domingo, julho 18

"Estão podres as palavras...."

Estão podres as palavras - de passarem
por sórdidas mentiras de canalhas
que as usam ao revés como o carácter deles.
E podres de sonâmbulos os povos
ante a maldade à solta de que vivem
a paz quotidiana da injustiça.
Usá-las puras - como serão puras,
se caem no silêncio em que os mais puros
não sabem já onde a limpeza acaba
e a corrupção começa? Como serão puras
se logo a infâmia as cobre de seu cuspo?
Estão podres: e com elas apodrece o mundo
e se dissolve em lama a criação do homem
que só persiste em todos livremente
onde as palavras fiquem como torres
erguidas sexo de homens entre o céu e a terra.

Jorge de Sena

"Presidência Aberta"-1

Regressei após uma semana de férias no Algarve. O tempo dessa semana começou no dia 9 de Julho. Sempre, em toda a minha vida, desde que me afastei para Lisboa, passei uns dias de férias na minha terra: o Algarve.

Em 1975 esse período de férias foi o mais curto de todos: 1 dia. Os acontecimentos políticos, à época, exigiram o meu regresso, precipitado, a Lisboa. Talvez desnecessário mas os homens são feitos das circunstâncias da sua época.

Ninguém é eternamente fiel à sua terra, aos seus princípios, à sua fé (excepto os santos e não conheço, pessoalmente, nenhum) e de ninguém se pode esperar a coerência absoluta no cumprimento dos seus deveres e compromissos de honra. A tolerância é a capacidade de aceitar os desvios e os erros próprios e alheios. Sejam de amigos, companheiros ou adversários.

Mas o silêncio perante as injustiças do mundo e o "mau governo" é o caminho para a aceitação da tirania. Por isso recuso aceitar, em silêncio, a decisão adoptada pelo PR para conjurar a crise política. Pelas mesmas razões prezo, e aplaudo, o gesto de Ferro Rodrigues pois a sua abdicação mostra o melhor da capacidade do homem em ser fiel aos compromissos perante os outros homens.

Prezo, neste deserto de dignidade, em que se tranformou a política, as palavras de Pacheco Pereira ("pobre país") e o seu acto de desprendimento ao abdicar da UNESCO.

Tomei nota, no dia 9 de Julho, da comunicação pública do PR acerca da magna decisão que pesava sobre os seus ombros: eleições legislativas antecipadas ou Governo Santana Lopes. A sua decisão foi uma dolorosa revelação da minha própria incapacidade para entender, a fundo, a natureza dos homens, a superficialidade dos políticos "de salão" e a força dos interesses económicos na formação e legitimação dos governos.

A minha estadia, em família, no Algarve, permitu observar uma realidade que resolvi relatar num conjunto de despretensiosos posts intitulados "Presidência Aberta".

(continua)

sábado, julho 17

Governo

O governo de Santana Lopes tomou posse. Discursos. Discursos. Parece um governo de um Partido imaginário (que não existe senão na cabeça do seu chefe) e experimentalista.

A ideia que fica a pairar é a de uma equipa que conhece pouco e mal a realidade do país e ainda pior os mecanismos da administração. Vai fazer, obrigatoriamente, várias leis orgânicas antes de as anteriores entrarem em vigor; vai rever legislação; vai refazer chefias e estruturas; vai meter pessoal; vai pensar para agir (seis meses) ou agir sem pensar (desperdício).

Acima de tudo vai preparar politicamente eleições: regionais dos Açores e Madeira (Outubro de 2004); autárquicas (Outubro de 2005); presidenciais (Fevereiro de 2006) e legislativas (Outubro de 2006). Tempo útil de governação? Pouco mais que nada. Um gabinete eleitoral que alia os interesses partidários dos dois partidos da coligação em favor dos interesses dos grandes grupos económicos. Nem dá para disfarçar. O governo está repleto de funcionários desses grupos. Mais nada.

Para o país anuncia-se o desastre. O PR disse hoje na tomada de posse, se bem entendi, que nada tem a ver com isso. Mas tem...

Regresso

Uma semana depois regresso ao absorto. Uma semana de férias no Algarve (a minha terra) que vão continuar agora junto ao ponto mais ocidental da Europa.

Vejam aí, os amigos do Brasil, no mapa de Portugal: Cabo da Roca, Praia das Maçãs, Azenhas do Mar. Estou por aqui. Esta semana das minhas férias foram uma espécie de "presidência aberta" pois esta semana foi muito especial para os portugueses.

