Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
sábado, maio 7
RENDIÇÃO
In “O Portal da História”
Rendição das Forças Armadas Alemãs. [O Coronel General Jodl, acompanhado pelo Almirante General Friedeburg e pelo Major Oxenius, assina o documento de rendição incondicional das Forças Armadas alemãs, no Quartel-General Aliado, em Rheims, França, a 7 de Maio de 1945.]
sexta-feira, maio 6
BLAIR OK
As sondagens acertaram em cheio. Ver no Margens de Erro.
Resultados não definitivos UK (maioria absoluta para os trabalhistas):
Labour: 36,2%
Conservative: 33,2%
Lib Dems: 22,5%
Resultados não definitivos UK (maioria absoluta para os trabalhistas):
Labour: 36,2%
Conservative: 33,2%
Lib Dems: 22,5%
"É necessário não nos perdermos e não renunciarmos".
Camus com a sua segunda mulher: Francine.
O mês de Julho de 2004 caminhava para o fim. No dia 22 desse mês escrevi um post adivinhando o “caos que se desenha no horizonte” ao pensar na governação de Santana Lopes ainda no seu início.
A minha previsão, infelizmente, bateu certa. E vinham-me à memória as citações mais desencantadas de Camus acerca da política e dos homens da política.
Nesse contexto escrevi:
As trapalhadas do governo Santana Lopes começam na sua própria formação.
Constrangedor. O PR empossa em silêncio da mesma forma que, em silêncio, ouviu as atoardas de Alberto João Jardim e, logo depois, os seus elogios.
Será que no Conselho de Estado, o PR, na presença do dito, lhe "puxou as orelhas"? Aposto que não. O PR deixou, no dia 9 de Julho, cair a sua autoridade. Tudo o que se passou, diante dos seus olhos, e sob a sua responsabilidade, nas tomadas de posse, é um exemplo flagrante de falta de autoridade.
É um detalhe do caos que se desenha no horizonte e avivam-se, na minha memória, as citações, radicais e desencantadas, de Camus acerca da política.
"A política e o destino dos homens são organizados por homens sem ideal e sem grandeza. Aqueles que têm uma grandeza neles próprios não se ocupam de política. Assim em todas as coisas. Mas trata-se de criar agora em si próprio um novo homem. Seria preciso que os homens de acção fossem também homens de ideal e poetas industriais. Trata-se de viver os próprios sonhos - de os pôr em movimento. Outrora, renunciávamos ou perdíamo-nos. É necessário não nos perdermos e não renunciarmos." (Dezembro de 37)
Albert Camus, in Cadernos, "Caderno n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) - Edição Livros do Brasil
Sem Abrigo
In Catedral
"Não haja medo que a sociedade se desmorone sob um excesso de altruísmo. Não há perigo desse excesso."
Fernando Pessoa - "Aforismos e Afins"
GRANDE SPORTING!...
Lutar, lutar até vencer.
O Sporting prestigiou o nome de Portugal e mostrou, mais uma vez, que o futebol é, em Portugal, apesar de todos os "casos", uma actividade competitiva ao nível europeu e mundial.
A qualificação do Sporting para a final da Taça UEFA foi um caso exemplar. A vontade de vencer ultrapassou todas as dificuldades. Ainda bem que comprei bilhetes para a final que vai realizar-se aqui ao lado de casa. O meu filho, mais do que eu, merece essa alegria seja qual for o resultado final.
"Sporting e CSKA de Moscovo na final
O Sporting qualificou-se, esta quita-feira, para a final da Taça UEFA, apesar de ter perdido com o AZ Alkmaar por 3-2 após prolongamento. A formação de José Peseiro acabou por conseguir o apuramento com um tento apontado aos 122 minutos por Miguel Garcia. A final está agendada para o dia 18 de Maio no Estádio José Alvalade."
O Sporting prestigiou o nome de Portugal e mostrou, mais uma vez, que o futebol é, em Portugal, apesar de todos os "casos", uma actividade competitiva ao nível europeu e mundial.
