Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
terça-feira, abril 17
segunda-feira, abril 16
DEFINIÇÃO DO CORPUS CAMUSIANO
Fotografia, sem identificação da fonte, que me foi enviada pela Isabel Ramos e, vá lá saber-se porquê, inspirou este post.
Camus publicou em vida dezanove obras, de 1937 a 1959, entre as quais se destacam os romances (“L’Étranger” em 1942, “La Peste” em 1947), as novelas (“La Chute” em 1956, “L’Exil et le Royaume” em 1957) as peças de teatro (“Caligula” e “Le Malentendu" em 1944, “L’État de siège" em 1948, “Les Justes” em 1950), e os ensaios (“L’Envers et l’Endroit" em 1937, “Noces” em 1939, “Le Mythe de Sisyphe” em 1942, “Les lettres à un ami allemand” em 1945, “L´Homme révolté” em 1951 e”LÊté” em 1954). É necessário anda juntar três recolhas de ensaios políticos (“Les Actuelles”), “Les deux Discours de Suède” (pronunciados aquando da atribuição do Nobel) e a contribuição para a obra de Arthur Koestler intitulada “Réflexions sur la peine capitale”.
Outras obras foram editadas após a sua morte entre as quais se contam o “diário” dos seus pensamentos e leituras, assim como notas de trabalho, publicado sob o título “Carnets”; o diploma de estudos superiores de 1936: “Métaphysique chrétienne et néoplatonisme”, publicado pela “La Pléiade”; o romance inédito, “La Morte heureuse”, cuja redacção data de 1937; o manuscrito inacabado, encontrado na pasta de Camus depois do acidente de viação que o vitimou:“Le Premier Homme”, esboço do que viria a tornar-se o seu grande romance quasi autobiográfico e ainda a sua correspondência com o amigo Jean Grenier.
(Ao correr da leitura de “Camus et l’homme sans Diex”, de Arnaud Corbic, em vias de conclusão, aproveito para identificar o essencial da bibliografia da Camus. O campo das obras sobre as quais o autor do ensaio, em referência, concentrou a sua atenção circunscreveu-se, no entanto, aos dois ensaios mais explicitamente filosóficos de Camus, “Le Mythe de Sisyphe”, consagrado ao absurdo, e “L’Homme révolté”, consagrado à revolta, além das obras mais literárias tais como “Noces”, "La Peste”, “La Chute”, o importante prefácio à reedição de “L’envers et l’Endroit”, “Le Premier Homme" e “Les Carnets”).
Camus publicou em vida dezanove obras, de 1937 a 1959, entre as quais se destacam os romances (“L’Étranger” em 1942, “La Peste” em 1947), as novelas (“La Chute” em 1956, “L’Exil et le Royaume” em 1957) as peças de teatro (“Caligula” e “Le Malentendu" em 1944, “L’État de siège" em 1948, “Les Justes” em 1950), e os ensaios (“L’Envers et l’Endroit" em 1937, “Noces” em 1939, “Le Mythe de Sisyphe” em 1942, “Les lettres à un ami allemand” em 1945, “L´Homme révolté” em 1951 e”LÊté” em 1954). É necessário anda juntar três recolhas de ensaios políticos (“Les Actuelles”), “Les deux Discours de Suède” (pronunciados aquando da atribuição do Nobel) e a contribuição para a obra de Arthur Koestler intitulada “Réflexions sur la peine capitale”.
Outras obras foram editadas após a sua morte entre as quais se contam o “diário” dos seus pensamentos e leituras, assim como notas de trabalho, publicado sob o título “Carnets”; o diploma de estudos superiores de 1936: “Métaphysique chrétienne et néoplatonisme”, publicado pela “La Pléiade”; o romance inédito, “La Morte heureuse”, cuja redacção data de 1937; o manuscrito inacabado, encontrado na pasta de Camus depois do acidente de viação que o vitimou:“Le Premier Homme”, esboço do que viria a tornar-se o seu grande romance quasi autobiográfico e ainda a sua correspondência com o amigo Jean Grenier.
