segunda-feira, fevereiro 5

OLHO. É O FISCO, SEMPRE O FISCO ...

Posted by PicasaLaetitia Casta

Abro o computador, dou uma volta pelas notícias, reparo que todos os destaques se concentram nos sucessos do fisco. O governo, nesta matéria, faz-me lembrar o Solnado numa peça em que, com o seu talento inato, enchia o palco mesmo sabendo mal o papel.

Os resultados são meritórios mas fica-se com a sensação de que a peça é velha, repetida e, um dia destes, o ministro das finanças vai mesmo baralhar os números. Duas notas telegráficas:

- As receitas fiscais não são uma alavanca do crescimento da economia e tal como nos recursos marinhos o peixe miúdo pode ficar ameaçado de extinção pelo exagero da chamada “pesca de arrasto”;

- As vias virtuosas para estimular a economia estão todas do lado da despesa, ou seja, o estado tem de gastar menos e melhor, exercendo com mais eficácia as suas funções reguladoras e de estímulo ao investimento inovador.

Pode ser engano meu mas parece-me que o primeiro prato desta balança está muito cheio e o segundo demasiado vazio.
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domingo, fevereiro 4

SIM

Posted by PicasaFotografia de sophie thouvenin

"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"

SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM.

SE EU SAIR DAQUI VIVO

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Se eu sair daqui vivo
da Casa de Saúde do Telhal
crivo numa pedra nua e resistente
o tamanho do meu mal.
Assanho-me de tal
e vou e venho
onde me seja mais natural.
Se sair daqui vivo
privo-me de tudo
da minha liberdade
que não sou um homem mudo
sou um homem de verdade.
Privo-me na idade
do bem que não fizeram
do bem que tudo tem.
É numa simplicidade
que convém.

António Gancho

14/3/96
Casa de Saúde do Telhal

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A POESIA ESTÁ NA RUA
25º Aniversário 25 de Abril

Conspiração

A poesia. A conspiração da metáfora saiu à rua. Num Abril assim: de palavras, de palavras sem endereço. Porque eram para todos os que as desejassem colher. Assim como quem colhe a manhã, ou um lírio ou um simples papel para amarrotar e atirar ao chão. Poesia na rua, no espaço livre e inalienável.

Será esta a sua casa? Em Abril será sempre esta a sua frágil casa.

A associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto agradece a todos os poetas que deram rosto à conspiração – simples afinal, frágil como a casa da poesia.

Francisco Duarte Mangas
Presidente da AJHLP


Poesia – Sonho de uma nova liberdade

O 25 de Abril foi um sonho que sobreviveu. Poucos acreditavam ser possível dar asas, em Portugal, a esse sonho de uma nova liberdade que a poesia antecipou, tantas vezes, em palavras escritas e ditas.

Sejamos claros e honestos: o regime político que exausto acabou os seus dias no 25 de Abril de 1974 era uma ditadura, certamente com adeptos entre os portugueses, que desprezava as mais elementares regras do respeito pelo povo, desde logo negando-lhe o direito à escolha, em eleições livres, do tipo de regime ou de governo que mais lhe aprouvesse.

As profundas aspirações do povo português à liberdade e à justiça foram, finalmente, cumpridas e para mim esse sonho transfigurou-se, no Quartel do Campo Grande, pela poesia dita pelo Mário Viegas, amigo e companheiro de armas, num desses dias febris de Abril aos militares reunidos de improviso.

Sem querer esconjurar os demónios do passado, a revolução, para mim, só ganhou sentido verdadeiro nesse momento mágico de poesia.

Eduardo Graça
Presidente do INATEL


Estes dois textos foram escritos em 1999 e impressos na caixa/envelope que guardou os 50 panfletos, de cores variadas, transportando as 50 poesias que outros tantos poetas escreveram, ou cederam, para esta iniciativa, levada a cabo a nível nacional, aquando do 25º aniversário do 25 de Abril de 1974.

O mérito, alcance e êxito da mesma ficaram a dever-se, no essencial, a Manuela Espírito Santo, à época, Vice-presidente do INATEL, e a Francisco Duarte Mangas. Para eles as minhas homenagens.