A qualificação do Sporting para a final da Taça UEFA foi um caso exemplar. A vontade de vencer ultrapassou todas as dificuldades. Ainda bem que comprei bilhetes para a final que vai realizar-se aqui ao lado de casa. O meu filho, mais do que eu, merece essa alegria seja qual for o resultado final.
"Sporting e CSKA de Moscovo na final
O Sporting qualificou-se, esta quita-feira, para a final da Taça UEFA, apesar de ter perdido com o AZ Alkmaar por 3-2 após prolongamento. A formação de José Peseiro acabou por conseguir o apuramento com um tento apontado aos 122 minutos por Miguel Garcia. A final está agendada para o dia 18 de Maio no Estádio José Alvalade."
quinta-feira, maio 5
SALVADOR DALI
Salvador Dali. Antes que me esqueça. Nasceu a 11 de Maio de 1904.
«Pintores, não temam a perfeição.
Nunca a conseguireis! Se fordes medíocres,
E se vos esforçardes por pintar muito, muito mal
Ver-se-á sempre que sois medíocres.»
Salvador Dali
Revolta
Com razon ó sin ella - Goya
Nasceu assim o despontar da minha consciência para a vida e a revolta no seu estado puro.
Depois tomei consciência de que a revolta é o berço da criação e a criação é o traço que define a fronteira definitiva entre os homens livres e dignos, assumindo plenamente as suas diferenças, e
os homens torturados pela suprema humilhação de ideologias absurdas que Camus resumiu nesta definição universal do fascismo:“como não tinham carácter, arranjaram uma doutrina”.
A criação é uma forma de afirmação das diferenças que não das desigualdades. As origens da revolta não as encontrei na leitura dos clássicos mas na observação da vida dos meus avós.
Eles não encontraram facilidades no caminho para o progresso e eu encontrei um sopro de inspiração na medida das minhas escassas forças para combater o conformismo e o aviltamento dos valores essenciais que salvaguardam a humanidade da barbárie.
Esses valores são as velhas bandeiras do pensamento humanista e liberal dos últimos séculos, quais sejam, o direito à vida e a defesa da liberdade individual e da democracia, assim como a
igualdade de oportunidades para todos no acesso aos benefícios do progresso económico, cientifico, tecnológico e social.
Na vertigem deste caminho muitas interrogações sempre se colocaram aos homens dos tempos modernos: o humanismo é um pensamento limitado? O liberalismo é um pensamento
pervertido? O progresso uma aspiração antiquada?
A revolta do homem talvez aconselhasse a adoptar sempre os princípios de um pensamento que tudo tomasse em conta. Sem sublinhados nem os encargos de múltiplas heranças filosóficas ou históricas.
Mas a maioria, salvo os assassinos, que estão sempre prontos a sujar as mãos de sangue e a lançar para a valeta os corpos das suas vitimas, executadas à vista de todos os homens de boa vontade, aceitam certamente, de forma consensual, que fiquem de pé, na luta contra a barbárie, os princípios do direito à vida, à liberdade e à justiça.
REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (5 de 10)
Felicidade
Do Pentimento
Felicidade: 1. invólucro onde se guardam sorrisos; 2. momento em que os ponteiros do relógio decidem dançar valsa; 3. líquido viscoso que escorrega por entre os dedos; 4. pedaço de gente com cheiro de talco; 5. movimento espontâneo dos cantos da boca em direção às orelhas; 6. sobrenome do azul; 7. olodum dentro do peito; 8. conjunto de círculos concêntricos em rubro e branco para onde se atiram dardos em forma de coração; 9. roçar de pés por sob o cobertor em noites com temperatura inferior a 18 graus; 10. tia-avó da alegria; 11. erva da qual se faz um chá afrodisíaco; 12. movimento elíptico do Sol em torno do ser amado; 13. nome dado à gota salgada que despenca dos olhos em dia de festa; 14. sensação de se ter feito o que se deveria ter feito; 15. oitava cor do arco-íris; 16. retângulo onde se inserem flagrantes registrados em nitrato de prata; 17. desejo súbito de voar; 18. distúrbio psicológico que causa avalanche de gargalhadas; 19. silêncio que se segue à trovoada; 20. exibição permanente da arcada dentária sem motivos justificados aos olhos dos desprovidos de inocência.