Nos próximos dias eu conto o programa e as incidências da minha "presidência aberta" no Algarve.

sexta-feira, julho 9

Pausa Breve

Este é o anúncio de uma pausa breve. Uma semana de férias para descansar os olhos e, tanto quanto possível, a alma. Aqui vos deixo, entretanto, o texto inspirador do absorto.

Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,

nada dever ao esquecimento que esvazia o sentido do perdão olhando o mundo e tomando a medida exacta da nossa pequenez,

atravessar a solidão, esse luxo dos ricos, como dizia Camus, usufruindo da luz que os nossos amantes derramam em nós porque por amor nos iluminam,

observar atentos o direito e o avesso, a luz e a sombra, a dor e a perda, a charrua e a levada de água pura, crer no destino e acreditar no futuro do homem,

louvar a Deus as mãos que nos pegam, e nunca deixam de nos pegar, mesmo depois de sucumbirem injustamente à desdita da sorte ou á lei da vida,

guardar o sangue frio perante o disparar da veia jugular ou da espingarda apontada á fronte do combatente irregular,

incensar o gesto ameno e contemporizador que se busca e surge isento no labirinto da carnificina populista,

ousar a abjecção da tirania, admirar a grandeza da abdicação e desejar a amizade das mulheres,

admirar a vista do mar azul frente á terra atapetada de flores de amendoeira em silêncio e paz.














quinta-feira, julho 8

Bica do Sapato

Fui almoçar, um dia destes, à "Bica do Sapato". Um restaurante de referência de Lisboa e de Portugal.

À beira do Tejo, usufruindo da luz e da vista magnífica do estuário e da outra banda. Um caso de bom gosto e de qualidade em todas os aspectos. Não é um projecto que possa perdurar sem um conceito e sem muita persistência na cuidada atenção a todos os pormenores.

É um daqueles casos que devia ser o orgulho de uma cidade e dos seus responsáveis. Assisti, desde o início, ao percurso da "Bica do Sapato" assim como do "Pap´Açorda", no Bairro Alto, com a mesma gerência.

Mas, surpresa das surpresas, não é que a "Administração do Porto de Lisboa", entidade proprietária do espaço e que assume a gestão da área portuária, mandou colocar, entre o cais e o restaurante, uma grade de protecção que vai ao cúmulo de ser encimada por arame farpado. De repente a paisagem ganha os estranhos contornos de um filme da II Guerra Mundial.

O Sr. Fernando Fernandes estava desconsolado e dizia aquela frase que se ouve cada vez mais: "Assim não vale a pena…assim não vale a pena…"

quarta-feira, julho 7

Sophia

O que a morte alcança! A morte de Sophia de Mello, poeta maior, faz parecer que a poesia interessa a tantos aos quais não interessa absolutamente nada.

Cronistas, comentadores, editorialistas, políticos, fazem por aparecer, escrevem, citam e recitam. A poesia, em Portugal, na verdade, deve ter uns 500 leitores inveterados. Mais poetas haverão que leitores de poesia.

Mas dizem os entendidos que ler é mais difícil que escrever. De verdade a poesia não interessa quase nada a quase todos os que se mostram nos funerais dos poetas.

Alguns até usam o nome da poesia em vão: alguma ideia ousada ou arremedo de perfeição é coisa de poetas...não é?

terça-feira, julho 6

Opinião - "Semanário Económico"

Já está disponível, na versão online do "Semanário Económico", o artigo "Eleições Europeias - sinais de preocupação". Nas bancas na próxima sexta-feira.
Pode ler aqui.




Trapattoni

Digam o que disserem a grande notícia do dia é a contratação de Trapattoni para treinador do Benfica. Por ser o Benfica e por ser Trapattoni.

Para quem tenha dúvidas acerca do significado desta contratação para o futebol português e para Portugal leia o artigo "O omnipresente".

É um extraordinário texto da jornalista Andreia Schianchi, da "La Gazzeta Dello Sport", publicado hoje no Público.

Sonetos (V)

Aquela triste e leda madrugada,
Cheia toda de mágoa e de piedade,
Enquanto houver no mundo saudade,
Quero que seja sempre celebrada.
Ela só, quando amena e marchetada
Saía, dando ao mundo claridade,
Viu apartar-se duma outra vontade,
Que nunca poderá ver-se apartada.
Ela só viu as lágrimas em fio,
Que de uns e de outros olhos derivadas,
Se acrescentaram em grande e largo rio.
Ela ouviu as palavras magoadas
Que puderam tornar o fogo frio
E dar descanso às almas condenadas.

