quinta-feira, maio 20

Fragmentos de Leituras

"A privadicidade

Com efeito, é quando divulgo a minha privadicidade que mais me exponho: não pelo risco de "escândalo" mas sim porque nesse momento apresento o meu imaginário com a sua consistência mais forte; e o imaginário é precisamente aquilo em que os outros têm vantagem; aquilo que não está protegido por nenhuma inversão, nenhum desmantelamento. Todavia, a "privadicidade" muda de acordo com a Doxa à qual nos dirigimos; se é uma doxa das direitas (burguesa ou pequeno-burguesa: instituições, leis, imprensa), é a privadicidade sexual que mais se expõe. Mas, se for uma doxa das esquerdas, a exposição do sexual não transgride nada: neste caso a "privadicidade" são as práticas fúteis, os vestígios de ideologia burguesa que o sujeito confidencia: quando me volto para essa doxa exponho-me menos ao declarar uma perversão do que ao enunciar uma preferência: a paixão, a amizade, a ternura, a sentimentalidade, o prazer de escrever, tornam-se então, por simples deslocamento estrutural, termos indizíveis: que contradizem o que pode ser dito, o que esperam que se diga, mas que precisamente - a própria voz do imaginário - se gostaria de poder dizer imediatamente (sem mediação)."

No meu "livro artesanal" que estou transcrevendo, por fragmentos, escrevi nesta página 6, certamente influenciado pela fase porque passava a minha vida no início dos anos 80: "o impulso de uma nova teia de relações atraentes mas amarradas ainda ao difícil passado dos "mais velhos" (de mim)."

"Roland Barthes por Roland Barthes" - 11
(Fragmento 2 de 2, pag. 6)

Edição portuguesa: "Edições 70"

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