segunda-feira, dezembro 29

Breve resenha histórica da imprensa do MES - O jornal «Esquerda Socialista» (II)



Em épocas de revolução o tempo ganha uma dimensão proporcionalmente inversa ao empolgamento dos protagonistas. Quanto mais fervor revolucionário mais o tempo parece escasso. Todos os sonhos parecem realizáveis e as vozes conciliadoras, ou que se atrevam a apelar ao realismo, tendem a ser silenciadas ou desprezadas.
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Apesar do seu temperamento afectuoso e, ao mesmo tempo, irascível, César de Oliveira, uma grande figura de intelectual da esquerda portuguesa do século passado, abandonou a direcção interina do “Esquerda Socialista”, após a edição dos seus seis primeiros números, sob a pressão de uma maioria radicalizada que, considerava o jornal ”politicamente ambíguo”, “graficamente confuso” e “financeiramente desastroso”.

Acusações tanto mais injustas, digo-o hoje sem contemplações, atentas as dificuldades em reunir, à época, as condições para erguer qualquer órgão de imprensa partidária (e mesmo generalista!), fora da esfera de influência do PCP e dos grupos marxistas-leninistas-maoistas, ainda por cima, em oposição, ideológica e política, aos princípios essenciais da orientação político-partidária daquelas organizações.

Foram aliás essas dificuldades que explicam o longo tempo, quatro meses e dez dias (uma eternidade!), que mediou entre o surgimento público do MES, anunciado no pano artesanal que desfilou na grande manifestação do 1º de Maio de 1974, e o dia 11 de Setembro desse ano quando saiu do prelo o nº 0 do “Esquerda Socialista”. O cartaz dizia “Movimento de Esquerda Socialista (em organização) ”, uma fórmula impensável à luz das regras tradicionais do marketing político, mas que explica, em duas palavras, as delongas no surgimento do jornal.

Era preciso dar corpo a uma ideia que andava no ar, ou seja, estabelecer as bases programáticas e organizativas de um partido, criando-o de raiz, a quente, na bigorna da revolução, não deixando perder as energias de tantos e tão promissores movimentos de luta sectorial e o entusiasmo dos militantes que exigiam aderir a um movimento político que nem os seus fundadores sabiam muito bem ao que vinha e nos quais não constava, que me lembre, uma única personalidade relevante ligada à imprensa.

Que experiência mais apaixonante se poderia desejar na volúpia da revolução, que fervilhava nas ruas, do que responder ao desafio de criar um partido de “esquerda socialista” despojado, à partida, de recursos materiais e de apoios internacionais? Mas como encontrar energias para fundar, do nada, o mais depressa possível, um órgão de imprensa que lhe desse rosto e voz?

Ao fim de muitas, e acesas, discussões, nas quais o César de Oliveira se enfurecia amiúde, lançaram-se as bases de uma equipa de trabalho para elaborar o “Esquerda Socialista”, arranjou-se uma sede provisória na Rua Garrett, que a partir do nº 8 passou para a Rua Rodrigues Sampaio e a partir do nº 30 para a Av. D. Carlos I, convenceu-se a Renascença Gráfica a vender “fiado” os trabalhos de edição e impressão, contratou-se uma distribuidora e o “Esquerda Socialista” foi para a rua.

Esta aventura, FAÇA-SE JUSTIÇA, não teria sido possível sem o empenho do José Manuel Galvão Teles e como, ainda hoje, não sei se alguém lhe agradeceu o suficiente daqui lhe envio o meu tardio obrigado!

No decurso da 2ª fase da sua existência, de Dezembro de 1974 a Julho de 1975, a direcção do “Esquerda Socialista” foi atribuída, pela Comissão Política Nacional (CPN) a Augusto Mateus, tendo sido editados mais 27 números, do nº 12 ao 38, com periodicidade semanal, compostos por 12 páginas a 2 cores e ao preço de venda ao público de 3$00. (a única excepção foi um nº especial, a propósito do 11 de Março de 1975, que saiu apenas com 4 páginas ao preço de 1$00).

Se não erro, pois não tenho a colecção completa na minha frente (não sei que é feito dela), foram editados, contando com o nº 0, quarenta números do “Esquerda Socialista”, com uma tiragem, no seu ocaso, entre 17.000 e 20. 000 exemplares, mesmo assim bastante relevante acerca da presença política do MES no processo revolucionário em curso, como era da praxe dizer-se.

O jornal “Esquerda Socialista”, carregando, em particular, nesta derradeira fase, as marcas próprias da sua época, mais criativo e anarquizante, na sua primeira fase, constitui um testemunho interessante para uma análise política, e cronológica, do período revolucionário compreendido entre o 28 de Setembro de 1974 e a aprovação do “Plano Aliança Povo-MFA, em Junho de 1975.

Mas ainda não tinha acabado a aventura do “Esquerda Socialista” e já tinha sido criado o “Poder Popular”, o outro órgão de imprensa do MES, que se pretendia mais próximo da luta das classes populares, porta-voz de um programa político do MES que nunca deixou de reflectir, a partir do final de 1976, embora sem expressão pública, a luta interna entre facções que se digladiavam no seu seio.
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domingo, dezembro 28

BLOG DO ANO - ASSINO E SUBSCREVO


A cubana Yoani Sánchez é a blogueira do ano. Autora a partir de abril de 2007 do blog Generación Y, ganhou vários prêmios, entre eles o BOBS (Best of Blogs) dado na Alemanha e o Ortega y Gasset de jornalismo digital, na Espanha, e entrou na lista das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2008 da revista Time.Yoani e o marido, o jornalista Reinaldo Escobar, criaram o portal DesdeCuba, onde há links para vários blogs cubanos, revistas digitais, informação independente. É o primeiro veículo livre de informação em Cuba.
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sábado, dezembro 27

A VIAGEM DO ELEFANTE

A Viagem do Elefante é o último livro de Saramago. Li-o neste período natalício num trago. Coisa rara. De Saramago tinha lido um só livro, na íntegra, sendo que dos outros as leituras se ficaram por tentativas inacabadas. Não sei se este Saramago que agora li num trago é o mesmo que antes tentara, em vão, ler. Não sei se passei a gostar do personagem que se esconde por detrás do escriba de que antes nunca gostara. Mas deste gostei. Talvez, no caso, tenha conseguido, como leitor, o que antes nunca conseguira: ler sem preconceitos. Do mais acho que nada mudou. Nem autor nem leitor.
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terça-feira, dezembro 23

OBRIGADA

Joseph McDonald

Para se compreender a razão de uma actividade como a de manter um blogue vivo tanto tempo – falo dos meus cinco anos – que o mesmo é dizer dos cinco anos do absorto seria necessário estar por dentro da cabeça do seu autor. Tarefa impossível para qualquer um e difícil para o próprio. O que posso assegurar, nesta quadra natalícia, dada ao relaxamento do corpo e à libertação do espírito, é que no fim do caminho, deste caminho, tentarei dar a público uma explicação da razão desta empresa na esperança de que até lá encontre as palavras para tal. Por agora interessa-me manter o equilíbrio estético que neste meio é vital para que seja apreensível, aos olhares fugidios, a mensagem moldada à imaginação de cada um. Tudo para agradecer os parabéns que me foram dirigidos a propósito da passagem do 5º aniversário. Obrigada.
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domingo, dezembro 21

EMBUSTES

Eve Arnold - USA. New York. Long Island. US actress Marilyn MONROE. 1955.

