Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
domingo, novembro 11
sexta-feira, novembro 9
quinta-feira, novembro 8
quarta-feira, novembro 7
ALBERT CAMUS - 99º ANIVERSÁRIO
Havia uma porta embutida na parte argamassa na qual se podia
ler: “Cantina agrícola Mme. Jacques.” Filtrava-se luz pela frincha inferior. O
homem imobilizou o cavalo junto dela e, sem descer, bateu. Acto contínuo, uma
voz sonora e decidida inquiriu: “Quem é?” “Sou o novo gerente da propriedade do
Santo Apóstolo. A minha mulher vai dar à luz. Preciso de ajuda.” Ninguém
respondeu. Passado um momento, foram levantados ferrolhos e a porta
entreabriu-se. Descortinou-se a cabeça negra e ondulada de uma europeia de
faces cheias e nariz um pouco abaulado acima dos lábios grossos. “Chamo-me
Henri Carmery. Pode ir junto de minha mulher? Tenho de chamar o médico.” (…) O
médico olhou-o com curiosidade. “Não tenha medo, que tudo há-de correr bem.”
Cormery volveu para ele os olhos claros, fitou-o calmamente e declarou com uma
ponta de cordialidade: “Não tenho medo. Estou habituado aos golpes duros do
destino.” (…) A chuva tombava com mais intensidade no telhado antigo e velho. o
médico procedeu a um exame sob os cobertores. Em seguida, endireitou-se e
pareceu sacudir algo na sua frente. Soou um pequeno grito. “É um rapaz”,
anunciou. “E bem constituído.” “Começa bem”, disse a dona da cantina. “Com uma
mudança de casa.” A mulher árabe riu no canto e bateu as palmas duas vezes.
Albert Camus, in O Primeiro Homem
segunda-feira, novembro 5
ALBERT CAMUS - NAS VÉSPERAS DO 99º ANIVERSÁRIO DO SEU NASCIMENTO
“São raros aqueles que continuam a ser pródigos depois de
terem adquirido os seus meios. Esses são os reis da vida, que se devem saudar
com discrição.”
(…)
“ – a miséria é uma fortaleza sem ponte levadiça.”
(…)
“De resto, como fazer compreender que uma criança pobre pode
por vezes ter vergonha sem nunca invejar coisa alguma?”
(…)
“E, à noite, deitado, morto de cansaço, no silêncio do
quarto onde a mãe dormia levemente, ainda ouvia uivar dentro dele o tumulto e
furor do vento que amaria ao longo de toda a vida.”
(…)
“ … a criança morrera naquele adolescente magro e vigoroso,
de cabelos revoltos e olhar arrebatado, que trabalhara todo o Verão para levar um
salário para casa e acabava de ser nomeado guarda-redes titular da equipa do
liceu e, três dias antes, saboreara pela primeira vez, quase desfalecido, o
contacto com a boca de uma jovem.”
Albert Camus, in O Primeiro Homem
[Depois de amanhã, 7 de novembro, faz 99 anos que nasceu Camus. Está prestes a iniciar-se o ano do centenário do seu nascimento. Espero que, em Portugal, alguma coisa aconteça. A ver. ]
domingo, novembro 4
A MINHA TURMA DO 1º ANO
Tenho na minha frente a
fotografia da turma que frequentei nesse 1º ano em cujo verso a minha mãe
escreveu: "Recordação do 1º ano – Faro – 10-4-1959".
Naquela fotografia dos
professores que ilustra uma crónica de Lina Vedes pareceu-me, a
um primeiro olhar, reconhecer onze (11) professoras e professores que me
calharam em sorte. O tempo é traiçoeiro e a legenda, colocada posteriormente,
permitiu-me identificar mais professores do que aqueles 11 que, no primeiro
relance, tinha reconhecido.
O envio da fotografia da minha
turma do 1º ano, adornada com uma surpreendente legenda, que mão cuidada se deu
ao trabalho de fixar, permitiu-me mergulhar na memória de um convívio distante e
reconhecer muitos rostos que nunca mais vi.
Na verdade entrei para o 1º ano
do Liceu de Faro no ano lectivo de 1958/59. Um ano recheado de muitos, e
significativos, acontecimentos políticos dos quais destaco, por curiosidade, as
eleições presidenciais, às quais se candidatou Humberto Delgado (1958), e a
chamada “Revolta da Sé” (1959).
Hoje sou capaz de associar o meu
quotidiano juvenil, as ambiências familiares e escolares, com os acontecimentos
de um tempo político, do qual guardo viva recordação, e que marcam, com nitidez,
os antecedentes de um percurso pessoal que só a memória pode revelar de forma
tão coerente e fiel.
Vejo os meus professores de
liceu, entre os finais da década de 50 e inícios de 60, como uma mistura de
conservadorismo pardo e de progressismo ilustrado encontrando-se gente de ambos
os campos entre os "novos" e os "velhos" professores. A certa altura, no início
dos anos 60, no Liceu de Faro, esquecendo os pardos, juntaram-se, por exemplo,
no campo do progressismo ilustrado, os “velhos” Neves Júnior e Joaquim
Magalhães, com os “novos” Gastão Cruz e Luísa Neto Jorge.
Já entre os alunos, além das
marcas próprias da juventude de todas as épocas, é mais difícil vislumbrar, ou
adivinhar, o resultado, nas suas vidas, da mistura das influências de mestres e
funcionários, ilustrados ou pardos. O que é certo é que os jovens estudantes
retratados ostentam uma pose compenetrada e, não lhes sendo permitido o convívio
com as meninas, era-lhes imposta a “autoridade professoral” através de duas
mulheres/professoras.
A fotografia foi tirada no
Ginásio, onde todas eram tiradas, e no meio do grupo lá estão a Prof. ª Isabel
Madruga e a Prof. ª Maria José Santos, a primeira das quais, por boas razões,
nunca esquecerei. No Natal de 2007 ofereci uma cópia desta fotografia ao meu
amigo Bexiga (António) e era bem capaz de mandar fazer tantas cópias quantos os
personagens retratados, fazendo renascer em cada um de nós a memória de um tempo
feliz.
