Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
sábado, abril 20
25 DE ABRIL (27) - Salgueiro Maia
Afinal o Capitão Salgueiro Maia era um homem de coragem. No confronto decisivo da Rua do Arsenal foi o sangue frio de Salgueiro Maia que tornou vitoriosa a revolução. A sua serenidade face à força inimiga obrigou a que o soldado atirador, sob ordens de um subordinado do brigadeiro, não fosse capaz de premir o gatilho. A serenidade do Capitão Salgueiro Maia, sabendo que tinha a sua cabeça na mira do atirador, congelou a situação.
Acredito pelo que presenciei que só a conjugação da coragem do Comandante da força revoltosa de Santarém, o desespero do comandante da força do regime e a recusa do soldado em disparar permitiram o desenlace feliz daquela situação que, no plano militar, era absolutamente desfavorável aos revoltosos.
Assim se decidiu o destino da revolução. Entretanto tínhamos prosseguido o nosso caminho e entrámos pacificamente no 2º GCAM. (Fotografia de Alfredo Cunha)
sexta-feira, abril 19
25 DE ABRIL (26) - O renascimento da liberdade
Era a velha questão da liberdade que se jogava naquelas horas. Participei, com os meus dois camaradas, João Mário e António Dias, num daqueles momentos da história em que algo de essencial muda.
A mudança do destino da vida de toda uma comunidade e de um povo. Um daqueles momentos raros de fusão em que um regime, que no dia anterior parecia inexpugnável, cai fulminado como se nunca tivesse tido apoiantes e seguidores.
Assistimos e participámos, ao vivo, numa página ímpar da nossa história, aos últimos minutos de um regime de opressão e ao renascimento de um regime de liberdade.
De saída daquela situação de acompanhantes anónimos da coluna militar, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia, ainda nos cruzámos com a coluna de Cavalaria 7 que vinha ao encontro dos revoltosos. Era comandada, soube depois, pelo meu conterrâneo Brigadeiro Junqueira dos Reis.
O caminho de regresso ao nosso objectivo passou pela Ajuda onde o pessoal da Polícia Militar (PM) discutia o que fazer na estrada de Monsanto. Ao longo desta digressão pela cidade, sempre pensei que a desproporção de forças era demasiado grande, enorme e arrasadora, e que a coluna revoltosa não seria capaz de resistir a um ataque determinado. Receei que fosse destroçada em poucos minutos. (Fotografia de Alfredo Cunha).
quinta-feira, abril 18
25 DE ABRIL (25) - Rua do arsenal
Tomada a decisão de ver com os próprios olhos o desenvolvimento da acção militar, fomos sempre atrás da coluna atravessando a baixa no sentido do Terreiro do Paço. Chegada à Rua do Arsenal a coluna parou. Os tanques posicionaram-se no terreno.
Havia um vaso de guerra no Tejo e a discussão era se estava a favor ou contra o movimento revoltoso. Decidimos que chegara a hora de abandonar o local pois não era aquela a nossa guerra. Não podíamos ficar mais tempo sacrificando a nossa própria missão.
Ultrapassámos a coluna facilmente e seguimos em frente. Sempre fiquei com a convicção que a vitória da Revolução foi decidida na Rua do Arsenal antes dos acontecimentos do Largo do Carmo. O povo ainda não tinha descido à rua.
Estávamos na fase das puras operações militares, propriamente ditas, sem as quais não seria possível desencadear o verdadeiro processo político que precipitaria a queda do regime. Afinal as forças armadas estavam a prestar um serviço público que poderia redundar num pesadelo para os seus protagonistas. (Fotografia de Alfredo Cunha - que hoje dá testemunho no DN acerca da sua participação neste dia.)
quarta-feira, abril 17
25 DE ABRIL (24) - Na peugada da coluna de Salgueiro Maia
Perante o dilema de entrar, de imediato, no Quartel do Campo Grande, ou seguir atrás da coluna militar, tomamos a opção de nos incorporarmos na coluna. Mas antes deixámos o João Mário Anjos no quartel. Eu com o António Dias ao volante do Datsun 1200, matrícula HA-79-46, seguimos atrás da coluna de Salgueiro Maia.
A caminho da Avenida da República pensei com os meus botões na fraqueza aparente da força militar que havia de ser decisiva no destino do 25 de Abril. Um soldado que era visível num dos carros apresentava um aspecto de uma fragilidade impressionante. Era uma coluna militar pouco convincente, pelo aspecto exterior, ostentando sinais de fraca capacidade militar.
Na Avenida da Liberdade lembro-me de ter visto um polícia tomar a iniciativa de mandar parar um ou outro carro para não perturbar o avanço da coluna (soube recentemete que ocorreu um acidente com um dos carros da coluna num dos cruzamentos). A madrugada ia alta e saíam clientes do «Cantinho do Artista» no Parque Mayer. Éramos, certamente, os únicos perseguidores da coluna cuja missão concreta desconhecíamos. (Fotografia de Alfredo Cunha).
terça-feira, abril 16
25 DE ABRIL (23) - Finalmente sinais de ação
Retenho muito viva na memória a imagem do carro de combate que encabeçava a coluna irrompendo diante de nós. Tinha surgido da escuridão uma coluna militar que tomaria a direcção do centro da cidade. Vislumbramos um carro «nívea» da polícia na penumbra que não esboçou qualquer movimento.
O Campo Grande não era como hoje. Havia um desnível e o carro de combate que vinha na nossa direcção deu um salto rápido para tomar contacto de novo com o chão. Foi uma espécie de salto mágico que desde esse momento, com frequência, me assalta a memória. A emoção que senti é indescritível. Era um sonho que se tornara realidade. Fomos, certamente, os únicos que assistimos, ao vivo, a esse momento.
Soubemos, mais tarde, que aquela era a coluna, oriunda de Santarém, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia. Naquele momento colocava-se a opção de cumprir o nosso objectivo e entrar no quartel ou seguir atrás daquela surpresa entusiasmante. (Fotografia de Alfredo Cunha.)
segunda-feira, abril 15
25 DE ABRIL (22) - A espera sem fim
No dia 24 de Abril fomos contactados no quartel por um colega do curso de oficiais milicianos. As últimas dúvidas quase se tinham dissipado. A acção militar ia ser desencadeada na próxima madrugada.
Fui a casa do Eduardo Ferro Rodrigues, meu amigo de juventude e de todas as militâncias, na Travessa do Ferreiro, para o avisar de que alguma coisa (o golpe) se iria passar nessa noite. Era fim da tarde. A RTP transmitia um jogo do Sporting, com um clube da Alemanha de Leste, para uma eliminatória das competições europeias de futebol. Deixei o recado e pus-me a caminho.
O combinado era reunir um pequeno grupo de que faziam parte o João Mário Anjos, o António Mil-homens (já falecidos) e o António Dias, na casa deste, em Benfica, aguardando os sinais musicais ("E depois do Adeus" e Grândola") que anunciariam o desencadear da operação, a nível nacional.
Era perto de minha casa e lá fui preparado para o que desse e viesse. Mas o sinal nunca mais surgia, para a ansiedade reinante, e adormeci deitado no chão. (Fotografia de Alfredo Cunha).
domingo, abril 14
25 DE ABRIL (21) - Os camaradas de armas
Os militares, oficiais do quadro, que preparavam a revolta tinham a consciência da inevitabilidade do confronto militar. E os milicianos também. Era um confronto que havia que preparar com todo o cuidado. Fiz contactos discretos com os amigos que colaboravam no que havia de vir a ser o MES.
Deixei mensagens e recados mais ou menos enigmáticos. Muitos dos avisados fizeram vigília no dia errado ou foram surpreendidos no dia certo. Nada disse à minha família.