(Ao correr da leitura de “Camus et l’homme sans Diex”, de Arnaud Corbic, em vias de conclusão, aproveito para identificar o essencial da bibliografia da Camus. O campo das obras sobre as quais o autor do ensaio, em referência, concentrou a sua atenção circunscreveu-se, no entanto, aos dois ensaios mais explicitamente filosóficos de Camus, “Le Mythe de Sisyphe”, consagrado ao absurdo, e “L’Homme révolté”, consagrado à revolta, além das obras mais literárias tais como “Noces”, "La Peste”, “La Chute”, o importante prefácio à reedição de “L’envers et l’Endroit”, “Le Premier Homme" e “Les Carnets”).
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DA VOZ DAS COISAS
domingo, abril 15
PRESIDENCIAIS FRANCESAS
Painel de Candidatos
Tudo aponta para que não haja surpresa na primeira volta das presidenciais francesas: Sego e Sarko devem passar à segunda volta. A esquerda dificilmente ganhará essa segunda volta. A não ser que Sego seja capaz de seduzir, em pleno, o eleitorado centrista e, talvez mais difícil, todas as franjas do eleitorado de esquerda que, à primeira volta, votará noutros candidatos. A grande surpresa será a direita não ganhar!
Tudo aponta para que não haja surpresa na primeira volta das presidenciais francesas: Sego e Sarko devem passar à segunda volta. A esquerda dificilmente ganhará essa segunda volta. A não ser que Sego seja capaz de seduzir, em pleno, o eleitorado centrista e, talvez mais difícil, todas as franjas do eleitorado de esquerda que, à primeira volta, votará noutros candidatos. A grande surpresa será a direita não ganhar!
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ARCO-ÍRIS
Fotografia de Hélder Gonçalves
No dia 25 de Abril a liberdade
acordou com a água até aos olhos
e um grande arco-íris envolveu Portugal,
de norte a sul.
As cores saíram finalmente para o sol
e os cravos foram os primeiros a transbordar.
Vamos, mulher, vamos celebrar as núpcias
do fogo secreto com o vermelho-verde
escrito em cada muro à altura da mão
como o rio no vale.
Alguns morreram
antes disso, acompanhando o voo das rolas.
A exacta medida duma coisa vê-se melhor
no vazio que se preenche:
a cotovia nos trigos, o vinho fluente
e a liberdade escrita no arco-íris.
António Cabral
No dia 25 de Abril a liberdade
acordou com a água até aos olhos
e um grande arco-íris envolveu Portugal,
de norte a sul.
As cores saíram finalmente para o sol
e os cravos foram os primeiros a transbordar.
Vamos, mulher, vamos celebrar as núpcias
do fogo secreto com o vermelho-verde
escrito em cada muro à altura da mão
como o rio no vale.
Alguns morreram
antes disso, acompanhando o voo das rolas.
A exacta medida duma coisa vê-se melhor
no vazio que se preenche:
a cotovia nos trigos, o vinho fluente
e a liberdade escrita no arco-íris.
António Cabral
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sábado, abril 14
"SER UM HOMEM."
Albert Camus
Para o que me havia de dar a auto notícia da doença de Lobo Antunes e as análises de rotina que ando a fazer! Para insistir no tema da oposição entre “ser um santo sem Deus” e “ ser um homem” que Albert Camus – há quanto tempo não o cito aqui? – assume neste diálogo de “A Peste”:
- Em suma – disse Tarrou com simplicidade –, o que me interessa é saber como se pode ser santo.
- Mas você não acredita em Deus.
- Justamente. Pode ser-se santo sem Deus? Eis o único problema que hoje me preocupa. (…)
- Talvez – respondeu o médico –, mas, sabe eu sinto mais solidariedade com os vencidos que com os santos. Creio que não tenho gosto pelo heroísmo e pela santidade. O que me interessa é ser um homem.
O que interessa Camus, tomando o doutor Rieux como seu porta palavra, é “ser um homem” e, através da figura emblemática do “médico” – ser “um homem solidário.”
[Ao correr da leitura de “Camus et l’homme sans Dieu” de Arnaud Corbic.]
