sexta-feira, abril 1

O FUTURO INCERTO

Toda a gente já entendeu que se adensam as nuvens no horizonte no que respeita à paz no mundo. É difícil, sem entrar em especulações, saber quais as origens da crise que ameaça os equilíbrios herdados no pós 2ª guerra. Há muita literatura séria acerca do tema e não quero elaborar teses simplistas. Mas a crise financeira mundial pós 2008, a reemergência do terrorismo como fenómeno banal, as guerras civis da Síria, Líbia, ..., com suas terríveis consequências, incluindo as ondas migratórias, as crises politica em grandes países emergentes como o Brasil, a "bolha" em enchimento na China, que um dia destes rebentará, o crescimento da extrema direita na Europa ocidental (em países da UE, vide Hungria e Polónia, por ex.), o fenómeno Donald Trump nas eleições presidenciais americanas, faz-me temer o pior. Qualquer vaga esperança de um paraíso decalcado nos 30 anos gloriosos acabou. Preparemos-nos para um tempo de violências e de incertezas, a não ser que uma nova vaga de dirigentes políticos, com envergadura de verdadeiros homens de estado, se revele entre as novas gerações nascidas após o inicio dos anos 90, e ganhe as rédeas do poder.

terça-feira, março 29

A força do simbólico

A propósito destes primeiros dias da presidência de Marcelo Rebelo de Sousa notam-se sinais de perplexidade em todos os setores da nossa sociedade. Nem a direita nem a esquerda politicas são capazes de calibrar o discurso acerca do que já se conhece do desempenho do presidente. A única apreciação que não merece contestação: é diferente. Não é só uma questão de discurso. Aconteça o que acontecer mais tarde, mesmo após secarem as pétalas do estado de graça, Marcelo representa uma mudança na relação do presidente com o povo, da Presidência com o país. Marcelo executa uma politica que vai para além da rotina própria das instituições. Ele conhece a força da componente simbólica da função presidencial e da força dos símbolos na projeção externa de um país periférico com uma longa história universalista. E isso faz toda a diferença.

sábado, março 26

AQUI

Aqui onde estou, no sítio onde nasci, mistura-se no ar o cheiro do mediterrâneo com a aragem do continente, temperado, numa mistura de gentes que me remete para a memória da meninice. O procissão do "senhor morto" correu, ontem pela noite, as ruas cheias de gente, nos parapeitos das janelas bastantes colchas (retomando uma tradição quase perdida), a música e o compasso. Sempre me abeiro dela sentindo a terra para além da fé, o sagrado para além da religião. Cumprindo meu desejo, e prazer, e a fé antiga dos meus.

segunda-feira, março 21

DIA MUNDIAL DA POESIA

Os dias evocativos valem o que valem. Foi em 2004 a primeira vez que publiquei neste blog um poema evocando o Dia Mundial da Poesia. Escolhi um poema que muito me marcou aquando da leitura inicial da obra poética de Jorge de Sena.

UMA PEQUENINA LUZ

Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumière
just a little light
una piccola ... em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a adivinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Brilhando indefectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não é ela que custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não iluminam também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui.
no meio de nós.
Brilha.

1950

Jorge de Sena
In Fidelidade (1958)

quinta-feira, março 17

CARANGUEJOLA


- Ah, que me metam entre cobertores,
E não me façam mais nada!...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores.

Lã vermelha, leito fofo. Tudo bem calafetado...
Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira -
Façam apenas com que eu tenha sempre a meu lado,
Bolos de ovos e uma garrafa de Madeira.

Não, não estou para mais; não quero mesmo brinquedos.
Pra quê? Até se mos dessem não saberia brincar...
- Que querem fazer de mim com estes enleios e medos?
Não fui feito pra festas. Larguem-me! Deixem-me sossegar...

Noite sempre plo meu quarto. As cortinas corridas,
E eu aninhado a dormir, bem quentinho- que amor!
Sim: ficar sempre na cama, nunca mexer, criar bolor -
Plo menos era o sossego completo... História! Era a melhor das vidas...

Se me doem os pés e não sei andar direito,
Pra que hei-de teimar em ir para as salas, de Lord?
- Vamos, que a minha vida por uma vez se acorde
Com o meu corpo - e se resigne a não ter jeito...

De que me vale sair, se me constipo logo?
E quem posso eu esperar, com a minha delicadeza?...
Deixa-te de ilusões, Mário! Bom édredon, bom fogo -
E não penses no resto. É já bastante, com franqueza...