Lembrei-me de arriscar um exercício de divulgação destes 50 poemas, de autores consagrados, à época todos vivos, associando, a cada um deles, uma fotografia da colecção que o Hélder Gonçalves ofereceu aos seus amigos pelos seus 50 anos, conforme o meu critério e gosto pessoal.

Aqui fica, deste modo, uma homenagem à poesia e, através dela, ao 33º aniversário do 25 de Abril.
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sábado, fevereiro 3

HÉLDER GONÇALVES

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

O Hélder Gonçalves celebra hoje o seu cinquentenário. Ele é um daqueles casos de pessoa que associa a formação académica, numa área científica, com o gosto pela arte – neste caso – a fotografia.

Na festa de aniversário muitos dos seus amigos vão ficar surpreendidos pela pujança e modernidade da sua arte que, como em tantos outros casos, não alcança a notoriedade pública que bem merecia. Mas fica o que mais interessa: o prazer do autor na realização da obra e o dos amigos na sua contemplação.

Foi com fotografias de sua autoria que a imagem surgiu, pela primeira vez, neste blogue e, desta vez, vou publicar, até ao próximo dia 25 de Abril, além desta, algumas dezenas de fotografias de sua autoria ilustrando, na sua maior parte, os poemas que foram divulgados, em forma de panfletos, numa iniciativa designada por “A Poesia Está na Rua”.

Foi um projecto resultante de uma parceria entre o INATEL e a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, concretizado em 1999, e da qual falarei, com mais detalhe, num dos próximos dias.

Agora resta-me agradecer ao Hélder Gonçalves ter depositado nas minhas mãos a tarefa de divulgar as fotografias que hoje, além do mais, vão estar expostas na festa do seu aniversário. Parabéns.

sexta-feira, fevereiro 2

Reforma da Administração Pública: pequenos detalhes

Posted by Picasa Laetitia Casta

Está disponível no site do “Semanário Económico” e no IR AO FUNDO E VOLTAR o artigo com o título em epígrafe do qual reproduzo a entrada:

Já se percebeu que há atrasos na aplicação de algumas medidas previstas no âmbito da reforma da Administração Pública. Nada que não fosse expectável. A tarefa é difícil e as suas consequências serão, certamente, dolorosas.

quinta-feira, fevereiro 1

ALDINA DUARTE

CAMUS - CADERNOS (SUBLINHADOS)

Posted by Picasa Albert Camus

Ressonância de 28 de Janeiro de 2004, no Absorto e de 7 de Fevereiro, do mesmo ano, nos Cadernos de Camus. Deste conjunto de sublinhados assinalo, porque vem a propósito, em plena campanha do referendo acerca da interrupção voluntária da gravidez, a seguinte reflexão: “Cristãos felizes: Guardaram a graça para si próprios e deixaram-nos a caridade.”


Nos meus sublinhados de juventude destes Cadernos omito, pela primeira vez, dois excertos de diálogos que viriam a integrar a futura peça de teatro “Os Justos”. A sua transcrição integral tornaria demasiadamente longa esta contribuição para o projecto Cadernos de Camus. Mantenho, no entanto, um excerto dos diálogos preparatórios dessa peça.

“Há quem se remanseie numa mentira como os que se refugiam na religião.”
(Esta frase sublinhada faz parte de um texto longo, que não transcrevo na íntegra, no qual, à margem, escrevi à mão: “cuidado!”)

“Conheço-me bem de mais para crer na virtude completamente pura.”

“O problema mais sério que se põe aos espíritos contemporâneos: o conformismo.”

“O grande problema da vida é saber como viver entre os homens”
(Apresenta uma nota de pé de página onde se lê: “No manuscrito, encontra-se entre parênteses: A.F.”)

“X. “Sou um homem que não crê em nada e que não ama ninguém, pelo menos no âmago. Há em mim um vazio, um deserto horrível...”

“Marc condenado à morte na prisão de Loos. Recusa que lhe tirem os ferros durante a Semana Santa para se parecer mais com o seu salvador. Antigamente disparava contra os crucifixos que encontrava nas estradas.”

“Cristãos felizes: Guardaram a graça para si próprios e deixaram-nos a caridade.”