[Republicação.]
segunda-feira, outubro 29
“Homenagem ao Papagaio Verde e outros contos de Jorge de Sena”
(...)
“Um
dia, quando, arquejante da rua e das escadas, cheguei à varanda, o Papagaio
Verde estava inerte no canto da gaiola, com o bico pousado no chão. Peguei-lhe,
aspergi-o com água, sacudi-o, com a mão auscultei-o longamente. Não morrera
ainda. Levei-o para a sala, deitei-o nas almofadas, puxei a cadeira para junto
do piano, e, enquanto com os dedos da mão esquerda lhe apertava a pata, toquei
só com a direita a música de que ele gostava mais. As lágrimas embaciavam-me as
teclas, não me deixavam ver distintamente. Senti que os dedos dele apertavam os
meus. Ajoelhei-me junto da cadeira, debruçado sobre ele, e as unhas dele
cravaram-se-me no dedo. Mexeu a cabeça, abriu para mim um olho espantado,
resmoneou ciciadas algumas sílabas soltas. Depois, ficou imóvel, só com o peito
alteando-se numa respiração irregular e funda. Então abriu descaidamente as
asas e tentou voltar-se. Ajudei-o, e estendeu o bico para mim. Amparei-o
pousado no braço da cadeira, onde as patas não tinham força de agarrar-se. Quis
endireitar-se, não pôde, nem mesmo apoiado nas minhas mãos. Voltei a deitá-lo
nas almofadas, apertou-me com força o dedo na sua pata, e disse numa voz clara
e nítida, dos seus bons tempos de chamar os vendedores que passavam na rua: -
Filhos da puta! – Eu afaguei-o suavemente, chorando, e senti que a pata
esmorecia no meu dedo. Foi a primeira pessoa que eu vi morrer.”
Jorge de Sena
domingo, outubro 28
Em homenagem a minha mãe
Em homenagem a minha mãe pelo 11º aniversário de sua morte.
Era o tempo da natureza esplendorosa, a seiva assomando por
todos os poros da vida. A terra e o mar beijavam-se num longo beijo sem fim sob
o céu azul. A terra dava frutos que me pareciam divindades na perfeição da sua casca.
As melancias fascinavam-me pela sua grandeza esférica e pela névoa dos seus
açúcares. Era o vermelho do prazer contra o sangue, vermelho da dor.
[20/1/2008]
sexta-feira, outubro 26
quarta-feira, outubro 24
terça-feira, outubro 23
segunda-feira, outubro 22
domingo, outubro 21
POPULISMO À SOLTA
Jogos, como sempre, muitos jogos de sombras, em todos os tabuleiros. Na vida pública, ou política, em sentido amplo, na vivência de todos os dias, individual ou coletiva, na família, no trabalho, nas relações de amigas e amigos, conhecidas (os) e reconhecidas (os), em todas as plataformas e quadrantes de sensibilidade e ideologia, o mais dificil é sempre, ou quase, esconjurar o medo. E quanto maior o estado de carência mais o medo se intromete e condiciona a liberdade. Uma sociedade povoada pelo medo é presa fácil de toda a sorte de populismos, intolerâncias, violências e, no fim do caminho, do totalitarismo que sempre se reinventa em cada época, ressurgindo com novas vestes. Hoje de manhã, na mesa ao meu lado no café da esquina, um homem vociferava para a mulher, (não convencida), que qualquer político devia ser insultado em todo o lugar público que frequentasse: "Eles devem sentir na pele como fazem o povo sofrer." Os sentimentos de repulsa pela política, e pelos políticos, sempre existiram mas, neste tempo que é o nosso, tendem a tornar-se dominantes. Atenção que os políticos que hoje estão na mira desta pulsão populista foram eleitos pelos mesmos que hoje os hostilizam. O jogo de sombras começa a tornar-se perigoso para a própria democracia.
sábado, outubro 20
sexta-feira, outubro 19
quarta-feira, outubro 17
terça-feira, outubro 16
domingo, outubro 14
ELEIÇÕES NOS AÇORES
As eleições legislativas nos Açores (Região Autónoma), realizadas hoje, deram uma nova maioria absoluta ao Partido Socialista. Nas circunstâncias presentes poderá parecer um resultado normal. Mas é preciso lembrar que o PS está no governo dos Açores faz 16 anos, ousou mudar a liderança, passando-a para as mãos de um jovem politico - Vasco Cordeiro -, correndo riscos. A interpretação detalhada do resultado não interessa para aqui mas tão só assinalar a continuidade de uma maioria politica que estará em melhores condições para enfrentar as dificuldades da atual situação de crise. Berta Cabral, candidada e lider do PSD, é uma mulher corajosa, digna, decente e forte. A sua derrota é o resultado da conjugação de um conjunto de circunstâncias adversas que lhe tornaram impossível a tarefa, em particular, nos últimos tempos. Os Açores são demasiadamente importantes para a afirmação de Portugal no mundo para que se não valorize o resultado destas eleições. Este resultado é, no presente contexto político, um sinal para o futuro e uma garantia de uma gestão política equilibrada da autonomia regional o que não é de somenos.
sábado, outubro 13
Anna Caterina Antonacci
Eu já sei que Portugal está ser apoiado - ou assistido - através de um empréstimo tendo subscrito um acordo com um consórcio de estimáveis organizações internacionais que é conhecido pelo nome de troika. O programa de apoio financeiro é conhecido por uma sigla dificil de pronunciar. Uma das entidades que integra o consórcio em apreço é o FMI.
Recentemente, faz pouco (falo de tempo), o MFI, perdão, FMI, liderado por uma estimável senhora - antes liderado por um ex estimável senhor - reconheceu erros inimagináveis na aplicação dos seus modelos econométricos - também estudei pois é a minha formação de base - e ontem a estimável senhora francesa veio reconhecer que, afinal, as politicas de austeridade são "uma chatice", digo eu, e hoje o senhor PR veio lançar um aviso à navegação, leia-se ao governo, acerca da dimensão e profundidade da aplicação das tarapêuticas da dita austeridade.