Mas alguém tinha de ser avisado para que na minha unidade militar, o 2º GCAM, se pudesse apoiar, com eficácia, a tomada do quartel. Avisei pelo menos o João Mário Anjos e o António Dias, meus camaradas de armas. Devemos ter acertado, entre nós, os passos a dar naqueles dias. (Fotografia de Alfredo Cunha).
sábado, abril 13
25 DE ABRIL (20) - Na expetativa do combate
Os dias que se seguiram ao 16 de Março foram de expectativa e tensão crescentes. Sabia que alguma coisa iria acontecer. Os contactos multiplicavam-se e os boatos inundavam as conversas.
Soube, em meados de Abril, após o contacto com o Capitão Teófilo Bento, mas não por ele, que o golpe seria para os finais de Abril. A informação havia chegado pela via política e não pela via militar.
Teriam que ser tomados os cuidados adequados a uma situação de confronto armado em que poderia correr sangue. Ninguém acreditava que o regime caísse sem oferecer feroz resistência. Seria mais que provável o confronto militar pelo que era prudente estarmos preparados para essa situação.(Fotografia de Alfredo Cunha).
sexta-feira, abril 12
25 DE ABRIL (19) - Capitão Teófilo Bento
Quando eclodiu o 25 de Abril, cumpria serviço militar, como oficial miliciano, desde finais de 1971, no quartel do Campo Grande, em Lisboa. Nunca soube a razão de não ter sido mobilizado para uma das frentes da guerra colonial. O destino reservou-me passar três anos a ministrar instrução militar a recrutas de toda a sorte, alguns deles, por sinal, bem ilustres.
Foi o Capitão Teófilo Bento que me contactou no início de 1974 e não sei já como chegou até mim. Talvez tenha sido após o «Golpe das Caldas», em 16 de Março, pois, nesse dia, foi-me dada ordem para permanecer no quarto. Na manhã do dia seguinte, se bem me lembro, lá me mandaram sair. O golpe tinha fracassado.
Falei, por esses dias, com o Capitão Teófilo Bento num carro estacionado próximo do 2º GCAM, no Campo Grande. Ele queria saber se havia algum oficial miliciano de confiança no Quartel-general de Lisboa.
Tratava-se, pelo que percebi, de um ponto fraco na rede dos militares que preparavam o golpe. Mas não havia um único miliciano de confiança, que eu conhecesse, em serviço no Quartel-general. Após este encontro fiquei com a certeza da inevitabilidade do que viria a acontecer.
Estava, de facto, em marcha uma acção de envergadura para derrubar o regime. Mantive a maior descrição. Julgo que não falei a ninguém acerca desse encontro. Mas tomei as minhas providências. O ambiente era de medir forças dentro dos quartéis. Após o fracassado «Golpe das Caldas» todos os movimentos eram observados e o ar que se respirava estava povoado de ameaças. (Fotografia de Alfredo Cunha).
quinta-feira, abril 11
25 DE ABRIL (18) - O I Congresso do MES (2)
A ruptura política operada no 1º Congresso, e a consequente saída de Jorge Sampaio do nascente MES, não foi inesperada. Ela resultou de um longo processo de debate que durou semanas, ou meses, ao longo dos quais não se estabeleceram as pontes pessoais e políticas que poderiam ter inflectido aquele desenlace.
Recebi, pela minha parte, abundantes avisos e missivas alertando para a gravidade da ruptura que se adivinhava no horizonte. Tenho em minha posse os originais de duas cartas que me foram dirigidas, a título pessoal, que testemunham a consciência daquela situação*.
Uma foi-me enviada, do Porto, por José Galamba de Oliveira, datada de 7 de Novembro de 1974, afirmando: " (...) Parece-me que estamos numa encruzilhada. Não prevejo que futuro está traçado a curto e médio prazo para este país nem vejo claro o que deveremos e poderemos fazer para inflectir favoravelmente o desenrolar do processo histórico. Embora não pense que a luta de classes se desenrole nas cúpulas, gostava de saber o que está arquivado nas gavetas das secretárias de Ford, Brejnev e companhia. Cada vez mais o que se passa num país é menos independente do panorama internacional, e continuo sem ver claro qual o projecto do PCP cá para o burgo lusitano."
E afirma a propósito do Congresso que se avizinhava: "Não estamos suficientemente fortes para depurações. Toda a flexibilidade e diplomacia são poucas para preservar o essencial".
Numa longa carta, de 15 de Dezembro de 1974, que me enviou de Moçambique, Luís Salgado de Matos adverte: "...rezo aos meus santinhos para que não façam cisões - sobretudo a cisão na confusão. Corre-se mais o risco da grupuscularização sem dogma que da social democratização derrapante: não defendo a síntese da carne e do peixe (...) mas julgo que é um risco grave cortar o pano sem ver o tecido. Cisão, a haver - pelo que se pode desenhar - afastará o social democratismo (...) mas reduzirá o MES ao nível do grupinho necessariamente sectário mas sem um conjunto rígido de princípios (que costuma ser a safa destes grupinhos)."
Sábias palavras...
* As cartas a que faço referência foram entregues tempos atrás com outros papéis ao José Pacheco Pereira para integrar o seu monumental arquivo.
quarta-feira, abril 10
25 DE ABRIL (17) - O primeiro Congresso do MES (1)
O Movimento de Esquerda Socialista, forjado no período ante-25 de Abril, rompeu-se no seu 1º Congresso, realizado na Aula Magna, em Lisboa, a meio do mês de Dezembro de 1974.
Nesse congresso estavam em confronto duas concepções do papel de um Partido da esquerda socialista no "processo revolucionário".
Uma maioria, fortemente radicalizada, sentia-se legitimada, pelo curso dos acontecimentos, para impor, ao futuro MES, uma orientação política anti-capitalista que, em si mesmo, não tinha originalidade, não fora ser fortemente influenciada pela ideologia da democracia directa que, no caso do MES, tomaria a designação de Poder Popular.
Ficava assim subalternizada a aceitação programática do modelo de democracia representativa vigente na maioria dos países da Europa ocidental.
A minha participação nesse congresso foi marcada pela dilaceração de ter percebido que não seria possível, na prática, evitar uma ruptura entre o grupo liderados por Jorge Sampaio e o grupo majoritário dos delegados ao Congresso.
Alguns dirigentes com responsabilidades, nos quais me incluía, tomamos, pelo silêncio, o partido da maioria, deixando que o coração vencesse a razão, abrindo, assim, a porta a uma deriva esquerdista com a qual, apesar de tudo, tempos mais tarde, tivemos a capacidade de cortar de forma original.
terça-feira, abril 9
25 DE ABRIL (16) - Nuno Brederode Santos (um almoço tardio) 2
Em resposta ao meu post anterior, comentando algumas incidências do I Cngresso do MES, nos longinquos idos de dezembro de 1974, Nuno Brederode Santos retorquiu ao seu estilo com esclarecimentos relevantes:
Meu caro Eduardo:
Começo, se mo permites, pela matéria dos autos, com comentários pontuais.
Talvez nem te esteja a corrigir, mas o que admito é que, à partida para o Congresso fundacional do MES, eu queria que os meus amigos (pessoais e políticos) saíssem. Isto era do pleno conhecimento de alguns, o que não significa que merecesse a sua concordância. Porque a quase totalidade foram para lá na melhor fé, embora sabendo que havia o risco de não terem margem para ficar. Aquilo em que eu diferia deles nem é, pelo menos no comum das situações, muito bonito: e, por isso, lhe chamei «reserva mental». Para corresponder à honestidade intelectual com que vens tratando do assunto – um assunto em que estás completamente envolvido – senti-me na obrigação compulsiva de te fazer saber que havia quem, do outro lado (o meu), tivesse por aliados os «zulus» que queriam correr com os «doutores».
Ora isso não faz de mim «tenor». Mesmo que eu tivesse qualidades pessoais para isso, ou a ambição disso – o que não era manifestamente o caso – não conseguiria sê-lo: cheguei a essa novela muito tarde e, ainda por cima, tinha de lidar em simultâneo com velhos amigos, que conhecia de ginjeira, mas também com outros, que eles bem conheciam e eu não (por se tratar de amizades que eles fizeram desde 69/70, ou seja, quando começou a minha ausência «militar»).
