Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
domingo, novembro 11
sexta-feira, novembro 9
quinta-feira, novembro 8
quarta-feira, novembro 7
ALBERT CAMUS - 99º ANIVERSÁRIO
Havia uma porta embutida na parte argamassa na qual se podia
ler: “Cantina agrícola Mme. Jacques.” Filtrava-se luz pela frincha inferior. O
homem imobilizou o cavalo junto dela e, sem descer, bateu. Acto contínuo, uma
voz sonora e decidida inquiriu: “Quem é?” “Sou o novo gerente da propriedade do
Santo Apóstolo. A minha mulher vai dar à luz. Preciso de ajuda.” Ninguém
respondeu. Passado um momento, foram levantados ferrolhos e a porta
entreabriu-se. Descortinou-se a cabeça negra e ondulada de uma europeia de
faces cheias e nariz um pouco abaulado acima dos lábios grossos. “Chamo-me
Henri Carmery. Pode ir junto de minha mulher? Tenho de chamar o médico.” (…) O
médico olhou-o com curiosidade. “Não tenha medo, que tudo há-de correr bem.”
Cormery volveu para ele os olhos claros, fitou-o calmamente e declarou com uma
ponta de cordialidade: “Não tenho medo. Estou habituado aos golpes duros do
destino.” (…) A chuva tombava com mais intensidade no telhado antigo e velho. o
médico procedeu a um exame sob os cobertores. Em seguida, endireitou-se e
pareceu sacudir algo na sua frente. Soou um pequeno grito. “É um rapaz”,
anunciou. “E bem constituído.” “Começa bem”, disse a dona da cantina. “Com uma
mudança de casa.” A mulher árabe riu no canto e bateu as palmas duas vezes.
Albert Camus, in O Primeiro Homem
segunda-feira, novembro 5
ALBERT CAMUS - NAS VÉSPERAS DO 99º ANIVERSÁRIO DO SEU NASCIMENTO
“São raros aqueles que continuam a ser pródigos depois de
terem adquirido os seus meios. Esses são os reis da vida, que se devem saudar
com discrição.”
(…)
“ – a miséria é uma fortaleza sem ponte levadiça.”
(…)
“De resto, como fazer compreender que uma criança pobre pode
por vezes ter vergonha sem nunca invejar coisa alguma?”
(…)
“E, à noite, deitado, morto de cansaço, no silêncio do
quarto onde a mãe dormia levemente, ainda ouvia uivar dentro dele o tumulto e
furor do vento que amaria ao longo de toda a vida.”
(…)
“ … a criança morrera naquele adolescente magro e vigoroso,
de cabelos revoltos e olhar arrebatado, que trabalhara todo o Verão para levar um
salário para casa e acabava de ser nomeado guarda-redes titular da equipa do
liceu e, três dias antes, saboreara pela primeira vez, quase desfalecido, o
contacto com a boca de uma jovem.”
Albert Camus, in O Primeiro Homem
[Depois de amanhã, 7 de novembro, faz 99 anos que nasceu Camus. Está prestes a iniciar-se o ano do centenário do seu nascimento. Espero que, em Portugal, alguma coisa aconteça. A ver. ]
domingo, novembro 4
A MINHA TURMA DO 1º ANO
Tenho na minha frente a
fotografia da turma que frequentei nesse 1º ano em cujo verso a minha mãe
escreveu: "Recordação do 1º ano – Faro – 10-4-1959".
Naquela fotografia dos
professores que ilustra uma crónica de Lina Vedes pareceu-me, a
um primeiro olhar, reconhecer onze (11) professoras e professores que me
calharam em sorte. O tempo é traiçoeiro e a legenda, colocada posteriormente,
permitiu-me identificar mais professores do que aqueles 11 que, no primeiro
relance, tinha reconhecido.
O envio da fotografia da minha
turma do 1º ano, adornada com uma surpreendente legenda, que mão cuidada se deu
ao trabalho de fixar, permitiu-me mergulhar na memória de um convívio distante e
reconhecer muitos rostos que nunca mais vi.
Na verdade entrei para o 1º ano
do Liceu de Faro no ano lectivo de 1958/59. Um ano recheado de muitos, e
significativos, acontecimentos políticos dos quais destaco, por curiosidade, as
eleições presidenciais, às quais se candidatou Humberto Delgado (1958), e a
chamada “Revolta da Sé” (1959).
Hoje sou capaz de associar o meu
quotidiano juvenil, as ambiências familiares e escolares, com os acontecimentos
de um tempo político, do qual guardo viva recordação, e que marcam, com nitidez,
os antecedentes de um percurso pessoal que só a memória pode revelar de forma
tão coerente e fiel.
Vejo os meus professores de
liceu, entre os finais da década de 50 e inícios de 60, como uma mistura de
conservadorismo pardo e de progressismo ilustrado encontrando-se gente de ambos
os campos entre os "novos" e os "velhos" professores. A certa altura, no início
dos anos 60, no Liceu de Faro, esquecendo os pardos, juntaram-se, por exemplo,
no campo do progressismo ilustrado, os “velhos” Neves Júnior e Joaquim
Magalhães, com os “novos” Gastão Cruz e Luísa Neto Jorge.
Já entre os alunos, além das
marcas próprias da juventude de todas as épocas, é mais difícil vislumbrar, ou
adivinhar, o resultado, nas suas vidas, da mistura das influências de mestres e
funcionários, ilustrados ou pardos. O que é certo é que os jovens estudantes
retratados ostentam uma pose compenetrada e, não lhes sendo permitido o convívio
com as meninas, era-lhes imposta a “autoridade professoral” através de duas
mulheres/professoras.