Quem nunca tenha cometido erros que lançe a primeira pedra, quem nunca não se tenha amedrontado que se vanglorie, mas não se admirem das manifestações nem apontem o dedo aos seus mentores pois elas são, cada uma à sua medida e gosto, o minimo denominador comum de um descontentamento geral e democrático que aliás é, paradoxalmente, partilhado pelos próprios mentores e executores das medidas de austeridade. A situação é crítica pois de outra maneira não se explicaria que todos tenham dúvidas, todos se enganem e todos tenham razão. Puxa!
sexta-feira, outubro 12
LUZES DE ALERTA
O que sabemos dos outros, da comunidade, do mundo é sempre pouco. Menos ainda sabemos dos seus sentimentos, vontades, gostos, além da superfície das conveniências de momento. Os portugueses, nós portugueses, estamos a passar um momento em que única certeza é a incerteza. O discurso público, a todos os níveis de responsabilidade, é vacilante, pessimista ou mesmo tremendista (salvo raras exceções). Há razões para temer uma confrontação social se não forem tomadas decisões politicas inovadoras. Os ares do tempo parecem-se com os periodos mais negros da nossa história. Será assim em todos os países do sul e nalguns países de leste. O populismo incendeia a opinião pública e se vencer a comiseração geral com a deriva populista não tarda teremos perseguições aos hereges, ou seja, a todos os que, em cada lugar e circunstância, tenham uma opinião diferente. Será de toda a conveniência, a quem de direito, e a todos nós, acender as luzes de alerta!
quinta-feira, outubro 11
quarta-feira, outubro 10
terça-feira, outubro 9
sábado, outubro 6
sexta-feira, outubro 5
quarta-feira, outubro 3
Jean Sibelius - Valse Triste
A minha sentida homenagem ao Robin Fior cujas cerimónias fúnebres decorreram hoje no cemitério inglês de Lisboa. A urna desceu à terra à maneira tradicional como há muito não via. Somente aqueles que, como eu próprio, partilharam alguns momentos únicos da sua vida de criador entenderão o que senti. Honra à sua memória.
terça-feira, outubro 2
ROBIN FIOR
segunda-feira, outubro 1
domingo, setembro 30
MORREU ROBIN FIOR
Robin Fior morreu. Fica por concretizar um livro que havia acertado organizar com ele no qual se reunissem os trabalhos gráficos que realizou para o MES nos tempos de brasa do 25 de abril. Robin era um designer de grande craveira que se juntou ao MES e com ele colaborou ativamente. Honra à sua memória.
Imagem do número um do “Esquerda
Socialista” jornal do
Movimento de Esquerda Socialista, disponível na Hemeroteca Digital da Câmara
Municipal de Lisboa. Pode ser folheado aqui.
O jornal foi dado à estampa tardiamente – 16 de Outubro de 1974 – e o seu design gráfico, tal como o símbolo do MES, são de autoria do Robin Fior. O seu primeiro director foi o César de Oliveira. Antes, pela passagem do 1º aniversário do golpe militar que derrubou Allende, no Chile, 11 de Setembro, já tinha saído o nº0 com uma tiragem de loucura! Aí uns 100 000 exemplares, ou estou enganado? [Post corrigido.]
ALBERT CAMUS - não existencialista
Como já antes escrevi algures, aquando da minha última
estadia em Faro de férias, por sinal, curtas demais, o alfarrabista que faz
venda na esquina da rua que frequento, trouxe-me um conjunto de livros de Camus
em português. Sempre aparece uma surpresa. Desta vez fiquei a saber que existe
mais um livro de autor português acerca de Camus: “Do Absurdo à Solidariedade –
a visão do mundo de albert camus”, de Hélder Ribeiro.
O livro é muito interessante, pelo menos para mim, e estou a
finalizar a sua leitura. Foi dele que repesquei a citação seguinte que tem o
interesse de, para surpresa de muitos, reforçar a ideia de que Camus não se
considerava um autor existencialista o que muitos estudiosos da sua obra têm
assinalado de forma abundante. Qual o interesse da questão? Que mais não seja a
citação evidencia como os autores são desapropriados do seu papel e do lugar da
sua obra na história e se toma por verdade adquirida uma mentira vulgar. Eis a citação de Camus cujas fontes, referenciadas no livro em apreço, aqui se omitem:
Começo a estar ligeiramente (muito ligeiramente) incomodado pela confusão contínua que me confunde com o existencialismo. Enquanto o mal-entendido passa nos jornais, a coisa não é tão grave. Mas ao chegar às revistas, prova bastante a falta de informação em que se encontra a crítica. Uma vez que Troyat escreve que toda a peça de A. Camus não é senão uma ilustração dos princípios existencialistas de J.-P. Sartre, sinto-me na obrigação de precisar três pontos:
1 – Calígula foi escrito em 1938. Nessa época, o
existencialismo francês não existia na sua versão actual, ateia. Nesse tempo,
ainda Sartre não tinha publicado as obras onde devia dar forma a essa
filosofia.
2 – O único livro de ideias que eu escrevi – Le Mythe de
Sisyphe – foi dirigido precisamente contra as ideias existencialistas. Uma
parte dessa crítica aplica-se ainda, no seu espirito, à filosofia de Sartre.3 – Não é pelo facto de dizermos que o mundo é absurdo que se aceita a filosofia existencialista. Nesse caso, 80% dos passageiros do metro, a acreditarmos nas conversas que aí ouvimos, são existencialistas. E não posso acreditar nisso. O existencialismo é uma doutrina completa, uma visão do mundo, que supõe uma metafísica e uma moral.
Embora me aperceba da importância histórica desse movimento,
não tenho suficiente confiança na razão para entrar num sistema. Não nutro
muito gosto pela demasiado célebre filosofia existencial e, para dizer tudo,
creio que as suas conclusões são falsas. Mas ela representa, pelo menos, uma
grande aventura do pensamento. Sartre e eu não acreditamos em Deus, é verdade. E
também não acreditamos no racionalismo absoluto. Não, não sou existencialista. Sartre
e eu ficamos admirados de ver os nossos nomes sempre associados.