Desistamos. A nenhuma parte a minha ânsia me levará.
Pra que hei-de então andar aos tombos, numa inútil correria?
Tenham dó de mim. Co'a breca! levem-me prà enfermaria! -
Isto é, pra um quarto particular que o meu Pai pagará.

Justo. Um quarto de hospital - higiénico, todo branco, moderno e tranquilo;
Em Paris, é preferível, por causa da legenda...
De aqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda -
E depois estar maluquinho em Paris fica bem, tem certo estilo...

- Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas-feiras,
Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.
Agora no meu quarto é que tu não entras, mesmo com as melhores maneiras...
Nada a fazer, minha rica. O menino dorme. Tudo o mais acabou.

Paris, Novembro de 1915

Mário de Sá-Carneiro

domingo, março 13

OS PRIMEIROS DIAS DO PRESIDENTE

Passaram pouco dias após a eleição de Marcelo Rebelo de Sousa e muita gente abre a boca de espanto pela sua projeção mediática. O que espanta é o espanto daqueles que não haviam entendido ainda que o atual PR é uma personalidade que, no plano politico, deve a sua notoriedade aos media. Pois quantos grandes juristas, catedráticos ou não, dispõem de alta competência na sua profissão? Muitos. Mas quantos destes são conhecidos, e reconhecidos, pela opinião pública? Poucos. Nada de espantar esta postura do PR que entendo como um sinal de abertura tendo em vista contribuir para a recuperação da autoestima dos portugueses. Gostei da ida a pé para a tomada de posse com ressonâncias de atitude à maneira da 1ª República. Gostei da abertura das portas do Palácio de Belém ao povo, da sua visita ao Porto e das suas afirmações na senda da aproximação do poder à rua sem tiradas demagógicas e populistas. Não chegou ainda a hora da tomada de decisões com importância politica a que o PR será sujeito desde logo o OE após ser aprovado pela AR. Mas ninguém acredita que Marcelo Rebelo de Sousa se comporte como elemento desestabilizador do nosso sistema politico-constitucional. A personalidade do PR em funções terá seus pontos fracos, sabemos que sim (não vem agora ao caso dissecá-los), mas permite encarar com normalidade o estabelecimento de uma relação de confiança entre os portugueses e o PR, que havia sofrido forte deterioração nos últimos anos. Nada mau como balanço dos primeiros dias. De resto, a ver vamos.

quinta-feira, março 10

CAVACO SILVA - FIM

Acabou-se a era de Cavaco Silva enquanto politico. Que viva em paz. Foi um politico que governou no período dourado dos fundos europeus, desde 1985 a 1995, ou seja, herdando o processo de preparação dessa adesão fruto da obra politica de Mário Soares e financeira de Hernâni Lopes. Criou uma elite à sua sombra que se transformou numa nuvem tóxica que contaminou o ambiente empresarial e financeiro. Fez obra, tomando opções, orientadas para a criação das infraestruturas que quase não existiam até 1985. Na educação, com Roberto Carneiro, relançou o ensino profissional processo no qual eu próprio participei. Ninguém pode dizer que Cavaco enquanto governante não fez nada ou que tudo o que fez foi mal feito. Seria de uma injustiça brutal diabolizar os seus governos. O que me afasta radicalmente dele, e das suas opções politicas, é uma espécie de autoritarismo tecnocrático que caraterizou a sua ação. É uma faceta da personalidade de Cavaco Silva que já havia conhecido enquanto seu aluno ainda na minha juventude (e na juventude dele). Ao contrário do que alguns têm afirmado nos últimos tempos, em forma de caricatura, Cavaco Silva não é fascista, não foi nem será. Conforme escrevi faz 10 anos Cavaco Silva é um “amorfocrata”: um democrata com ausência de forma definida. Tolera os partidos e aceita a constituição. Passamos agora, com Marcelo, para um modelo de presidente democrata, com forma definida que considera os partidos e respeita a Constituição. É como o antevejo hoje, sujeito à prova do tempo.

domingo, março 6

CAVACO - A TRÊS DIAS DO FIM

A três dias do fim do magistério presidencial de Cavaco Silva após dez anos de marcha lenta para o abismo - sei das competências do PR e suas responsabilidades - deixo um comentário que escrevi aqui, em 2005, no início daquela marcha:

Cavaco é um “amorfocrata”: um democrata com ausência de forma definida. Tolera os partidos e aceita a constituição. Assume o silêncio como programa político. Como diria o filósofo José Gil tenta encarnar a “não inscrição”, tipicamente portuguesa. Vamos ver até onde nos levará esta deriva amórfica.

domingo, fevereiro 28

OS EXTREMISMOS EM PORTUGAL

Vamos escrever duas ou três palavras acerca de um tema raras vezes abordado, de forma séria, no espaço público. Escrevo-as a propósito dos termos utilizados por alguns políticos, e líderes de opinião, para qualificar os partidos que se posicionam à esquerda do PS. Deixo de lado a história desses partidos que em Portugal, dispondo de expressão parlamentar, se designam por BE e o PCP. O desconhecimento, pela maioria dos políticos no ativo, da história conduz à asneira discursiva e ao erro politico. No contexto europeu tem vindo a acentuar-se uma radicalização politica como resultado da crise do sistema financeiro que emergiu por volta do ano 2008. O populismo ganhou terreno como resultado do descontentamento, incerteza e desconfiança, de cada vez mais largos setores populares, nas politicas conduzidas pelos partidos do centro que, no pós guerra assumiram o poder de governo. Os eleitorados têm vindo a desertar do centro politico deslocando-se para apoiar partidos que antes, nalguns casos, ou não existiam ou tinham uma expressão politica irrelevante. Esses partidos situam-se à esquerda e à direita oferecendo uma alternativa na qual se juntam a defesa de valores em que avulta o retorno aos nacionalismos e, em alguns casos, à xenofobia e ao racismo. O fenómeno está à vista de todos, sem margem para ser escondido, com jogos de palavras, sendo ainda mais radicalizado com a crise dos migrantes. Em Portugal este processo tem sido amplamente atenuado quer pelo efeito da nossa situação de país periférico com duas fronteiras únicas - Espanha e o Atlântico - quer pelo posicionamento dos partidos, e sindicatos, que têm tido a capacidade de absorver, e canalizar, o descontentamento popular para o interior do regime democrático minorando as manifestações radicais desse descontentamento. Quer o PCP, quer o BE, com suas diferenças, sempre tomaram a opção, após o 25 de novembro de 75, de jogar o jogo democrático optando, no presente, por apoiar um governo socialista, de cariz reformista, mantendo embora a sua autonomia. Apelidar o BE e o PCP de partidos de extrema-esquerda é um erro de quem não sabe, ou finge não saber, o que é a extrema esquerda, as suas ideologias e os seus métodos políticos ao longo da história. Em Portugal poder-se-á dizer, sem correr excessivos riscos de errar, que não existe nem extrema esquerda, nem extrema direita, com expressão politica organizada relevante. O 25 de abril está demasiadamente perto, no plano histórico e pessoal, para que os fenómenos extremistas, ao contrário das democracias parlamentares dos países do centro de Europa, tenham terreno para vencer. Mas virá o tempo, se os democratas não cuidarem de adotar politicas que respondam aos anseios populares, em que os extremismos possam romper as barreiras nas quais, no nosso país se manifestam de forma politicamente irrelevante.

sexta-feira, fevereiro 26

NAS VÉSPERAS DA POSSE DE UM NOVO PR

A doze dias da tomada de posse do PR que estará a informar-se acerca das questões mais relevantes com as quais se confrontará. Não me atrevo a fazer um elenco delas muito menos uma hierarquia da sua importância para o país e para os portugueses. A opinião publicada reproduz as ideias, projetos e ambições dessa realidade que é designada por mercados. Uma estranha mescla de avençados que opinam conforme as ideias de quem lhes paga em prejuízo das suas próprias ideias. Uma das mais trágicas consequência desta realidade é a morte do jornalismo livre com a criação de um quase unanimismo no que se refere às politicas a seguir para esconjurar a crise financeira. Como muito bem diz Pacheco Pereira, faz muito tempo, tem vindo a ser criado um ambiente típico de pensamento único através do qual todas as soluções que não sejam alinhadas com as politicas austeritárias são diabolizadas. Abrir um trilho através do qual seja viabilizada uma outra e diferente solução para a crise é uma tarefa ciclópica. É esse o trabalho do governo de Costa não tanto para consumo interno mas mais no confronto com as estruturas eurocratas dominadas pelo pensamento dominante da chamada austeridade virtuosa, mesmo após a evidência do seu rotundo fracasso. Vamos ver até que ponto as circunstâncias da politica europeia e global e a competência do governo em funções - com a originalidade de se apoiar à esquerda - se conjugam para tornar possível demonstrar a viabilidade prática de uma alternativa politica às soluções preconizadas pelos partidos do PPE e seus aliados descoloridos de todas as matizes. A ver também como se posicionará o novo PR face a esta solução de governo no cotejo com o posicionamento do seu antecessor.