Escrevo à maneira antiga. Numa tábua em branco desenho a palavra testemunho da bruta realidade sem nada ceder aos seus horrores. Sem ser um espelho dela mas uma representação da realidade transfigurada. A poesia é a melhor enxada quando as palavras se deixam moldar. Canso-me, às vezes, de escrever à maneira antiga. Os mais hábeis para o negócio tornam as palavras num lugar habitual de convívio cosmopolita. Onde se estendem os braços e do outro lado em lugar da luxúria do gosto rendem as edições. As palavras alinhadas para o lucro não servem para nada senão para isso mesmo. Mais tarde se descobrirá o embuste - A pensar no José Rodrigues dos Santos e nos sites em inglês que promovem os seus romances nas Américas.[A propósito de ter visto uma notícia, a correr em rodapé, acerca da sua tradução em russo.]

[22/3/2008]
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sexta-feira, dezembro 19

Há um momento em que a juventude se perde ...


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IR ATÉ AO FIM

Da Maria do Rosário Fardilha: recebi o objecto-fruto maduro, híbrido, iluminado pela «esplendorosa ressonância de estar vivo» de Jorge de Sena e pelo lirismo que decorre do «êxtase na unidade homem-natureza» em Camus. Objecto-de-autor-sensível, atravessado pela maresia e o vento do Mediterrâneo. Objecto-poema pincelado de afecto, quente, no sufoco pelo ser feminino suave, pelo filho,… Lembrei-me: «Havia tanto amor e veneração nos seus olhos (...) que alguém nele - aquele que sabia – se revoltou» - o filho revoltou-se? … e os amigos: que não querem viver fora da beleza. Obrigada. Sinto-me fraca.
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Partilha:1. Sublinhei a traço grosso:«E, à noite, deitado, morto de cansaço, no silêncio do quarto onde a mãe dormia levemente, ainda ouvia uivar dentro dele o tumulto e o furor do vento que amaria ao longo de toda a vida.» - Albert Camus, O Primeiro Homem, Edição Livros do Brasil, 1994, pp. 219.
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CINCO ANOS, DEIXAR UMA MARCA.

Fotografia de Hélder Gonçalves

Passam hoje cinco anos sobre a criação deste blogue. Serve a efeméride para reafirmar o seu “programa”, ou o quiserem que seja, e para vos comunicar que ainda não acabou o tempo dele.

Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,

nada dever ao esquecimento que esvazia o sentido do perdão olhando o mundo e tomando a medida exacta da nossa pequenez,

atravessar a solidão, esse luxo dos ricos, como dizia Camus, usufruindo da luz que os nossos amantes derramam em nós porque por amor nos iluminam,

observar atentos o direito e o avesso, a luz e a sombra, a dor e a perda, a charrua e a levada de água pura, crer no destino e acreditar no futuro do homem,

louvar a Deus as mãos que nos pegam, e nunca deixam de nos pegar, mesmo depois de sucumbirem injustamente à desdita da sorte ou à lei da vida,

guardar o sangue frio perante o disparar da veia jugular ou da espingarda apontada à fronte do combatente irregular,

incensar o gesto ameno e contemporizador que se busca e surge isento no labirinto da carnificina populista,

ousar a abjecção da tirania, admirar a grandeza da abdicação e desejar a amizade das mulheres,

admirar a vista do mar azul frente à terra atapetada de flores de amendoeira em silêncio e paz.
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quinta-feira, dezembro 18

“O espaço está cheio de aves cruéis e perigosas”

Muitos dos nossos intelectuais habituaram-se a viver em ditadura dispondo à mão de uma causa nobre – a mais nobre das causas – pela qual lutar: a liberdade. Os que não viveram os tempos da tirania, ou por não terem dado por ela, ou por não terem idade para ter provado do seu fel, mostram muitas vezes um desejo de regresso ao passado dando como aval um desejo de regresso ao futuro. Cuidado, pois como dizia Camus: “O espaço está cheio de aves cruéis e perigosas”.

terça-feira, dezembro 16

BREVE RESENHA HISTÓRICA DA IMPRENSA DO MES (I)


“Esquerda Socialista” jornal do Movimento de Esquerda Socialista, disponível na Hemeroteca Digital da Câmara Municipal de Lisboa. Pode ser folheado aqui.

Publicado nos Caminhos da Memória

O MES, como todos os partidos nascidos com o 25 de Abril, também criou a sua própria imprensa. Aquando da eclosão do 25 de Abril, somente o PCP dispunha de uma verdadeira imprensa própria, com tradição e enraizamento. Os diversos movimentos de base que haviam de confluir no MES produziam folhas volantes, opúsculos, boletins, mais ou menos ao sabor dos acontecimentos, e conforme as necessidades do momento. Salvo, claro está, as colaborações individuais de muitos dos seus fundadores em publicações marcantes da sociedade portuguesa dos anos 60.

Esta é uma breve resenha da história da imprensa do MES, como sempre, apoiada em documentação que tenho em minha posse e, não somente, em impressões subjectivas.

O grande entusiasta da criação de um jornal do MES foi César de Oliveira mas a própria natureza do Movimento, criado pela confluência de correntes surgidas de lutas sectoriais, tornou a tarefa mais difícil. A “Comissão de Imprensa” foi criada numa reunião da Comissão Politica realizada em 12/6/74 sendo encabeçada por Eduardo Ferro Rodrigues e César de Oliveira mas o Jornal só viria ser publicado em 11 de Setembro.

Ao contrário do que se poderia supor a primeira ideia formalizada para título do jornal do MES não foi “Esquerda Socialista” mas “A Luta Operária” e integra uma proposta subscrita por aquela “Comissão de Imprensa” titulada: “PROPOSTA – JORNAL DO MOVIMENTO DE ESQUERDA SOCIALISTA” – A apresentar à I Assembleia Nacional de Militantes do MES”. Trata-se de uma proposta detalhada que além do título propõe uma periodicidade semanal, o dia da publicação (5ª feira), o formato (tablóide), nº de páginas: 12 e subtítulos: “Órgão do Movimento de Esquerda Socialista” e “ O socialismo em Portugal será obra dos Trabalhadores Portugueses”.

Desta proposta inicial sobreviveu quase tudo, menos o título que havia de ser substituído por “Esquerda Socialista” já que o anterior, conforme consta num documento posterior, “não ganhou o suficiente apoio”. Mas não restam dúvidas que foi César de Oliveira o verdadeiro impulsionador da criação do Jornal do qual foi director interino dos 7 primeiros números da 1ºa fase, que decorreu entre Setembro de 1974 e o I Congressos de Dezembro desse ano, na qual foram publicados 11 números.