Pensamos mesmo um dia publicar um pequeno anúncio onde
assinaremos não ter nada em comum e nos recusaremos a responder ao que cada um
deve ao outro. Porque, enfim, é uma brincadeira. Sartre e eu publicámos todos
os nossos livros antes de nos conhecermos. E quando nos conhecemos foi para
constatar as nossas diferenças. Sartre é existencialista e o único livro de ideias
que eu publiquei era dirigido contra as filosofias ditas existencialistas. sábado, setembro 29
quinta-feira, setembro 27
quarta-feira, setembro 26
terça-feira, setembro 25
segunda-feira, setembro 24
domingo, setembro 23
sábado, setembro 22
sexta-feira, setembro 21
quinta-feira, setembro 20
terça-feira, setembro 18
segunda-feira, setembro 17
domingo, setembro 16
sexta-feira, setembro 14
terça-feira, setembro 11
SALVADOR ALLENDE - QUE VIVA!
Seguramente ésta será la última oportunidad en que pueda dirigirme a ustedes. La Fuerza Aérea ha bombardeado las torres de Radio Postales y Radio Corporación. Mis palabras no tienen amargura sino decepción Que sean ellas el castigo moral para los que han traicionado el juramento que hicieron: soldados de Chile, comandantes en jefe titulares, el almirante Merino, que se ha autodesignado comandante de la Armada, más el señor Mendoza, general rastrero que sólo ayer manifestara su fidelidad y lealtad al Gobierno, y que también se ha autodenominado Director General de carabineros. Ante estos hechos sólo me cabe decir a los trabajadores: ¡Yo no voy a renunciar! Colocado en un tránsito histórico, pagaré con mi vida la lealtad del pueblo. Y les digo que tengo la certeza de que la semilla que hemos entregado a la conciencia digna de miles y miles de chilenos, no podrá ser segada definitivamente. Tienen la fuerza, podrán avasallarnos, pero no se detienen los procesos sociales ni con el crimen ni con la fuerza. La historia es nuestra y la hacen los pueblos.
Trabajadores de mi Patria: quiero agradecerles la lealtad que siempre tuvieron, la confianza que depositaron en un hombre que sólo fue intérprete de grandes anhelos de justicia, que empeñó su palabra en que respetaría la Constitución y la ley, y así lo hizo. En este momento definitivo, el último en que yo pueda dirigirme a ustedes, quiero que aprovechen la lección: el capital foráneo, el imperialismo, unidos a la reacción, creó el clima para que las Fuerzas Armadas rompieran su tradición, la que les enseñara el general Schneider y reafirmara el comandante Araya, víctimas del mismo sector social que hoy estará en sus casas esperando con mano ajena reconquistar el poder para seguir defendiendo sus granjerías y sus privilegios.
Me dirijo, sobre todo, a la modesta mujer de nuestra tierra, a la campesina que creyó en nosotros, a la abuela que trabajó más, a la madre que supo de nuestra preocupación por los niños. Me dirijo a los profesionales de la Patria, a los profesionales patriotas que siguieron trabajando contra la sedición auspiciada por los colegios profesionales, colegios de clases para defender también las ventajas de una sociedad capitalista de unos pocos.
Me dirijo a la juventud, a aquellos que cantaron y entregaron su alegría y su espíritu de lucha. Me dirijo al hombre de Chile, al obrero, al campesino, al intelectual, a aquellos que serán perseguidos, porque en nuestro país el fascismo ya estuvo hace muchas horas presente; en los atentados terroristas, volando los puentes, cortando las vías férreas, destruyendo lo oleoductos y los gaseoductos, frente al silencio de quienes tenían la obligación de proceder. Estaban comprometidos. La historia los juzgará.
Seguramente Radio Magallanes será acallada y el metal tranquilo de mi voz ya no llegará a ustedes. No importa. La seguirán oyendo. Siempre estaré junto a ustedes. Por lo menos mi recuerdo será el de un hombre digno que fue leal con la Patria.
El pueblo debe defenderse, pero no sacrificarse. El pueblo no debe dejarse arrasar ni acribillar, pero tampoco puede humillarse.
Trabajadores de mi Patria, tengo fe en Chile y su destino. Superarán otros hombres este momento gris y amargo en el que la traición pretende imponerse. Sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, de nuevo se abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre, para construir una sociedad mejor.
¡Viva Chile! ¡Viva el pueblo! ¡Vivan los trabajadores!
Estas son mis últimas palabras y tengo la certeza de que mi sacrificio no será en vano, tengo la certeza de que, por lo menos, será una lección moral que castigará la felonía, la cobardía y la traición.
Trabajadores de mi Patria: quiero agradecerles la lealtad que siempre tuvieron, la confianza que depositaron en un hombre que sólo fue intérprete de grandes anhelos de justicia, que empeñó su palabra en que respetaría la Constitución y la ley, y así lo hizo. En este momento definitivo, el último en que yo pueda dirigirme a ustedes, quiero que aprovechen la lección: el capital foráneo, el imperialismo, unidos a la reacción, creó el clima para que las Fuerzas Armadas rompieran su tradición, la que les enseñara el general Schneider y reafirmara el comandante Araya, víctimas del mismo sector social que hoy estará en sus casas esperando con mano ajena reconquistar el poder para seguir defendiendo sus granjerías y sus privilegios.
Me dirijo, sobre todo, a la modesta mujer de nuestra tierra, a la campesina que creyó en nosotros, a la abuela que trabajó más, a la madre que supo de nuestra preocupación por los niños. Me dirijo a los profesionales de la Patria, a los profesionales patriotas que siguieron trabajando contra la sedición auspiciada por los colegios profesionales, colegios de clases para defender también las ventajas de una sociedad capitalista de unos pocos.
