quinta-feira, setembro 5

"Lamber a vida como um rebuçado..."

15 de Set. (1937)

(...)

“Lamber a vida como um rebuçado, formá-la, estimulá-la, enfim, como se procura a palavra, a imagem, a frase definitiva, aquele ou aquela que conclui, que detém, com quem partiremos e que de futuro fará a cor do nosso olhar.”

(...)

“Quanto a mim, sinto-me numa curva da minha vida, não devido àquilo que adquiri, mas àquilo que perdi. Sinto-me com forças extremas e profundas. É graças a elas que devo viver como desejo. Se hoje me encontro tão longe de tudo, é que não tenho outro desejo senão amar e admirar. Vida com rosto de lágrimas e de sol, vida sem o sal e a pedra quente, vida como a amo e a entendo, parece-me que ao acariciá-la, todas as minhas forças de desespero e de amor se conjugarão.”

(...)

“É como se recomeçasse a partida; nem mais feliz nem mais infeliz. Mas com a consciência das minhas forças, o desprezo pelas minhas vaidades, e esta febre, lúcida, que me preocupa em face do meu destino.”

Albert Camus

“Caderno” n.º 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

quarta-feira, setembro 4

NÃO HÁ VIDA SEM DIÁLOGO ...

Não há vida sem diálogo. Mas o diálogo foi, hoje, na maior parte do mundo, substituído pela polémica. O século XX é o século da polémica e do insulto. Eles ocupam, entre as nações e os indivíduos, e mesmo ao nível das disciplinas outrora desinteressadas, o lugar que tradicionalmente cabia ao diálogo reflectido. Dia e noite, milhares de vozes, empenhadas, cada uma por seu lado, num tumultuoso monólogo, lançam sobre os povos uma torrente de palavras mistificadoras, de ataques, de defesas, de exaltações. Mas qual é o mecanismo da polémica? Consiste em considerar o adversário como inimigo, por conseguinte a simplificá-lo e a recusar vê-lo. Aquele que insulto, já não sei de que cor são os seus olhos, ou se acaso sorri, e como o faz. Tornados quase cegos por obra e graça da polémica, já não vivemos entre os homens, mas num mundo de sombras.” (…)


Albert Camus – alocução feita na sala Pleyel em Novembro de 1948, in Actualidades - Contexto 

POLÍTICA - 16

Hoje, no dia do aniversário de meu pai, uma daquelas poucas datas que nunca esqueço, porque ele me lembra sempre valores sem preço aos quais tudo tenho feito para me manter fiel, rufam os tambores da guerra. Antes que ela rebente quero dizer, em primeiro lugar, perante mim próprio, que me não resigno em aceitá-la. Podem as chancelarias todas em uníssono clamar pela sua justeza, podem todos os meios de comunicação colocar em frente dos olhos do mundo imagens horríveis das maiores atrocidades, podem os líderes que, como Obama, sempre apoiei, proclamar as suas certezas da crueldade dos outros, tudo pode ser dito, e redito, mas não aceito a guerra. Não se trata de ser contra toda e qualquer guerra, pois não sou pacifista, mas esta guerra depois das lições de outras guerras lançadas com os mesmos argumentos que vieram a revelar-se falsos, argumento que não pode nem deve ser banalizado, só pode gerar mais e mais guerra. A Síria tornou-se uma tragédia de guerra civil, a mais terrível das guerras, tiranos contra aspirantes a tiranos, disputa estratégica de potências – a guerra fria acabou, dizem eles – defesa de bases militares, de venda de armas, de abertura ou manutenção, de rotas para a passagem da energia de que o ocidente carece. Sigo à risca a declaração do Secretário-geral da ONU, hoje proferida, e que cito de cor: o lançamento de um ataque militar pelos USA à Síria só poderá ser legal se for em legítima defesa ou com mandato do conselho de segurança da ONU. Será pois um ação de guerra ilegal à luz do direito internacional. Todas as consequências que dela resultarem, e serão porventura muito graves para a paz mundial, são da responsabilidade de quem decidir premir o gatilho. Se for Obama com pena minha deixará de pertencer à minha galeria pessoal dos raros políticos no ativo cujas palavras mantêm a capacidade de comover e mobilizar a alma dos democratas e dos defensores da liberdade e da paz.    

domingo, setembro 1

Haja respeito pela história e pelos povos...