O que eu fiz reflecte, aliás, o que te digo: ao datar a minha carta de saída do primeiro dia dos trabalhos, eu coloquei-me na posição, de pressionar os outros, é certo, mas também na de eu próprio já não ter recuo. Afundei as caravelas, como o Cortez. Mas até nisso há distinções. Porque outro signatário, que foi o J. M. Galvão Telles, foi sendo empurrado para essa atitude. Mas não havia nele senão abertura: e a prova, que tu mesmo já invocaste, é que levou a «militância» ao ponto de arranjar uma sede de que era ele, obviamente, o verdadeiro penhor.
O que eu queria não fica retratado com aquilo a que chamas «federação inorgânica de grupos convergentes», porque era mais simples (ainda que pouco maduro, admito hoje). O que eu queria era que entrássemos para o PS, mas ganhando o tempo de um compasso de espera com dois fins: a) O primeiro e mais importante, era deixar passar a fase do PS como cabeça da frente nacional de resistência ao esquerdismo (o que arrastaria também o desbloqueamento de algumas tensões que subsistiam entre o Melo Antunes e «os 9», de um lado, e a direcção do PS, do outro); o segundo era permitir a «digestão» e o «luto», de que a maior parte dos meus amigos políticos carecia após o malogro da aposta no MES.
Era, pois, necessário um interinato. E, para esse, eu queria um «grilo do Pinóquio», um «clube» de reflexão ao qual, numa carta que ainda enviei de Moçambique, eu chamava, assumindo o paradoxo, um «PSU sem carácter partidário». De facto, a «coisa» tinha de ser compatível com filiações partidárias. Por exótica que tal liberdade hoje pareça. Basta citar o caso do César Oliveira, que não aceitaria acompanhar uma saída conjunta, se ficasse tão dela prisioneiro quanto se sentia no MES. Ora, com pequenas adaptações, foi o que veio a suceder com a saída do MES em grupo e a criação do grupo de Intervenção Socialista (que durou até à nossa entrada para o PS, em 1978) não andou longe disso.
Quanto ao decurso do Congresso. De facto, já sabíamos que a maioria (a tal a que eu chamava «zululãndia») iria fazer valer os seus direitos e colocar os «doutores» em minoria. Mas havia dois imponderáveis. O primeiro era saber se resistiriam, no contexto da época, à assunção formal do marxismo-leninismo. O segundo era quais os sinais que dariam a essa minoria, indiciadores da tolerância e flexibilidade com que se preparavam para tratá-la. Ora as respostas dadas foram ambas claras.
Na primeira questão, porque o obreirismo patente nalguns discursos já falaria por si mesmo, mas o marxismo-leninismo foi, de facto, formalmente proclamado na moção que viria a ser a vencedora. Na segunda questão, porque os discursos da maioria podiam reflectir três hipotéticas atitudes: afirmar princípios, mas ressalvar algum pluralismo; fingir – algo «arrogantemente», diria eu – que a minoria nem existia; ou, na prática, convidá-la a sair. A nossa percepção foi a de poucos discursos se terem colocado na primeira hipótese, quase todos se colocando na segunda e o Afonso ter encarnado explicitamente a terceira (numa resposta explícita e «ad hominem» ao discurso anterior do Jorge Sampaio). Claro que o factor geracional – eu diria mesmo de amizade pessoal – que a muitos de nós ligava o Afonso teve o efeito «demolidor» de que tu falas.
Para terminar, quero só esclarecer que não foram poucas as pessoas que quiseram então largar o nascente MES, mas sem qualquer propósito de virem a ligar-se ao PS ou a qualquer outro partido. O César, por exemplo, viria a militar na UEDS; o João Bénard ou a Luísa Castilho são exemplos dos muitos que, nos primórdios de 1978, não quiseram acompanhar a entrada no PS e preferiram ficar independentes.
Quanto ao resto, meu caro Eduardo, não estou em condições de discutir o muito mais que vais apreciando e comentando: a aventura do MES até ao fim. Mas reitero que muito me impressionou o teu raríssimo e genuíno esforço de autocrítica, nos textos que já publicaste na blogosfera. Além do mais, gostei muito da conversa. E nem desgostei da refeição. É, pois, uma experiência a repetir, se e quando estiveres para aí virado.
Abraço
Nuno
segunda-feira, abril 8
25 DE ABRIL (15) - Nuno Brederode Santos (um almoço tardio)
Reedito na íntegra como se o Nuno ainda estivesse entre nós pois na verdade ainda está.
A minha conversa com o Nuno Brederode Santos foi, além do prazer por desfrutar da companhia de uma personalidade fascinante, muito esclarecedora acerca de diversos aspectos substanciais, e de detalhe, que sempre haviam permanecido, para mim, um mistério no que respeita ao desenlace do I Congresso do MES. Este post que escrevi a propósito dessa conversa, e o seguinte, de autoria do Nuno, como resposta/esclarecimento à minha interpretação das circunstâncias em que decorreu o I Congresso (que publicarei amanhã), são o contributo possível para não deixar adormecidas nas memórias daqueles que foram protagonistas dos acontecimentos explicações que, apesar da sua subjectividade, assentaram no racional possível num contexto politico de desenfreada exaltação.
Julgo não cometer nenhuma inconfidência grave se revelar que, um dia destes, almocei com o Nuno Brederode Santos. Os anos passaram e as minhas incursões pelas memórias do MES fizeram despertar nele, no meu entendimento, a necessidade de uma reflexão acerca de algumas reservas mentais que apimentaram a batalha do I Congresso do MES nos finais do ano da graça de 1974.
Curiosamente ficámos a saber, no decurso do repasto, que o nosso regresso às lides políticas, ocorreu em Outubro desse ano pelas mesmíssimas razões. Ele «guerreava» em Moçambique, no curso de uma longa comissão na guerra que combatíamos, eu «guerreava» na magna tarefa de instruir levas de milicianos – alguns deles ilustres intelectuais da nossa praça – habilitando-os para a deserção ou para o combate numa das frentes dessa guerra, para nós, desditosa.
Além de agradável, no plano pessoal, como haveria sempre de ser, a conversa revelou-me algumas facetas do primeiro conclave do MES que se me haviam varrido da memória e que, como consequência, levaram a omissões involuntárias nas anteriores deambulações que empreendi acerca do tema. Não é que a coisa tenha uma importância por aí além mas, na verdade, nunca me tinha apercebido de que o Nuno, ele próprio, fora um dos principais, senão o principal, tenor da tese da ruptura.
Se tivesse sido alcançada uma conciliação de posições permitindo manter a unidade, que acabou por se quebrar com estrondo no I Congresso do MES, seria uma derrota para a sua tese que, pelo que entendi, preconizava a criação de uma espécie de federação, inorgânica, de grupos convergentes que, sem um compromisso demasiado vincado com as forças partidárias emergentes, permitiria ganhar tempo, congregando vontades, para a formulação de um programa político à margem da inevitável opção entre um «compromisso histórico entre famílias socialistas» ou uma deriva esquerdista.
O Nuno revelou-me ainda algo que se me tinha varrido da memória e que, na sua opinião, foi um factor decisivo, pelo seu efeito psicológico, na consumação da ruptura com o MES daquele que seria conhecido como o grupo de Jorge Sampaio: uma intervenção radical, em pleno Congresso, de Afonso de Barros, filho de Henrique de Barros que, por razões geracionais era tido como elemento próximo do grupo com o qual, naquele momento, romperia de forma brutal.
Com essa intervenção de Afonso de Barros, da qual não me lembro uma palavra, NBS deu, de imediato, como adquirida a vitória da sua tese, fundada numa confessada reserva mental, ou seja, a da inevitabilidade da ruptura ainda antes da formalização do MES como partido político. Pois sendo a ruptura consumada num momento anterior ao acto final do I Congresso, não seria a reserva mental que presidiu à estratégia dos dissidentes revelada nem estes jamais seriam dissidentes de um partido ao qual, afinal, nunca haviam aderido.