Me dirijo a la juventud, a aquellos que cantaron y entregaron su alegría y su espíritu de lucha. Me dirijo al hombre de Chile, al obrero, al campesino, al intelectual, a aquellos que serán perseguidos, porque en nuestro país el fascismo ya estuvo hace muchas horas presente; en los atentados terroristas, volando los puentes, cortando las vías férreas, destruyendo lo oleoductos y los gaseoductos, frente al silencio de quienes tenían la obligación de proceder. Estaban comprometidos. La historia los juzgará.
Seguramente Radio Magallanes será acallada y el metal tranquilo de mi voz ya no llegará a ustedes. No importa. La seguirán oyendo. Siempre estaré junto a ustedes. Por lo menos mi recuerdo será el de un hombre digno que fue leal con la Patria.
El pueblo debe defenderse, pero no sacrificarse. El pueblo no debe dejarse arrasar ni acribillar, pero tampoco puede humillarse.
Trabajadores de mi Patria, tengo fe en Chile y su destino. Superarán otros hombres este momento gris y amargo en el que la traición pretende imponerse. Sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, de nuevo se abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre, para construir una sociedad mejor.
¡Viva Chile! ¡Viva el pueblo! ¡Vivan los trabajadores!
Estas son mis últimas palabras y tengo la certeza de que mi sacrificio no será en vano, tengo la certeza de que, por lo menos, será una lección moral que castigará la felonía, la cobardía y la traición.
domingo, setembro 9
sexta-feira, setembro 7
quinta-feira, setembro 6
quarta-feira, setembro 5
terça-feira, setembro 4
sábado, setembro 1
sexta-feira, agosto 31
segunda-feira, agosto 27
domingo, agosto 26
sábado, agosto 25
sexta-feira, agosto 24
quinta-feira, agosto 23
quarta-feira, agosto 22
terça-feira, agosto 21
segunda-feira, agosto 20
domingo, agosto 19
sábado, agosto 18
sexta-feira, agosto 17
quinta-feira, agosto 16
A Música, segundo Camus
A Música é a mais perfeita das artes. (…) A Música, que não
tem que dominar a matéria, e sobretudo porque a sua origem é inteiramente espiritual,
um substrato matemático, alcançou a perfeição e fez da harmonia a sua própria essência.
Albert Camus, “Tentativa de Definição” in “escritos de
juventude” (para que se entenda melhor a razão da mistura, neste blogue, da Música
com Camus.)
quarta-feira, agosto 15
A pobreza segundo Camus
A pobreza nunca foi para mim uma infelicidade – a luz do Sol
vertia nela as suas riquezas. O magnífico calor que reinava na minha infância
não me deixou o mínimo ressentimento. Vivia na incomodidade, mas, ao mesmo
tempo, numa espécie de gozo da alma.
Albert Camus, citação do prefácio a O Avesso e o Direito, edição de 1957, no ensaio de Paul Viallaneix aos “escritos de juventude”.
terça-feira, agosto 14
D. AFONSO HENRIQUES - REI DE PORTUGAL
Na véspera de um feriado - 15 de agosto - e para que se entenda a importância dos feriados, e deste em particular, como marcos simbólicos na história de Portugal. [Repetindo uma posta antiga.]
Na verdade, o título de rei aparece pela primeira vez num documento autêntico em 10 de Abril de 1140, por sinal o primeiro dos que hoje se conhecem entre os bem datados produzidos pela chancelaria régia depois da batalha de Ourique. (...)
Os cronistas do século XVII puderam ainda consultar uma memória, hoje perdida, procedente do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, na qual se descreve a celebração de grandes festas em Coimbra no dia da Assunção da Virgem Maria ao céu, a 15 de Agosto de 1139, e nos dias seguintes. A solene missa desse dia foi celebrada por D. Bernardo, bispo da dioceses, e o sermão pregado por D. João Peculiar. Os eruditos modernos, como Rui de Azevedo e A. de J. da Costa, fiados na autoridade de Frei António Brandão, que menciona a referida memória, admitem a autenticidade desta informação. Depois de termos examinados os vários indícios que apontámos acerca das celebrações feitas em Coimbra por ocasião do regresso de Ourique, essa notícia só vem confirmar os elementos que descobrimos por via dedutiva. Tivesse ou não havido aclamação no campo de batalha, é lógico admitir que o povo de Coimbra quisesse também aclamar o vencedor e passasse a chamar-lhe rei. Não faltavam os motivos para isso.
In “D. Afonso Henriques” de José Mattoso, ”12 – Rei de Portugal”, pgs 120 e 126/127.
Na verdade, o título de rei aparece pela primeira vez num documento autêntico em 10 de Abril de 1140, por sinal o primeiro dos que hoje se conhecem entre os bem datados produzidos pela chancelaria régia depois da batalha de Ourique. (...)
Os cronistas do século XVII puderam ainda consultar uma memória, hoje perdida, procedente do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, na qual se descreve a celebração de grandes festas em Coimbra no dia da Assunção da Virgem Maria ao céu, a 15 de Agosto de 1139, e nos dias seguintes. A solene missa desse dia foi celebrada por D. Bernardo, bispo da dioceses, e o sermão pregado por D. João Peculiar. Os eruditos modernos, como Rui de Azevedo e A. de J. da Costa, fiados na autoridade de Frei António Brandão, que menciona a referida memória, admitem a autenticidade desta informação. Depois de termos examinados os vários indícios que apontámos acerca das celebrações feitas em Coimbra por ocasião do regresso de Ourique, essa notícia só vem confirmar os elementos que descobrimos por via dedutiva. Tivesse ou não havido aclamação no campo de batalha, é lógico admitir que o povo de Coimbra quisesse também aclamar o vencedor e passasse a chamar-lhe rei. Não faltavam os motivos para isso.