P.S. Este e outros verbetes bacanas e inspirados sobre sexo, mar, boca, sorriso, lágrima, entre outras palavras, estão no blog Cambalhota de irrealidades, onde André Gonçalves postou o seu Dicionário Lúdico Brasileiro. A dica foi da Moniquitcha.
quarta-feira, maio 4
"DRUMMOND FAZENDEIRO" ...
“Foto de António José Alegria, do amistad”
Drummond, fazendeiro
do ar, mas bem sentes
que as dores da poesia
são as evidentes.
Jorge de Sena
8/2/55
In “Tempo de Fidelidade” (1951-1958)
"Ir até ao fim, não é apenas resistir mas também não resistir."
História trágico marítima. [1944, óleo sobre tela, 81 x 100 cm - Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, Lisboa, Portugal] Quadro de Vieira da Silva (1908-1992), pintado no Brasil e parte de um grupo de quadros que abordaram a temática da guerra e da violência. O chamado período brasileiro (1940-1947), época em que Helena Vieira da Silva e o seu marido, Arpad Szenes, viveram no Rio de Janeiro, caracteriza-se pelo regresso à figuração abandonando, por um tempo, o abstraccionismo, sendo por isso considerado um período de reflexão na obra da pintora. Vieira da Silva morreu em 6 de Março de 1992, em Paris. O Portal da História
Em “Citações-14”, faço uma abordagem da renúncia de Ferro Rodrigues e, hoje, à distância, concluo que fez bem em ter renunciado. Da mesma forma que fez bem em não ter aceite o desafio da candidatura à presidência da Câmara Municipal de Lisboa. É preciso deixar passar o tempo.
Por outro lado verifica-se que, para já, Sócrates se não deixou aprisionar pela “política espectáculo” ... o que é uma tragédia para as pretensões da direita.
Eis o que escrevi, em "Citações-14", a 20 de Julho de 2004:
A propósito da renúncia de Ferro Rodrigues ao cargo de secretário geral do PS têm sido proferidas opiniões sem fim. Mesmo a direita continua a abordar o tema com uma ganância aparentemente despropositada. Lá terão as suas razões.
O director do Expresso escreveu um texto ignóbil, ou decrépito, acompanhado de uma foto propositadamente descuidada. A abordagem do percurso de Ferro, num trabalho "de fundo", publicado na "Única", seguia o mesmo caminho não tanto no texto mas na escolha das fotos.
Esta voragem para destruir a imagem pública de Ferro é, como todos já entenderam, parte de uma estratégia de fundo da direita. Começou, porventura, ainda antes de Ferro ter ascendido à liderança do PS.
No dia 9 de Julho, de um só golpe, o PR consagrou essa estratégia. Mas a direita não parece estar saciada com o sucesso da operação "destruição de Ferro". O assumido combate ideológico da direita, dirigido pelo PP, é aniquilar a esquerda, fazendo dela uma oposição colaboracionista com os seus objectivos estratégicos.
A direita, dirigida pelo PP, quer o poder absoluto. Ferro era um obstáculo a essa estratégia. Sócrates, se se deixar aprisionar pela "política espectáculo", talvez lhes sirva. Só tempo o dirá.
Mas, por outro lado, em política, os que renunciam nem sempre são os perdedores.
"Ir até ao fim, não é apenas resistir mas também não resistir"
Albert Camus, in Cadernos, "Caderno n.º 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937) - Edição Livros do Brasil
terça-feira, maio 3
"Densa e Profunda Flor..."
"Foto de António José Alegria, do amistad"
“....
Profunda flor, malícia de existir,
os perigos passam, as traições diluem-se,
um riso ecoa ao longe, que se perde,
e o teu jardim, meu coração tão frio,
meu gosto de viver, minha mágoa extensa,
minha memória de jardins e estrelas.”
Jorge de Sena
“Densa e Profunda Flor...” in Amor
Lugares Luminosos
O gato e eu próprio no monte dos meus avós maternos.
