sábado, abril 9

Saber Viver é Vender a Alma ao Diabo


Gosto dos que não sabem viver,
dos que se esquecem de comer a sopa
(Allez-vous bientôt manger votre soupe,
s... b... de marchand de nuages?")
e embarcam na primeira nuvem
para um reino sem pressa e sem dever.


Gosto dos que sonham enquanto o leite sobe,
transborda e escorre, já rio no chão,
e gosto de quem lhes segue o sonho
e lhes margina o rio com árvores de papel.

Gosto de Ofélia ao sabor da corrente.
Contigo é que me entendo,
piquena que te matas por amor
a cada novo e infeliz amor
e um dia morres mesmo
em "grande parva, que ele há tanto homem!"

(Dá Veloso-o-Frecheiro um grande grito?..)

Gosto do Napoleão-dos-Manicómios,
da Julieta-das-Trapeiras,
do Tenório-dos-Bairros
que passa fomeca mas não perde proa e parlapié...

Passarinheiros, também gosto de vocês!
Será isso viver, vender canários
que mais parecem sabonetes de limão,
vender fuliginosos passarocos implumes?

Não é viver.
É arte, lazeira, briol, poesia pura!

Não faço (quem é parvo?) a apologia do mendigo;
não me bandeio (que eu já vi esse filme...)
com gerações perdidas.

Mas senta aqui, mendigo:
vamos fazer um esparguete dos teus atacadores
e comê-lo como as pessoas educadas,
que não levantam o esparguete acima da cabeça
nem o chupam como você, seu irrecuperável!

E tu, derradeira geração perdida,
confia-me os teus sonhos de pureza
e cai de borco, que eu chamo-te ao meio-dia...

Por que não põem cifrões em vez de cruzes
nos túmulos desses rapazes desembarcados p'ra morrer?

Gosto deles assim, tão sem futuro,
enquanto se anunciam boas perspectivas
para o franco frrrrançais
e os politichiens si habiles, si rusés,
evitam mesmo a tempo a cornada fatal!

Les portugueux...
não pensam noutra coisa
senão no arame, nos carcanhóis, na estilha,
nos pintores, nas aflitas,
no tojé, na grana, no tempero,
nos marcolinos, nas fanfas, no balúrdio e
... sont toujours gueux,
mas gosto deles só porque não querem
apanhar as nozes...

Dize tu: - Já começou, porém, a racionalização do trabalho.
Direi eu: - Todavia o manguito será por muito tempo
o mais económico dos gestos!

*

Saber viver é vender a alma ao diabo,
a um diabo humanal, sem qualquer transcendência,
a um diabo que não espreita a alma, mas o furo,
a um satanazim que se dá por contente
de te levar a ti, de escarnecer de mim...

Alexandre O´Neill

Poesias Completas
1951/1981
Biblioteca de Autores Portugueses
Imprensa Nacional Casa da Moeda

sexta-feira, abril 8

Manuais Escolares



As notícias acerca do tema são manifestamente exageradas. O despacho acerca da “transmissão em cadeia” de manuais escolares, agora revogado, não chegou, na prática, a entrar em vigor.

O mês de Abril seria fatal não houvera a revogação agora concretizada. A Ministra da Educação do governo de direita, Maria do Carmo Seabra, não mediu o alcance do despacho que assinou, 5 dias antes das eleições legislativas, publicado a 9 de Março, muitos dias depois das mesmas.

A questão é simples: a viabilidade da aplicação daquele despacho – nos planos técnico e financeiro – não foi acautelada. A revogação pelo governo em funções do dito foi correcta, adequada e tomada em tempo oportuno.

Assim se evitou, com uma medida simples, males maiores para a gestão das escolas. Por razões éticas não devo aprofundar o tema. Mas as razões evocadas pelos detractores da revogação são fundadas na mais pura ignorância ou má fé.

Veja aqui o despacho de revogação bastante bem fundamentado.

E ainda algumas considerações judiciosas na Memória Flutuante

"Diário do Governo" - 9

Jornais de Todo o Mundo

Jornais de todo o mundo on-line

Se clicar sobre a bandeira do país que desejar, aparecerão os jornais desse país. Depois é só clicar no jornal de sua predilecção e abrirá a edição actualizada de cada um.

São 29 Países ao redor do mundo.

ABRIL


Foto de amistad

Abril
É um mês que me diz muito. Nele nasci lá mais para o fim. Nele nasce o sangue novo que a primavera desperta. Nele se reconquistou, em Portugal, a democracia e a liberdade.