In “D. Afonso Henriques” de José Mattoso, ”12 – Rei de Portugal”, pgs 120 e 126/127.
segunda-feira, agosto 13
Camus: uma rara confidência
Nunca esqueci esse belo livro (La Douleur, de André de
Richaud) que foi o primeiro a falar-me de coisas que eu conhecia: de uma mãe,
da pobreza, das belas tardes e do céu. Ele desatava no fundo de mim um nó
formado por obscuras ligações, libertava-me de obstáculos que eu sentia sem
poder nomeá-los. Li-o todo numa noite, como acontece em casos semelhantes e, ao
acordar, repleto de uma nova e estranha liberdade, comecei a caminhar,
hesitante, numa terra desconhecida. Acabava de aprender que os livros não
proporcionam só o esquecimento e a distracção. Os meus teimosos silêncios,
esses vagos e despóticos sofrimentos, o mundo estranho que me rodeava, a
dignidade dos meus e a sua miséria, os meus segredos, enfim, tudo isso podia,
afinal de contas, ser dito! Havia nesse livro uma libertação, um grau de
verdade onde a pobreza, por exemplo, assumia repentinamente o seu verdadeiro
rosto, aquele que eu suspeitava e venerava obscuramente.
Albert Camus, citação referida no “Ensaio” de Paul
Viallaneix para “escritos de juventude” (Uma das raras, e preciosas,
confidências de Camus, colhida in "Encontros com André Gide", Plêiade.)
domingo, agosto 12
A Queda da Luz
Amaciadas pelo calor, as grandes lajes convidavam ao
repouso. E saboreava-se o esquecimento num tecido de sol, vivendo sem pensar e
sobretudo sem agir, estendido preguiçosamente e absorto na total sensação do
calor envolvente. Por sobre tudo isto, via-se o céu de um azul orgulhoso e
arejado. Nenhum ruído, nenhum canto de ave, nenhum coaxar de rãs – apenas o
zumbido indistinto e entorpecedor do grande calor. (…) Não se importava de
acolher as paixões e as loucuras, o que o não impedia de se voltar para o
infinito azul e repousante, na deliciosa bruma do longe.
Albert Camus In “escritos de juventude”, A queda da Luz – Notas de Leitura (Abril 1933)
Albert Camus In “escritos de juventude”, A queda da Luz – Notas de Leitura (Abril 1933)
sábado, agosto 11
"Há rostos ...
Comprei ontem dez livros (edições portuguesas) de Albert Camus a um alfarrabista que faz venda
de rua aqui na esquina – de seu nome Simões. Alguns deles não tinha como é o
caso da edição dos “escritos de juventude” (tomo II) da qual respigo – com dedicatória
– este excerto de “O PÁTIO”, In Notas de Leitura (Abril de 1933):
“Há rostos que se casam estreitamente com uma parte inteira
dos nossos impulsos e com os quais comunicamos tão bem desde o princípio, que
se torna impossível pensar séria e justamente diante deles, mas unicamente
falar docemente, silenciosamente, utilizando palavras gastas e baças, às quais
só o sentimento de uma íntima cumplicidade confere um novo valor”.
sexta-feira, agosto 10
UMA QUERELA DE VERÃO
Quem está na ribalta da discussão pública? Os defensores e
simpatizantes desse passado longínquo dos amanhãs que cantam. Agora na versão
hardcore dos negócios com ajustes de contas entre ex-comunistas e simpatizantes
fascinados e, ao mesmo tempo traídos, pelo capitalismo. Os
comunistas podem mudar de partido (ou de negócio) mas nunca deixam de ser
comunistas…
quinta-feira, agosto 9
ELEIÇÕES AMERICANAS
Os americanos vão às urnas escolher entre o actual presidente
e um candidato conservador que faz comparações depreciando a Europa, em
particular, os países do sul. Mas os países do sul da Europa são aliados estratégicos
dos Estados Unidos e, para não ir mais longe, a NATO não poderá nunca
prescindir da sua presença. É uma questão de geografia e de domínio por terra,
mar e ar. Coisas objectivas … não ideológicas.
quarta-feira, agosto 8
terça-feira, agosto 7
TAXA DE MARMITA
Não conheço o diploma, a norma, seja o que for, somente ouço falar do assunto através das notícias. Em Espanha, Catalunha, os pais vão pagar para os filhos levarem as refeições de casa para a escola. Não entendo. Uma "taxa de marmita". Não vale a pena discorrer acerca de um assunto do qual não entendo os fundamentos nem o alcançe. Vou procurar explicações por aí. Mas que os estados, os poderes públicos, andam fazendo experiências preocupantes para a própria democracia, isso parece evidente.
NOTÍCIA de um roubo ...
Acontecimentos deste género pululam, sem mediatização, em
todos os países e regiões, desde o pequeno roubo no supermercado ao grande
roubo, sob as mais diversas capas institucionais, magnânimo, tolerado e,
quantas vezes, aplaudido. Aqui estamos na presença de um sinal público do que antes
se designava por embrião de uma “forma superior de luta” das classes
trabalhadoras. Este é um fato não menosprezável, que deve dar que pensar aos responsáveis
políticos a todos os níveis. (interroguei-me, a propósito, das razões de não
serem investigados os prejuízos apresentados pelos bancos no 1º semestre de
2012, em particular, o maior banco público português – mas admito que o BP
esteja a fazer o seu trabalho. – Desculpem o incómodo!)
Jogos Olímpicos - sinais de manipulação
Quando o público, e a comunidade, são confrontados com notícias
que insinuam que existem jogos de bastidores destinados a manipular os
resultados, o que fazer? Perder? Quando o objectivo é ganhar! Nos jogos
olímpicos? A simples insinuação é sinal da miséria encoberta pela realidade mediática
sumptuosa dos jogos.
segunda-feira, agosto 6
FÉRIAS PAGAS
As férias pagas, ou seja o direito a usufruir de um tempo de
lazer sem perda de remuneração, é uma realidade recente. Esse direito foi instituído
por uma lei do governo de frente popular, em França, no ano de 1936. Ainda
beneficio dessa conquista. Mas o debate na Europa acerca do futuro da UE é, na
verdade, um eufemismo para designar o debate acerca do futuro do estado social.
Em época de escassez as férias pagas podem, em breve, voltar a ser uma
reivindicação das classes trabalhadoras. Se não o forem já para a maioria!
Anna Meredith
BBC Proms 2012 from the Royal Albert Hall, London.