Luís de Camões

(in Obras Completas, Círculo de Leitores,
Edição de Lobo Soropita, de 1595)


segunda-feira, julho 5

Marlon Brando

Ao observar as notícias da sua morte reparei que vi todos os seus filmes principais.

Um dia dei conta que os actores, que povoam o nosso imaginário, também morrem. Como os nossos pais. Foi uma desilusão. Sempre achei que os actores, meus heróis, eram imortais. Assim como os meus pais. E são mesmo imortais.

Alguns actores e actrizes - no cinema e no teatro - estão para a nossa formação de homens livres ao mesmo nível que a revolução - liberal - na qual tivemos a felicidade de participar. Uma raridade.

No caso de Brando acresce que nunca comiserou com as misérias do comércio do cinema. Sempre foi capaz de olhar para as misérias do mundo. Sentir o sofrimento dos outros com a grandeza dos autênticos heróis. Aliás se assim não fosse nunca seria o grande actor que foi. Isso sente-se.

domingo, julho 4

Vinhedos da ilha do Pico são Património Mundial

Não esqueço a paisagem do Pico. Os seus vinhedos e o resto. A viagem de barco a partir da cidade da Horta, no Faial. A passagem do canal mesmo com bom tempo. Assusta mas faz-nos lembrar a gesta heróica do povo açoriano peregrinando de ilha em ilha. A paisagem mais extraordinária de Portugal. O povo mais sofrido e acolhedor. Uma notícia que devia encher o coração dos portugueses de alegria. Viva!

"A paisagem da cultura da vinha na ilha do Pico passou hoje a ser Património Mundial, após a aprovação da candidatura pela agência das Nações Unidas UNESCO numa reunião na cidade japonesa de Suzhou, anunciou o Governo dos Açores."




Perdeeeemos

O futebol é isto. Ganha-se e perde-se. Perdemos contra uma equipa manhosa com dignidade. A selecção ganhou todos os jogos com excepção dos dois que disputou com a Grécia.

Perdeu o primeiro jogo (na véspera das eleições europeias) e o último (na véspera da demissão do primeiro ministro). Nos restantes fomos grandes vencedores.

O povo português teve razões para festejar. Mas amanhã os portugueses vão cair no real. E no centro desse real está um facto incontornável:

o José Manuel fugiu!

Domingo

As leituras de fim-de-semana:
a direita está cheia de medo de perder o governo.
O povo cheio de esperança de ganhar o Europeu de futebol.
No ar corre, finalmente, uma aragem da esperança.

Ganhaaaaamos (7)

O futebol é uma realidade que sempre me fascinou. Quando era criança ia, muitas vezes, ao Estádio de S. Luiz, em Faro, ver os treinos do Farense. O Estádio fica perto da casa onde vivia. Conhecia todos os jogadores.

O Benje na baliza era um lince. O Balela, agora treinador. O "Tarro" um espanhol goleador de primeira água. Num jogo de apuramento para a 1ª divisão, julgo que com o Salgueiros, no Porto, deu um murro no árbitro e foi irradiado. A injustiça às vezes é difícil de suportar.

O Reina, defesa lateral, duro entre os duros, vejo-o sempre na rua quando vou a Faro. O Simões de quem já ninguém se lembra. O Rato e o Isaurindo, guarda redes, de grande categoria, mais antigos. O Vinueza, espanhol, de primeira. O Ventura, defesa central, de personalidade vincada. O Gil, mais recente, internacional brasileiro.

Apanhei boladas atrás das balizas que nunca contei a ninguém e me fizeram andar tonto dias e dias. Ver o jogo perto dos jogadores tem uma respiração única e empolgante. O futebol é jogado com os pés, com a cabeça e todo o corpo, com excepção das mãos. O guarda- redes é o único que joga com todas as partes do corpo (mas só dentro da grande área). Vem de ser jogado com os pés o encanto do futebol. Os pés são uma das partes mais inábeis do corpo.

Hoje somos livres de pensar o que quisermos acerca da final de amanhã. Vamos ser campeões? Cuidado que os gregos são manhosos. Aconteça o que acontecer assinalo esta bonita frase de Maniche que diz quase tudo acerca do significado do EURO-2004: "Fala-se muito dos jogadores de forma negativa, que ganham muito dinheiro, mas, hoje, verificamos que o futebol é muito importante para as pessoas. Fico feliz por poder contribuir para que muitas famílias fiquem felizes".

sexta-feira, julho 2

Mentiras e mais mentiras

Leio no abrupto Pacheco Pereira fazer uma denúncia que me deixou petrificado. Afinal Manuela Ferreira Leite não disse no Conselho Nacional do PSD nada daquilo que a comunicação social disse que ela disse.

