domingo, fevereiro 25

AS PALAVRAS

Posted by PicasaO meu irmão Dimas e meu primo Ezequiel
Fotografia de Família


As palavras dão as mãos na roda

Que se forma em torno do poema

Rodopiam à nossa volta e gritam


*

Não sei dizer o que nos dizem

As palavras falam tão devagar

Soltam-se e por vezes choram


*

O caminho se faz caminhando

Foi o que ouvi dizer há muito

Tempo mesmo sem palavras


*

As palavras não fazem falta

A não ser para se gastarem

E nelas desenhar os sonhos


25 de Fevereiro de 2007


[Homenagem ao meu irmão Dimas
no dia do 2º aniversário da sua morte
.]
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sábado, fevereiro 24

CAMUS - LEITURAS

Posted by PicasaO Primeiro Homem

Por estes dias conclui a releitura de “O Primeiro Homem”, obra póstuma de Camus, a única que escreveu de cariz marcadamente autobiográfico, e provei o gosto da transfiguração.

Com muitas outras leituras de permeio a releitura de uma obra é, afinal, como se fosse uma leitura inaugural. É muito interessante sentir o que designo por transfiguração do entendimento da leitura.

Apesar de se tratar do mesmo texto a última leitura é sentida como substancialmente diferente das anteriores. Desta vez fui capaz de reconhecer, quase ao detalhe, os meandros vida que respira por detrás das palavras.
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DAVID MOURÃO-FERREIRA

Posted by PicasaDavid Mourão-Ferreira
(24 Fev. 1927 - 16 Jun. 1996)

CERTIDÃO DE NASCIMENTO

Tão regaço estas arcadas
Tão de brinquedo os eléctricos
Vejo a cidade parada
no ano de vinte e sete
Dela por vezes me evado
mas sempre a ela regresso
Bem sei eu que não desato
o cordão com que me aperta
Vejo seus gestos de grávida
medidos cautos imersos
nessa jovem gravidade
que só grávidas conhecem
Que frescor de madrugada
no terror com que me espera
Mães têm sempre a idade
que em sonho os filhos decretam
Recordo melhor a data
Até mesmo a atmosfera
É o dia vinte e quatro
de um mês a tremer de febre
com armas grades e o rasto
de um sangue que nunca seca
Só seis decénios passaram
rápidos como seis séculos
Tão pouco Mas neles cabem
cidade arcadas eléctricos
nesta imensa claridade
irmã gémea do mistério

David Mourão-Ferreira
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LEONEL BRIZOLA

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PALAVRAS (PARA UM PANFLETO)

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

as palavras metem-se por baixo das portas
e são os versos (que medo!) da insubmissão;
as palavras atacam os poderes atravessadas
nos dentes de uma boca que morde, fala, grita.

as palavras carregadas de sentido estão aqui,
estão nestes versos que te aparecem nas mãos,
como um pássaro de asas de lume e olhos grenat,
como um poema que não se conforma nos livros.

as palavras, cortantes como essas lâminas, abrem
os pulsos dos anjos insensatos, erguem-se, foices,
ceifando as cabeças dos burros da cidade fechada,
as palavras preenchem os olhos vazios das pessoas.

as palavras distribuem-se como poemas volantes
nas vésperas de um primeiro de maio, em abril,
para que conste e sirva de aviso aos caducos,
para que em cada manhã sejam o pão e a estrela.

as palavras, acreditem ou não, meus caros senhores,
caem do céu nas nossas mãos e os olhos, doidos!,
não acreditam que os ventos as levem para longe,
as palavras escrevem-se para sempre nestas nuvens.

José Viale Moutinho
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sexta-feira, fevereiro 23

LUZIM

Posted by PicasaFotografia de Margarida Ramos
Ainda a propósito do Entrudo em Luzim, aqui deixo o comentário da anfitriã, ilustrado por uma fotografia da paisagem no enquadramento de uma magnífica janela cujas portadas ostentam as cores autênticas que julgávamos só encontrar num cenário de filme. Mas a realidade, por vezes, ultrapassa a ficção!
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Este foi um entrudo diferente, inesquecível, já que nas minhas memórias ficará gravado o vosso entusiasmo e o meu prazer, M.A.

