segunda-feira, setembro 6

Ao arrumar as estantes

Ao arrumar as estantes os papéis sobejam. E saltitam os livros. Por todo o lado surgem surpresas. As decisões são difíceis. É pragmático lançar para o lixo todos os papéis que ostentem uma aparência inútil. E arrumar fora do alcance directo da mão os livros que se não esperam ler. Mesmo os nunca lidos.

Suspendem-se as decisões vezes sem conta. É uma tarefa de governo autêntica. Mesmo quando a biblioteca é pequena. Mas como definir a dimensão de uma biblioteca? Na casa dos meus avós (maternos), para além do "borda de água", havia um só livro. Tenho-o agora comigo. Era a Bíblia Sagrada. Uma edição antiga. Era uma grande biblioteca, a dos meus avós.

Hoje, ao arrumar as estantes, caiu de dentro da primeira edição de "O Canto e as Armas", de Manuel Alegre, (1967, Colecção Nova Realidade, Impresso na Tipografia do Carvalhido - Porto), um poema. Numa folha A5, muito bem dobrada e conservada, dactilografado à máquina, eis o poema, de qualidade discutível, mas cuja mensagem é o espelho de uma época de resistência à ditadura:

ENTENDER

Entender
mas sem falar,
é fundamental.
E em silêncio
há braços e mãos
que ajudam corpos
movem montanhas,
esperam p´los dias…

Sempre entendendo
sem falar,
tal e qual.

Assinado à mão: Carlos.


Por mais que puxe pela cabeça não sou capaz de identificar o autor. Por vezes a memória fixa os acontecimentos mas omite os protagonistas. A memória, salvo os Santos (e em Portugal não os há) e as multidões anónimas (e em Portugal só as há, por vezes, no futebol), é injusta para os homens que fazem a história.
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