Com esta revelação mais se vincou a ideia, que sempre tenho acalentado, de que teria sido possível celebrar um acordo entre as partes desavindas, com o empenho de meia dúzia daqueles a que NBS sempre designou por «zulus», derrotando a sua tese que, acabou por sair vencedora aproveitando a imaturidade, pessoal e política, da maioria desses «zulus» entre os quais eu me incluía.
Assim andámos todos, de um e outro lado, anos a fio, na dúvida acerca do lugar exacto, e do papel de cada um, nos acontecimentos dos primórdios do MES como se fosse importante manter reservas e distâncias quando a ruptura, provavelmente, nunca se chegou a concretizar pelo simples facto de nunca se ter criado o «corpus partidário» que poderia ter sido alvo dela.
O MES foi, porventura, um mal entendido extinto por quase todos os que se haviam confrontado no I Congresso, através do celebrado, e inédito, convívio de 7 de Novembro de 1981. Só faltam esclarecer uns pormenores que, com a passagem do tempo, se refinaram ganhando a patine das preciosidades inúteis que todas as famílias rejubilam em poder contar como património comum.
domingo, abril 7
25 DE ABRIL (14) - Uma base programática
Os subscritores do livro "Classes, Política/Políticas de Classe" sublinham, na versão inicial da introdução, de Março de 74, a importância da intervenção do General Spínola e do seu livro "Portugal e o Futuro", "anunciando porventura uma maior acutilância da terceira força no xadrez político do País...", o que demonstra uma expectativa positiva face à hipótese de uma saída negociada para a crise do regime.
Demarcam-se, por outro lado, cuidadosamente, do conteúdo integral dos textos que integram o livro afirmando que "...esta selecção não representa plena adesão ao que os textos a seguir apresentados exprimem, mas sim o reconhecimento da importância dos mesmos para a análise da realidade nacional."
Ganham, dessa forma, tempo para um debate que estava por fazer. O movimento tinha sido surpreendido pela queda do regime, numa fase atrasada da sua estruturação orgânica, e não possuía um corpo coeso de ideias que lhe permitisse avançar para a criação de um partido político.
Mas naquele livro estava esboçada a base programática possível do futuro MES que a primeira Declaração política formal, redigida posteriormente, plenamente confirma. Nos seus diversos capítulos se abordam, entre outras, as questões da luta sindical, operária e "da previdência", as "questões urbanas", "escolar e estudantil" e "questão da CDE", assim como a luta da "TAP de Julho 73".
Mas para viabilizar a implantação popular de um partido socialista de esquerda, emergente do entusiasmo das lutas de base, o radicalismo teria que ser temperado pelo contributo doutrinário e pragmático dos quadros mais experientes e mais velhos.
Essa simbiose, na qual alguns de nós guardavam esperanças, fracassou. A ruptura de Jorge Sampaio, e do grupo que viria a constituir o GIS, impediu que o MES disputasse o espaço político que o recém-criado Partido Socialista, de Mário Soares, parecia incapaz de preencher.
Os meses que se seguiram ao 25 de Abril foram vividos num inevitável turbilhão de acontecimentos que ainda mais estimularam, em crescendo, as posições radicais inviabilizando todas as hipóteses de evitar a ruptura fatal no seio do projecto inicial do MES.
(Publicarei posteriormente também um post de Nuno Brederode Santos no qual ele revela de forma clara os contornos da sua "manobra" para a rutura ocorrida no I Congresso e foi ele o prinicipal obreiro dela. É o testemunho mais certeiro e fiável que me foi dado a conhecer pessoalmente num almoço que antecedeceu de pouco tempo a sua morte.)
sábado, abril 6
25 DE ABRIL (13) - Uma confluência
A esquerda socialista, forjada no período ante-25 de Abril, na sua versão original, resulta de confluência de activistas de diversos movimentos sociais e cívicos.
Neste processo foi determinante a experiência da CDE de 1969. Um livro publicado já depois do 25 de Abril de 74, mas preparado antes, retracta de forma bastante fiel os contornos ideológicos do movimento e identifica a origem dos dirigentes que nele confluíram.
O livro em questão, editado pela Afrontamento, intitula-se "Classes, Política/Políticas de Classe", sendo a sua introdução subscrita, por ordem alfabética, pelos seguintes activistas do MES, em gestação: Agostinho Roseta, António Rosas, António Santos Júnior, Augusto Mateus, Edilberto Moço, Francisco Farrica, Jerónimo Franco, Jorge Sampaio, Manuel Lopes, Marcolino Abrantes, Paulo Barcia e Vitor Wengorovius.
Na primeira "Declaração do Movimento de Esquerda Socialista (M.E.S.)", entretanto divulgada, explicitam-se os princípios fundadores do Movimento sob o lema: "A emancipação dos trabalhadores tem de ser obra dos próprios trabalhadores", abrangendo os campos "da luta de fábrica e sindical", "luta anti-colonial", "luta estudantil", "luta urbana" e, muito interessante, nos seus termos, luta "pelo aumento dos tempos livres" título sob o qual se aborda, de facto, a temática laboral..
Esta primeira Declaração do MES é subscrita, em nome de uma "Comissão Organizadora", por activistas identificados, desta vez, pela sua área de intervenção, com variantes em relação ao grupo anterior e já não por ordem alfabética: Manuel Lopes, António Rosas, António Santos Júnior (militantes sindicalistas); Rogério de Jesus, António Machado, Francisco Farrica, Edilberto Moço, Luís Filipe Fazendeiro, Luís Manuel Espadaneiro (militantes operários); Carlos Pratas e José Galamba de Oliveira (militantes estudantis); Víctor Wengorovius, Joaquim Mestre e José Manuel Galvão Teles (candidatos da CDE de Lisboa, em 1969); Eduardo Ferro Rodrigues (consultor sindical e ex-dirigente estudantil); Nuno Teotónio Pereira (militante cristão) e César Oliveira (historiador do movimento operário).
Os subscritores destes documentos confirmam a confluência na designada esquerda socialista de uma nova vaga de dirigentes, não comunistas, dos movimentos operário, sindical, católico progressista e estudantil que se tinham destacado, desde o início dos anos 60, na contestação aberta à ditadura. Outros nomes não surgem por meras razões circunstanciais.
sexta-feira, abril 5
25 DE ABRIL (12) - Jorge Sampaio
Na primeira fase do MES, que decorreu até ao 1º Congresso, de Dezembro de 1974, a mais importante personalidade politica que integrou o processo da sua criação foi Jorge Sampaio que tinha emergido como o mais destacado dirigente estudantil da crise académica de 1961/62.
Ele é, desde essa data, uma referência cívica e política incontornável da esquerda portuguesa. Afirmou-se pela sua inteligência, cultura e capacidade de liderança. Jorge Sampaio é alguém que gera confiança, racional e generoso, culto e emocional, organizado e consensual, um conjunto de características fora do comum na cultura meridional.
É um facto que não integrou o MES, enquanto partido político formal, criado após o 1º Congresso. Jorge Sampaio, com um grupo de activistas, havia de constituir o GIS (Grupo de Intervenção Socialista), tendo abandonado o movimento logo no acto da sua institucionalização em Partido no decurso daquele Congresso fundador.
Foi a primeira morte política do MES. Também Alberto Martins, o mais importante dirigente estudantil da crise académica de 1969, em Coimbra, aderiu ao MES e nele se manteve, após 1º Congresso, tal como um conjunto alargado de dirigentes e ex-dirigentes estudantis que tinham assumido papéis relevantes em todas as crises académicas, a partir do início dos anos 60.
Entre eles não posso deixar de destacar Afonso de Barros que sempre me apoiou, pessoalmente, nos momentos mais difíceis.
quinta-feira, abril 4
25 DE ABRIL (11) - Nuno Teotónio Pereira e Vitor Wengorovius
No movimento católico progressista os activistas mais importantes, que integraram o MES, foram o Arquitecto Nuno Teotónio Pereira e o advogado Vítor Wengorovius.
