augusto Pinochet, no âmbito da investigação sobre o Plano Condor." (Expresso on line).

A Reportagem, de Marion Van Renterghem, publicada no Público, é dedicada a uma heroína anónima, Carmen Yañez, vítima da repressão sanguinária de Pinochet. É bom não esquecer




"O texto político

O político é, subjectivamente, uma fonte permanente de aborrecimento e/ou de prazer; é, além disso e de facto (isto é, a despeito das arrogâncias do sujeito político), um espaço obtinadamente polissémico, a sede privilegiada duma interpretação perpétua (uma interpretação, se for suficientemente sistemática nunca será desmentida, até ao infinito). Poderíamos concluir a partir destas duas constatações que o Político é textual puro: uma forma exorbitante, exasperada, do Texto, uma forma inaudita que, pelos seus extravasamentos e pelas suas máscaras, talvez ultrapasse a nossa compreensão actual do Texto. E, tendo Sade produzido o mais puro dos textos, julgo compreender que o Político me agrada como texto sadiano e me desagrada como texto sádico."

Escrevi nesta pagina: "visitam-se lugares e acontecimentos mas, de facto, visitamo-nos a nós próprios apertando os contactos entre os "viajantes". Quando assim não sucede a viagem reduz-se à excursão."


Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 33
(pag. 13, 4 de 4)

Edição portuguesa - Edições 70

sexta-feira, agosto 27

Congresso do PS

No PS a situação é desconcertante. Os apoiantes de Sócrates não acreditam na fidelidade do seu candidato a uma linha de rumo coerente com os princípios fundadores do socialismo democrático - é a questão, de fundo, que se esconde por detrás da frase "socialismo moderno".

Os apoiantes de Sócrates preferiam, do coração, Jorge Coelho.

Os apoiantes de Alegre acreditam na fidelidade de Alegre aqueles princípios mas não acreditam na sua vitória - é a questão, de fundo, que se esconde por detrás da diabolização do "aparelho".

Os apoiantes de Alegre preferiam, do coração, Ferro.

O único que prossegue a "luta da sua vida" é Ferro. Processa Salvado e surge, regularmente a pontuar a campanha interna do PS, com iniciativas coerentes com as suas convicções.

Demasiado defensivo? A ver vamos...

quinta-feira, agosto 26

Sonetos VII

Oh! Como se me alonga de ano em ano
A peregrinação cansada minha!
Como se encurta e como ao fim caminha
Este meu breve e vão discurso humano!
Vai-se gastando a idade e cresce o dano;
Perde-se-me um remédio que inda tinha;
Se por experiência se adivinha,
Qualquer grande esperança é grande engano.
Corro após este bem que não se alcança;
No meio do caminho me falece;
Mil vezes caio e perco a confiança.
Quando ele foge, eu tardo; e na tardança,
Se os olhos ergo, a ver se inda parece
Da vista se me perde e da esperança.

Luís de Camões

Sonetos - Edição de Lobo Soropita, de 1595
Lírica - Círculo de Leitores

"Efeito benéfico de uma frase

X. contou-me certo dia que decidiu "exonerar da sua vida os amores infelizes" e que esta frase lhe pareceu tão bem feita que isso quase bastou para compensar os fracassos que a tinham motivado; então comprometeu-se (e comprometeu-me) a aproveitar melhor essa reserva de ironia que está na linguagem (estética)."

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 32
(pag. 13, 3 de 4)

Edição portuguesa - Edições 70

"Um país paralisado"

Um dos artigos de fundo da última edição do Expresso titulava: "Um país paralisado". Não é, na essência, uma questão de férias. É uma questão de conceito de acção.

O primeiro ministro está a cumprir o terceiro período de férias num mês. Como se estivesse cansado de um exercício que ainda não começou. É uma evidência ostentada que o governo tarda em instalar-se. No plano físico e orgânico.

A substância da sua acção é a propaganda. Contratam-se assessores para produzirem notícias vistosas. O reformismo vai desvanecer-se e, finalmente, transformar-se numa nota de rodapé na encenação dos "benefícios para todos".

As aparições do chefe vão ser encenada para dar seriedade à comédia. No final do ano todas os indicadores de desempenho do país vão ficar abaixo das previsões.

O país paralisado ficará mais pobre. Mas a "corte" ficará mais rica.