Senti sempre as casas de meus avós como lugares luminosos, afastados do mundo, varandas com vista para o mar azul florido. Eles eram certamente mais adeptos de Franco do que apreciadores de Lorca. Talvez conhecessem alguns versos da sua poesia popular:
“Verde que te quero verde
Verde vento. Verdes ramos.
O navio sobre o mar,
o cavalo na montanha.”
Mas não conheciam, quase pela certa, o poeta. No tempo distante das minhas andanças de juventude pelas terras dos meus avós maternos senti o seu conformismo que não nascia de uma postura intelectual mas era o resultado de uma existência sofrida longe do progresso que a ditadura abominava.
A pura existência da natureza ditava as leis da vida. A família, pequena para a época, não cresceu na miséria mas o apego à vida dos seus antepassados deu-lhe o sentido da dimensão humana. Eram os tempos da luta pela sobrevivência.
Observei a dignidade dessa extraordinária empresa de fazer face à escassez da água, às agruras do tempo, à inexistência de electricidade, aos fracassos das colheita, às doenças das mulheres, homens e animais, à falta de dinheiro...
REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (4 de 10)
segunda-feira, maio 2
Fernando Pessoa
Faro - Capital da Cultura
Faro - O "Passarinho"
Fui lá pois é a minha terra. Passar o 1º de Maio. O dia do trabalhador e o da mãe. Lembrei-me dos tempos em que me envergonhava dos empreendimentos públicos sem a qualidade que desejava. Por vezes fechava-me em casa depois de ter feito a minha parte. Com o Grupo de Teatro Lethes isso não acontecia. Lembrei-me desses tempos a propósito da inauguração da “Faro – Capital Nacional da Cultura”.
Deambulei pelas ruas e assisti a diversos acontecimentos no dia inaugural. Vi as notícias e as imagens. Para ser franco pareceu-me que, na cidade, ninguém sabia nada acerca do evento. A pobreza das apresentações até podia ganhar grandiosidade com a presença de multidões. Mas nada. Ninguém, verdadeiramente, sabia de nada. A divulgação resumia-se a uma vulgar folha A4 com a lista dos actos públicos.
Talvez o evento sirva para ajudar o Dr. Vitorino a ser reeleito Presidente de Câmara no pleito de Outubro. E fica o novo teatro a inaugurar a 1 de Julho. Mais nada.
Vi o “Passarinho” no jardim e engraxei, como sempre, os sapatos no Renato da "Gardy". O engraxador do "Aliança" morreu. Agora só há dois: o “Passarinho” e o Renato. Indiferentes à festa. Se o povo não conta para as Capitais Nacionais da Cultura então acabe-se com elas. Os criadores devem ter mais que fazer do que trabalhar para o “boneco”.
Lembrei-me, ainda, de Fernando Pessoa, no "Livro do Desassossego", composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa:
"Alguns têm na vida um grande sonho e faltam a esse sonho. Outros não têm na vida nenhum sonho, e faltam a esse também."
"São sempre as mesmas palavras que dizem as mesmas mentiras."
Estandartes Nazis [5/12 de Setembro de 1938, fotografia a cores - Nuremberga, Alemanha.]
Fotografia tirada durante o Congresso do Partido Nacional-Socialista, de 1938, realizado sobre o tema da «Grande Alemanha». Adolf Hitler, principal dirigente do partido nazi alemão, foi nomeado Chanceler da Alemanha em 30 de Janeiro de 1933. Foto do Portal da História
No dia 18 de Julho de 2004, em “Citações-13”, dia da tomada de posse do governo Santana Lopes, antevi o desastre previsível. Salvaguardadas as devidas proporções, tal como no holocausto, cujo 60º Aniversário do fim agora se comemora, só não viu quem não quis ver. Só não entendeu quem não quis entender. A ilustração reporta-se a um acontecimento imediatamente posterior à data da citação de Camus e ajuda a compreender o seu tom de desespero.
Eis o que escrevi nesse dia:
O governo de Pedro Santana Lopes tomou posse. Horas de discursos, cumprimentos ... o costume. Sabemos que muitos dos ministros dispensados nem sequer tiveram direito a um cartão de agradecimentos. Foram simplesmente esquecidos.