O primeiro foi, desde sempre, a principal referência cívica do movimento. Oriundo da geração de 50, profissional brilhante, com uma carreira consolidada, à época da criação do MES, Nuno Teotónio Pereira, desempenhou um papel de inegável importância na oposição à ditadura. Foi uma referência determinante da credibilização intelectual do movimento.
Mas o mais importante activista do MES, oriundo do movimento católico progressista, foi Vítor Wengorovius. Tendo desempenhado um papel determinante no movimento estudantil, aquando da crise de 61/62, foi um brilhante orador e conduziu-se, em todas as circunstâncias, como um hábil, infatigável e maduro negociador, capaz de gerar consensos e fazer pontes em todas as direcções.
Foi sempre prejudicado, nos planos pessoal e político, pelo seu excesso de talento, na formulação de propostas e soluções de consenso, e pelas manifestações do seu temperamento fulgurante.
A estas duas personalidades devemos todos, os jovens quadros dos anos 60 e 70, uma imensidade de ensinamentos, gestos de desprendida solidariedade e humanidade que jamais poderiamos ter retribuído com a mesma intensidade e sentido de dádiva.
quarta-feira, abril 3
25 DE ABRIL (10) - António Santos Júnior
No movimento operário de base destacou-se, emergindo das lutas da TAP, que antecederam o 25 de Abril, António Santos Júnior. Ele liderou um movimento de novo tipo, associando as reivindicações tradicionais do operariado urbano com os novos desígnios da participação do movimento operário na acção política.
Era um admirável homem de acção e de organização, persuasivo e generoso. Aliás Santos Júnior deveria ter discursado na grande manifestação, em Lisboa, do 1º de Maio de 1974, em representação do MES, mas foi boicotado em cima da hora (não sei ao certo o que se passou nos bastidores).
Foi nessa manifestação que surgiu, pela primeira vez, em público a sigla MES inscrita num pano onde se podia ler "Movimento de Esquerda Socialista - em organização".
Outros dois destacados activistas do movimento operário e sindical, com relevante participação no MES, foram Manuel Lopes (sindicalista que aderiu à CGTP) e o ideólogo das lutas da TAP, Jerónimo Franco.
terça-feira, abril 2
25 DE ABRIL (9) - Agostinho Roseta
No movimento operário e sindical o activista mais importante do MES foi Agostinho Roseta, já falecido. Ele associava juventude (ou talvez melhor, jovialidade), capacidade teórica e sentido prático de organização, era persuasivo, sedutor e desprendido do poder.
Morreu num 9 de Maio, muitos anos depois do MES ter sido extinto, na plena pujança das suas qualidades humanas e intelectuais A sua morte prematura impediu que tivesse, muito provavelmente, exercido uma influência marcante, a partir de 1995, no movimento sindical (UGT) e no Partido Socialista.
Falar de pessoas é sempre muito delicado. Mas não é possível falar do 25 de Abril sem referir o papel daqueles que foram decisivos na nossa própria formação pessoal e na conformação do nosso percurso político. Sempre que hajam referências pessoais cingir-me-ei às personalidades que, no meu ponto de vista, foram as mais relevantes.
Farei referência a um número restrito de pessoas pois, dessa forma, reduzo os riscos de ser injusto ou mal interpretado. Além do mais o MES foi uma escola de quadros políticos que ainda ocupam, e continuarão a ocupar, no futuro próximo, posições de grande destaque na vida pública portuguesa.
Julgo que isso se deve ao facto, incontroverso, de se terem reunido no MES, na volúptia política dos anos 70, um escol de quadros de grande qualidade humana e intelectual que, discretamente, se orgulham do seu passado de empenhamento cívico e político.
segunda-feira, abril 1
25 DE ABRIL (8) - Independentes e rebeldes
A nossa visão do papel da luta operária e do movimento sindical era muito diferente da perspectiva do PCP. Defendíamos a "auto organização" dos trabalhadores e a emancipação do movimento sindical fora do controle político partidário do PCP ou de qualquer outra formação partidária.
A raiz da nossa concepção da organização operária e sindical bebia da tradição anarco-sindicalista e dos ideais auto-gestionários. As diferenças entre as nossas concepções da vida, da luta de emancipação dos trabalhadores e da organização do Estado, tornaria muito difícil qualquer tentação de aliança estratégica com o PCP e, por maioria de razão, tornava-nos imunes a ser absorvidos pela sua reconhecida vocação hegemónica.
No MES confluíram quadros intelectuais e operários cujos destinos pessoais não eram compatíveis com a submissão a qualquer autoridade. Éramos (e somos!) ferozmente independentes e rebeldes.
Por isso não admira que o MES tenha sido o único Partido, criado na aurora do 25 de Abril, que se extinguiu, por vontade da maioria dos seus militantes, com uma festa.
Nem sequer admira que sejam raros os ex-activistas do MES que tenham, algum dia, aderido ao PCP, ou às teses neoconservadoras, ao contrário do que aconteceu com muitos ex-activistas dos movimentos políticos marxistas-leninistas que se reivindicavam do maoismo.
Anti-autoritários e de esquerda toda a vida...
domingo, março 31
25 DE ABRIL (7) - O PCP
Ao longo da década de 60 travaram-se duras lutas contra a ditadura. Nessas lutas surgiram novas ideias e novos protagonistas. O PCP tinha estratégia e táctica alicerçadas numa apreciável implantação popular, embora circunscrita às zonas operárias e rurais do sul. A sua organização clandestina era experimentada tendo mesmo, nas vésperas do 25 de Abril, criado a ARA, organização vocacionada para a luta armada.
O MES nunca aderiu à luta armada embora chegasse a desfrutar de uma razoável implantação nas Forças Armadas. Mas participou em organizações de natureza frentista, vocacionadas para a luta política legal, animadas pelo PCP, a mais importante das quais foi, antes do 25 de Abril, o MDP/CDE e, no período pós-25 de Abril, a "coligação", contra o PCP, apoiante da candidatura presidencial de Otelo, em 1976.
Participei, entre muitas outras iniciativas, com o Víctor Wengorovius, no início da década de 70, em diversas reuniões, numa casa da Av. Duque de Loulé, em Lisboa, com um alto dirigente do PCP, na clandestinidade, para tentar encontrar os caminhos de uma coordenação política entre o embrionário MES e o PCP.
É preciso ter presente que naquela época ninguém pensava ou agia, na oposição política portuguesa, escapando à influência do PCP.
sábado, março 30
25 DE ABRIL (6) - O MES
Em 1971 o país ainda vivia na esperança de uma solução política para a crise do Estado Novo. Sabíamos que o futuro não podia esperar muito mais. Mas não sabíamos quanto iria ainda durar a ditadura apesar das timoratas tentativas de abertura política de Marcelo Caetano.
O MES (Movimento de Esquerda Socialista) nasceu da confluência de três movimentos que despontaram e ganharam corpo ao longo das décadas de 60 e 70. O movimento operário e sindical, o movimento católico progressista e o movimento estudantil.
A cumplicidade entre um numeroso grupo de activistas que actuavam, com autonomia, contra o regime, nestes diversos movimentos sectoriais, foi sendo reconhecida por alguns de nós o que, a certa altura, desembocou na consciência de que estávamos perante um movimento político informal. Daí até à ideia da sua institucionalização foi um pequeno passo.
Lembro sempre entre os esquecidos criadores do movimento o designer Robin Fior, um estrangeiro em Lisboa. Foi ele que desenhou o símbolo do MES o único, adoptado pelos partidos portugueses, com uma declarada feição feminil; Robin foi também o autor da linha gráfica do jornal "Esquerda Socialista" e concebeu um conjunto de cartazes surpreendentes pela sua ousada modernidade. Quantas horas passadas na sua companhia, e de sua mulher, desenhando uma imagem que ficou gravada, para sempre, na minha memória.
quinta-feira, março 28
25 DE ABRIL (5) - O tempo das ilusões
Depois de concluída a especialidade fiquei a dar instrução militar, o tempo todo, no 2º GCAM, no Campo Grande, em Lisboa. Passaram-me pelas mãos muitas centenas de jovens soldados recrutas aos quais industriei, o melhor que sabia, na área da administração militar. Foram sucessivas "semanas de campo" e incessantes sessões de instrução de tiro na Carregueira. Estas davam-me um prazer especial com excepção do "lançamento de granadas".