Escrevo diretamente na tela branca como se fora uma folha antiga, um material sem mácula, no qual em todos os tempos se escreveu  desde quando escrever era para poucos e todos escreviam bem exceto os que  sempre devem ter sido criticados por escreverem menos bem. O regresso de qualquer lugar que se visita é sempre um regresso ao lugar da partida o fim transitório da viagem e muitas vezes apetece a quem é capaz de escrever dar testemunho. Ao longo do tempo muitos o fizeram e as suas obras nalguns casos, poucos, são parte do património da humanidade e estou a pensar no Padre António Vieira e nos cronistas que descreveram com detalhe tantos acontecimentos que a história guarda e que alguns estudam e poucos divulgam, lembrei-me a despropósito do José Hermano Saraiva, pois que me lembre com mais ou menos rigor não existe nenhum programa regular de divulgação da história de Portugal nas nossas TVs e a nossa história é rica como poucas não só por ser longa mas porque todas as histórias das nações são ricas e as nações não  persistem sem que os povos se reconheçam nela ( a sua história) que é o mais forte antídoto para que os povos se não deixem dominar e sejam capazes de conviver com as diferenças aceitando-as e assim cultivando os valores da cidadania e da liberdade. Vem a propósito de ter vivido uma semana ao lado de uma das árvores identificadas como das mais antigas de Portugal - uma Oliveira com mais de 2 200 anos - que os fenícios trouxeram da Mesopotâmia e deixaram ali no lugar que hoje é conhecido por Pedras del Rei para que os vindouros dela se pudessem aproveitar para seu proveito e me levou a pensar que somos muito novos e ignorantes para julgar e punir os povos que habitam aqueles terras longínquas que hoje dão pelo nome de Iraque, Síria, Irão ... de onde nos trouxeram esta riqueza que ainda hoje nos oferece o pão de cada dia. Haja saúde, paz e prosperidade!
  

sexta-feira, agosto 30

JORGE DE SENA


Lisboa - 1971

O chofer de taxi queixava-se da vida.
Ganha 400$00 por semana, o patrão conta
que ele se arranje do a mais com as gorjetas.
Os amigos morrem de cancro,
de tédio, de páginas literárias,
vi um rapaz sem as duas pernas que perdeu
na guerra (e o ortopedista ria-se de que ele
só queria por enquanto “calçar” uma das
que, artificiais, lhe preparou tão róseas).
As pessoas esperam com raiva surda e muita paciência
o autocarro, aumento de ordenado, a chegada
do Paracleto, bolsas da sopa do convento.
Mas o chofer de taxi contou-me que
discutira com um asno e lhe dissera:
“ … V. que nesse tempo ainda andava a fugir
de colhão para colhão do seu pai
para ver se escapava a ser filho da puta …”
E é isto: andam de colhão em colhão
a ver se escapam – e muitos não escapam.
E os outros não escapam aos que não escaparam.

Lisboa, 5/8/1971

quarta-feira, agosto 28

A OLIVEIRA MAIS ANTIGA DE PORTUGAL

Em Pedras del Rei (Tavira, Algarve, Portugal) a poucos metros do sítio onde escrevo, neste dia da semana de férias que me concedo, em família, no silêncio abundante que, por vezes fere, repousa em sua pose majestática a árvore mais antiga de Portugal (ou talvez, ao que dizem os repositórios mais recentes acerca da matéria, a segunda mais antiga) uma OLIVEIRA com mais de 2200 anos (leram bem - dois mil e duzentos anos). Muito antes da fundação na nacionalidade esta já era uma terra fértil de grandes encantos, pois porque não o será hoje, e sempre, no futuro ...



segunda-feira, agosto 26

Praia do Barril (Tavira)

Por momentos, quando se percorre a velha estrada que serpenteia por alfarrobeiras e oliveiras (algumas delas milenares) e que nos leva até Pedras del Rei, parece que somos devolvidos à ideia de Algarve como segredo mais bem guardado do nosso litoral. O contraste com o Algarve dos nossos dias é muito marcado. O aldeamento de Pedras del Rei – um dos primeiros da região – preserva um arejamento visual, com casas devidamente espaçadas, formando uma combinação agradável entre domínio público e privado. Por este Algarve, as construções mantêm uma integração perfeita na paisagem, e isso não ocorre à custa da vivência familiar, nem através da promoção de condomínios exclusivos. Não podemos deixar de imaginar o que teria sido o desenvolvimento sustentado e regrado do turismo se este exemplo tivesse sido replicado.