The National Youth Orchestra of Great Britain perform Anna Meredith's HandsFree.
This concert was broadcast live on BBC Radio 3; it is available on-demand for seven days after broadcast. Radio 3 is streamed in HD sound online.
domingo, agosto 5
FARO - LUTAR CONTRA O ESQUECIMENTO
A cidade de Faro é pequena, apesar de ser capital, pois se
esventrou o centro deserto de residentes e de comércio. Nunca aconteceu não a
ter visitado, e nela ter permanecido, ao menos uns dias, no verão desde que
dela parti. Sinto o seu cheiro especial, cuja fragância retenho desde a
infância, conheço as suas ruas, uma a uma, tal como os seus lugares, até os
seus rostos (cada vez menos); vivi muitos anos na rua Emiliano da Costa, percorro
com frequência a Rua de Portugal, onde nasceu Gastão Cruz, instalo-me na Rua
João Lúcio, todos nomes de poetas algarvios. Grandes poetas que, salvo Gastão
Cruz, nosso contemporâneo, foram esquecidos. O esquecimento é uma máquina infernal.
Escrevo contra o esquecimento.
sábado, agosto 4
Valentina Lisitsa
Filmed live at The Royal Albert Hall June 19th 2012
ALEXANDER SCRIABIN 1872--1915
2 Poèmes, op.32
i. Andante cantabile
À DOUTA ATENÇÃO DO BANCO DE PORTUGAL
Durante quase três décadas, o meu pai foi gerente, em Vila Real, de uma das filiais distritais da Caixa Geral de Depósitos, instituição em que trabalhou, com imenso orgulho e insuperável dedicação, 47 anos da sua vida. A Caixa era também a sua família e ainda recordo a alegria que lhe dei quando, em 1971, sem o avisar, fiz concurso e fui admitido como funcionário da Caixa - aquele que foi o meu primeiro emprego.
Durante muitas décadas, a Caixa foi o banco popular de Portugal. Era à Caixa, porque a Caixa era do Estado, que as pessoas mais simples confiavam os seus haveres. A Caixa tinha "cadernetas" escritas à mão, onde era inscritos os juros e registados os saldos. Os depositantes compraziam-se em passar pelo balcão da Caixa, para fazer esse acrescento regular, que lhes assegurava "quanto tinham na Caixa".
O meu pai recordava, às vezes, uma pequena história.
Um dia, um funcionário veio avisá-lo de que um cliente, depois de ter pedido para "atualizar a caderneta", informou que queria levantar todo o dinheiro que tinha na sua conta, em espécie. Tratava-se de um montante bastante elevado e, até por razões de segurança, era um pouco estranho que o cliente quisesse transportar o dinheiro dessa forma. Estaria o homem insatisfeito com o serviço prestado pela Caixa?
O meu pai mandou entrar o cliente para o seu gabinete. Era um homem muito simples, residente numa aldeia próxima de Vila Real, idêntico a uma imensidão de outros clientes oriundos das áreas rurais, que constituiam uma grande massa dos depositantes na Caixa. Perante a estranheza manifestada, pela inusitada (e até arriscada) operação que ele pretendia executar, o homem respondeu: "O dinheiro é ou não é meu? Posso ou não posso fazer com ele o que me apetecer? Quero levantá-lo todo e já!". Perante esta inabalável determinação, o meu pai mandou preparar grandes envelopes com as notas, que foram entregues ao cliente. Após receber o dinheiro, o homem perdeu largos minutos a contar todas as notas. No final, disse: "Agora, quero depositar isto tudo outra vez. Foi só para saber se o dinheiro ainda era meu!". E era, claro.
Lembrei-me disto, na tarde de hoje, também na Caixa, também em Vila Real, quando assisti ao drama de uma pobre senhora de aldeia, a dona Celeste, confrontada com a impossibilidade de resgate do montante de um "produto" em que, há alguns anos, tinha sido convencida a empregar alguns largos milhares de euros e que, agora, se via impossibilitada de levantar, sem perder uma importante fatia do próprio capital. Fui testemunha por largos e pungentes minutos do embaraço delicado dos funcionários, dos lamentos lancinantes da senhora, seguidos do seu desmaio, com hipótese de convocação do 112. Um espetáculo triste, penoso e indigno, que incomodou quem a ele assistiu. Que não sei mesmo como acabou, porque, logo que pude, saí, indignado.
Quem terá sido o funcionário espertalhote que vendeu à dona Celeste o "produto", em cujo "small print" estavam (espero eu!) as condicionantes limitativas das possibilidades de resgate? Aquele que o fez impingiu àquela pobre senhora, que tinha uma evidente limitação cultural para entender as peculiaridades da evolução financeira dos mercados, um "produto" em que enterrou muitos dos seus haveres. E, goste-se ou não da palavra, essa pessoa incorreu, na prática, numa verdadeira fraude. Ela e, com ela, a Caixa Geral de Depósitos, instituição onde também eu tenho as minhas economias e que, por ser propriedade do Estado, sempre tive por um banco diferente, onde tinha a certeza que os clientes nunca seriam tratados assim. Enganei-me, pelos vistos.
Se fosse vivo, e se tivesse assistido a esta lamentável cena, o meu pai teria hoje sentido uma imensa tristeza, idêntica à que eu próprio experimentei. Mas ele já morreu, como também já parece ter desaparecido aquela Caixa Geral de Depósitos que foi o seu orgulho, em que as pessoas mais simples deste país, por muitos anos, se habituaram a confiar.
Durante muitas décadas, a Caixa foi o banco popular de Portugal. Era à Caixa, porque a Caixa era do Estado, que as pessoas mais simples confiavam os seus haveres. A Caixa tinha "cadernetas" escritas à mão, onde era inscritos os juros e registados os saldos. Os depositantes compraziam-se em passar pelo balcão da Caixa, para fazer esse acrescento regular, que lhes assegurava "quanto tinham na Caixa".
O meu pai recordava, às vezes, uma pequena história.