JOSÉ AFONSO

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quinta-feira, fevereiro 22

CLARIDADE

Posted by PicasaPhilippe Pache

A claridade aflorava por debaixo das portas
Uma nesga horizontal floria a horas mortas

E os sons longínquos das vozes ressoavam
E sorriam à luz dos rostos que me amavam

15/02/2007

[Aqui deixo um “comentário” que a Helena
transformou num post
. O poema dela que
o suscitou é que, na verdade, vale a pena.
]
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REFER

Posted by PicasaFotografia daqui

Esta já é a segunda notícia, em poucos dias, da mesma natureza a respeito da REFER. E não se pode extingui-la? Privatizá-la? Fundi-la? A reforma da administração pública não passa por ali? Se isto é tudo verdade o que haverá mais? Que tal mandar fazer contas? Qual o prejuízo da REFER nos últimos cinco (5) anos? E da REFER e CP juntas? Faça-se um inquérito público que possa ser entendido pelos cidadãos! Estas notícias dão conta de uma situação degradante. Em particular para todos aqueles que ao longo dos anos trabalharam, de forma séria e empenhada, na administração pública. E ainda mais para todos aqueles aos quais foram levantados processos de toda a ordem por nada, nada … Como dizia Maria José Nogueira Pinto com razão, a propósito da CML, basta de brincar ao quarto escuro!... Isto é que é uma verdadeira Urgência!

O QUE AQUELA NOITE ME QUIS DAR

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Eu não estava em casa nessa noite, filho,
nem podia estar. Estava nas ruas com os soldados
que rumavam às rádios e aos quartéis, engalanados
de sombra e de júbilo, a ver o que aquela noite
ia dar, o que a nossa liberdade prometia ser.
E tu, filho, tinhas a idade rumorejante
desse Abril embalado por uma canção do Zeca.
Como posso eu explicar-te tudo aquilo
que tu nasceste para aprender, para viver?
Eu estava aquartelado no meu silêncio
de pétalas, sílabas e marés, no meu dédalo
de vozes embriagadas pelo vento,
na coragem errante das pelejas da infância
e pouco ou nada sabia do mistério desse mês
capaz de transformar em assombro as nossas vidas.

Sim, sou eu neste retrato antigo,
a receber em festa os exilados, os que chegavam
com grinaldas de cantigas e a flor de uma ilusão
bordada a sangue e espuma no capote das nocturnas caminhadas.
Sim, sou eu a escrever a primeira reportagem
do primeiro de muitos dias em que o tempo
deixou de contar, em que os relógios
se tornaram corolas de paixão e riso
na lapela larga da alegria desta pátria.

Eu não estava em casa nessa noite, filho,
estava a afinar o coração pelo tom
das mais belas melodias que alguém pode aprender
para dar a quem ama a paz de um sono sem tormento.

José Jorge Letria

Dezembro de 1998
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terça-feira, fevereiro 20

VITORINO NEMÉSIO

Posted by PicasaVitorino Nemésio

1901 - A 19 de Dezembro, nasce Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva, na Praia da Vitória, Ilha Terceira, Açores/1978 – A 20 de Fevereiro, morre em Lisboa, no Hospital da CUF, e será sepultado em Coimbra, no cemitério de Santo António dos Olivais.

PRECE

Meu Deus, aqui me tens aflito e retirado,
Como quem deixa à porta o saco para o pão.
Enche-o do que quiseres. Estou firme e preparado.
O que for, assim seja, à tua mão.
Tua vontade se faça, a minha não.

Senhor, abre ainda mais meu lado ardente,
Do flanco do teu Filho copiado.
Corre água, tempo e pus no sangue quente:
Outro bem não me é dado.
Tudo e sempre assim seja,
E não o que a alma tíbia só deseja.

Se te pedir piedade, dá-me lume a comer,
Que com pontas de fogo o podre se adormenta.
O teu perdão de Pai ainda não pode ser,
Mas lembre-te que é fraca a alma que aguenta:
Se é possível, desvia o fel do vaso:
Se não é, beberei. Não faças caso.

Vitorino Nemésio

In “O Verbo e a Morte”
Morais Editora, 1959
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CAMUS - SUBLINHADOS DERRADEIROS

Posted by PicasaFotografia daqui

Ressonância de 20 de Fevereiro de 2004. Este longo post, o último desta série, foi preparado para integrar o blog Cadernos de Camus mas nunca chegou a ser nele publicado.

Esta é a última parte dos meus sublinhados da leitura de juventude dos Cadernos de Camus. Esta leitura foi iniciada, certamente, antes de Abril de 1968, tinha a idade de 20 anos.

Os sublinhados que se apresentaram, com pequenas alterações de pormenor e raras supressões foram assinalados nos livros, de forma “assassina”, a esferográfica. Os livros, no entanto, sobreviveram e, recentemente, foram restaurados e encadernados a capa dura. Estão em condições de serem legados ao meu filho pois tenho a pretensiosa ambição de que um dia os venha a ler.