“Peça.
D. – O que há de triste, Yanek, é que tudo isso nos envelhece. Nunca mais, nunca mais seremos crianças. Podemos morrer desde este instante, já esgotámos o homem (o homicídio é o limite.)
- Não, Yanek, se a única solução é a morte, então não seguimos a boa vida. A boa vida é a que leva à vida.
- Tomámos sobre nós o mal do mundo, este orgulho há-de ser castigado.
- Passámos dos amores infantis a essa inicial e derradeira amante que é a morte. Andámos depressa de mais. Não somos homens.”

(Este excerto é o único que transcrevo daqueles que sublinhei dos textos preparatórios da peça de teatro “Os Justos”. Esta peça foi concluída, após uma viagem à América Latina, no Verão de 1949, estando Camus gravemente doente. Nela é abordada a questão, fundamental para Camus, da violência política cujo debate requer, em qualquer circunstância, um adequado enquadramento filosófico e histórico.)

“Miséria deste século. Ainda não há muito tempo eram as más acções que precisavam de ser justificadas, hoje são as boas.”

“A solidão perfeita. No urinol de uma grande estação à uma hora da manhã.”

(Contém uma nota de pé de página onde se escreve. “Esta observação foi acrescentada à mão sobre a primeira redacção à máquina”).

“Bayle: pensamentos diversos sobre o cometa.

“Não se deve julgar a vida de um homem nem pelas suas crenças nem pelo que publica nos livros.””

“Como fazer compreender que uma criança pobre pode ter vergonha sem ter inveja”
(Clara referência à infância pobre do próprio Camus.)


“Vigny (correspondência): “ A ordem social é sempre má: de tempos a tempos é apenas suportável. Para se ir do mau ao suportável, a disputa não vale uma gota de sangue” Não, o suportável merece, se não o sangue, pelo menos o esforço de uma vida inteira. Misantropo em grupo, o individualista perdoa ao indivíduo.”

“Saint-Beuve: “Sempre pensei que se as pessoas dissessem o que pensam durante um minuto apenas a sociedade ruiria.”

Extractos, in “Cadernos” (1964-Editions Gallimard), tradução de António Ramos Rosa, Colecção Miniatura das Edições “Livros do Brasil”, Caderno nº5 (Setembro de 1945/ Abril de 1948).
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SIM

Posted by Picasa Fotografia de sophie thouvenin

"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"

SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM. SIM.

quarta-feira, janeiro 31

RODRIGO EMÍLIO

Posted by Picasa Fotografia de Bart Pogoda

Sou bem diferente de mim
Dentro do meu coração:
- O Momento, dou-O: à que me diz SIM.
- A Eternidade: à que me diz NÃO!
.
Acordo sempre sem ti, sempre que contigo sonho,
Nesta condenação, até sempre, indefinida
- De ter-te perto: no Sonho,
- De ter-te longe: na Vida!
.
Aonde ela for, eu vá; que ela me siga, onde eu for.
Eu e ela, ela e eu; eu – por ela, ela – por mim:
Paralelas do Amor
Sem um princípio ou um fim.
.
E, na luz do fim que o tempo doura,
Ser-me-ás o princípio, o fim e o centro,
Pela Vida fora,
Pela Morte dentro...

Rodrigo Emílio

[A Helena publicou um poema de Rodrigo Emílio.
Já conhecia vagamente a sua poesia, de leituras
dispersas, mas fiquei surpreso e interessado em
conhecer mais. O seu percurso político/ideológico
é diametralmente oposto ao meu mas a sua poesia
tem uma força que não sei bem explicar. A Helena
enviou-me outro poema dele que agora publico.
A formatação não respeita, certamente, o formato
original mas, sinceramente, acho que não faz mal.]

terça-feira, janeiro 30

JORGE CORVO - DOIS COMENTÁRIOS

Posted by Picasa Jorge Corvo

Volto ao ciclista algarvio que nunca ganhou a Volta a Portugal mas que, por três vezes, se classificou em 2º lugar, “puxando” dois comentários:

O tomas vasques lembra algo que, na sua época, foi um acontecimento extraordinário e que não referi antes por não ter a certeza da Volta na qual se processou o “cambalacho”: “Jorge Corvo perdeu a volta de 1959 para Carlos Carvalho por 5 segundos. Nessa Volta a Organização alterou um contra-relógio individual no contra-relógio por equipas para impedir a vitória de Jorge Corvo”.