O número zero, já com César de Oliveira ao leme, foi publicado em 11 de Setembro de 1974, merecendo a megalómana tiragem de 100.000 exemplares e no seu editorial são apontados os 6 objectivos que devia prosseguir: “a) a informação e a análise das lutas; b) a informação e análise da realidade portuguesa; c) a promoção do debate político entre os militantes do MES; d) a divulgação das posições do MES à escala e regional; e) a divulgação e análise das experiências internacionais e f) contribuir para a elevação do nível de consciência das classes trabalhadoras …”. É claro que a avantajada tiragem também foi devidamente explicada mas não evitou, apesar das vendas estimadas entre 20 e 30.000 exemplares, ter sido, ainda antes da edição do nº1, acumulada uma dívida de 176 contos.

O nº 1, com o subtítulo “Órgão do Movimento de Esquerda Socialista” saiu a 16 de Outubro de 1974, com uma tiragem de 35.000 exemplares, e até ao I Congresso de Dezembro, saíram regularmente, sem falhas, 11 números. Parte da tiragem era então vendida ao preço de 2$50, com 12 páginas e a duas cores. César de Oliveira, em carta publicada no nº 7, demite-se de Director interino, justificando essa demissão por razões pessoais às quais se sobrepunham, certamente, a evolução e o teor do debate e as consequentes divergências que haviam de desembocar na primeira dissidência consumada aquando do I Congresso.

Entre o nº 7 e o nº 11 a Direcção do “Esquerda Socialista” foi assumida por Rogério de Jesus consumando, como se afirma num documento posterior, “a vitória duma “certa concepção obreirista que derrotou o intelectualismo dos “doutores” que vieram a dar origem ao GIS e à actual esquerda do PS”.

Não posso deixar de referir o papel marcante, nesta fase iniciar, entre os esquecidos criadores do movimento o designer Robin Fior, um estrangeiro em Lisboa por altura da eclosão do 25 de Abril. Foi ele que desenhou o símbolo do MES o único, adoptado pelos partidos portugueses, com uma declarada feição feminil; Robin foi também o autor da linha gráfica da primeira série do jornal "Esquerda Socialista" e concebeu um conjunto de cartazes surpreendentes pela sua ousada modernidade. Os materiais gráficos do MES, em particular, os da sua fase inicial, alcançaram uma rara qualidade que bem merecia uma cuidada recolha, estudo e divulgação pública.
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segunda-feira, dezembro 15

VALE A PENA SER DISCRETO?


Vale a pena ser discreto?
Não sei bem se vale a pena.
O melhor é estar quieto
E ter a cara serena

Fernando Pessoa - Quadras


Não é todos os dias que um nosso interlocutor toma para si o risco de tornar pública a apreciação que de nós faz. Caminhe em que sentido caminhar a apreciação do outro faz-nos estranhar a nossa própria face, ouvir diferente a nossa própria voz, por um momento, faz-nos reflectir acerca dos gestos quotidianos de que é feita a nossa vida e, no caso, perguntarmo-nos o que é, afinal, isso de comunicação.

O amigo que me fala do outro lado do Atlântico, e que assina CATATAU, resolveu, hoje, escrever acerca de mim:

Recebi os Primeiros Poemas, livro de Eduardo Graça, cuidadosamente confeccionado, com trabalhos da artista portuguesa Isabel Espinheira.

Nosso amigo Absorto reuniu diversos poemas, boa parte deles escritos no "verão de 1980 quando, na praia dos sonhos que sempre ilumina, encontrei a Guida".

Sobre esse livro e o Graça, esbocei já diversos textos. Diria que o perfil de Eduardo Graça é muito interessante, admirador de Jorge de Sena, Kavafis e Camus (sempre presentes em seus veículos). Ainda, comentaria a respeito de sua paixão pela escrita, e apelaria a um caráter um tanto "abnegado", entrevisto em seu weblog, no sentido positivo de evocar uma ética do escrever, ao mesmo tempo em que a "popularidade" não faz parte das preocupações.

Em jogo, sempre a relação do leitor com o escritor. Porém não no mecanismo simples da mera autoridade. Eduardo não busca (enfim, é o que eu diria dele) um jogo de autor-autoridade, mas talvez um mecanismo mais complexo, no qual duas pessoas enredam-se na comunicação como pessoas - sem mediações "autorais" -, e a escrita se reveza como "meio" e como "fim". A escrita é meio para encontrar outras pessoas. Mas ao mesmo tempo, é fim em si mesma, implica o apreço por uma certa espécie de "arte" ou "culto à arte", tentativa de reportar o leitor apenas para a escrita, independente de questões autorais. No mesmo movimento, ela se reporta ao leitor, mas especialmente ao conteúdo, independente de qualquer leitor (ou talvez melhor se formule assim: para todos os leitores).

Mas no fim, não continuarei impressões que devem apenas a mim. Convido o leitor a tirar suas próprias impressões, visitando o Caderno de Poemas do Eduardo. Na lista, poemas de seus Primeiros, bem como atuais, e vários outros. Com o Absorto, o Caderno compõe um belo instrumento de interlocução, nos dois sentidos acima enumerados: um bom encontro, com bom conteúdo.

Obrigada, digo eu, cá deste lado!
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domingo, dezembro 14

SINDICATOS: "COISA VELHA"