Onde vai chegar a manipulação da informação? De facto é preciso e urgente que as fontes destas notícias (e de outras) sejam denunciadas.

"TEMPOS NOVOS
Como se viu com a forma como foi "relatada" aos jornalistas a intervenção e o voto de Manuela Ferreira Leite no Conselho Nacional, já se percebeu como está a funcionar uma estratégia de "informação", ou seja, uma central de desinformação. Coordenada, organizada e intencional, destinada a obter efeitos políticos imediatos. Os jornais foram manipulados para contarem mentiras. Manuela Ferreira Leite nem pediu desculpas, nem votou Santana Lopes.

Está na altura dos jornalistas fazerem aquilo que sempre disseram que fariam quando as suas "fontes" deliberadamente mentem: denunciar os seus nomes."

Xeqmat

Do causa nossa transcrevo, com a devida vénia, este argumento do Dr. Silva Lopes que é um autêntico xeqmat no jogo das opções do PR para conjurar a actual crise política:

As eleições e a estabilidade
Silva Lopes apresentou um dos melhores argumentos que já ouvi a favor das eleições antecipadas: o de que só elas poderão garantir alguma estabilidade e consolidação financeira nos próximos anos. É caso para dizer que as aparências iludem!
Na verdade, fosse qual fosse o partido que viesse a ganhar agora as eleições, iniciar-se-ia uma nova legislatura de 4 anos e, por isso, o vencedor não teria a tentação de desenvolver de imediato políticas de tipo eleitoralista (que também já não tinha tempo de praticar antes do acto eleitoral). Pelo contrário, essa tendência será quase inevitável com o cenário de um governo da actual coligação, governando a dois anos de eleições. E não se adivinham meios de poder travar tal desvario. Promessas, como se ouviu ontem, não faltarão. Mas teria o Presidente da República algum instrumento para pôr o Governo "no sério", por exemplo, se este viesse, nos próximos meses, a libertar o endividamento das autarquias ou a subir o ordenado dos funcionários muito a cima do que o bom senso financeiro nos aconselha?

Maria Manuel Leitão Marques



Homenagem a Sofhia de Mello Breyner Andersen

Faleceu hoje a maior poeta portuguesa contemporânea. Eis o seu primeiro poema publicado em livro.

Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias.

In "Poesia", 1944, Coimbra, edição da Autora.


Incêndios

Começaram a surgir as imagens terríveis do desespero dos incêndios. Numa zona que conheço do Algarve, pois é perto da terra dos meus avós, ardem largos hectares de mata e de floresta. As populações, em desespero, combatem o fogo com os seus escassos meios artesanais. As imagens são as do costume.

Pergunta inocente: que é feito da tropa que o Ministro Paulo Portas anunciou que estaria no terreno aos milhares de homens? Que é feito do Ministro Figueiredo Lopes? Quando acabar a euforia do EURO -2004 e a angústia da crise política, caso o calor aperte, como é de prever, seremos confrontados com uma nova calamidade de proporções semelhantes à do ano passado? Por enquanto as autoridades estão em silêncio.

quinta-feira, julho 1

DEZ ARGUMENTOS EM FAVOR DE ELEIÇÕES ANTECIPADAS

Aqui pode ver os dez argumentos do jumento, de que reproduzo os dois primeiros, e ainda uma pitoresca referência à tomada de posse clandestina do novo Director Geral de Contribuições e Impostos. Com a devida vénia.

Imagino que Sampaio não é leitor do Jumento, e nem acredito que um blogue anónimo seja para ele credível, mesmo quando quase todos os dez milhões de portugueses sejam cidadãos anónimos, e não é por isso que deixam de pensar ou de dizer o que pensam. Mesmo assim aqui ficam as razões porque neste palheiro se defende a realização de eleições antecipadas:

1. A ESTABILIDADE
Um governo que só existe para evitar eleições imediatas assente no mero desejo dois partidos que apenas desejam exercer o poder a qualquer custo é uma situação de instabilidade política mais grave do que a que resultaria da realização de eleições.

2. UM GOVERNO SEM PROGRAMA

O programa de governo de Durão não era mais do que a mistura de uma receita ultra-liberal com uma amálgama de promessas avulsas o até aqui primeiro-ministro havia feito na campanha eleitoral. Um novo governo seria dirigido por um primeiro ministro que o povo não escolheu cumprindo um programa que já não seria o proposto aos eleitores.