Para o que me havia de dar a auto notícia da doença de Lobo Antunes e as análises de rotina que ando a fazer! Para insistir no tema da oposição entre “ser um santo sem Deus” e “ ser um homem” que Albert Camus – há quanto tempo não o cito aqui? – assume neste diálogo de “A Peste”:
- Em suma – disse Tarrou com simplicidade –, o que me interessa é saber como se pode ser santo.
- Mas você não acredita em Deus.
- Justamente. Pode ser-se santo sem Deus? Eis o único problema que hoje me preocupa. (…)
- Talvez – respondeu o médico –, mas, sabe eu sinto mais solidariedade com os vencidos que com os santos. Creio que não tenho gosto pelo heroísmo e pela santidade. O que me interessa é ser um homem.
O que interessa Camus, tomando o doutor Rieux como seu porta palavra, é “ser um homem” e, através da figura emblemática do “médico” – ser “um homem solidário.”
[Ao correr da leitura de “Camus et l’homme sans Dieu” de Arnaud Corbic.]
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TÚMULO DE HERÓIS ANTIGOS
Fotografia de Hélder Gonçalves
O tempo não urge mais neste loco dolenti.
Eles dormem nas suas pálpebras em sono
desmedido um intento não logrado, entoando
a meia voz hinos e canções que se esvaem
pelas altas janelas direitas ao país natal,
num sonho agraciado com galões e dragonas,
canutilhos nos ombros e no peito,
onde uma esperança diferida demora-se
e um pavilhão ondula in memoriam
no vento frio e seco do norte;
quantos lutaram passando a pólvora
pelo crivo, levando ao ombro a alma
da boca de fogo, contra um ceptro,
um trono, sua influência soberana
em terras estas onde nasceram;
quantos morderam o pó; solta a retranca
dos cavalos, ouvido o tambor dos sitiados,
arvorada a bandeira branca pela conta certa
dos que ficaram, bando de insurgentes,
passados à faca, jungidos como se metem
os bois à canga, proclamaram uma verdade
entre gritos de alarme expiando:
para sempre por pagar em oiro e em prata
o soldo das suas vidas expostas,
sem o broquel dos antigos, na linha de tiro.
Paulo Teixeira
O tempo não urge mais neste loco dolenti.
Eles dormem nas suas pálpebras em sono
desmedido um intento não logrado, entoando
a meia voz hinos e canções que se esvaem
pelas altas janelas direitas ao país natal,
num sonho agraciado com galões e dragonas,
canutilhos nos ombros e no peito,
onde uma esperança diferida demora-se
e um pavilhão ondula in memoriam
no vento frio e seco do norte;
quantos lutaram passando a pólvora
pelo crivo, levando ao ombro a alma
da boca de fogo, contra um ceptro,
um trono, sua influência soberana
em terras estas onde nasceram;
quantos morderam o pó; solta a retranca
dos cavalos, ouvido o tambor dos sitiados,
arvorada a bandeira branca pela conta certa
dos que ficaram, bando de insurgentes,
passados à faca, jungidos como se metem
os bois à canga, proclamaram uma verdade
entre gritos de alarme expiando:
para sempre por pagar em oiro e em prata
o soldo das suas vidas expostas,
sem o broquel dos antigos, na linha de tiro.
Paulo Teixeira
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sexta-feira, abril 13
ANTÓNIO LOBO ANTUNES
António Lobo Antunes
Pelo menos duas vezes vi o António Lobo Antunes num pequeno café/restaurante de telheiras a almoçar há pouco tempo.
Enquanto comia ditava sem parar e a acompanhante escrevia, por vezes interrogava e, aparentemente distraído, prosseguia como se o fio da sequência se pudesse quebrar.
Li o artigo que hoje ele publicou na “Visão”. É pungente anunciar o que é mais difícil de anunciar: “Suceda o que suceder, uma coisa tenho por certa: isto alterou, de cabo a rabo, a minha vida. Ignoro em que sentido, ignoro como. Sei que alterou. Santa Maria. O que farei daqui para a frente, se existir daqui para a frente?” (…)
“Estão sempre a dar-me prémios e claro que tenho prazer nisso, não sou mentiroso nem hipócrita. Toda a gente foi muito simpática.
e sem que eles sonhassem
(sonhava eu)
o cancro
ratando ratando, injusto, teimoso, cego. Mói e mata. Mata. Mata. Mata. Mata. Levou-me tantas das pessoas que mais queria. E eu, já agora, quero-me? Sim. Não. Sim. Não – sim. Por enquanto meço o meu espanto, à medida que nas árvores da cerca uns pardais fazem ninho. A primavera mal começou e eles truca, ninho. Obrigado, Senhor, por haver futuro para alguém.”