O problema é que se Sócrates pensa que os sindicatos são "coisa velha”, tal como hoje afirmou Carvalho da Silva, Sócrates é bem capaz de ter razão. Em Março, deste ano, denunciei, num artigo de opinião, uma medida inominável que foi aprovada no último Congresso da CGTP com a qual, livrando-se dos dirigentes com passado, a CGTP mostrou, de facto, que é “coisa velha” e, com ela, os sindicatos que representa :
  • Enquanto Carvalho da Silva proferia o seu discurso “pronto-a-vestir” que assenta na perfeição a qualquer governo, seja qual for o estádio de desenvolvimento da sociedade e da economia, a CGTP criou, no âmbito do seu XI Congresso, uma regra que exclui da sua direcção os sindicalistas sexagenários. Estava dado o sinal à sociedade e, em particular, ao mundo laboral, de que a CGTP não é para velhos.
  • Esta não é uma questão menor, desde logo, porque confirma a intenção de eliminar a influência de dirigentes que, segundo todas as informações, defendem pontos de vista divergentes face à tendência política dominante naquela central sindical.
  • Jerónimo de Sousa, nascido em 13 de Abril de 1947, não poderia hoje, pela sua “provecta idade” (60 anos), ser dirigente da CGTP mas pode, por ironia, ser secretário-geral do PCP.
  • Mal se imaginava que a CGTP, confrontada com a implosão do mundo social que esteve na sua génese, enveredasse pelo caminho da “fobia gerontológica”. Quando se sabe que um dos lados mais dramáticos das sociedades do nosso tempo é o estigma da idade, a desvalorização da experiência, a distância entre as aspirações dos cidadãos comuns e os objectivos das grandes organizações, como pode o afastamento dos mais velhos do comando da CGTP arvorar-se em bandeira de renovação e modernidade?
  • A CGTP sabe que, em Portugal, “nos próximos 25 anos o número de idosos poderá mais do que duplicar o número de jovens” (INE) e que o “envelhecimento activo” é um dos grandes desafios do mundo ocidental e uma das primeiras prioridades da UE, no âmbito da “Estratégia de Lisboa”, que tem como objectivo atingir, até 2010, uma taxa de emprego de 50% para as pessoas do grupo etário dos 55 aos 64 anos.
  • A CGTP sabe, melhor do que ninguém, que o envelhecimento demográfico é inexorável colocando cada vez mais pressão sobre a sustentabilidade financeira do modelo de segurança social que ela própria defende. Ou seja a CGTP sabe que os mais velhos pesarão cada vez mais, quer nos indicadores demográficos, quer no financiamento do sistema previdencial, quer nas políticas de “envelhecimento activo”, quer no voto que, em democracia, serve para escolher os dirigentes das organizações e os governos.
  • A CGTP ao colocar fora dos seus órgãos dirigentes de topo os sindicalistas com mais de 60 anos, assim como os aposentados e pré-reformados, com menos de 60 anos, mesmo pondo de lado as teses conspirativas, mostrou ao país o seu desprezo pelas políticas sociais que incorporam a solidariedade inter-geracional.
  • Pois se o princípio de solidariedade inter-geracional que a CGTP assume, dentro de casa, é este, como pode, enquanto organização sindical que se reivindica das velhas bandeiras da luta pela igualdade e pela justiça social, defender os legítimos interesses de todos os trabalhadores e, em particular, os interesses dos reformados e dos aposentados, muitos deles no activo, que representarão, no futuro, um grupo cada vez mais numeroso e influente na sociedade?
  • Escrevi, faz um ano, nestas páginas, uma crónica intitulada “A luta de classes segue dentro de momentos …”, abordando o tema do sindicalismo. Nela me interrogava se não teria “chegado o momento de abrir caminho para a restituição dos sindicatos aos seus associados criando as bases de um sindicalismo moderno que constitua uma alternativa credível ao que muitos designam como o sindicalismo “de via reduzida” hoje dominante no nosso país?”
  • A CGTP-IN mostrou, neste Congresso, além da sua dependência partidária, com a consagração da ideia de que o sindicalismo não é para velhos, que persiste no caminho do sindicalismo de “via reduzida”, abdicando de uma leitura moderna dos valores fundadores do movimento associativo dos trabalhadores, ou seja, a sua vocação internacionalista, dialogante, solidária e inclusiva.

50 ANOS - VITÓRIA OU MORTE?


Mientras se preparan extensos dossiers sobre los cincuenta años de la Revolución Cubana, pocos se preguntan si lo celebrado es el cumpleaños de una criatura viva o sólo el aniversario de algo que ocurrió. Las revoluciones no duran medio siglo, les advierto a los que me preguntan. Terminan por devorarse a sí mismas y excretarse en autoritarismo, control e inmovilidad. Expiran siempre que intentan hacerse eternas. Fallecen por querer mantenerse sin cambiar.

Lo que comenzó aquel primero de enero lleva –según muchos– varios años bajo tierra. La discusión parece estar alrededor de la fecha en que ocurrió el funeral. Para Reinaldo, murió aquel agosto de 1968 cuando nuestro barbado líder aplaudió la entrada de los tanques a Praga. Mi madre vio agonizar la Revolución mientras dictaban la sentencia de muerte al general Arnaldo Ochoa. Marzo del 2003, con sus detenciones y juicios sumarios, fue el estertor final que escucharon algunos empecinados que la creían viva aún.

Yo la conocí cadáver, se los digo. Aquel año 1975 en el que nací, la sovietización había borrado toda la espontaneidad y nada quedaba de la rebeldía que evocaban los mayores. No había ya pelos largos ni euforia popular, sino purgas, doble moral y delación. Los escapularios con los que habían bajado de la montaña estaban ya proscritos y aquellos soldados de la Sierra Maestra, se habían vuelto adictos al poder.

El resto ha sido el prolongado velatorio de lo que pudo ser, los cirios encendidos de una ilusión que arrastró a tantos. Este enero la difunta cumple un nuevo aniversario, habrá flores, vivas y canciones, pero nada logrará sacarla del panteón, hacerla volver a la vida. Déjenla descansar en paz y comencemos pronto un nuevo ciclo: más breve, menos altisonante, más libre. [DAQUI]
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sábado, dezembro 13

NAMORAR À JANELA


A propósito do namoro entre intelectuais da “esquerda da esquerda”, em busca do tempo perdido, rebuscando nos escombros do MES, passam-me por debaixo dos olhos textos antigos que, apesar de tudo, me tranquilizam. Lembrei-me destas frases antigas de Camus:

"Regra lógica. O singular tem valor de universal.
- ilógica: o trágico é contraditório.
- prática: um homem inteligente em certo plano pode ser um imbecil noutros."

Albert Camus - Caderno nº 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937)
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TANTO MAR?

Capa do livro "Tanto Mar?", da autoria de Francisco Seixas da Costa, Embaixador de Portugal no Brasil, uma edição da Thesaurus Editora, de Brasília, que saiu do prelo no dia 8 de Dezembro. O livro coincide com as despedidas de Seixas da Costa do Brasil de partida para Paris. Boa sorte!
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quinta-feira, dezembro 11

CALÍGULA

Não chegou a tempo esta notícia: no dia 7 de Dezembro às 21.45, vamos apresentar em co-produção com o Grito a peça Calígula, de Albert Camus, inserida no Festival de Teatro do Seixal. É um acontecimento raro a representação do teatro de Camus em Portugal. A mesma peça foi representada, em 2001, pela Companhia de Teatro do Algarve.

Desta vez aconteceu na Sociedade Musical 5 de Outubro - Lg. D. Paio Peres Correia - ALDEIA DE PAIO PIRES - tel. 212 219 153 – no âmbito do FESTIVAL DE TEATRO DO SEIXAL QUE VIVA!
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CINISMO EM ESTADO PURO

Uma das primeiras medidas que o Presidente Obama tomará, adivinho que no próprio dia da sua tomada de posse (20 de Janeiro), ou poucos dias passados, será acerca de Guantánamo. O que fôr soará. O que pode causar perplexidade é a reclamação da Dra. Manuela Ferreira Leite por não ter sido informada da posição do governo português mostrando disponibilidade para acolher prisioneiros detidos naquela base/prisão. O que disse o ministro dos Negócios Estrangeiros Português no dia da celebração 60º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos? : "chegou a altura de a UE responder à chamada para encerrar o centro de detenção de Guantánamo". "Por uma questão de princípio e de coerência, devemos dar um sinal claro da nossa vontade de ajudar o governo dos EUA a resolver o problema, nomeadamente através do acolhimento dos detidos. No que respeita ao governo português, estaremos disponíveis para participar nesse esforço". A Dra. Manuela Ferreira Leite precisa de uma formalidade diplomática para exprimir a sua opinião acerca de uma tal questão?
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Aqui fica mais este incentivo à Dra. Manuela Ferreira Leite
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quarta-feira, dezembro 10

A LIBERDADE ESTÁ A PASSAR POR AQUI

Uma singela homenagem aos lutadores pela liberdade em Cuba em contramão com uma parte da nossa “esquerda da esquerda” que conquistada a liberdade já se esqueceu, ou ainda não lhe chegou ao conhecimento, dos seus riscos, dores e verdadeiros heróis.