A fotografia foi tirada no
Ginásio, onde todas eram tiradas, e no meio do grupo lá estão a Prof. ª Isabel
Madruga e a Prof. ª Maria José Santos, a primeira das quais, por boas razões,
nunca esquecerei. No Natal de 2007 ofereci uma cópia desta fotografia ao meu
amigo Bexiga (António) e era bem capaz de mandar fazer tantas cópias quantos os
personagens retratados, fazendo renascer em cada um de nós a memória de um tempo
feliz.
[Republicação.]
segunda-feira, outubro 29
“Homenagem ao Papagaio Verde e outros contos de Jorge de Sena”
(...)
“Um
dia, quando, arquejante da rua e das escadas, cheguei à varanda, o Papagaio
Verde estava inerte no canto da gaiola, com o bico pousado no chão. Peguei-lhe,
aspergi-o com água, sacudi-o, com a mão auscultei-o longamente. Não morrera
ainda. Levei-o para a sala, deitei-o nas almofadas, puxei a cadeira para junto
do piano, e, enquanto com os dedos da mão esquerda lhe apertava a pata, toquei
só com a direita a música de que ele gostava mais. As lágrimas embaciavam-me as
teclas, não me deixavam ver distintamente. Senti que os dedos dele apertavam os
meus. Ajoelhei-me junto da cadeira, debruçado sobre ele, e as unhas dele
cravaram-se-me no dedo. Mexeu a cabeça, abriu para mim um olho espantado,
resmoneou ciciadas algumas sílabas soltas. Depois, ficou imóvel, só com o peito
alteando-se numa respiração irregular e funda. Então abriu descaidamente as
asas e tentou voltar-se. Ajudei-o, e estendeu o bico para mim. Amparei-o
pousado no braço da cadeira, onde as patas não tinham força de agarrar-se. Quis
endireitar-se, não pôde, nem mesmo apoiado nas minhas mãos. Voltei a deitá-lo
nas almofadas, apertou-me com força o dedo na sua pata, e disse numa voz clara
e nítida, dos seus bons tempos de chamar os vendedores que passavam na rua: -
Filhos da puta! – Eu afaguei-o suavemente, chorando, e senti que a pata
esmorecia no meu dedo. Foi a primeira pessoa que eu vi morrer.”
Jorge de Sena
domingo, outubro 28
Em homenagem a minha mãe
Em homenagem a minha mãe pelo 11º aniversário de sua morte.
Era o tempo da natureza esplendorosa, a seiva assomando por
todos os poros da vida. A terra e o mar beijavam-se num longo beijo sem fim sob
o céu azul. A terra dava frutos que me pareciam divindades na perfeição da sua casca.
As melancias fascinavam-me pela sua grandeza esférica e pela névoa dos seus
açúcares. Era o vermelho do prazer contra o sangue, vermelho da dor.
[20/1/2008]
sexta-feira, outubro 26
quarta-feira, outubro 24
terça-feira, outubro 23
segunda-feira, outubro 22
domingo, outubro 21
POPULISMO À SOLTA
Jogos, como sempre, muitos jogos de sombras, em todos os tabuleiros. Na vida pública, ou política, em sentido amplo, na vivência de todos os dias, individual ou coletiva, na família, no trabalho, nas relações de amigas e amigos, conhecidas (os) e reconhecidas (os), em todas as plataformas e quadrantes de sensibilidade e ideologia, o mais dificil é sempre, ou quase, esconjurar o medo. E quanto maior o estado de carência mais o medo se intromete e condiciona a liberdade. Uma sociedade povoada pelo medo é presa fácil de toda a sorte de populismos, intolerâncias, violências e, no fim do caminho, do totalitarismo que sempre se reinventa em cada época, ressurgindo com novas vestes. Hoje de manhã, na mesa ao meu lado no café da esquina, um homem vociferava para a mulher, (não convencida), que qualquer político devia ser insultado em todo o lugar público que frequentasse: "Eles devem sentir na pele como fazem o povo sofrer." Os sentimentos de repulsa pela política, e pelos políticos, sempre existiram mas, neste tempo que é o nosso, tendem a tornar-se dominantes. Atenção que os políticos que hoje estão na mira desta pulsão populista foram eleitos pelos mesmos que hoje os hostilizam. O jogo de sombras começa a tornar-se perigoso para a própria democracia.
sábado, outubro 20
sexta-feira, outubro 19
quarta-feira, outubro 17
terça-feira, outubro 16
domingo, outubro 14
ELEIÇÕES NOS AÇORES
As eleições legislativas nos Açores (Região Autónoma), realizadas hoje, deram uma nova maioria absoluta ao Partido Socialista. Nas circunstâncias presentes poderá parecer um resultado normal. Mas é preciso lembrar que o PS está no governo dos Açores faz 16 anos, ousou mudar a liderança, passando-a para as mãos de um jovem politico - Vasco Cordeiro -, correndo riscos. A interpretação detalhada do resultado não interessa para aqui mas tão só assinalar a continuidade de uma maioria politica que estará em melhores condições para enfrentar as dificuldades da atual situação de crise. Berta Cabral, candidada e lider do PSD, é uma mulher corajosa, digna, decente e forte. A sua derrota é o resultado da conjugação de um conjunto de circunstâncias adversas que lhe tornaram impossível a tarefa, em particular, nos últimos tempos. Os Açores são demasiadamente importantes para a afirmação de Portugal no mundo para que se não valorize o resultado destas eleições. Este resultado é, no presente contexto político, um sinal para o futuro e uma garantia de uma gestão política equilibrada da autonomia regional o que não é de somenos.
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