Da última vez que o vi, talvez em Fevereiro, achei-o quebrado, mas quantos de nós, tanta vez, não surgimos, aos olhos dos outros, como virtualmente mortos. A vida reserva-nos surpresas tristes mas a sombra não é mais do que um recorte da luz e a esperança o sol que nunca abandona as nossas vidas.
Até os comentários à auto notícia da doença de António Lobo Antunes são, ao contrário do costume, decentes e encorajadores. Por mim associo-me às vozes da esperança.
Pelo menos duas vezes vi o António Lobo Antunes num pequeno café/restaurante de telheiras a almoçar há pouco tempo.
Enquanto comia ditava sem parar e a acompanhante escrevia, por vezes interrogava e, aparentemente distraído, prosseguia como se o fio da sequência se pudesse quebrar.
Li o artigo que hoje ele publicou na “Visão”. É pungente anunciar o que é mais difícil de anunciar: “Suceda o que suceder, uma coisa tenho por certa: isto alterou, de cabo a rabo, a minha vida. Ignoro em que sentido, ignoro como. Sei que alterou. Santa Maria. O que farei daqui para a frente, se existir daqui para a frente?” (…)
“Estão sempre a dar-me prémios e claro que tenho prazer nisso, não sou mentiroso nem hipócrita. Toda a gente foi muito simpática.
e sem que eles sonhassem
(sonhava eu)
o cancro
ratando ratando, injusto, teimoso, cego. Mói e mata. Mata. Mata. Mata. Mata. Levou-me tantas das pessoas que mais queria. E eu, já agora, quero-me? Sim. Não. Sim. Não – sim. Por enquanto meço o meu espanto, à medida que nas árvores da cerca uns pardais fazem ninho. A primavera mal começou e eles truca, ninho. Obrigado, Senhor, por haver futuro para alguém.”
Da última vez que o vi, talvez em Fevereiro, achei-o quebrado, mas quantos de nós, tanta vez, não surgimos, aos olhos dos outros, como virtualmente mortos. A vida reserva-nos surpresas tristes mas a sombra não é mais do que um recorte da luz e a esperança o sol que nunca abandona as nossas vidas.
Até os comentários à auto notícia da doença de António Lobo Antunes são, ao contrário do costume, decentes e encorajadores. Por mim associo-me às vozes da esperança.
UE - FONTE INSUSPEITA
Comissão Europeia considera prematuro tirar conclusões sobre agravamento do défice português
Estamos a falar do deficit de 2003 do governo de José Manuel Barroso.
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Fotografia de Hélder Gonçalves
A menina descobre um dia
que atrás do espelho
não está ninguém.
Assim me ardem os olhos de nada ler.
A servidão das palavras
não me poupou a outros trabalhos
que das mãos alheias
para as minhas passavam.
A menina fugia
e as nossas vozes não a encontravam.
Sua sombra cresce no céu
cada vez que sonhamos imitá-la.
Vi o sol sepultar-se em mim
e nascer veloz no mercado negro
coroado de setas
beijado pela menina
e pela boca de outros atletas.
Há na palavra escravo
um espelho que me obriga a escrever.
E a única certeza
é a de não me ver.
Regina Guimarães
A menina descobre um dia
que atrás do espelho
não está ninguém.
Assim me ardem os olhos de nada ler.
A servidão das palavras
não me poupou a outros trabalhos
que das mãos alheias
para as minhas passavam.
A menina fugia
e as nossas vozes não a encontravam.
Sua sombra cresce no céu
cada vez que sonhamos imitá-la.
Vi o sol sepultar-se em mim
e nascer veloz no mercado negro
coroado de setas
beijado pela menina
e pela boca de outros atletas.