O CALENDÁRIO

A questão do calendário eleitoral do próximo ano, levantou polémica a partir de uma declaração de Santana Lopes, que ia no sentido de atribuir ao PS a condução de uma estratégia destinada a antecipar as eleições legislativas. Acerca do momentoso caso a posição do PS – no sentido de manter o calendário - consta nesta notícia de 5 Março deste ano. Como se pode verificar o tema não é novo. É claro que calendários leva-os o vento … mas se a ideia for prestigiar a democracia mais vale, salvo situação de força maior, manter o calendário e tratar, a sério, de outros assuntos.

segunda-feira, dezembro 8

POR MARES NUNCA ANTES NAVEGADOS


Estou a imaginar uma equipa de trabalho cuja missão é construir um petroleiro, um automóvel, um lustre, o que for, um produto mais ou menos complexo e exigente da concepção ao produto final. Nela trabalham pessoas utilizando os mais variados utensílios e técnicas, cronogramas e medidas, saberes e vontades. Existirão hierarquias, desde a administração ao pessoal operário, e dentro de cada departamento outras hierarquias e dentro de cada unidade mais pequena, cada vez mais especializada, existirão competências, mensuráveis por um processo de avaliação.

Se um membro de uma equipa de trabalho falhar no desempenho da sua tarefa pode pôr em causa o objectivo pré definido causando um prejuízo irreversível ao projecto e pondo em causa o seu posto de trabalho e o de todos os outros colaboradores da empresa ou instituição, ou mesmo, a sua sobrevivência.

Todas as equipas, e cada um dos seus membros, podem falhar mas têm que existir processos para identificar a origem do falhanço, apurar responsabilidades e encontrar o caminho para a correcção dos erros. A isto se chama, em qualquer modelo de organização, acompanhar, controlar e avaliar. Pressupondo, está bem de ver, que estão definidos objectivos e que os mesmos são partilhados por todos os membros da organização independentemente do seu lugar na hierarquia e das inevitáveis tensões da concorrência interna. O estaleiro para se manter no mercado tem que construir x unidades do produto por unidade de tempo.

Quando pensamos na escola pública como projecto podemos, igualmente, encontrar estruturas semelhantes, os mesmos problemas e dificuldades, apesar de ser uma realidade eminentemente social desde a concepção do modelo de gestão ao produto final. Estão lá os ingredientes todos mas, no caso, o dono do projecto é o estado. Entre a multidão de problemas com que se defronta a escola pública enumero seis.

O problema nº 1 da escola pública, por mais fervor que ponhamos na sua defesa, é o facto de estar fora do mercado, por mais desprestigiado que esteja o mercado (é a velha questão da liberdade de escolha, paradoxalmente, mesmo no seio da escola pública.);

O problema nº 2 é a escola pública, por razões históricas, ter crescido desmesuradamente, nos últimos 35 anos, obrigando o patrão (estado) a contratar trabalhadores sem ter tido a preocupação de os escolher, de forma cuidada, tomando como critério principal a competência (onde se inscreve a questão do recrutamento e avaliação do desempenho dos professores);

O problema nº 3 é o do atraso na criação de cursos profissionais nas escolas públicas, por responsabilidade dos sucessivos governos, segmentando a oferta, a meu gosto, de forma radical, pelo menos a partir do início do secundário (a partir do 9º ano);

O problema nº 4 é o da modernização e racionalização, em partilha com as autarquias, da rede de escolas públicas, criando menos escolas, mas melhores escolas (é a questão das instalações e equipamentos);

O problema nº 5 é o da chamada gestão democrática das escolas, ou seja, a velha questão de quem manda e, não tenhamos medo das palavras, ousando integrar no modelo democrático a figura de gestor que, podendo, ou não, ser professor, não pode ficar refém dos interesses particulares de qualquer corporação;

O problema nº6 é resultante do atraso na aplicação de todas as medidas correlacionadas com os pontos anteriores (e muitos outros) que conduziu o governo, em funções, face a uma situação originada por sucessivas políticas contraditórias, à adopção de uma política voluntarista de reformas em cascata destinadas a produzir resultados a médio, e longo prazo, mas que é avaliada, face ao calendário eleitoral, a curto prazo.

Pois se todos os partidos, há tanto tempo, proclamam a educação, em geral, como a prioridade das prioridades ninguém se deve espantar com as discussões, disputas e lutas a propósito de medidas que se destinam, de verdade, a promover a reforma da educação. Não é, pois, de admirar que a reforma da escola pública tenha sido tomada, pelo governo, como uma verdadeira prioridade política.

O que poderá causar admiração é a persistência do governo – em particular da ministra em funções - em levar avante a sua política, em véspera de eleições, quando sempre poderia, de forma habilidosa, fazer marcha atrás, tornando tudo ao princípio, ou seja, desistindo. Se assim não acontecer, salvo nos pormenores e ajustamentos que não sacrifiquem o essencial, nem a vontade negocial, o mais que se poderá dizer é que o governo se bate por cumprir com o seu programa.

Em última instância quem considere que votou no programa errado sempre poderá, em próximas eleições, corrigir a mão. Mais vale serem os cidadãos eleitores, através do voto, em eleições, decididas por sufrágio universal, directo e secreto, a escolher os governos do que a rua a defenestrá-los. É um caso prático de demonstração da diferença entre democracia e tirania.
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domingo, dezembro 7

QUE GUERRA É ESSA?

Frank Ward: Crossing Siberia

Há uma “literatura de opinião” e uma propaganda imensas acerca deste assunto e ontem esta frase esteve, todo o dia, fazendo manchete nos jornais on-line portugueses. O que me faz voltar ao assunto para perguntar: nos últimos tempos tem havido paz entre os sindicatos de professores e o governo? O que pretende o sindicalismo revolucionário ao desembainhar a linguagem da guerra? Conquistar a simpatia da opinião pública numa época de dificuldades económicas para a maioria das famílias e das empresas? Ameaçar com o encerramento das escolas aumentando as dificuldades do quotidiano das famílias ameaçando-as com o risco de ficarem sem saber o que fazer com o quotidiano dos seus filhos? Estão os professores porventura sob ameaça de perder o emprego como uma parte dessas famílias que ameaçam com as suas ameaças? Foi-lhes feita pelo governo alguma proposta mais gravosa que já não esteja em vigor na administração pública? É que está em vigor na administração pública um sistema de avaliação do desempenho. Talvez a maioria dos cidadãos não saibam mas, com seus defeitos, suas virtudes e perversidades está a vigorar, e a ser aplicado, à esmagadora maioria dos funcionários públicos, incluindo dirigentes, um sistema de avaliação de desempenho. É preciso que os professores sejam capazes de entender que as razões da sua luta são cada vez mais difíceis de entender. Não vale a pena abrir uma guerra que os dirigentes dos sindicatos de professores têm por obrigação de saber que já há muito está aberta. Se os dirigentes sindicais acham que a podem ganhar, que guerra é essa? E os professores sabem qual é a guerra dos dirigentes sindicais?
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sexta-feira, dezembro 5