Com esta peça chega ao fim a estimulante tarefa que me foi suscitada pela ideia do José Pacheco Pereira. Mas devo confessar que um projecto semelhante aos Cadernos de Camus, mesmo antes do surgimento dos Blogs, já me tinha, por diversas vezes, assaltado a imaginação.

Esta é uma daquelas tarefas que me dá prazer autêntico, quer pelo facto de poder partilhar uma leitura de toda a vida, quer por me ter sentido, não raras vezes, surpreendido pela actualidade das referências contidas nos excertos que reli. Continuo a sentir hoje a mesma adesão de fundo à filosofia de vida e de sociedade que Camus defende e que transparece na maior parte dos Cadernos.

Além do mais devo confessar que este é, desde a minha juventude, um “livro de cabeceira” que, naturalmente, não li todos os dias mas que sempre esteve presente na minha vida mesmo quando os impulsos de uma desinteressada militância cívica e política exigiram, e continuam a exigir, a tomada de opções difíceis ou mesmo dolorosas.

Não sei ao certo qual o caminho que este projecto tomará mas poderia permitir, se para tal se reunissem as necessárias condições, um debate em torno de um conjunto de ideias força em que assumem particular ênfase, entre outras, as que respeitam às magnas questões da crise da justiça e da liberdade nas sociedades democráticas.

Tenho em mãos, além do mais, outros contributos para o projecto, caso ele venha a evoluir, que terei muito gosto em partilhar com os que queiram arriscar uma participação aberta e desinteressada no seu desenvolvimento. Mas a partir de um dado momento as participações, num projecto desta natureza, carecem de ser enquadradas por uma metodologia e por objectivos precisos sem os quais cada um de nós se sentirá decerto constrangido.

Eis os meus últimos sublinhados do caderno nº 6 nos quais se inclui aquele que sempre me tem acompanhado e que constitui, para mim, um lema de vida: “os deveres da amizade ajudam a suportar os prazeres da sociedade”:

“Não se deve julgar um homem nem pelo que diz, nem pelo que escreve, segundo Beyle. Eu acrescento: nem pelo que faz.”

“Começa-se por não amar ninguém. Depois amam-se todos os homens em geral. A seguir apenas alguns, depois uma única e depois o único.”

“”Alexandre Block.
...
Só uma compaixão total pode produzir uma mudança. Reajo assim porque a minha consciência não está tranquila.””
(Escrevi dois pontos de interrogação)

“É pela recusa de uma parte deste mundo que este mundo é habitável? Contra o amor fati. O homem é o único animal que recusa ser o que é.”

“Os deveres da amizade ajudam a suportar os prazeres da sociedade”.

“Num mundo que já não crê no pecado, é o artista que está encarregado da pregação. Mas se as palavras do padre produziam efeito era porque o exemplo as alimentava. O artista esforça-se por se tornar num exemplo. Eis porque o fuzilam ou o deportam, com grande escândalo seu. E depois a virtude não se aprende tão depressa como o manejo da metralhadora. O combate é desigual.”

“Enquanto o homem não domina o desejo, nada dominou. E não o domina quase nunca.”

“Ensaio. Introdução. Porquê recusar a delação, a polícia, etc... se não somos nem cristãos nem marxistas. Não temos valores para isso. Enquanto não tivermos encontrado fundamento para esses valores, estamos condenados a escolher o bem (quando o escolhemos) de maneira injustificável. A virtude será sempre ilegítima até esse momento.”

““A revolução de 1905 principiou pela greve de uma tipografia moscovita cujos operários pediam que os pontos e as vírgulas fossem contados como caracteres na avaliação “por peça”.
O Soviete de Saint-Peterburgo em 1905 apela para a greve aos gritos de abaixo a pena de morte.””

““Durante a Comuna de Moscovo, na Praça Trubnaia, perante um edifício destruído pelos canhões, um prato contendo um pedaço de carne humana é exposto com um cartaz com a seguinte inscrição: “dai o vosso óbolo para as vítimas.””

Extractos, in “Cadernos” (1964-Editions Gallimard), tradução de António Ramos Rosa, Colecção Miniatura das Edições “Livros do Brasil”, Caderno nº6 (Abril de 1948/ Março de 1951).
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DOIS ANOS DEPOIS

Posted by PicasaMaioria Socialista

Passam hoje dois anos sobre o dia da vitória eleitoral do PS nas eleições legislativas de 2005. O PS obteve um resultado histórico – 45% e picos – que lhe deu, pela primeira vez, maioria absoluta para governar.

Fui daqueles (poucos) que saiu à rua, é verdade que por insistência do meu filho, para celebrar essa vitória com bandeira e tudo … e, ao contrário de muitos dos meus amigos, não me arrependo.