Para se alcançar a Praia do Barril é preciso tomar o pitoresco comboio que segue por cima do sapal durante um quilómetro, através de uma via única – que antes servia a armação de pesca do atum e tem agora como fim único transportar banhistas. No verão, o comboio é uma atração turística, mas está, sobretudo, ao serviço das famílias regulares, que ano após ano se voltam a encontrar nas pequenas carruagens do trem, para logo se dispersarem ao longo do extenso areal. O comboio é uma autêntica festa colorida, assente na combinação das vestes garridas dos veraneantes com o vermelho da automotora e o verde da ria. Esta mistura ganha um tom próprio quando a ela se juntam o cheiro incomparável do óleo diesel queimado e o som do motor do engenho.
Depois chega-se a uma praia que aparenta ser infinita: a poente o areal perde-se até à praia do Homem Nu; a nascente, até à Terra Estreita; e por fim até à Ilha de Tavira. As famílias habituais têm lugar cativo nos toldos junto do “jardim das âncoras”, uma perfeita “instalação artística” do que ficou da armação de pesca do atum que encerrou em meados dos anos sessenta, constituindo agora um cenário verdadeiramente curioso e emblemático desta praia. A longa extensão dos areais convida a grandes passeios na maré vazia até que as pegadas humanas se percam e abram espaço ao rasto das numerosas aves aquáticas que habitam o Parque Natural da Ria Formosa. (…)

In Tanto Mar, de Pedro Adão e Silva e João Catarino

[Último texto do último capítulo que se intitula: “Dez praias onde não pode deixar de mergulhar antes de morrer”. Não me dou ao trabalho de o transcrever, quase na íntegra, só por ser frequentador habitual do espaço descrito, mas também por ter sido esta a praia que primeiro frequentei ainda na barriga de minha mãe. Esta - assim como outras praias de Tavira a Vila Real de Santo António - era, uma vez por ano, onde a gente do campo visitava o mar na celebração do fim das colheitas. O languido mar azul dava aos pés descalços dos camponeses, por um dia, o sabor a sal, a outra face da frescura dos frutos – secos e verdes – que a terra quente gerava ano após ano.]

domingo, agosto 25

ALBANO MARTINS



Frutos

Quando a amada oferece
o seu corpo, ela sabe
que dos frutos apenas
se colhe o sabor.
É então
que os dedos
separam as películas,
que a lâmina desce e a água
e o fogo se misturam.
E é então que a vida
e a morte convivem
sob o mesmo tecto.

sábado, agosto 24

MANUEL BANDEIRA

Lua Nova

Meu novo quarto
Virado para o nascente:
Meu quarto, de novo a cavaleiro da entrada da barra.
Depois de dez anos de pátio
Volto a tomar conhecimento da aurora.
Volto a banhar meus olhos no mônstruo incruento das madrugadas.
Todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir:
Hei de aprender com ele
A partir de uma vez
- Sem medo,
Sem remorso,
Sem saudade.
Não pensem que estou aguardando a lua cheia
- Esse sol da demência
Vaga e noctâmbula.
O que eu mais quero,
O de que preciso
É de lua nova.

Manuel Bandeira

sexta-feira, agosto 23

VITORINO NEMÉSIO

NOMEIO O MUNDO
 
Com medo de o perder nomeio o mundo,
Seus quantos e qualidades, seus objectos,
E assim durmo sonoro no profundo
Poço de astros anónimos e quietos.

Nomeei as coisas e fiquei contente:
Prendi a frase ao texto do universo.
Quem escuta ao meu peito ainda lá sente,
Em cada pausa e pulsação, um verso.

