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quarta-feira, abril 25

25 DE ABRIL

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Deixo que a palavra
tão incerta
teça

a liberdade a meio
deste Abril
para que a memória em Portugal não esqueça

tomando da flor
o cravo na matriz

teimando que a paixão
a tudo vença

dizendo não àquilo
que não quis

Maria Teresa Horta

Março 99
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domingo, abril 22

APENAS ISSO

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Dai-me ainda outro verão,
um verão do sul, redondo
lento maduro; um verão
de rolas frementes de cio,
de porosa alegria, de luz varrida
pela cal; dai-me
mais um verão rente à sombra
do pátio onde um rumor
cativo do poço sobe aos ramos;
um verão
limpo como o céu da boca;
mais dentro, mais fundo.

Ou por fim o silêncio.
Caindo a prumo.

Eugénio de Andrade

Foz do Douro, 8/1/99
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sábado, abril 21

BREVE OLÊNCIA

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Estão cerrados todos os jardins,
onde asas voaram e se romperam as pedras.
Como esquecer as estrelas pousadas no verão
e a ciência exacta das flores claras de ar?
Estão cerrados todos os jardins,
queimados da fome, escarlates de treva.
Que tempo esvoaça, lacuna ou máscara,
pelo lento longo suor das noites?
Estão cerrados todos os jardins,
hoje ervas sem pálpebras, gritos sem boca.
Cativeiros de estátuas, deixaram que o tempo
durasse muito tempo, em campo entardecido.
Estão cerrados todos os jardins,
Em palavras vendidas que esconderam o mundo.
Os olhos ruídos soam a sombra
nos risos sem riso, nos corações calados.
Estão cerrados todos os jardins.
A pele cresce, digerimos o vazio.
As palavras articulam-se de ossos.
Mudada em terra, toda água morrerá.
Estão cerrados todos os jardins
e seus lazeres felinos, seus salmos de pé.
É a hora surda de cicatrizes sem beijos,
de muros soterrados e pulsos incolores.
Estão cerrados todos os jardins
e vão nascendo dólmenes e corujas de ouro.
Porque se agita ainda a cauda dos peixes,
buscando fogos extintos no termo dos rios?
Estão cerrados todos os jardins.
A nada a alma se assemelha.
O mar perdeu-se contra as paredes.
Vivemos do que não pudemos viver.
Estão cerrados todos os jardins,
são antigas as novidades do mundo,
obedecemos a ordens, a norte do futuro.
Mas ainda estamos nus. E respiraremos.

Orlando Neves
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quarta-feira, abril 18

DEPOIS

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Primeiro sabem-se as respostas.
As perguntas chegam depois,
como aves voltando a casa ao fim da tarde
e pousando, uma a uma, no coração,
quando o coração já se recolheu
de perguntas e de respostas.

Que coração, no entanto, pode repousar
com o restolhar de asas no telhado?
A dúvida agita
os cortinados
e nos sítios mais íntimos da vida
acorda o passado.

Porquê, tão tardo, o passado?
Se ficou por saldar algo
com Deus ou com o Diabo
e é o coração o saldo
porquê agora, Cobrança,
quando medo e esperança

se recolheram também sob
lembranças extenuadas?
Enche-se de novo o silêncio de vozes despertas
e de poços e de portas entreabertas
e sonham no escuro
as coisas acabadas.

Manuel António Pina
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segunda-feira, abril 16

DA VOZ DAS COISAS

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Só a rajada de vento
dá o som lírico
às pás do moinho.

Somente as coisas tocadas
pelo amor das outras
têm voz.

Fiama Hasse Pais Brandão
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domingo, abril 15

ARCO-ÍRIS

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

No dia 25 de Abril a liberdade
acordou com a água até aos olhos
e um grande arco-íris envolveu Portugal,
de norte a sul.
As cores saíram finalmente para o sol
e os cravos foram os primeiros a transbordar.

Vamos, mulher, vamos celebrar as núpcias
do fogo secreto com o vermelho-verde
escrito em cada muro à altura da mão
como o rio no vale.
Alguns morreram
antes disso, acompanhando o voo das rolas.

A exacta medida duma coisa vê-se melhor
no vazio que se preenche:
a cotovia nos trigos, o vinho fluente
e a liberdade escrita no arco-íris.