Os três anos (3) de governação de direita – José Manuel Barroso/Manuela Ferreira Leite/ Paulo Portas + Santana Lopes/Bagão Félix/Paulo Portas foram um pesadelo … desculpem o desfile dos nomes mas tenho a leve suspeita que a memória é fraca.

Este governo no meio de muitas derivas, disparates e equívocos tem feito o que o povo designa por “o que tem que ser feito” ou “o que tem que ser tem muita força". É este o segredo – após dois anos de governação – da persistência da sua popularidade.

Acresce o que se poderá designar por efeito surpresa do desempenho do primeiro-ministro, quer se goste ou não goste do estilo do sobredito cujo: “é melhor do que parecia à primeira vista” … “têm-nos no sítio” …” coragem e determinação” … e por aí fora…

Para a semana que vem logo desenvolvo um pouco as razões desta minha posição situacionista, ou seja, das razões do meu apoio ao governo.

Agora reproduzo o que escrevi no dia seguinte:

Estive a celebrar a vitória do PS na rua, do lado de fora, o melhor sítio para sentir o pulsar do sentimento popular. As eleições ganharam racionalidade. A festa espontânea perdeu viço. A encenação da festa recobre o espaço onde antes ardiam as emoções. Tudo é diferente. Não é pelo facto de ter sido o PS a ganhar. É porque já ninguém acredita nos milagres da política para resolver os reais problemas do país. E muito menos para resolver os problemas individuais de cada um de nós. Valeu desta vez a saída à rua para iniciar o meu filho no exercício dos festejos políticos. Ele saberá, mais tarde, saborear o real valor desta saída à rua.
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A VIDA QUOTIDIANA EM TABLÓIDES


Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves
À porta do meu Banco no patamar, acocorados, um e uma,
vendem a pele de uns pratos encardidos
mesmo no traço que já lhes deu flores garridas.
Eles escorriam chuva, que chovia, para a louça. Eles nem devem ter sangue
pela tez lustrosa da porcelana dos seus olhos de caveira.
(Até faz rir, leitor, coisa tão triste.)

*

Um fio de mar, parece-me, inclinava a terra num poço de luz
silenciosa. O vulto que chegou de motorizada pela mão
esconde as dunas, a vaguear com a madeira torcida
que encontrou. Esconde-se de si, todos o vêem.
Ouvimos rádio, com o guiador colado ao jornal, os joelhos afastados,
uns outros num carro sem ruído, depois com a boca ranhosa diz palavrões
e afasta-se alheio a tudo.

*

Nos corredores das lojas a passear, lá em cima,
arrasta um calçado encharcado, um saco de plástico que verte.
Quando lhe tocam, sujam-se, mais rápidos caminham fazendo um esgar doentio.
Não tardará que o homem de farda lhe indique a saída.

*

Há boas acções e acções más, dizia-me (parece da religião, mas é da bolsa que fala).
No mesmo dia ganhava sempre, a comer brioches, teve azar.
(Quem espera de mim, ó céus, seu funcionário?)

José Emílio-Nelson
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segunda-feira, fevereiro 19

GUERRAS...

Posted by PicasaImagem daqui

Isto comparado com isto não é nada

ENTRUDO - UMA VIAGEM

Fotografia daqui

Viagem rápida a Luzim (Entre – os – Rios, Penafiel), sábado para domingo de Carnaval, em família, em direcção à casa de campo dos pais da M.A., no meio da paisagem que rejubila de cores, por entre árvores, flores, musgo e águas, à vista do vale do Tâmega que se cobre, pela manhã, de nuvens baixas, brancas com as claras em castelo. Ali onde assoma, a todo o momento, a alegria genuína de quem recebe. Os amigos partilham o espaço e o tempo sem esforço e a gastronomia toma o lugar mais alto na fruição do acolhimento. É difícil imaginar outro prazer mais próximo da perfeição. O lugar, magnífico, anda paredes-meias com outros que me suscitam uma melancolia profunda. À vinda, na estrada, cruzamo-nos com três momos vestidos a rigor qual fragmento de um Entrudo autêntico que persiste.

PARA AS CRIANÇAS

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Para as crianças digo
o verso que faltava.
Menos que o verso, digo
a palavra – ou já não tanto:
a sílaba, o som, o sibilar,
só o tremor do vento
do grito ou gargalhada.

Para as crianças digo
o que faltava, o mais
essencial, o pão do dia
que nos fará crescer
a elas e a nós:
para as crianças digo
um tudo, um nada.

Pedro Tamen
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