Abril
Nele me dá vontade de ler e de escrever. Observar a natureza e os seres que se movem como que abandonados à sua sorte. As flores que desabrocham e os cheiros excitantes que, aqui e ali, irrompem do interior da cidade adormecida sobre si própria.

Abril
Da brisa matinal que o atlântico torna fresca e a tez das gentes adocica. Dos brados soltos de janela em janela nos bairros antigos dando a notícia ou o recado. Das crianças que saltam de euforia e dos velhos que se aliviam da triste solidão.

Abril
Das mulheres que mostram no corpo a sua jóia mais preciosa. Das músicas que ecoam suaves nas ruas e nos pátios em que se desenham janelas engalanadas de flores. Da luz que brilha refulgente, nos excita e cega os sentidos.

Abril
Da leitura juvenil dos Cadernos de Camus, ainda da sua época de Argel:

“Abril.
Primeiros dias de calor. Sufocante. Todos os animais estão deitados. Quando o dia começa a declinar, a natureza estranha da atmosfera por cima da cidade. Os ruídos que nela se elevam e se perdem como balões. Imobilidade das árvores e dos homens. Pelas esplanadas, mouros de conversa à espera que venha a noite. Café torrado, cujo aroma também se eleva. Hora suave e desesperada. Nada para abraçar. Nada onde ajoelhar, louco de reconhecimento.”

quinta-feira, abril 7

Girassóis



"Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos,
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores.

Não há tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
Sábios incautos,
Não a viver,

Mas decorrê-la,
Tranqüilos, plácidos,
Tendo as crianças
Por nossas mestras,
E os olhos cheios
De Natureza ...

À beira-rio,
À beira-estrada,
Conforme calha,
Sempre no mesmo
Leve descanso
De estar vivendo.

O tempo passa,
Não nos diz nada.
Envelhecemos.
Saibamos, quase
Maliciosos,
Sentir-nos ir.

Não vale a pena
Fazer um gesto.
Não se resiste
Ao deus atroz
Que os próprios filhos
Devora sempre.

Colhamos flores.
Molhemos leves
As nossas mãos
Nos rios calmos,
Para aprendermos
Calma também.

Girassóis, sempre
Fitando o sol,
Da vida iremos
Tranqüilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido."

Fernando Pessoa, como Ricardo Reis.

Imagem e Texto do Pentimento

A Grande Peregrinação


João Paulo II

Cora Ronái discorre acerca do fenómeno mediático a partir de um acontecimento marcante: a morte de João Paulo II.

Através do Diário de Lisboa

quarta-feira, abril 6

JOÃO LÚCIO



Província onde nasci, amada do luar
E o sol ruidoso, ardente, imorredoiro …
Lírio fresco e azul deitado à beira-mar,
Com o cálix gentil a orvalhar-se em oiro …

Nesse canto imortal de todo o Universo,
De florestas, de sóis, mares e cordilheiras,
Tu és, unicamente, um perfumado verso,
Feito em luar dormente, azul e laranjeiras.

Lindo verso, porém, dessa lira suprema,
Com hinos triunfais, auroreais, fecundos,
Que abrange a Vida toda e faz o seu poema,
Rimando montes, céus, oceanos e mundos.

Tens o rir jovial e a bonomia calma,
O dulcíssimo aspecto ingénuo das crianças;
O sol doira-te o corpo; a fantasia a alma;
Fala-te o céu de amor; fala-te o mar d´esp´ranças.

Que este livro te diga, oh terra aventureira,
Como o meu coração a voz te sabe ouvir:
Ele é singelamente uma canção ligeira,
Que tu lhe tens cantado e tenta repetir.

Quando os astros de noite, errantes e dispersos,
Vierem mergulhar nas águas do teu mar,
Vai ler-lhes mansamente estes humildes versos
Pra que digam a Deus como te sei amar.

João Lúcio

O Meu Algarve - 1905

HAI-KAIS



Tem chovido bastante: insuportável tempo.
Na noite do quintal, o sapo canta.

*

Conversam como ao longe
não comigo,
Se comigo falavam
cansar-me-iam.

*

Por nuvens as montanhas não têm picos.
Mas, negras e escalvadas, cabeleira branca.

*

O mar se alonga ao longe tão sereno.
No temporal, há pouco, era mais curto.

*

O ano inteiro esta árvore
larga folhas mortas.