O Carlos Maria, de muito longe, lança, a propósito de Jorge Corvo, uma frecha afectiva que ficou cravada no meu coração:

“Meu caro Eduardo Graça. O Jorge Corvo foi um grande atleta do Ginásio Clube de Tavira, como sabes. Não sei se a colectividade ainda existe – se resiste – e, muito menos, se nela ainda se pratica ciclismo. Mas praticou. E, apesar de ser do Benfica, este foi um dos ídolos que encheu o imaginário da minha infância.

Embora não me possa gabar de ter o conhecimento e a memória do Tomás Vasques, quem quer que ele seja. O Jorge Corvo é hoje – como podiam ter sido outros, da mesma cepa, de que tens falado – o pretexto ideal para te dizer que, embora discreto, sou leitor fiel do teu blogue desde que dele me deram nota.

Não sendo, é certo, palavra que conste do léxico mais comum deste espaço, devo dizer-te que leio e revejo e muitas coisas com indisfarçável saudade. E, não desfazendo na teu Camus ou no teu gosto pelo comentário político, gostava de te dizer que tenho apreciado, muito especialmente, as tuas incursões num certo passado desportivo, a dedicação firme à tua terra, o amor pela tua família.

O teu irmão Dimas foi-se tornando, de algum modo, familiar e, naturalmente, é com ternura que leio o que dizes, como o dizes, sobre o teu filho, desenhador de mérito. Obrigado, então, pelo mundo afectuoso que, aqui tão longe onde me encontro, me fazes chegar. Um abraço para ti. E, já agora, farás o favor de dar um grande abraço meu ao
António Pais, um gajo porreiro de quem (também) tenho muitas saudades. Até uma foto minha ele desencantou.”

Obrigado.

PRIMEIRO VOTAR, DEPOIS VOTAR SIM

Posted by Picasa Fotografia de sophie thouvenin

A questão em apreço é antiga e sempre foi tratada com a maior brutalidade, na vida privada, como a questão do aborto. Para efeitos de sociedade é tratada como a questão da interrupção voluntária da gravidez. Para o povo e para as elites é, em qualquer caso, uma prática comum desde tempos imemoriais. Todos nós, seja qual for o género, credo ou ideologia, já ouvimos falar e/ou participamos, directa ou indirectamente, na coisa.

O que está em causa, no referendo de 11 de Fevereiro, é a questão da despenalização, em determinadas condições, da interrupção voluntária da gravidez. Mas está em causa também o instituto do referendo, uma regalia democrática de que poucos povos se podem orgulhar.

Tenho para mim que o SIM vai ganhar embora não devesse dizer estas coisas pois os expertos vão achar que é um contributo para a desmobilização do campo dos apoiantes da minha própria causa. Vamos a ver.

Mas quero crer que a grande diferença entre este referendo e o de 1998, exactamente com a mesma pergunta, é que, para além de terem passado quase dez anos, hoje, ao contrário do que acontecia em 1998, o líder do PS apoia o SIM.

Podem alguns esgotar-se em passajar a imagem do Eng.º Guterres, lustrá-lo e aspergi-lo, que nada o tornará politicamente inocente nos resultados de 1998. Ele era, em consciência, pelo NÃO e, em conformidade, votou. Sendo líder de um partido, laico e progressista, que representa um eleitorado maioritariamente adepto do SIM, convenhamos que é obra.

Desta vez, por mor da liderança de Sócrates, quer se goste ou não, o PS regressou à crença natural. Esta “pequena diferença” muda tudo e coloca o SIM em melhor posição para vencer. Mas para que a vitória eleitoral do SIM se transforme numa verdadeira vitória política é preciso que a abstenção não obtenha a maioria absoluta.

O que os defensores do SIM devem fazer, predominantemente, nesta campanha é apelar ao voto. Simplesmente apelar ao voto! Porque não é só a questão da despenalização do aborto que está em causa é também a questão da democracia.

segunda-feira, janeiro 29

CAMUS - UM NOVO LIVRO E MAIS SUBLINHADOS

Posted by Picasa “Camus et l’homme sans Dieu”

Ressonância de 27 de Janeiro de 2004. Por estes dias, três anos atrás, respiguei todos os sublinhados resultantes das minhas leituras de juventude dos Cadernos de Camus. Hoje recebi a prenda da M. e do F. que minha mulher me trouxe, em mão, de Paris: “Camus et l’homme sans Dieu”, de Arnaud Corbic.