domingo, fevereiro 21

NOTAS NAS VÉSPERAS DA POSSE DO NOVO PR

Na politica, como em todos os aspetos da vida, não dá para adivinhar o futuro. Diz o povo que "o futuro a Deus pertence". Mas a arte da adivinhação é mister de quem se não libertou da estupidez mas já se não pode dizer o mesmo da previsão. E, antes de tudo, na politica a arte está na gestão das expetativas. Todos participamos deste jogo uns como criadores (poucos) outros como espetadores (a maioria). Quanto à situação politica na Europa toda, dentro e fora da UE, dentro e fora do €, as expetativas são crescentemente negativas, se considerarmos o modelo idealizados pelos pais fundadores. Poucos acreditam que a UE se está a fortalecer, a maioria crê que se está desmoronar. A leste medram os populismos de direita, nalguns casos protofascista, a sul agigantam-se os medos de novos resgates, no centro encarniça-se a luta pela disputa dos despojos de uma batalha perdida pela hegemonia do caos. A ameaça de saída do Reino Unido é somente um sinal, historicamente anunciado, de rebeldia contra a hegemonia da potência continental que, sob diversas formas, ao longo da história, foi dominante - hoje designada por Alemanha. Em termos simples ao que se assiste nos nossos dias é a uma velha disputa entre potências continentais e potências marítimas com suas variantes e condicionantes. Nada de estranhar, pois, que o Reino Unido se separe, ou aprofunde as distâncias, da potência continental dominante (Alemanha) e dos seus aliados. Portugal, mesmo com a sua dimensão física reduzida pela perda do "império colonial", faz parte da constelação das potências marítimas. Está mais próxima, no plano geoestratégico, do Reino Unido e dos USA (as potências marítimas) do que da Alemanha e seus aliados continentais. Não nos resta outra solução se não manter os laços da aliança forte com os aliados que hoje, pelas vicissitudes da adesão à UE e ao €, parecem ser os que estão mais distantes. Vem aí um novo PR por um período, no mínimo, de 5 anos coabitando com um governo socialista, apoiado à esquerda, ao qual a direita quer colar a expetativa de uma duração de breve prazo, quando o mais certo é que dure por um prazo mais alargado (sob esta ou outra fórmula politica). A reformulação do sistema de alianças (internas e externas) nunca se faz no curto prazo e as medidas para que possa ser alicerçada em bases sérias, e sólidas, requer estabilidade o que não é sinónimo de "paz podre". É preciso mudar muita coisa e o PR num contexto de mudanças profundas é mais importante do que nas soluções de pura continuidade.

sábado, fevereiro 20

Em tempos conturbados, a nível global, palavras de esperança do Eduardo Ferro Rodrigues, ilustradas, no DN, por uma fotografia com um grande significado que alguns saberão interpretar.

sábado, fevereiro 13

PELO 51º ANIVERSÁRIO DO ASSASSINATO DE HUMBERTO DELGADO

No dia do 51ª aniversário do assassinato do General Humberto Delgado deixo algumas notas, escritas em 2008, que resultaram da leitura de uma obra notável de autoria de seu neto Frederico Delgado Rosa, intitulada "Biografia de Humberto Delgado".
Honra à sua memória.

(1) É do mais elementar bom senso desconfiar das ideias feitas acerca da história, em particular, da “história oficial”, quando envolve personagens carismáticos e acontecimentos com forte carga política e emotiva;

(2) Os protagonistas que marcam, pelo seu pensamento e acção, a história das nações são homens com suas virtudes e defeitos transformando-se a si próprios a par das transformações que suscitam;

(3) O General Humberto Delgado foi um distinto militar de carreira, apoiante do golpe militar do 28 de Maio, e da ditadura entre 1926 e o dealbar dos anos 50, tendo acabado por sacrificar a carreira, e a própria vida, no combate sem tréguas ao regime fascista, após a ruptura política com Salazar, a partir das eleições presidenciais de 1958, às quais se candidatou, como independente, por vontade própria;