*

Roupa que se abre e cai:
surpresa; ou muito ou pouco.

*

No escuro cresce o amor
que só nocturno se ama.

*

Para encontrar-se o acaso
ai quanto caminhar!

*

Sentado, escreve e lembra
imagens que não viu.

Jorge de Sena

11-12/1/74

terça-feira, abril 5

Política


[Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571 – 1610), Giuditta eOloferne (c. 1599), óleo sobre tela, 145 x 195 cm, Galleria Nazionale d’Arte Antica, Pal. Barberini, Roma]

“Não sou feito para a política pois sou incapaz de querer ou de aceitar a morte do adversário.”

Albert Camus, in Cadernos

Imagem de Educação Sentimental

Governadores Civis



O país é pequeno mas há outros países da UE mais pequenos. O país é pobre mas há poucos países mais pobres na UE. Nos últimos anos o PIB do país cresceu menos que a média do PIB dos países da EU. O país empobreceu. O mesmo vai acontecer em 2005 e 2006.

É urgente inverter esta situação de calamidade nacional. Entretanto o governo empossou os novos governadores civis. O que me apraz dizer é: nunca mais acabam os governadores civis!

O ministro António Costa, na posse dos ditos, disse, na presença do primeiro ministro, que devem dar prioridade à prevenção e combate aos incêndios e que não devem comportar-se como “minifundiários”.

Mas a função faz o cargo. O governo civil é mesmo, politicamente, um minifúndio. Não há nada a fazer. A não ser o emparcelamento: ou seja a extinção dos ditos. O governo perdeu uma oportunidade para dar ao país mais um sinal de mudança.

Desta vez o sinal foi de continuidade. “Mudança na Continuidade” ou “Continuidade na Mudança”?

“Diário do Governo” – 8

Almocreve das Petas

Ler, no Almocreve das Petas, “A propósito de algum anti-clericalismo”

"Ir até ao fim ..."


Faro - Uma vista do lugar das minhas leituras de juventude de Camus em volta da doca

“Ir até ao fim, não é apenas resistir mas também não resistir. Tenho necessidade de sentir a minha própria pessoa, na medida em que ela é o sentimento daquilo que me ultrapassa. Por vezes preciso de escrever coisas que em parte me escapam, mas que provam justamente o que em mim é mais forte do que eu”.

Albert Camus, in Cadernos

segunda-feira, abril 4

LUZ


Luz. Iluminar. Uma lâmpada que ilumine. A epígrafe de Jorge de Sena que abre o meu último artigo:

“Aprendemos que, em política, a arte maior é a de exigir a lua não para tê-la ou ficar numa fúria por não tê-la mas como ponto de partida para ganhar-se, do compromisso, uma lâmpada de sala que ilumine a todos."….

Lembrei-me de Isadora Duncan. Quando a vejo retratada na minha memória, pelas imagens que me encantaram no cinema, associo à sua imagem a palavra LUZ.

Fascínio


As exéquias impõem-se.
A cor fascina-me.
A escolha obriga.
O espectáculo cega.
A fé esconde-se.
A morte certa.
A vida eterna?

"Público" Inimigo de Si Próprio


Já abordei o tema. O “Público” vai fazer-se pagar pelos acessos on line.
Vai perder pensando que vai ganhar. Um Jornal de referência
em Portugal – ao contrário de outros países – só tem a perder
ao fechar-se face à emergência de uma pluralidade imensa
de canais de informação interactivos. É um erro de gestão.
Um afloramento prático da leitura neo liberal feita por
marxistas fora do seu tempo.

O “Público” corre o rico de se
transformar, em breve, num jornal “careta”,
sem novidade nem carisma. Inimigo de si próprio.
Não vou mais reproduzir as suas notícias e artigos.

O Pacheco Pereira hoje, no Abrupto, identifica, com exactidão,
as consequências do fechamento do “Público” que esta deriva mercantil produzirá.

A ler ainda Atrium.

Expatriada

No Jornal do Blogueiro dei com Expatriada um blog de uma brasileira vivendo em Portugal.

sábado, abril 2

O PAPA MORREU


O Papa João Paulo II morreu. No seu pontificado, longo e intenso, afirmou-se como uma figura notável. Concretizou um pontificado universalista, em particular, em prol do reencontro entre as religiões. Viajou ao encontro dos povos e usou a palavra como uma arma pela reconciliação e pela paz. Era um conservador em muitas questões que atormentam a vida dos cidadãos e das sociedades contemporâneas como é o caso, por exemplo, da “interrupção voluntária da gravidez”, do uso de métodos contraceptivos e da ordenação das mulheres.