António Cabral
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sábado, abril 14

TÚMULO DE HERÓIS ANTIGOS

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

O tempo não urge mais neste loco dolenti.
Eles dormem nas suas pálpebras em sono
desmedido um intento não logrado, entoando
a meia voz hinos e canções que se esvaem
pelas altas janelas direitas ao país natal,

num sonho agraciado com galões e dragonas,
canutilhos nos ombros e no peito,
onde uma esperança diferida demora-se
e um pavilhão ondula in memoriam
no vento frio e seco do norte;

quantos lutaram passando a pólvora
pelo crivo, levando ao ombro a alma
da boca de fogo, contra um ceptro,
um trono, sua influência soberana
em terras estas onde nasceram;

quantos morderam o pó; solta a retranca
dos cavalos, ouvido o tambor dos sitiados,
arvorada a bandeira branca pela conta certa
dos que ficaram, bando de insurgentes,
passados à faca, jungidos como se metem

os bois à canga, proclamaram uma verdade
entre gritos de alarme expiando:
para sempre por pagar em oiro e em prata
o soldo das suas vidas expostas,
sem o broquel dos antigos, na linha de tiro.

Paulo Teixeira
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sexta-feira, abril 13

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

A menina descobre um dia
que atrás do espelho
não está ninguém.
Assim me ardem os olhos de nada ler.

A servidão das palavras
não me poupou a outros trabalhos
que das mãos alheias
para as minhas passavam.

A menina fugia
e as nossas vozes não a encontravam.
Sua sombra cresce no céu
cada vez que sonhamos imitá-la.

Vi o sol sepultar-se em mim
e nascer veloz no mercado negro
coroado de setas
beijado pela menina
e pela boca de outros atletas.

Há na palavra escravo
um espelho que me obriga a escrever.
E a única certeza
é a de não me ver.

Regina Guimarães
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quarta-feira, abril 11

O POETA

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Trabalha agora na importação e exportação. Importa
metáforas, exporta alegorias. Podia ser um trabalhador por conta própria,]
um desses que preenche cadernos de folha azul com números
de deve e haver. De facto, o que deve são palavras; e o que tem
é esse vazio de frases que lhe acontece quando se encosta
ao vidro, no inverno, e a chuva cai do outro lado. Então, pensa
que poderia importar o sol e exportar as nuvens. Poderia ser
um trabalhador do tempo. Mas, de certo modo, a sua
prática confunde-se com a de um escultor do movimento. Fere,
com a pedra do instante, o que passa a caminho da eternidade;
suspende o gesto que sonha o céu; e fixa, na dureza da noite,
o bater de asas, o azul, a sábia interrupção da morte.

Nuno Júdice
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terça-feira, abril 10

SEM TÍTULO

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

No verão, por vezes, o vento Leste invade
a urbe. O vento da meseta – que o povo
diz não trazer nada de bom -, seca tudo
na sua frente. Também a cidade
está cheia de pessoas que secam tudo
na sua frente. Só conhecem pássaros
em gaiolas, árvores em toros
para crepitarem nas lareiras. O vento
cai, os insectos que arrastou
adubam os canteiros. As pessoas
duram todo o ano, estão sempre
vigilantes nas suas teias. De quem
falo – perguntas –. Ignoro! Abri
o computador a pensar num poema
e o texto foi invadido por um vento
cálido que não sei
para onde se dirige. Esperarei
Setembro, outra atmosfera, poderei
sair de casa, ir até ao correio,
escrever mensagens em que as aves
chilreiem, façam ninhos primaveris,
e pensar a cidade como se eu fosse
um forasteiro, com olhos de espanto:
carregar a memória com o crepúsculo,
coleccionar metáforas para,
no regresso, depositar
sob o teu olhar, avançar a mão
para a floresta, galopar intra-muros,
ouvir depois o boletim meteorológico
para saber onde iremos amanhã.

Egito Gonçalves
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segunda-feira, abril 9

A POESIA ESTÁ NA RUA

Posted by PicasaImagem daqui

A Poesia Está Na Rua” na recta final. Descobri agora, no site de Daniel Faria, a imagem que foi criada para o projecto da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto e do INATEL, em 1999, pelo 25º Aniversário do 25 de Abril.

Por triste ironia do destino Daniel Faria havia de morrer pouco tempo depois da concretização deste projecto.

O exercício de juntar uma das 94 fotografias, que o Hélder Gonçalves me disponibilizou, a cada um dos poemas que constam daquela colecção, torna-se cada vez mais difícil.