Assim correu o tempo, desde meados de Abril de 1972, até ao 25 de Abril de 1974. A minha vida fazia-se entre o quartel e encontros de conspiração com os amigos e activistas que haveriam de confluir no MES (Movimento de Esquerda Socialista). Tinha a cabeça povoada de todas as ilusões que resultavam das leituras libertárias e marxistas, liberais e heróicas, sonhadoras e utópicas de Huxley, Camus, Gramsci, Luckac, Lenin, Marx, Rosa Luxemburgo, Mao, José Gomes Ferreira, Aquilino, António José Saraiva...
As ideias da democracia directa, das comunas, da plena participação popular, tinham-se sobreposto à realidade, bem mais prosaica, da democracia representativa. Os ecos próximos da experiência do Maio de 68, em França, tinha dado asas à utopia de que o caminho para a felicidade se poderia encontrar na revolta contra o poder burguês. O tempo das ilusões...
quarta-feira, março 27
25 DE ABRIL (4) - o serviço militar
A minha entrada para o serviço militar deu-se em 7 de Outubro de 1971. Passei à disponibilidade em 4 de Outubro de 1974. Cumpri 3 anos menos dois dia de serviço militar obrigatório. Apesar daquele incidente no dia 16 de Março a minha folha de serviços está impecávelmente limpa.
Como todos os futuros oficiais milicianos, nessa época, fui incorporado em Mafra. Lembro-me, com nitidez, do primeiro dia do serviço militar. Fui no autocarro da carreira com partida de Lisboa. À chegada a inspecção médica, o corte do bigode, pois já tinha antes cortado a barba que, ao longo da vida de adulto, sempre me tem acompanhado.
Seguiram-se três meses de dura instrução. Os meus companheiros mais próximos foram o José Pratas e Sousa e o Raúl Pinheiro Henriques. Na tropa faziam-se fortes amizades e cumpriam-se as regras estritas da instituição militar. Não me desgostou.
No fim da instrução seguiram-se três meses de "especialidade" cumpridos na EPAM, Lumiar, Lisboa. Por ironia do destino nunca fui mobilizado. A conjugação da classificação no curso com a abundância de oficiais do ramo da administração militar fizeram com que não fosse mobilizado para as colónias.
Fui desta forma poupado à decisão dramática que se colocava a muitos que, como eu, tinham assumido uma opção contra a guerra colonial: desertar ou embarcar. Pessoalmente, ainda bem que assim foi. Os meus pais foram poupados à angústia de ver um filho partir para longe de onde podia não mais regressar.
terça-feira, março 26
25 DE ABRIL (3) - Inevitável absurdo
O golpe militar foi a consequência inevitável do predomínio dos ultraconservadores na governação. O Estado Novo, na sua fase terminal, esmagou a "ala liberal" na qual, muitos de nós, tínhamos depositado esperanças de mudança. De facto o grande acontecimento político do século XX português, depois da implantação da República, em 1910, teria sido a transição pacífica da ditadura para a democracia.
Depois da morte política de Salazar o que terá passado pela mente de Marcelo Caetano? Porque não agiu? Por falta de coragem? Por falta de um verdadeira desígnio reformista? A razão de fundo para essa trágica omissão terá sido a política colonial que, desde o início dos anos 60, foi conduzida com o recurso à guerra, em desfavor da negociação com os movimentos de libertação. O regime foi conduzido a um beco sem saída. Os reformistas civis não foram capazes de forjar uma aliança consequente com os reformistas militares.
Ainda hoje está por explicar, por outro lado, o papel da diplomacia das potências ocidentais nesta estranha situação de arrastamento de uma crise que se havia declarado, a partir de 1958, aquando da fracassada candidatura presidencial do General Humberto Delgado. As diplomacias ocidentais, que certamente estavam bem informadas dos acontecimentos em Portugal mantiveram, salvo raras e honrosas excepções, uma plácida e comprometedora inércia, que nem o cruel assassinato de Humberto Delgado desbloqueou. Será possível que os EUA e as potências europeias tenham sido apanhadas desprevenidas pelo 25 de Abril?
Intolerável absurdo!
segunda-feira, março 25
25 de ABRIL (2) - O GOLPE DAS CALDAS - 16 MARÇO 1974
Cumpria, como Oficial Miliciano, o serviço militar obrigatório no 2º Grupo de Companhias de Administração Militar (2º GCAM), onde hoje está instalada, no Campo Grande, em Lisboa, a "Universidade Lusófona". Depois de conhecidas as notícias do avanço da coluna militar, a partir das Caldas da Rainha, instalou-se uma grande agitação no quartel. Era sábado e eu estava lá talvez porque estivesse de serviço. Finalmente surgia uma manifestação concreta de revolta militar mas pairavam no ar notórias dúvidas e incerteza acerca do destino do golpe.
Pela manhã desse dia recebi ordem do Comandante para recolher ao quarto. Estive, de facto, preso por um breve periodo. Após o golpe ter fracassado, na manhã seguinte, mandaram-me sair. Fiquei aliviado. Iniciava-se, assim, a fase final do verdadeiro e decisivo golpe militar.
Não o podíamos adivinhar mas o "Estado Novo" que, desde a ditadura militar, instaurada pelo golpe de 28 de Maio de 1926, iria perfazer 48 anos, estava a breves semanas do fim. Várias gerações de portugueses viveram toda, ou grande parte, das suas vidas sem conhecerem a cor da liberdade, pesando sobre as cabeças dos conspiradores a responsabilidade de pôr fim ao pesadelo.
domingo, março 24
25 de abril (1)
A celebração do cinquentenário do 25 de abril encontrará, no contexto político atual, muitos detratores. Os saudosistas do passado, dos tempos da "outra senhora", adeptos confessos, ou envergonhados, da tirania manifestar-se-ão, de forma mais ou menos aberta, contra a celebração do dia da liberdade. Como sempre em épocas de crises agudas mesmo alguns democratas deslizam suavemente para o manto onde se acoitam os amantes da tirania. É um clássico. São os que dispõem daquela peculiar vocação de cheirar os ares do tempo buscando beneficiar do que julgam vir a ser um novo regime politico ou, no mínimo, um novo governo inclinado para a extrema direita. Ora ao que venho é para afirmar que as datas simbólicas que afirmam os valores da liberdade e da democracia (além de outras em que incluo as religiosas) têm que ser celebradas nos espaços próprios, no caso do 25 de abril, na rua e na AR. E assim será, sabendo-se que muitos tentarão resgar um pacto que tem perdurado desde o 25 de abril de 74 no qual todas as forças politicas convergiam em torno da defesa da liberdade. Os próximos tempos serão de duras lutas, novamente, para assegurar que os seus detratores, e inimigos, serão derrotados. Que viva o 25 de abril!
sexta-feira, março 22
ELEIÇÕES (4)
Finalizadas as eleições legislativas ficamos com os seus efeitos. Uma mudança drástica através da ascensão da extrema direita. Não vale a pena suavizar a dimensão deste movimento. Era este o resultado pretendido com a narrativa da mudança. Para os democratas abre-se um tempo de resistência sendo certo que, à semelhança do pós 25 de abril, em que todos, de súbito, se apresentavam à sociedade como antifascistas, hoje todos se apresentam, ou são apresentados, como democratas. Mas uma parte significativa desses democratas anseia pelo regresso ao passado. Veja-se a manchete do Expresso de hoje certamente oriunda de fontes bem posicionadas que diz que o governo da AD aspira a governar por decreto evitando a AR. Eis uma hipérbole muito pouco sofisticada de apelo à desvalorização da democracia. Sinais ...
quinta-feira, março 21
DIA MUNDIAL DA POESIA
Como as palavras as imagens, que tomamos como nossas, são um bocado do imaginário que sobrevive à decapitação dos sonhos. Caminhamos por entre escombros.