Há na palavra escravo
um espelho que me obriga a escrever.
E a única certeza
é a de não me ver.
Regina Guimarães
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quinta-feira, abril 12
A ENTREVISTA
IMAGEM DAQUI – VER MAIS
A propósito da entrevista de Sócrates já que tanto insistem: 1) Quando completei o meu curso superior os meus pais organizaram uma festa. Não percebi e muito menos valorizei o evento. Mas está visto que eles tinham as suas razões; 2) Num país com a mais elevada taxa de abandono escolar precoce e insucesso escolar da UE, logo a seguir a Malta, o primeiro-ministro, com ou sem as trapalhadas da Independente, fez bem em insistir na necessidade do regresso à escola contrariando a tendência geral – parece um detalhe mas não é; 3) No país dos “doutores” e da inveja, verdadeiras instituições nacionais, Sócrates mostrou não se ter intimidado após semanas de ataques ao seu carácter – uma modalidade da política de sarjeta já com tradições firmadas em Portugal; 4) O que se retém do conjunto da entrevista é uma postura pessoal de firmeza na condução da política que foi traçada pelo governo; 5) Só faltou a Sócrates o golpe de asa para anunciar, expressa ou subliminarmente, algo que tivesse empurrado, de vez, o tema do canudo para o caixote do lixo – não o quis fazer e talvez tenha feito bem (no mesmo dia o FMI anunciou boas notícias para a economia portuguesa); 6) Sócrates mostrou à-vontade na refrega política, uma surpreendente frescura, não perdeu o fio à meada nem, tão pouco, o sentido de Estado; 7) Demonstrou para os que o querem derrotar – fora e dentro dos partidos – que vão ter de esperar pelas eleições legislativas de 2009; 8) Foi lapidar a frase elogiosa das relações com o PR, Cavaco Silva; 9) A oposição vai ter de treinar muito para lhe arrebatar o poder pois se o deficit e a economia correrem menos-mal até 2009 Sócrates, apesar dos novos ataques que vêm a caminho, vai confrontar os adversários com um menu variado de desagradáveis surpresas. A ver vamos!
A propósito da entrevista de Sócrates já que tanto insistem: 1) Quando completei o meu curso superior os meus pais organizaram uma festa. Não percebi e muito menos valorizei o evento. Mas está visto que eles tinham as suas razões; 2) Num país com a mais elevada taxa de abandono escolar precoce e insucesso escolar da UE, logo a seguir a Malta, o primeiro-ministro, com ou sem as trapalhadas da Independente, fez bem em insistir na necessidade do regresso à escola contrariando a tendência geral – parece um detalhe mas não é; 3) No país dos “doutores” e da inveja, verdadeiras instituições nacionais, Sócrates mostrou não se ter intimidado após semanas de ataques ao seu carácter – uma modalidade da política de sarjeta já com tradições firmadas em Portugal; 4) O que se retém do conjunto da entrevista é uma postura pessoal de firmeza na condução da política que foi traçada pelo governo; 5) Só faltou a Sócrates o golpe de asa para anunciar, expressa ou subliminarmente, algo que tivesse empurrado, de vez, o tema do canudo para o caixote do lixo – não o quis fazer e talvez tenha feito bem (no mesmo dia o FMI anunciou boas notícias para a economia portuguesa); 6) Sócrates mostrou à-vontade na refrega política, uma surpreendente frescura, não perdeu o fio à meada nem, tão pouco, o sentido de Estado; 7) Demonstrou para os que o querem derrotar – fora e dentro dos partidos – que vão ter de esperar pelas eleições legislativas de 2009; 8) Foi lapidar a frase elogiosa das relações com o PR, Cavaco Silva; 9) A oposição vai ter de treinar muito para lhe arrebatar o poder pois se o deficit e a economia correrem menos-mal até 2009 Sócrates, apesar dos novos ataques que vêm a caminho, vai confrontar os adversários com um menu variado de desagradáveis surpresas. A ver vamos!