(4) Foi ele o verdadeiro precursor do 25 de Abril de 1974 pois defendeu (quase sempre) que a ditadura só cairia através da acção militar, que haveria de ser protagonizada pelas forças armadas, apoiadas pelo povo, o que viria, de facto, a acontecer pouco menos de nove anos após o seu assassinato que ocorreu em 13 de Fevereiro de 1965;

(5) Delgado foi, politicamente, um liberal democrata, fortemente influenciado pela cultura anglófona, e pela sociedade americana (o que lhe valeu o magnífico epíteto de “General Coca Cola”) influências assumidas ao longo de várias missões profissionais – em representação do estado português - na Inglaterra, Estados Unidos e também no Canadá;

(6) Delgado foi um político que nunca deixou de ser General e de cuja áurea anti-salazarista a esquerda, do seu tempo, se quis apropriar sem, na verdade, partilhar das suas ideias e acções, que desprezava apodando-as, pelo menos, de aventureiras;

(7) O General Humberto Delgado foi atraído a uma cilada e assassinado pela PIDE, por espancamento, e não a tiro, com conhecimento de Salazar, que sempre encobriu este hediondo crime, sob as mais variadas artimanhas, no plano interno e da diplomacia, entrando, inclusive, em rota de colisão com Franco;

(8) O julgamento dos autores materiais do crime – que não dos seus autores morais que sempre foram poupados pela democracia – em Tribunal Militar – foi uma triste farsa que não permitiu apurar a verdade e muito menos punir os criminosos;

(9) Todo o processo desde o assassinato de Delgado, passando pelo encobrimento do crime, à descoberta dos corpos, à investigação judicial e perícias forenses, realizadas pelas autoridades espanholas, até à condução do processo judicial em Portugal, julgamento e recursos judiciais, constitui um caso exemplar que permite, nos planos político e judicial, entender muitos aspectos da realidade contemporânea portuguesa e as peripécias de processos que ainda correm os seus trâmites;

(10) Este livro deveria ser de leitura obrigatória para todos os políticos, militares, juízes, magistrados, jornalistas e decisores de todos os escalões da hierarquia do estado a começar pelo Senhor Presidente da República;

(11) Espero que o autor, cuja coragem não pode ser só uma herança de sangue, prossiga as suas investigações para que os portugueses possam conhecer todos os meandros do assassinato de Humberto Delgado, para que sejam identificados os seus autores, materiais e morais, assim como os encobridores, localizados os que ainda possam estar vivos, reabrindo, eventualmente, o processo, levando a que os criminosos paguem pelos seus actos e contribuindo, dessa forma, para que os portugueses se reconciliem com a justiça do seu país.

(12) Nunca nenhum processo-crime está definitivamente encerrado enquanto subsistirem fundadas suspeitas de que se não fez justiça. É o caso.

terça-feira, fevereiro 9

Presidente (1)

De hoje a um mês, a 9 de março de 2016, toma posse Marcelo Rebelo de Sousa eleito nas eleições presidenciais, realizadas no passado dia 24 de janeiro. Os mais prudentes esperam para ver o perfil do desempenho do novo PR usando o velho aforismo dos melões. Não sou adepto do quanto pior melhor e tenho esperança que às palavras do candidato eleito corresponda a prática do futuro PR em funções. Um moderador, disponível para todos ouvir e decidir, o que houver a decidir, no estrito âmbito das suas funções, com equilíbrio e sentido de estado. Em qualquer caso,aconteça o que acontecer, teremos na presidência uma personalidade, com origem na mesma área politica de Cavaco Silva, mas diametralmente oposta no que respeita à origem social, formação e temperamento pessoal. A ver vamos ....

sábado, fevereiro 6

Orçamento de Estado - (4)