Mas impressionou-me sempre e, em particular, na fase final da sua vida, a forma desassombrada como encarou a velhice, a doença e a morte. Foi até ao fim um protagonista da sua própria vida impregnando de esperança no futuro os desafortunados pela marginalização, pela tirania, pela doença e pela pobreza.

Professemos, ou não, da sua fé, concordemos, ou não, com as orientações do seu pontificado, reconheçamos, humildemente, que foi um grande homem entre os homens do nosso tempo e de todos os tempos.

Uma nota dissonante e, porventura, menor para lastimar como, em Portugal, a RTP, canal público de televisão, realizou a cobertura dos últimos momentos da vida do Papa. No momento em que era anunciada oficialmente a morte do Papa a RTP transmitia um anúncio comercial.

Mais tarde quando o Presidente da República pronunciou a comunicação pública de condolências, em nome do povo português, a RTP não entrou no ar senão quando a comunicação já decorria e, mesmo durante a mesma, mostrou uma imperdoável displicência, sem a presença de um jornalista no acto e partilhando, quase todo o tempo, a imagem do Presidente da República com outras imagens.

A SIC, um canal privado, pelo contrário, cumpriu plenamente o serviço público que deveria competir à RTP. Face a este comportamento indigno a administração da RTP deveria ser exonerada já amanhã.

JOÃO PAULO II



No fim da vida o Papa polaco, João Paulo, Karol, quis, de vontade própria, dizer ao mundo dos homens que a vida deve ser vivida até ao fim.

Exagero, dizem alguns. Nos últimos dias as imagens das aparições públicas do Papa eram chocantes. E as imagens das guerras e de massacres de civis inocentes? E as imagens da “Quinta das Celebridades”? E as imagens dos corpos amortalhados das vítimas de desastres de viação? E as imagens dos aviões a embaterem nas Torres Gémeas ? ...

No caso deste Papa as imagens do seu sofrimento destinavam-se, por vontade do próprio, a destronar a imagem do efémero atingindo, em plenitude, o coração e a inteligência dos homens. É assim que as entendo.

O Papa quis mostrar que a velhice não é um impedimento para o desempenho de uma profissão, de uma missão, de um trabalho. Que a terceira ou quarta idade, o fim da caminhada pela vida, não é um estigma que justifique o abandono do homem pelos outros homens e a sua condenação à solidão.

Que a doença não é uma fatalidade que se deva aceitar com resignação. O Papa quis, de vontade própria, mostrar ao mundo dos homens, que o sofrimento não é motivo de vergonha e faz parte integrante da vida.

O Papa quis utilizar o poder da sua imagem pública, a sedução que a sua figura exerce em católicos e não católicos, para nos dizer: vivam a vida até ao fim, sem abdicação de nada a que tenham direito, partilhando com a comunidade não só a parte radiosa da criação humana, sempre associada à juventude, como a sua parte mais dolorosa: a dor, a doença e a morte.

Este ritual de exposição pública do sofrimento físico de João Paulo II– anunciando o fim da vida, sem subterfúgios – é uma novidade absoluta que marca uma postura corajosa acerca da vida e, quiçá, o princípio de uma nova era.

Imagem de Cibertulia

sexta-feira, abril 1

SECA



É precisa uma estratégia nacional para a água. E, por conseguinte, para a seca. De alto a baixo. De cabo a rabo. Uma tarefa de fundo, a médio/longo prazo, para o governo. Esta é mesmo uma função do governo.

Se o governo socialista a concretizar já basta para ficar na história. Eu disse concretizar. É difícil mas possível. E tem apoio popular. Garantido à partida. Mas não façam prédicas anunciatórias para empatar tempo e adormecer o auditório.
Acção. Acção.

"A SECA - PEQUENA DISSERTAÇÃO LIVRE"
(Texto integral no IRAOFUNDO E VOLTAR)

Fotografia de Helder Gonçalves

"Diário do Governo" - 7


"UMA LÂMPADA DE SALA QUE ILUMINE A TODOS"

Já está disponível no site do “Semanário Económico” o artigo com o titulo em epígrafe que hoje publico na edição daquele semanário.

O mesmo pode ainda ser lido no IRAOFUNDO EVOLTAR.