ESTE NÃO É O TEMPO DOS TÍBIOS

Juro que estou longe de ser taradinho por sondagens. Mas com o tempo tenho-me rendido a elas ou, ao menos, a dar-lhes algum crédito. Ainda mais quanto permitem vislumbrar tendências de evolução coerente ao longo do tempo. Ora para ir directo ao assunto o que me parece é que todas as últimas sondagens mostram que o PS capitaliza com a crise e com a contestação às suas medidas anti-crise. A crise joga a favor de Sócrates permitindo-lhe apresentar-se como um político de “pulso” num país que, por tradição, gosta de políticos “de pulso”. A oposição do PSD é frágil pelo menos por duas razões: Manuela Ferreira Leite não tem perfil para criar uma expectativa de vitória eleitoral e, ao contrário de todas as aparências, é prejudicada pelo facto de a Presidência da República estar ocupada por Cavaco. A dupla social-democrata não multiplica as simpatias pelo PSD, antes as subtrai, e o PS de Sócrates ocupa, de forma cada vez mais consistente, o espaço político eleitoral do PSD. É uma estratégia inteligente concordemos ou não com ela. O reverso da medalha é o crescimento da “esquerda da esquerda” mas na hora da verdade, salvo qualquer hecatombe, se a tradição eleitoral portuguesa se mantiver, a maioria dos portugueses votará em quem lhes dê mais garantias de estabilidade política e de capacidade de resposta à crise. O que poderá evitar a vitória eleitoral do PS nas próximas eleições legislativas? : o afundamento da economia, muito para além das previsões actuais; um agravamento radical das relações institucionais entre Cavaco e Sócrates; o afundamento da UE com a queda de Durão Barroso ou um qualquer escândalo imprevisível. Mas falta muito pouco tempo para que todos os factores negativos, com incidência directa na credibilidade de Sócrates, se possam conjugar de forma letal para o PS. As oposições, ao contrário do que parece, estão na defensiva porque têm medo do poder. O poder, a nível de governo, queima os tíbios* e estes jamais confessarão, em público, a sua tibieza.

*Que é fraco, ténue, débil = FROUXO (Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa)
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MES - Resolução da 8ª reunião plenária do Comité Central


Nos onze meses posteriores ao II Congresso do MES, desde 15 de Fevereiro de 1976 até ao final desse ano, decorreram três batalhas políticas nas quais o MES foi estrondosamente derrotado: as eleições legislativas de Abril de 1976, as eleições presidenciais, nas quais apoiámos a candidatura de Otelo e, finalmente, as eleições autárquicas de Dezembro.

Apesar da retórica revolucionária, ainda presente nas conclusões do II Congresso, que se destinavam a sustentar, persistindo na «linha revolucionária», o empenhamento nas batalhas eleitorais de 1976, o desastre político que os seus resultados representaram impuseram o início de um volte face, em particular, no plano programático que começou a desenhar-se com a Resolução adoptada na 8ª Reunião Plenária da Comité Central.

Esta reunião realizou-se nos dias 15 e 16 de Dezembro de 1976 e a Resolução aí aprovada ostenta, como epígrafe, uma citação de Lenin que, no dia do encerramento do XXVIII Congresso do PCP, em que escrevo, se revela particularmente interessante:

«Ocorre frequentemente que quando se dá uma reviravolta brusca na história, até os Partidos mais avançados deixam passar um tempo mais ou menos longo, antes de se orientarem na nova situação criada, repetindo palavras de ordem que, se ontem eram acertadas, hoje perderam toda a razão de ser tão “subitamente” como «súbita» é a brusca viragem da história.»

O teor da frase escolhida para epígrafe da 8ª Resolução, assim como o seu autor, foram uma espécie de «almofada» que ajudaria os mais recalcitrantes «revolucionários» do MES a aceitar a democracia parlamentar, nunca antes reconhecida, mas que os acontecimentos do 25 de Novembro de 1975 haviam tornado numa realidade irreversível.

Na verdade a questão política central que se colocava ao MES, desde há muito, mas nunca assumida, era reconhecer a democracia parlamentar como o regime político consagrado pelos portugueses nas eleições, livres e democráticas, para a Assembleia Constituinte de 25 de Abril de 1975. Foi esse mesmo reconhecimento tardio que esta Resolução, a muito custo, consagrou.

Lembro-me de ter sido eu próprio que redigiu o seu segundo parágrafo, aliás sublinhado, a bold, no qual se pode ler: «É necessário tomar como certo que na actual fase a democracia-burguesa vai prevalecer no nosso País sobre qualquer outro tipo de regime».

Poucos acreditavam que tal posição pudesse ser aprovada pelo Comité Central mas, na verdade, acabou por sê-lo, ao mesmo tempo, que uma outra posição que, à época, era crucial para a clarificação do posicionamento do MES e que, em conjunto com aquela, abria caminho para uma aproximação política aos partidos do campo democrático, em particular o PS.

Esta segunda posição é resumida na seguinte frase também sublinhada no corpo daquela Resolução: «O CC considera que a actual correlação de forças no terreno militar não favorece nem o golpismo militar de direita nem dá viabilidade a qualquer “solução militar de esquerda”.»

As orientações desta 8ª Resolução, aprovadas em Dezembro de 1976 e publicadas em Janeiro de 1977, haviam de originar uma intensa disputa interna durante os anos seguintes, atravessando o III Congresso e desembocando no IV Congresso do MES, realizado em 8 de Julho de 1979, que abriria, de uma vez por todas, as portas ao acto original da sua extinção que haveria de ocorrer a 7 de Novembro de 1981. O mais que me apetece dizer, de cada vez que pego em qualquer ponta da história do MES é que, tal como na vida, também na política, o tempo tem um valor incalculável.
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quinta-feira, dezembro 4

CAPRICHOS

Um exemplo prático do modelo das mais amplas liberdades que os comunistas portugueses seriam capazes de nos oferecer. [Aqui e também aqui.]
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PROFs: UMA RADIOGRAFIA