No novo governo o PP ganha poder. O PSD perde poder. No governo a direita reforça posições, tomando o ministério das finanças, e os dirigentes políticos do PP assumem relevância. Os dirigentes do PSD, por sua vez, apagam-se. Transparece uma enorme perplexidade na área social democrata acerca da natureza deste governo.
Hoje, na sua "crónica dominical", na TVI, Marcelo Rebelo de Sousa foi demolidor. Não deixou pedra sobre pedra. O governo é fraco e mostra que é fraco. Muitos dos ministros têm os papéis trocados e outros nunca serão capazes de entender a sua missão. Os discursos são uma trapalhada.
Terá início, a partir de amanhã, um exercício real, mas doloroso, que demonstrará aos portugueses que a propaganda não basta para governar. Espero que o tempo me dê razão.
Tudo isto me fez lembrar esta citação desencantada que, vinda da pena de um democrata convicto, tem um especial significado.
"Agosto de 37.
Cada vez que oiço um discurso político ou que leio os que nos dirigem, há anos que me sinto apavorado por não ouvir nada que emita um som humano. São sempre as mesmas palavras que dizem as mesmas mentiras. E visto que os homens se conformam, que a cólera do povo ainda não destruiu os fantoches, vejo nisso a prova de que os homens não dão a menor importância ao próprio governo...
"Albert Camus, in Cadernos, "Caderno n.º 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937) - Edição Livros do Brasil
domingo, maio 1
A Queda de Saigão
Foto de O Portal da História
A Embaixada dos Estados Unidos no Vietname do Sul, quando Saigão caiu nas mãos do Exército do Vietname do Norte (1975). Fotografia de Nik Wheeler, da Agência Sipa-Liaison. A Guerra do Vietname acabou em 29 de Abril de 1975, com a conquista de Saigão pelo Exército Norte Vietnamita.
“Deixas criar às portas o inimigo
por ires buscar outro de tão longe”
Camões (“Os Lusíadas", Canto IV-CI)
Epígrafe ao poema "Peregrinação"
Manuel Alegre, in "O Canto e as Armas", 1967
A Bíblia Sagrada
Os meus avós maternos no monte do sítio de Sinagoga, Santo Estevão, Tavira, tinham em casa um único livro e lembro-me bem dele.
Esse livro de casa dos meus avós está hoje encadernado e parece novo brilhando viçoso na estante perto do meu assento de predilecção. Garatujo as escritas e espreito a informação na net sob o seu olhar atento.
No seu interior, amarelecida pelo tempo, descobri uma carta de caligrafia irrepreensível que dá testemunho de um acontecimento de época lembrando a juventude de minha mãe, nascida em 1916: “Santo Estevão de Tavira. Setembro de 1931. Minha prezada amiga: Pedindo-te antecipadamente mil perdões por não ser esta a forma porque o devia fazer venho por este meio participar o meu casamento que se deve realizar no dia 16 do mês corrente...”
Reparei, mais tarde, que o livro é uma edição de 1867 impressa, em Lisboa, pela Typographia Universal, de Thomaz Quintino Antunes, Rua dos Calafates - 110.
É a Bíblia Sagrada: “O Novo e o Velho Testamento traduzida em portuguez segundo a vulgata latina por António Pereira de Figueiredo”.
Noutros tempos foi um livro grosso para o meu olhar juvenil. Mais de mil páginas, a duas colunas, letras miúdas e bem arrumados em capítulos e começa assim:
“1. No princípio creou Deus o Ceo e a Terra. 2. A terra porém era vã e vazia: e as trevas cobriam a face do abysmo: e o espirito de Deus era levado sobre as águas. 3. E disse Deus: faça-se a luz; e foi feita a luz.”
Este livro é o sinal de uma cultura e civilização a cuja matriz fundadora não pude escapar.
REVOLTA - NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (3 de 10)
FARO
Faro - calor abafado. Capital da Cultura. Pobrete e alegrete. Sobram, certamente, as boas vontades.
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