Quando minha mãe morreu nos meus braços não chorei. Só chorei quando, velando o seu corpo, me surgiu pela frente uma vizinha que frequentava a minha infância. O imaginário, naquele breve momento, tomou de assalto as minhas defesas que ruíram com estrondo.
Percebi a leveza insustentável dos corpos depois de mortos e a infinita fraqueza que se esconde por detrás da nossa aparente normalidade.
segunda-feira, março 18
ELEIÇÕES (3)
Das eleições legislativas de 10M saiu uma situação politica que abre ainda mais as portas a um clima de ameaças e de medo de que existem já sinais alarmantes. A narrativa de que o PS é que criou o ambiente, senão mesmo o intrumento politico dessa instalação do medo faz o seu caminho. No entanto o lider do partido da extrema direita nasceu e cresceu no PSD. Mas resvalou para o extremo do espectro politico da direita e tem como objetivo tomar de assalto a direita toda. A ideia é a de minar o PSD, destruindo-o, e aprisionar o PS à chamada extrema esquerda, menorizando-o. Quem dirige esta orquestra orientada para a destruição da democracia e da liberdade?. Os grandes interesses já falaram, através de dirigentes de topo, e porta vozes diversos, sinalizando os beneficios que pretendem obter. Interessa-lhes menos o regime que o lucro económico. E a orquestra toca sozinha?
domingo, março 17
ELEIÇÕES (2)
A política tem facetas que não se recomendam. Não sei se algum dia se conhecerá a verdadeira génese da queda do governo cessante. A narrativa da mudança vinha de trás envolta, certamente, em múltiplas manobras ao mais alto nível. O que podemos perguntar honestamente, como cidadãos honrados, é quando se dá pública notícia do processo que lançou suspeitas sobre António Costa? Os democratas não poderão descansar enquanto reinar o silêncio. Serão meses, serão anos, quem se acoberta sob esse silêncio? O resultado das eleições não foi suficiente para alcançar os objetivos pre definidos pelos mentores e promotores da mudança. O que se seguirá? Em breve terão a maçada da comemoração dos 50 anos do 25 de abril!
ELEIÇÕES (1)
Uma semana após o voto algumas reflexões breves. Os sociólogos que estudam as eleições dizem que os mais velhos votaram mais no PS. Se está em curso um processo imparável de envelhecimento demográfico será sinal de decadência do PS acolher mais que outros o voto dos mais velhos?
sexta-feira, março 15
A BANCA
O anúncio dos resultados da CGD completa o naipe de resultados da banca. Nada contra os resultados positivos, mal seria o seu contrário. Mas não exagerem com o gáudio minimizando a importância da margem financeira nesses resultados. Pagar pouco a quem nos confia as poupanças e cobrar muito a quem nos pede emprestado, não merece encómios especiais nem diploma de mérito. Se ao mesmo tempo somos contemplados com o discurso da direita da mudança com os cofres cheios, pelo demérito socialista ... estamos conversados.
quinta-feira, março 14
VOTO (6)
A narrativa em voga é clara: mudança, a direita ao poder. No entanto subsiste o problema do voto. Esse problema desdobra-se em várias substilezas. A abstenção baixou uma coisa boa mas muitos, no seu íntimo, não acham assim tão boa. O voto na extrema direita alimentou-se, em boa medida, desses novos eleitores. O PR na véspera do voto fez constar que não queria a extrema direita no governo, ou seja, reforçou o "não é não". O PR entrou na campanha mas de nada serviu. A extrema direita no seu conjunto andou pelos 20% dos votos. Paradoxo da narrativa da mudança: a ascenção da extrema direita faz parte da mudança de que falam mas não a querem a partilhar o bolo. Outra substileza é a da desconsideração das formalidades no tratamento do voto. É obrigatório contá-los todos para obter o resultado final. É obrigatório para apurar a maioria considerar os partidos já que as coligações se desfazem após a votação. Só no dia 20 de março se saberá quem ganhou e o que conta é o número de mandatos de cada partido. Aguardemos!
terça-feira, março 12
VOTO (5)
Outro aspeto estranho destas eleições é a falta de referências à ausência de conflitos no dia do voto. Certamente que haverá queixas e reclamações, como sempre acontece, mas não aconteceu um único boicote, nem os animadores climáticos lançaram tinta aos candidatos notáveis na hora do voto(somente na sede da candidatura da AD, pela noite). Tudo pacifico e em paz. Uma grande lição de civismo.
VOTO (4)
Coisas curiosas, nunca vistas. PNS fechou o resultado das eleições antes do fim do escrutínio. Passou à oposição antes do fim do jogo. O PR inicia consultas aos partidos antes do fim do escrutínio. Diga-se que estas consultas não são uma ideia de ocasião mas uma obrigação legal. Coloca, nas consultas, a AD como última força a ser recebida para consulta, dia 20 de março, o mesmo dia da contagem dos votos da emigração que fecham o escrutinio. Recebe uma coligação como se fosse um partido quando são pelo menos três partidos dois dos quais vão ter grupos parlamentares autónomos (sem contar o caso da Madeira ainda mais especial). O resultado final das eleições, cujos resultados são muito apertados, não é certo pois o PS pode acabar com mais deputados, e ganhar! Uma hipótese teórica, dirão, mas se quisermos ser sérios não à vencedores antes do fim do jogo. Qual a pressa? O desrespeito pelos votos dos emigrantes como se fossem excedentários quando são iguais aos outros. No mínimo, tudo muito estranho!
segunda-feira, março 11
VOTO (3)
Eleições. Os resultados dizem tudo. Nada inesperado, seguindo a trajetória do que vem acontecendo na Europa (Itália, Eslováquia, Países Baixos, Hungria...),pois não vivemos num paraíso. O PR está perdido no seu labirinto. Um clássico dos conspiradores sofisticados. O povo está lixado. Os grandes interesses deliram enquanto escolhem os comissários. É sempre assim e será de novo, na boca do cofre, regurgitando os grupos de interesse trocam mensagens alvitrando como distribuir o dote socialista sem conhecer as pedras do caminho. Mais certo é que tropeçem e cedo entreguem o poder a quem seja capaz de repor a ordem nas contas...
domingo, março 10
VOTO (2)
A participação nas eleiçoes legislativas de hoje está a ser muito superior à de 2022. É uma boa surpresa. Há eleitores que acordaram para a vida civica certamente por força da incerteza provocada pela abrupta interrupção do anterior mandato do governo. Daqui vai resultar um quadro politico muito complexo desde logo pelo fato quase inevitável da maioria depender do partido anti sistema. Apetece-me dizer antecipando os resultados: entendam-se ...
VOTO
Estou na antecâmara do voto, uma vez mais, após todas as anteriores participações, sem falhar nenhuma. Não espero uma grande participação. Ao contrário do PR penso que um novo ciclo histórico só começará quando ele próprio sair de Belém (janeiro de 2026). O exercício do voto, em democracia, na sua simplicidade, tem um valor incalculável. A liberdade não tem preço.
sexta-feira, março 8
MULHERES
A terra e o corpo eram o mundo possível; a terra penetrava os poros, tisnava a pele, sujava as feridas; a terra cantava sob a correria dos pés descalços; a terra e os corpos entoavam as canções de embalar e de trabalho, da eira ao arado, do varejo ao rabisco; olhava as mulheres como se fossem rainhas que um dia haviam de dançar mil danças rodopiando nos braços do seu par; via-as sempre a dançar em seus sorrisos e suas gritas; as mulheres do tempo de as ver somente com uma admiração que me vinha de dentro. Não sabia nada delas mas via-as e amava-as como se fossem a terra que segurava as minhas raízes ao chão da vida. (4/2/2008) Nas fotografias - A minha mãe e Guida.