14.9.59

Vitorino Nemésio

terça-feira, agosto 20

Federico García Lorca

Romance Sonambulo

Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar
y el caballo en la montaña.
Con la sombra en la cintura
ella sueña en su baranda,
verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Verde que te quiero verde.
Bajo la luna gitana,
las cosas la están mirando
y ella no puede mirarlas.

Verde que te quiero verde.
Grandes estrellas de escarcha,
vienen con el pez de sombra
que abre el camino del alba.
La higuera frota su viento
con la lija de sus ramas,
y el monte, gato garduño,
eriza sus pitas agrias.
¿Pero quién vendrá? ¿Y por dónde?
Ella sigue en su baranda,
verde carne, pelo verde,
soñando en la mar amarga.

-Compadre, quiero cambiar
mi caballo por su casa,
mi montura por su espejo,
mi cuchillo por su manta.
Compadre, vengo sangrando,
desde los puertos de Cabra.
-Si yo pudiera, mocito,
este trato se cerraba.
Pero yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa.
-Compadre, quiero morir,
decentemente en mi cama.
De acero, si.puede ser,
con las sábanas de holanda.
¿No ves la herida que tengo
desde el pecho a la garganta?
-Trescientas rosas morenas
lleva tu pechera blanca.
Tu sangre rezuma y huele
alrededor de tu faja.
Pero yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa.
-Dejadme subir al menos
hasta las altas barandas,
dejadme subir!, dejadme
hasta las verdes barandas.
Barandales de la luna
por donde retumba el agua.

Ya suben los doscompadres
hacia las altas barandas.
Dejando un rastro de sangre.
Dejando un rastro de lágrimas.
Temblaban en los tejados
farolillos de hojalata.
Mil panderos de cristal
herían la madrugada.

Verde que te quiero verde,
verde viento, verdes ramas.
Los dos compadres subieron.
El largo viento dejaba
en la boca un raro gusto
de hiel, de menta y de albahaca.
-¡Compadre! ¿Dónde está, dime?
¿Dónde está tu niña amarga?
¡Cuántas veces te esperó!
¡Cuántas veces te esperara,
cara fresca, negro pelo,
en esta verde baranda!

Sobre el rostro del aljibe
se mecía la gitana.
Verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Un carámbano de luna
la sostiene sobre el agua.
La noche se puso íntima
como una pequeña plaza.
Guardias civiles borrachos
en la puerta golpeaban.
Verde que te quiero verde,
verde viento, verdes ramas.
El barco sobre la mar.
Y el caballo en la montaña.

Federico García Lorca

(Há uma magnífica tradução em português
deste poema de autoria de
Eugénio de Andrade em "Trinta
e Seis Poemas e Uma Aleluia Erótica",
Editorial Inova, 1968)

BUENOS AIRES - ARGENTINA

Pero yo estoy de pie, de frente al enemigo,
la vida, y no temo su arrebato fatal

porque tengo en la mano siempre pronto un puñal.

Alfonsina Storni

sábado, agosto 17

POLÍTICA - 15

Os acontecimentos trágicos do Egipto suscitam a velha questão da liberdade. Nestes momentos face às circunstâncias do tempo que é o nosso, sem meias palavras, é preciso proclamar, além das conveniências políticas do momento, a defesa da liberdade e a condenação da tirania. Mesmo que os argumentos do caminho que conduz à tirania sejam  "embrulhados" em palavras da defesa de uma liberdade futura. Os povos do Ocidente deviam envergonhar-se da tibieza dos seus politicas que esgotam a condenação da violência, e a negação da liberdade, em pura retórica balofa. 

quinta-feira, agosto 15

" É TARDE, MUITO TARDE DA NOITE ..."