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quarta-feira, abril 11
O POETA
Fotografia de Hélder Gonçalves
Trabalha agora na importação e exportação. Importa
metáforas, exporta alegorias. Podia ser um trabalhador por conta própria,]
um desses que preenche cadernos de folha azul com números
de deve e haver. De facto, o que deve são palavras; e o que tem
é esse vazio de frases que lhe acontece quando se encosta
ao vidro, no inverno, e a chuva cai do outro lado. Então, pensa
que poderia importar o sol e exportar as nuvens. Poderia ser
um trabalhador do tempo. Mas, de certo modo, a sua
prática confunde-se com a de um escultor do movimento. Fere,
com a pedra do instante, o que passa a caminho da eternidade;
suspende o gesto que sonha o céu; e fixa, na dureza da noite,
o bater de asas, o azul, a sábia interrupção da morte.
Nuno Júdice
Trabalha agora na importação e exportação. Importa
metáforas, exporta alegorias. Podia ser um trabalhador por conta própria,]
um desses que preenche cadernos de folha azul com números
de deve e haver. De facto, o que deve são palavras; e o que tem
é esse vazio de frases que lhe acontece quando se encosta
ao vidro, no inverno, e a chuva cai do outro lado. Então, pensa
que poderia importar o sol e exportar as nuvens. Poderia ser
um trabalhador do tempo. Mas, de certo modo, a sua
prática confunde-se com a de um escultor do movimento. Fere,
com a pedra do instante, o que passa a caminho da eternidade;
suspende o gesto que sonha o céu; e fixa, na dureza da noite,
o bater de asas, o azul, a sábia interrupção da morte.
Nuno Júdice
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VOANDO SOBRE A PERFÍDIA
Fotografia de Hélder Gonçalves
Na nossa sociedade, porventura em todas as sociedades, pairam no ar bandos de abutres tristes. O que mais os excita é o sangue que vislumbram no chão da vida com suas miras telescópicas. Os abutres crentes em Deus, acreditando na vida para além da morte, estão em vantagem. Os que acreditam acima de tudo na vida humana, eivada de suas vicissitudes terrenas, preocupam-se com as pedras. O título de um poema que publiquei dias atrás – “Fidelidade à Terra” – contém todo um programa que organiza a filosofia de vida daqueles que, como eu, acreditam num mundo sem Deus mas que não abdica do Sagrado.
O que mais impressiona na nossa vida pública é a capacidade de persuasão dos “media”, oráculos da verdade indesmentível sobreposta à realidade dos factos e, ainda mais, ver desfilar as legiões silenciosas dos crentes na representação da verdade falsificada. Como se a vida pública fosse uma cenografia pela qual desfila um imenso elenco de actores – primeiras figuras e figurantes – dos quais se espera que representem os papéis que os poderes mediáticos lhes impõem e destinam.
Todo o enredo foi escrito algures por alguém que aparece a público, com o rosto encoberto, sob anonimato, travestido de outrem, podendo mesmo ser assumido amigo companheiro e camarada, vertendo, gota a gota, no ar a insídia na qual se respira a trama que elimina a confiança e torna inânime a autoridade até à sua destruição final. Os abutres tristes de ontem correm sérios riscos de morrer às mãos dos abutres tristes de hoje.
Só há uma profilaxia radical para a perfídia na vida pública que todos os clássicos descrevem, com apurada argúcia e fino detalhe, – Nicolau Maquiavel – é afastarmo-nos dela sem desprezo pela coragem dos homens públicos que, afrontando os horrores da voracidade dos abutres tristes, tentam mudar a vida dos povos e das nações e que, por norma, são devorados pelas suas próprias obras e ambição. Mas, ao menos, que sejam capazes de dar aos cidadãos de boa vontade exemplos de sublime humildade ou de sábia abdicação.
(Com uma dedicatória ao Eduardo Ferro Rodrigues.)
Na nossa sociedade, porventura em todas as sociedades, pairam no ar bandos de abutres tristes. O que mais os excita é o sangue que vislumbram no chão da vida com suas miras telescópicas. Os abutres crentes em Deus, acreditando na vida para além da morte, estão em vantagem. Os que acreditam acima de tudo na vida humana, eivada de suas vicissitudes terrenas, preocupam-se com as pedras. O título de um poema que publiquei dias atrás – “Fidelidade à Terra” – contém todo um programa que organiza a filosofia de vida daqueles que, como eu, acreditam num mundo sem Deus mas que não abdica do Sagrado.