Um dia, um funcionário veio avisá-lo de que um cliente, depois de ter pedido para "atualizar a caderneta", informou que queria levantar todo o dinheiro que tinha na sua conta, em espécie. Tratava-se de um montante bastante elevado e, até por razões de segurança, era um pouco estranho que o cliente quisesse transportar o dinheiro dessa forma. Estaria o homem insatisfeito com o serviço prestado pela Caixa?
O meu pai mandou entrar o cliente para o seu gabinete. Era um homem muito simples, residente numa aldeia próxima de Vila Real, idêntico a uma imensidão de outros clientes oriundos das áreas rurais, que constituiam uma grande massa dos depositantes na Caixa. Perante a estranheza manifestada, pela inusitada (e até arriscada) operação que ele pretendia executar, o homem respondeu: "O dinheiro é ou não é meu? Posso ou não posso fazer com ele o que me apetecer? Quero levantá-lo todo e já!". Perante esta inabalável determinação, o meu pai mandou preparar grandes envelopes com as notas, que foram entregues ao cliente. Após receber o dinheiro, o homem perdeu largos minutos a contar todas as notas. No final, disse: "Agora, quero depositar isto tudo outra vez. Foi só para saber se o dinheiro ainda era meu!". E era, claro.
Lembrei-me disto, na tarde de hoje, também na Caixa, também em Vila Real, quando assisti ao drama de uma pobre senhora de aldeia, a dona Celeste, confrontada com a impossibilidade de resgate do montante de um "produto" em que, há alguns anos, tinha sido convencida a empregar alguns largos milhares de euros e que, agora, se via impossibilitada de levantar, sem perder uma importante fatia do próprio capital. Fui testemunha por largos e pungentes minutos do embaraço delicado dos funcionários, dos lamentos lancinantes da senhora, seguidos do seu desmaio, com hipótese de convocação do 112. Um espetáculo triste, penoso e indigno, que incomodou quem a ele assistiu. Que não sei mesmo como acabou, porque, logo que pude, saí, indignado.
Quem terá sido o funcionário espertalhote que vendeu à dona Celeste o "produto", em cujo "small print" estavam (espero eu!) as condicionantes limitativas das possibilidades de resgate? Aquele que o fez impingiu àquela pobre senhora, que tinha uma evidente limitação cultural para entender as peculiaridades da evolução financeira dos mercados, um "produto" em que enterrou muitos dos seus haveres. E, goste-se ou não da palavra, essa pessoa incorreu, na prática, numa verdadeira fraude. Ela e, com ela, a Caixa Geral de Depósitos, instituição onde também eu tenho as minhas economias e que, por ser propriedade do Estado, sempre tive por um banco diferente, onde tinha a certeza que os clientes nunca seriam tratados assim. Enganei-me, pelos vistos.
Se fosse vivo, e se tivesse assistido a esta lamentável cena, o meu pai teria hoje sentido uma imensa tristeza, idêntica à que eu próprio experimentei. Mas ele já morreu, como também já parece ter desaparecido aquela Caixa Geral de Depósitos que foi o seu orgulho, em que as pessoas mais simples deste país, por muitos anos, se habituaram a confiar.
sexta-feira, agosto 3
Deixar uma marca
Nestes primeiros dias de agosto ensaiarei um regresso à escrita - quase sem imagens - neste espaço, criado em 19 de dezembro de 2003, com o texto que reproduzo de seguida:
Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
nada dever ao esquecimento que esvazia o sentido do perdão olhando o mundo e tomando a medida exacta da nossa pequenez,
atravessar a solidão, esse luxo dos ricos, como dizia Camus, usufruindo da luz que os nossos amantes derramam em nós porque por amor nos iluminam,
observar atentos o direito e o avesso, a luz e a sombra, a dor e a perda, a charrua e a levada de água pura, crer no destino e acreditar no futuro do homem,
louvar a Deus as mãos que nos pegam, e nunca deixam de nos pegar, mesmo depois de sucumbirem injustamente à desdita da sorte ou à lei da vida,
guardar o sangue frio perante o disparar da veia jugular ou da espingarda apontada à fronte do combatente irregular,
incensar o gesto ameno e contemporizador que se busca e surge isento no labirinto da carnificina populista,
ousar a abjecção da tirania, admirar a grandeza da abdicação e desejar a amizade das mulheres,
admirar a vista do mar azul frente à terra atapetada de flores de amendoeira em silêncio e paz.
(um programa para o absorto)
Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
nada dever ao esquecimento que esvazia o sentido do perdão olhando o mundo e tomando a medida exacta da nossa pequenez,
atravessar a solidão, esse luxo dos ricos, como dizia Camus, usufruindo da luz que os nossos amantes derramam em nós porque por amor nos iluminam,
observar atentos o direito e o avesso, a luz e a sombra, a dor e a perda, a charrua e a levada de água pura, crer no destino e acreditar no futuro do homem,
louvar a Deus as mãos que nos pegam, e nunca deixam de nos pegar, mesmo depois de sucumbirem injustamente à desdita da sorte ou à lei da vida,
guardar o sangue frio perante o disparar da veia jugular ou da espingarda apontada à fronte do combatente irregular,
incensar o gesto ameno e contemporizador que se busca e surge isento no labirinto da carnificina populista,
ousar a abjecção da tirania, admirar a grandeza da abdicação e desejar a amizade das mulheres,
admirar a vista do mar azul frente à terra atapetada de flores de amendoeira em silêncio e paz.
(um programa para o absorto)
quinta-feira, agosto 2
quarta-feira, agosto 1
Verdi' Requiem
Proms 2011 - Prom 13 - Broadcast on BBC 4
Original concert on 24 July 2011 - Broadcast on 21 August 2011
Verdi's Requiem
Marina Poplavskaya - soprano
Mariana Pentcheva - mezzo-soprano
Joseph Calleja - tenor
Ferruccio Furlanetto - bass
BBC Symphony Chorus
BBC National Chorus of Wales
London Philharmonic Choir
BBC Symphony Orchestra
Semyon Bychkov - conductor
Subscrever:
Mensagens (Atom)