É tarde, muito tarde da noite,
trabalhei hoje muito, tive de sair, falei com vária gente,
voltei, ouço música, estou terrivelmente cansado.
Exactamente terrivelmente com a sua banalidade
é o que pode dar a medida do meu cansaço.
Como estou cansado. De ter trabalhado muito,
ter feito um grande esforço para depois
interessar-me por outras pessoas
quando estou cansado demais para me interessarem as pessoas.
E é tarde, devia ter-me deitado mais cedo,
há muito que devera estar a dormir.
Mas estou acordado com o meu cansaço
e a ouvir música. Desfeito de cansaço,
incapaz de pensar, incapaz de olhar,
totalmente incapaz até de repousar à força de
cansaço. Um cansaço terrível
da vida, das pessoas, de mim, de tudo.
E fumo cigarro após cigarro no desespero
de estar tão cansado. E ouço música
(por sinal a sonata para violino e piano
de César Franck, e depois os Wesendonck Lieder)
num puro cansaço de dissolver-me
como Brunhilda ou como Isolda
no que não aceitarei nunca,
l' amor che muove il sole e l' altre stelle.
Nada há de comum entre esse amor de que estou cansado,
e o outro que não ama, apenas queima e passa , e de cuja
dissolução no espaço e no tempo em que vivo
estou mais cansado ainda. Dissolvam-se essas damas
que eram princesas ou valquírias, se preferem, no eterno.

Eu estou cansado de não me dissolver
continuamente em cada instante da vida,
ou das pessoas, ou de mim, ou de tudo.
Qu' ai-je à faire de l' eternel? I live here.
Non abbiamo confusion. E aqui é que
morrerei danado de cansaço, como hoje estou
tão terrivelmente cansado.

Jorge de Sena

Dez. 22/70

In “Visão Perpétua” [1982]

quarta-feira, agosto 14

POLÍTICA - 14

Foram tornados públicos indicadores que confirmam indícios de recuperação da economia em Portugal. Nos países com as economias mais representativas da UE (Alemanha e França) o movimento vai no mesmo sentido. Ou ao contrário em Portugal a recuperação segue a dos países centrais da UE (e também dos USA). Se estes indícios se consolidam se verá mais adiante. Quero crer que sim pois há quem estude a matéria (fora da luta partidária) e confere a tendência. Face a estes indícios há duas linhas de opinião que a meu ver devem ser combatidas: 1ª a que desliga a política da economia seja em que sentido for, ou seja, os que tendem a defender que qualquer evolução positiva da economia nada tem a ver com as politicas associadas; em duas palavras é perigoso para a democracia não valorizar a politica e "apagar" os partidos das boas notícias da frente económica; 2ª a tendência das oposições para seguir uma ideia feita qual seja a de que o poder não se conquista mas nos cai no regaço pelos erros e inépcia dos adversários que ocupam o lugar do governo ou, pior, a tendência dos partidos de protesto que diabolizam o lugar do governo. Mais vale apreciar os resultados da economia, em cada momento, como um resultado de um conjunto de movimentos para os quais todos contribuem e dos quais, seja qual for o sinal que emanam, todos são responsáveis.

terça-feira, agosto 13

Jan Dismas Zelenka

LUIS DE CAMÕES

Oh! Como se me alonga de ano em ano
A peregrinação cansada minha!
Como se encurta e como ao fim caminha
Este meu breve e vão discurso humano!
Vai-se gastando a idade e cresce o dano;
Perde-se-me um remédio que inda tinha;
Se por experiência se adivinha,
Qualquer grande esperança é grande engano.
Corro após este bem que não se alcança;
No meio do caminho me falece;
Mil vezes caio e perco a confiança.
Quando ele foge, eu tardo; e na tardança,
Se os olhos ergo, a ver se inda parece
Da vista se me perde e da esperança.

Luís de Camões

Sonetos - Edição de Lobo Soropita, de 1595
Lírica - Círculo de Leitores

sábado, agosto 10

LIVRARIA SÁ DA COSTA - FIM

LIVRARIA SÁ DA COSTA

Lembrei-me, subitamente, das livrarias e tipografias com as quais me habituei a conviver, nas ruas de Faro, na minha juventude. Algumas (poucas) resistem. Numa delas comprei o primeiro romance que li na minha vida: Imitação da Felicidade, de Urbano Tavares Rodrigues, que vai hoje a enterrar. (honra à sua memória!). Na mesma, ou noutra perto, pela mesma época comprei os Cadernos de Camus, da Livros do Brasil, que curiosamente, ou talvez não, li na mesma época. O mercado é implacável e o Estado complacente com o mercado. Uma questão de fundo que todos os dias se discute mais pelos danos colaterais que provoca, e atores menores que se agigantam na sua pequenez, do que pelas próprias raízes da questão. A sociedade, e os poderes públicos, terão que voltar a ela mais cedo do que tarde.