AS RAZÕES DO MEU VOTO NO PS (5)
A razão do meu voto no PS, a titulo individual, assenta, desde logo, na tradição. Sempre me reconheci nos ideais socialistas que defendia de forma titubeante nas discussões acaloradas com o meu tio Ventura, homem honrado defensor do Estado Novo. Sempre o mesmo inconformismo perante a injustiça dos homens e do mundo, pela defesa do bem comum, pela aproximação à igualdade, contra qualquer tipo de opressão, pela liberdade individual, correndo os riscos do excesso que, por vezes, se pode virar contra as virtudes da crença nos amanhãs que cantam. Participei pela primeira vez na ação política numa reunião da oposição democrática, em 1965, em Faro, ainda estudante liceal. Na mesa presidia Luis Filipe Madeira, curiosamente, pai da cabeça de lista do PS pelo Algarve. Estava presente a tradição do reviralho, pinceladas de republicanismo, vozes de socialistas democráticos e olhares, além da PIDE, de comunistas sempre presentes. A tradição politica é isto, um caminho que se faz caminhando, sincero desprendimento, abertura para a diferença, olhando e ouvindo, ideias que geram ação para mudar o mundo. Sempre a ideia de mudar o mundo. Hoje como mudar um mundo à beira da guerra de que por aqui ninguém trás para a riblata da política. O PS deveria defender a paz com fervor tal como o tem vindo a fazer Guterres. Aí sim enraízaria numa tradição socialista pacifista (que não precisa de ser ingénua), e em cuja corrente me sentiria feliz. Mesmo assim acredito que é o PS que está mais próximo dessa tradição pacifista. Adiante. A tradição politica na qual me sinto hoje integrado é, pois, a do socialismo, humanista incremental, ou seja, reformista que o PS encarna (também uma parte do PSD submerso pela onda populista).
quinta-feira, março 7
AS RAZÕES DO MEU VOTO NO PS (4)
No presente poucos se referem à situação económico financeira alcançada após oito anos de governo do PS (com ou sem maioria absoluta). É um enigma que nem o PS em campanha arvore esses indicadores como bandeira. Mas a realidade é mais forte do que o esquecimento. O deficit e a divida pública situam-se em níveis de assinalável dimensão positiva. Ainda hoje foi noticidao que a França e a Alemanha entraram em crise orçamental e não se antevê, mantendo-se a politica adotada em Portugal, que possamos cair de novo em crise. O mesmo com o emprego que continua em alta, com a inflação em baixa, ou seja, nada aconselha a mudanças que ponham em causa esta trajetória. O PS, através dos seus governos, tem sido uma garantia de estabilidade orçamental e de crescimento económico que nada fica a dever à maioria dos países da UE.
quarta-feira, março 6
AS RAZÕES DO MEU VOTO NO PS (3)
É pela política que o PS vai lá! É pela política que o PS pode aspirar a ganhar eleições! Uma das linhas distintivas do PS em relação aos restantes partidos é a questão da liberdade. A defesa da liberdade pode ser penosa para outros partidos, menos para o PS. É a bandeira da liberdade que o PS não pode, em circunstância alguma, deixar de levantar porque é ela que distingue o PS, pela história e pela acção quotidiana, dos restantes partidos, à sua esquerda e à sua direita. Albert Camus, no conturbado período do pós guerra (1945) escreveu: “Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade.” (…) [In Cadernos nº 4]. E Jorge de Sena, nos alvores da Revolução de Abril, em 4 de Junho de 1974, escreveu no magnífico poema “Cantiga de Maio” este verso emblemático: “Liberdade, liberdade, tem cuidado que te matam.” Será o eleitorado de esquerda capaz de compreender o que está em jogo nestas eleições?
terça-feira, março 5
AS RAZÕES DO MEU VOTO NO PS (2)
Todos sabem o que vai acontecer. As mulheres são maioritárias na sociedade. É certo que nem todas as maiorias geram diferenças de qualidade. Muito menos garantem a conquista do poder. Mas no caso das mulheres, no mundo ocidental, há um detalhe decisivo: o fenómeno crescente da feminização do trabalho. Vai longe o tempo heróico das utopias feministas que, em Portugal, foram protagonizadas por Maria Veleda ou Carolina Beatriz Ângelo. As mulheres são já maioritárias num conjunto alargado de profissões e exercem uma forte influência social. Toda a gente sabe quais são essas profissões. Com quotas, ou sem quotas, hoje, é a sociedade que “empurra” as mulheres para a ocupação de lugares no topo das instâncias de decisão política. Este movimento, salvo qualquer cataclismo imprevisível, é irreversível. As mulheres vão ocupar o poder. Não é por serem mulheres nem sequer por serem mais ou menos competentes que os homens. Não é por uma questão de beleza física ou de sedução mediática. Pois se a maioria do eleitorado é constituído por mulheres … É por encarnarem uma forma diferente de olhar os problemas da sociedade. É por abrirem um espaço vital para a esperança na reabilitação da política. (O PS apresenta no territorio nacional, pela primeira vez, listas para as eleições legislativas de 10 de março, com dez cabeça de lista mulheres em vinte.) Fotografia de minha mãe.
segunda-feira, março 4
AS RAZÕES DO MEU VOTO NO PS (1)
A democracia mede-se pelo grau de respeito pelas liberdades fundamentais que radicam no direito de escolha. Escolher é o contrário de ser forçado. Escolher é poder, perante várias alternativas, decidir qual é a que se adequa aos interesses e valores de cada um. O direito de escolha não limita ninguém. A sua impossibilidade condiciona. A ausência do direito de escolha contraria a liberdade, legitimando ditaduras e discriminações. Os cidadãos têm direito de escolher entre casar ou viver em união de facto; têm direito a decidir, perante a sua consciência, divorciar-se ou sujeitar-se à violência de uma relação insatisfatória; têm direito a escolher a pessoa com quem querem viver e a forma como o querem fazer, sem discriminações em função do sexo, da etnia, da orientação sexual, da deficiência ou da religião; têm direito a decidir se querem ou não ter filhos; têm direito de errar e de não ser condenados a viver ou a condenar outrem a viver os efeitos desse erro. Ajudar os cidadãos a ter a liberdade de escolher (o casamento, a união de facto, o aborto, o divórcio, a transmissão dos bens) é uma das funções mais nobres do Estado Democrático. Não o compreender, não o aceitar e não o defender deixa dúvidas sobre o grau de tolerância e de respeito pela dignidade dos seres humanos.
domingo, março 3
PALPITES XXXLVI
A direita - a extrema e não só - promove o ambiente propício para a violência e o PR promove ações inintelegíveis como o voto antecipado do próprio. A verdade é que, no final do seu magistério, vai deixar o país mergulhado em divisão e instabilidade.
sábado, março 2
COISAS DA VIDA
"Standard & Poor's sobe a notação do risco de crédito de Portugal: 13 anos depois, a dívida pública regressa à primeira divisão.
S&P alinha, agora, a avaliação com as outras três principais agências internacionais de notação financeira, que no ano passado tiraram o país dos níveis 'B', colocando-o novamente nos níveis ‘A’, onde se agrupam os emitentes de dívida de menor risco." (in EXPRESSO)
sexta-feira, março 1
10 março
Tenho duas certezas acerca das eleições de 10 de março próximo: serão nesse dia (auguro) e votarei no PS. De resto não há nenhuma novidade especial salvo a emergência da extrema direita às portas do poder. Digo sem novidade pois o sentido de tais desenvolvimentos já ocorrem por todo o lado. ( A extrema direita está nos governos de Itália, Eslováquia, Hungria, Países Baixos - ainda sem governo - e pode seguir-se a França ... o coração da Europa sem falar da Argentina, USA ...). Os mais experientes nestas coisas já passaram por muitas experiências duras e, como sempre, o mais relevante é separarem-se as águas e salvaguardar-se a democracia, a liberdade de escolher. ( Na fotografia eu próprio e o João Mário Mascarenhas na porta de armas do quartel do Campo Grande - 2º GCAM - entre os dias 25 de abril e 1 de maio de 1974.)
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