Ei-los de novo. Em frente, marche, pois marcha que se farta Mário Nogueira, a mão cheia de nada e a outra de coisa alguma. Repete-se, não se enxerga e vai de mal a pior aos olhos de quem desconfia deste perigoso unanimismo. Os sinais estão todos à vista: Nogueira não quer isto, não quer aquilo, não quer este modelo, não se sabe que modelo quer, torce o nariz a tudo o que lhe põem no prato como adolescente enfastiado, a esticar a corda. Não, não se pode respeitar este indivíduo, ar de faia, um pintas todo pintas e esta é, talvez, a única característica digna de registo, a graça que ele tem. Porque quanto ao que sobra, estamos conversados: é o vazio. Convenhamos que a luta dos professores não é outra coisa que resistência natural, desastrosa resistência feita de nada, uma lástima. Basta-me passar os olhos pelo blog do professor Guinote para perceber o que anda no ar. Apoucado, o simbólico professor Guinote escreve que se desunha, posta que posta e torna a postar, passa a vida naquilo, às voltas com a não existência, panfletos, a tomada da Bastilha em forma de histórias de vida, lamentosas, chorosas, «prenhes» de amor pelo ensino, pelos alunos, novelas que mostram o que interessa mostrar.Na 5 de Outubro, a inépcia política começou no dia em que se imaginou ser possível entregar aos professores, entre pares, um regime de avaliação de desempenho, observado como deve ser observado, avaliado, tal e qual e qual é o problema? É isto e mais aquilo, os titulares, os pares e a palavrinha mágica: colega. Todos colegas, todos iguais a subir na carreira sem mais nem menos, sem distinção ou «castas» como ouvi a uma professora que aqueles professores aplaudiram. A isto se resume a «luta», a resistência, o ovo da pobre serpente. Fui clara?Tudo deveria ter sido oferecido com outro papel de embrulho menos austero e em certa medida, passe o trocadilho, menos embrulhado. Mais tempo, mais tento, menos pressa. Que pena! Por mim, estes professores «humilhados» mereciam, mereciam? Estão a pedir um Ofsted que lhes endireite a coluna, que os faça perceber que se deve ter cuidado com o que se deseja, que os obrigue a sair dessa cozinha provinciana onde toda a estupidez se concentra e coze em fogo lento.

E agora volto a mim de onde saio quando me apetece para voltar quando preciso, no tempo que preciso.
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quarta-feira, dezembro 3

PS - MESMO ASSIM SOBE

(Clicar para ampliar)

Como sempre digo as sondagens valem o que valem. Esta é fresquinha e, para não variar, dá o PS a subir (40,1), o PSD a descer (26,4), o BE a subir (13,1), o PCP e PP estabilizados. Claro que há mais detalhes mas o essencial está no afastamento do PS face ao PSD e na ascensão do BE. Faltam dez meses para as eleições legislativas.
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TALVEZ TRABALHAR!

Frank Ward: Crossing Siberia

Desde ontem que passei o tempo a cogitar para que serve uma greve com uma adesão pré anunciada de quase 100%? Para que serve uma greve geral de professores do ensino básico e secundário com uma adesão de quase 100%? (segundo fonte sindical). Para protestar contra o modelo de avaliação de desempenho dos professores que já é aplicado na generalidade da administração pública? Para derrubar a ministra da educação a que se sucederá outra (ou outro) ministro da educação? Pensam que outro (ou outra) ministro da educação encetaria um recuo nas políticas que têm sido seguidas? Talvez dar uma vista de olhos pelo programa do governo! (a partir da página 42). Para derrubar o governo? Ao qual se sucederá outro governo? Qual governo? Com que programa? Porque razão foi embora o homem que coordenava o programa de governo alternativo do PSD de Manuela Ferreira Leite? Talvez a “esquerda da esquerda” se queira habilitar a fazer uma experiência de governo revolucionário. Só quando os portugueses quiserem? É esperar! O Outono é propício aos nostálgicos. O dia esteve chuvoso e promissor no campo das experiências de engenharia financeira e social. Para quem tem capacidade para fazer greves, ou escrevinhar acerca das mesmas, a vida não está mal de todo. Assim também o estado tenha capacidade financeira para pagar todas as contas. Hoje, amanhã e depois! Aqui é que a porca torce o rabo. Talvez trabalhar!
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terça-feira, dezembro 2

CRISTIANO RONALDO

CRISTIANO RONALDO

O PORTUGUÊS QUE OCUPA HOJE, EM TODO O MUNDO, AS PRIMEIRAS PÁGINAS.

HÁ QUEM NÃO VALORIZE O FEITO MAS É UMA NOTÍCIA PREFERÍVEL A ESSAOUTRA, EVITADA A TEMPO, DE UM BANCO, PEQUENO EMBORA, MAS FALIDO. É A VIDA!

segunda-feira, dezembro 1

PCP: FICO MAIS DESCANSADO

Erich Lessing - Poronin near Zakopane.

Ora aqui está um discurso político claro por parte do PCP. Não haverá alianças políticas do PCP com quaisquer outras forças. Para ser coerente o PCP concorrerá sozinho em todas as eleições: europeias, legislativas e autárquicas. Um dia quando o povo português, em eleições livres, através do voto universal e secreto, atribuir ao PCP a maioria dos votos ele aceitará ser poder. Ficam assim o PS e o BE (e os restantes partidos) sabendo, de fonte segura, que não vale a pena sonharem com a colaboração política do PCP para quaisquer acordos que digam respeito a questões de poder. Ora como a politica não é mais do que a questão do poder o PCP acaba de decretar o seu isolamento político. O PCP regressa, assim, aos tempos dos sonhos revolucionários que têm como epicentro do seu programa a destruição do capitalismo e a tomada do poder pela vanguarda da classe operária que o PCP encarnaria. Um partido com uma direcção de funcionários! É o regresso a um futuro que nunca se transformará em realidade. Fico mais descansado!
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MULHERES

Fotografia de família – a minha avó paterna

Ressonâncias de outros tempos com gente povoando os caminhos e as casas habitadas em comum com suas regras horários lugares marcados uma luta pela sobrevivência é assim que me soam as ressonâncias de outros tempos. Nela as mulheres ocupam no meu imaginário o centro do mundo. O ponto cardeal em torno do qual volteiam todos os devaneios. Desfilam pela minha memória os seus rostos, vozes e cheiros. Na família tradicional que era (e é) a minha, as mulheres parece que nunca desertam dos seus deveres, nunca morrem, permanecem no centro da vida, lugar da vida, origem da vida. Se tivesse sido iluminado pelo dom de uma qualquer arte dedicar-lhes-ia um monumento, uma obra-prima, um prolongado aplauso.

[24/2/2008]
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domingo, novembro 30

La libre opinión


A conjugação da oratória de Odete Santos, clamando contra a falta de liberdade, no exercício pleno da liberdade, com o “regresso a Marx” proclamado pelo representante do PC Cubano, no Congresso do PCP, leva-me e citar Yoani Sanchez en Generación Y referindo-se à questão da liberdade de opinião em Cuba:
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AS FLORES MORTAS DA SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL

Henri Cartier-Bresson - SOVIET UNION. Moscow. 1954.

O Projecto de Teses do XVIII Congresso do PCP é uma peça memorável de arqueologia ideológica. É um arquivo morto e, como tal, não susceptível de discussão mas tão-somente de registo. No plano internacional o ponto 1.3.14. tem sido sobejamente citado. Cada Partido é livre manifestar as suas simpatias e, no “quadro internacional”, o PCP explicita, de forma clara, o que entende como “países que definem como orientação e objectivo a construção duma sociedade socialista – Cuba, China, Vietname, Laos e R.D.P. da Coreia. (…)”

Mas o ponto 1.3.8., menos citado, “fia mais fino”. Não só pela afirmação do PCP, no contexto da “luta contra o imperialismo”, apoiando lutas nas quais tomam parte activa movimentos terroristas, sob a capa da “estabilidade nas respectivas regiões”, sem qualquer demarcação face aos “objectivos e formas de luta” desses movimentos, como pelo parágrafo final no qual rejeita, pura e simplesmente, a integração europeia.