O que mais impressiona na nossa vida pública é a capacidade de persuasão dos “media”, oráculos da verdade indesmentível sobreposta à realidade dos factos e, ainda mais, ver desfilar as legiões silenciosas dos crentes na representação da verdade falsificada. Como se a vida pública fosse uma cenografia pela qual desfila um imenso elenco de actores – primeiras figuras e figurantes – dos quais se espera que representem os papéis que os poderes mediáticos lhes impõem e destinam.
Todo o enredo foi escrito algures por alguém que aparece a público, com o rosto encoberto, sob anonimato, travestido de outrem, podendo mesmo ser assumido amigo companheiro e camarada, vertendo, gota a gota, no ar a insídia na qual se respira a trama que elimina a confiança e torna inânime a autoridade até à sua destruição final. Os abutres tristes de ontem correm sérios riscos de morrer às mãos dos abutres tristes de hoje.
Só há uma profilaxia radical para a perfídia na vida pública que todos os clássicos descrevem, com apurada argúcia e fino detalhe, – Nicolau Maquiavel – é afastarmo-nos dela sem desprezo pela coragem dos homens públicos que, afrontando os horrores da voracidade dos abutres tristes, tentam mudar a vida dos povos e das nações e que, por norma, são devorados pelas suas próprias obras e ambição. Mas, ao menos, que sejam capazes de dar aos cidadãos de boa vontade exemplos de sublime humildade ou de sábia abdicação.
(Com uma dedicatória ao Eduardo Ferro Rodrigues.)
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terça-feira, abril 10
SEM TÍTULO
Fotografia de Hélder Gonçalves
No verão, por vezes, o vento Leste invade
a urbe. O vento da meseta – que o povo
diz não trazer nada de bom -, seca tudo
na sua frente. Também a cidade
está cheia de pessoas que secam tudo
na sua frente. Só conhecem pássaros
em gaiolas, árvores em toros
para crepitarem nas lareiras. O vento
cai, os insectos que arrastou
adubam os canteiros. As pessoas
duram todo o ano, estão sempre
vigilantes nas suas teias. De quem
falo – perguntas –. Ignoro! Abri
o computador a pensar num poema
e o texto foi invadido por um vento
cálido que não sei
para onde se dirige. Esperarei
Setembro, outra atmosfera, poderei
sair de casa, ir até ao correio,
escrever mensagens em que as aves
chilreiem, façam ninhos primaveris,
e pensar a cidade como se eu fosse
um forasteiro, com olhos de espanto:
carregar a memória com o crepúsculo,
coleccionar metáforas para,
no regresso, depositar
sob o teu olhar, avançar a mão
para a floresta, galopar intra-muros,
ouvir depois o boletim meteorológico
para saber onde iremos amanhã.
Egito Gonçalves
No verão, por vezes, o vento Leste invade
a urbe. O vento da meseta – que o povo
diz não trazer nada de bom -, seca tudo
na sua frente. Também a cidade
está cheia de pessoas que secam tudo
na sua frente. Só conhecem pássaros
em gaiolas, árvores em toros
para crepitarem nas lareiras. O vento
cai, os insectos que arrastou
adubam os canteiros. As pessoas
duram todo o ano, estão sempre
vigilantes nas suas teias. De quem
falo – perguntas –. Ignoro! Abri
o computador a pensar num poema
e o texto foi invadido por um vento
cálido que não sei
para onde se dirige. Esperarei
Setembro, outra atmosfera, poderei
sair de casa, ir até ao correio,
escrever mensagens em que as aves
chilreiem, façam ninhos primaveris,
e pensar a cidade como se eu fosse
um forasteiro, com olhos de espanto:
carregar a memória com o crepúsculo,
coleccionar metáforas para,
no regresso, depositar
sob o teu olhar, avançar a mão
para a floresta, galopar intra-muros,
ouvir depois o boletim meteorológico
para saber onde iremos amanhã.
Egito Gonçalves
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