A partir de hoje o ritmo de publicação vai passar a ser quase diário culminando, salvo qualquer imprevisto, no próprio dia 25 de Abril.
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domingo, abril 8

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Para que nasças no mês anterior
Para que nasças muito antes de chegares

Para que amanheças já aberta e recortada
No tempo anterior à tua vinda
Para que amanheças
Ó rosa anterior

Para que venhas
Mesmo antes de seres compreendida. Ainda
Antes da terra te poder gerar. Ó rosa
Já florida

Daniel Faria
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quarta-feira, abril 4

POEMA EM SALDO Nº 25


Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Uma data que regressa sempre
transparente à cabeça
um sino pendular nas cavernas do corpo
e então escrevê-lo é abrir as potências
do sangue, dos pés até à raiz
dos cabelos, deixar crescer
a vida circular dos dias
pelo silêncio poderoso
se fundamenta um olhar
um sonho uma estátua invisível
dentro da memória
ordena-se o esquecimento
mantendo sempre a respiração do Mundo
entre muitos e muitos horizontes.

José Alberto Mar

Gaia, 1999
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terça-feira, abril 3

OS AMANTES OBSCUROS

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Nossos sentidos juntos fazem chama:
e as fantasias nossas vão soltar
os desejos desertos de quem ama
e em verso ou coração se quis tornar.

Nossos sentidos são matéria prima
de um canto que é mais leve do que o ar;
o mundo todo não nos adivinha:
somos sombra sem luz, sequer luar.

Que o corpo quebre a noite desolada,
que o corvo ceda a voz à escuridão:
mil luzes são o nome da amada;
quem se perdeu no verso é sem perdão.

Luís Filipe Castro Mendes
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domingo, abril 1

CIDADE DA AGONIA ou A PROMESSA POR CUMPRIR

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Um fulvo rubor, o último
no Tejo a anoitecer.
Que me sagredas,
debruçada da janela,
sobre a água em flor?
Cerram-se os olhos do nosso bairro,
as sombras desencontram-se no escuro
da indiferença e do medo.
A cintilação dos arranha-céus
da nova riqueza
é fria, inexorável.
Fugiram todas as pombas e as gralhas
e os corvos
das artérias nobres da cidade
e das ruas, becos, calçadas onde só restam
corpos estilhaçados como estrelas
e palavras, relâmpagos, lágrimas, silêncios,
fúria, rosas profanadas
e miríades de antenas de televisão,
sobejos de festim,
um campo de derrota.
Será alguma vez o homem
irmão do homem?

Urbano Tavares Rodrigues
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sábado, março 31

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Uma infância perfurada por zeppelins.
Hoje, de comando na mão, zappas.

És o canhoto de um anjo – melancolia
que te sufoca o amor e as veias,
uma a uma, esvaziadas de Deus.

Mas a que outra luz pode o coração
aceder se o lugar não foi capinado,

se a treva amarinha no imo líquido
das gavinhas sem tu a teres capinado –
e os anjos e os rinos quase extintos?

Vinte unhas: o escuro mate da morte.

António Cabrita
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quinta-feira, março 29

CANÇÃO DO RIO PROFUNDO

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Desci o rio profundo
com as sereias cantando
nos rochedos
espelho na mão
penteando
ao pôr-do-sol
os cabelos

E vi o gnomo
escondido
guarda fiel dos segredos
que nenhum canto revela
nenhum pente
nenhum segredo
só o fulgor deste mundo.

Y.K. Centeno
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terça-feira, março 27


Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Bendito sejas arado
que lavras
neste chão sagrado
por odisseias mil
as palavras
rubras e secretas
na boca dos poetas
proclamando Abril.

6/1/99

Papiniano Carloshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Papiniano_Carlos

domingo, março 25

O QUE PENSA SIM E O QUE PENSA NÃO

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Há o que pensa sim e diz que não
há o que pensa não e diz que sim
há aquele que decerto me odeia
e não faz senão rir-se para mim

Há o que diz que sim e diz que não
conforme a meia-cara com que fala
e aquele que diz sim que sim que sim
sem saber o motivo que o embala

Há o que pensa sim e diz que sim
e esse é concerteza meu irmão
esse que diz sim pensando sim
é o que luta por uma razão.

Fernando Miguel Bernardes
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