"1.3.8. A luta contra o imperialismo conheceu um desenvolvimento particularmente importante nos últimos anos. A resistência à política de ingerência, agressão e guerra, em particular dos EUA, foi um traço marcante da luta dos povos em defesa da sua soberania e do direito inalienável a decidir dos seus destinos. No Iraque, no Afeganistão, na Palestina, no Líbano, em Cuba e na Venezuela, assim como na Síria, no Irão, na R.D.P. da Coreia, nos Balcãs, na Colômbia ou em Chipre, prosseguem batalhas decisivas para o futuro desses povos e para a estabilidade nas respectivas regiões que merecem a activa solidariedade dos comunistas portugueses. Nelas intervêm forças muito distintas na sua origem, objectivos e formas de luta, mas dispondo de real apoio de massas e convergindo na rejeição de arrogantes e humilhantes imposições externas e na defesa da cultura e soberania nacionais. A luta contra a integração capitalista europeia é parte integrante deste vasto movimento."

sábado, novembro 29

O TEMPO NÃO VOLTA PARA TRÁS

Henri Cartier-Bresson - SOVIET UNION. Russia. Leningrad. 1973.

Por todo o mundo sopra um vento gelado na economia e nas finanças com dramáticas incidências na via quotidiana de milhões de cidadãos. Portugal não escapa à crise sem fim anunciado. Fecham fábricas ou reduzem-se os dias de trabalho, a produção contrai-se por quebra da procura, a deflação e o desemprego ameaçam tornar-se um flagelo. Para falar somente de Portugal é extraordinário que as classes com rendimentos mais baixos, seja qual for a sua origem, se mantenham na expectativa, aguentem o embate da crise, alheias aos apelos dos sindicatos. Nas fábricas buscam-se acordos para aguentar a tormenta. Quem se manifesta são funcionários públicos aos quais o estado paga religiosamente, pouco ou muito, por volta do dia 23 de cada mês. Não sei se dá para perceber que quem paga os ordenados aos manifestantes são aqueles que mais sofrem com a crise. Os grandes sacrificados pela crise que não esperem, do Congresso do PCP, palavras inspiradoras que venham ao encontro da concretização dos seus desejos e paixões.

quinta-feira, novembro 27

É PRECISO QUE ALGO ACONTEÇA ...

Gary Auerbach

A propósito do que Marina Costa Lobo escreveu em A Democracia é uma jangada apeteceu-me ir buscar uma frase que pode ter muitas leituras. E fui tentado a fazer o exercício de a aplicar ao “caso” Dias Loureiro. A solução para o “caso” Dias Loureiro parece simples. Mas, ao mesmo tempo, parece que não é! Quanto mais tempo o "caso" Dias Loureiro passar sem solução mais vai ter que arregaçar as calças o “supremo magistrado da nação”. E a jangada da democracia balouça! Balouça! Balouça!

É preciso que algo aconteça, eis a explicação da maior parte dos compromissos humanos. É preciso que algo aconteça, mesmo a servidão sem amor, mesmo a guerra ou a morte. Vivam, pois, os enterros!
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quarta-feira, novembro 26

BUSQUEMOS O EQUILÍBRIO PARA NÃO PERDERMOS A RAZÃO

Um líder marxista* disse, um dia, qualquer coisa como: “devemos evitar os sacrifícios inúteis”. Esse lema pode aplicar-se, nos nossos dias, na perfeição, à salvação do próprio marxismo. Não enquanto filosofia, repleta de ensinamentos válidos, mas enquanto doutrina politica. O marxismo, e os seus subprodutos, estão mortos pelo menos para aqueles que prezam, acima de qualquer outro valor, a liberdade. O que poderá suscitar espanto, para os que se interessam, e aderem às causas dos partidos que se reclamam do marxismo como o PCP. Quando utilizei a fórmula da “esperança morta” aplicada aos crentes assumidos, ou não, nos “amanhãs que cantam” não estava, ao contrário do que afirma o meu amigo Joaquim, a subestimar a crítica, qualquer que ela seja, seja qual for o seu destinatário. O problema é que os partidos que corporizam, no terreno da política, à esquerda da esquerda, a critica à política do PS, e ao seu governo, não a admitem no seu próprio seio. Não são, consabidamente, praticantes dos princípios que advogam para os outros. O PCP e o BE, cada um com a sua história, e seus métodos próprios, rejeitam a verdadeira discordância, eliminando os seus críticos como se elimina uma nódoa mesmo que seja à custa da integridade do pano. A concepção totalitária que explora a “fraqueza” da democracia politica, em favor da tirania, como a história ensina, não é monopólio da direita. Os exemplos domésticos, à esquerda, não faltam. Em época de crise todos os cuidados são poucos na apreciação dos méritos da política do “quero, posso e mando”, quer dos críticos radicais dessa política. O que eu digo é: busquemos o equilíbrio para não perdermos a razão.

* Talvez Antonio Gramsci, fundador do partido Comunista Italiano, que a Igreja Católica, por este dias, revelou ter-se convertido no leito de morte. Porque não?
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terça-feira, novembro 25

DINHEIRO SUJO


Revolvem-se-me as tripas com o desprezo votado ao carácter, verticalidade e hombridade dos homens públicos. Nada que seja fenómeno novo mas tomou o lugar cativo em tudo o que cheira a dinheiro e comunicação que atribui notoriedade. Não sei se verei o dia em que se inverta este estado de coisas ou, ao menos, se atenue o desdém face à parte fraca da sociedade. Não sei se algum dia, na história do homem em sociedade, se atingiu um tão alto grau de desprezo pelos valores da solidariedade individual. Todas as ideias solidárias morrem por não ser possível sequer tentar levantar um dedo sem que por detrás dele se não vislumbre a sombra do interesse material. Ardemos às mãos do império do dinheiro sujo e das leis que permitem esconder e disfarçar os mandantes dos crimes mais hediondos contra a humanidade. E não se sabe da missa a metade.

[2/5/2008]
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segunda-feira, novembro 24

UMA ESPERANÇA MORTA

O problema dos nossos intelectuais críticos da governação, qualquer que seja, é não serem capazes de entender que a governação não se situa no terreno do ideal absoluto mas na capacidade de atender ao relativo possível. O problema dos nossos intelectuais de esquerda críticos da governação de (centro) esquerda, é não entenderem que a esquerda, à esquerda, fundada nos puros valores, herdados da revolução francesa, já se finou. [Ver um caso em chaga viva!] O problema da esquerda, face a face com o poder, é recorrente: compromisso ou radicalidade? A insistência na radicalidade, herdeira dos vários esquerdismos, é a via mais segura para entregar, numa bandeja de prata, o poder à direita. A esquerda da esquerda não acredita na democracia politica como um regime político virtuoso mas tão-somente como um regime transitório, a derrubar por dentro, em favor de uma democracia popular, de um poder popular, ou seja, o regresso a uma discussão estafada que desemboca numa esperança morta. Para pior já basta assim …
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