Nestas questões da economia e finanças - a elaboração de um OE é uma delas - não contam somente os constrangimentos do lado de receitas e despesas. Contam também as conceções de sociedade dos seus proponentes, a própria formação técnica e personalidade dos mais altos responsáveis políticos a quem incumbe formular e defender as propostas. Num orçamento de estado o que está em causa, entre a imensa quantidade de tecnicidades, de forma sintética, é uma opção acerca da distribuição de rendimentos. No OE de 2016, em discussão, o governo apoiado pela esquerda, conforme é das regras básicas e da tradição, teria sempre que travar a queda do rendimento disponível das famílias com baixos rendimentos que sofreram uma forte erosão desde 2011. A originalidade da situação está em fazê-lo num contexto de negociação com os chamados credores, que se apresentam sob diversas designações, e que defendem uma orientação diametralmente oposta. Os ganhos de causa para o governo do PS, apoiado pela esquerda, nesta negociação parecem marginais mas, na verdade, são substanciais pois representam um sinal inequívoco de que é possível negociar, e negociar em continuo, sem abandonar o essencial da linha politica traçada, e aprovada, nas eleições pelo eleitorado que apoia o governo. Nos tempos que correm a formulação de politicas, sua negociação e execução correm em simultâneo pelo que os políticos da linha da frente têm que ter forte capacidade negocial, resiliência, ou "casca dura", para suportar as pressões em todas as fases, e facetas, do processo de governação que se desdobra numa multiplicidade infindável de detalhes com a participação de um conjunto de equipas formadas por pessoas das mais diversas formações técnicas e sensibilidades (a técnico-estrutura da administração, em Portugal, apesar de todas as dificuldades, evoluiu muito nos últimos anos). A proposta de orçamento de estado para 2016 terá o seu teste de ferro no processo de execução. No entretanto ouvem-se muitos comentadores a ostentar uma ignorância confrangedora acerca desse processo parecendo desconhecer que, nos nossos dias, o controle da execução do orçamento de estado é muito rigorosa e pouco suscetível de admitir desvios.

quarta-feira, fevereiro 3

Orçamento de Estado - (3)

Após uma negociação que terá sido, certamente, dura o orçamento de estado para 2016 deverá ter sido acordado entre todas as partes. Interna e externamente. Restará o rescaldo de um combate que nunca deixou de ser de natureza politica. O governo de Portugal mudou, após as últimas eleições legislativas, sendo apoiado numa maioria de esquerda. O debate que se segue assenta num balanço de ganhos e perdas resultantes do confronto com a comissão e seus apoiantes na frente interna. Mas o que mais interessa a partir de inícios de abril, quando chegar ao fim o regime de duodécimos agora em vigor na administração pública, assumidas as consequências do modelo de orçamento aprovado, é trabalhar a sério de forma organizada e num ambiente politico estável. É esse o sentimento que recolho em toda a parte entre aqueles que se dedicam a trabalhar seja qual for o setor. O país precisa de um período de, pelo menos, dois anos (para não ser excessivamente otimista)de trabalho intenso nas várias frentes, desde a reforma do estado, à reanimação da economia. A politica não vai desaparecer, e ainda bem, mas deverá centrar-se no debate das grandes questões nacionais, realizado de forma estruturada e com objetivos de médio/ longo prazo, no centro das quais está o próprio modelo de desenvolvimento do país em todas as frentes e facetas mais relevantes. Acabou um longo ciclo eleitoral, deverá seguir-se um longo ciclo de trabalho que busque reunir as energias de todas as forças vitais que acreditam num futuro mais próspero, e feliz, para todos os portugueses.

terça-feira, fevereiro 2

Orçamento de Estado - (2)

Uns dias passados venho aqui escrever umas palavras acerca do tema do orçamento de estado. Sei muito bem dos Tratados europeus, subscritos por Portugal, da qualidade de Portugal como membro pleno da UE e integrante da moeda única, país fundador da NATO, membro de quase todas as organizações transnacionais, sem falar da história (mas seria bom que os comentadores encartados, e todos os outros, a estudassem um pouco), sei muito bem das obrigações e do dever de as cumprir, na vida das Nações e dos cidadãos (cumpro as minhas), mas "o que é demais não presta" como diz o povo. O que se está a passar a respeito da tutela da comissão (europeia), e respetivos funcionários (não eleitos), sobre o desenho da proposta de OE para 2016, parece mais uma matéria de contornos, e com objetivos, políticos do que uma discussão, de boa fé, acerca da questão orçamental. Todo a gente sabe disso, não é? A comissão (europeia) não aceita que um governo de um país membro de pleno direito da UE se desvie da ortodoxia orçamental austeritária que é a marca de água do poder ainda dominante na UE. Não tanto pelos números que, no caso de Portugal, representam uma minudência no contexto do PIB do conjunto dos países da UE, mas pelo exemplo que poderia ser dado ensaiando um caminho, mesmo que moderadamente, diferente. O poder, em democracia, quando é exercido sem equilíbrio abre o caminho aos extremismos, e no fim de tudo, à tirania. Haja paciência, capacidade e vontade de negociar, mas tudo tem o seus limites!