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Os meus sublinhados da leitura de juventude dos Cadernos salta, por razões que não sou capaz de explicar, para o Caderno nº5. A edição portuguesa dos “Livros do Brasil” (Colecção Miniatura), apresenta uma configuração diferente da francesa, das Edition Gallimard, como é explicado no volume intitulado Cadernos III: “Por motivos de ordem técnica, Carnets II foi dividido, na edição portuguesa, em dois volumes: Cadernos II (já publicado nesta colecção sob o número 162) e Cadernos III, que é o presente volume”. Os extractos do Caderno 5 a que se seguem constam, pois, dos Cadernos III que dizem respeito ao período Setembro de1945/Abril de 1948.

Estes extractos são, por vezes, mais longos do que nas anteriores incursões por este registo de leitura o que se deve ao facto de terem sido leituras posteriores a Abril de 68, provavelmente de 69/70, no período da crise académica na qual participei activamente.

“O ar de pobres diabos que têm as pessoas nas salas de espera dos médicos”.

“Conversações com Koestler. O fim não justifica os meios senão quando a ordem de grandeza recíproca for razoável. Posso mandar Saint-Exupéry em missão mortal para salvar um regimento. Mas não posso deportar milhões de pessoas e suprimir toda a liberdade por um resultado quantitativo equivalente e estipular previamente o sacrifício de três ou quatro gerações.
- O génio: Não existe.
- A grande miséria do criador começa quando se lhe reconhece talento (Já não tenho coragem de publicar os meus livros).”

“1947
Como todos os fracos, as suas decisões eram brutais e de uma firmeza insensata”.

“Que vale o homem? Que é o homem? Depois de tudo o que vi, enquanto eu viver, hei-de ficar sempre com uma desconfiança e uma inquietação fundamental a seu respeito.”

“Terrorismo.
A grande pureza do terrorista estilo Kalyaev, é que para ele o homicídio coincide com o suicídio (cf. Savinkov: Recordações de um terrorista). Uma vida paga-se com outra vida. O raciocínio é falso, mas respeitável. (Uma vida ceifada não vale uma vida dada.) Hoje o homicídio por procuração. Ninguém paga.
1905 Kaliayiev: o sacrifício do corpo. 1930: o sacrifício do espírito.”

“Que é impossível, a respeito de quem quer que seja, dizer que é absolutamente culpado e, por conseguinte, impossível pronunciar um castigo total.”

“25 de Junho de 1947
Tristeza do êxito. A adversidade é necessária. Se tudo me fosse mais difícil, como dantes, teria mais direito a dizer o que digo. O que vale é que posso ajudar muitas pessoas – entretanto.”

(No ano de 1947 Camus abandona a redacção do jornal Combat e publica o romance “A Peste” que o torna célebre o que, sem dúvida, explica esta reflexão acerca do êxito. Nos meus sublinhados verifico a curiosidade de ter colocado entre aspas a frase “A adversidade é necessária”. Um sublinhado do sublinhado).

Extractos, in “Cadernos” (1964-Editions Gallimard), tradução de António Ramos Rosa, Colecção Miniatura das Edições “Livros do Brasil”, Caderno nº5 (Setembro de 1945/ Abril de 1948).
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JORGE CORVO

Posted by Picasa Jorge Corvo (Fotografia de “A Defesa de Faro”)

Julgo não me enganar na identificação do ciclista: Jorge Corvo. Neste fim-de-semana percorri as estradas que ele conhece como ninguém. Ali perto da casa de meus avós no tempo das amendoeiras em flor que em vez do tapete branco de antigamente agora se apresentam como simples pontos esparsos na paisagem mediterrânica.

Jorge Corvo foi um herói que nunca subiu ao trono. Por três vezes foi 2º classificado na Volta a Portugal em bicicleta (1959, 63 e 64) e na Volta de 1963 perdeu por 25 segundos para João Roque. Sempre fiquei com a impressão que jamais seria possível um ciclista de um pequeno clube ganhar a Volta.

Esta fotografia foi tirada pelo meu irmão numa etapa qualquer, certamente no Algarve, de uma competição ciclista. O meu irmão gostava da fotografia e nesta casou de forma feliz a moldura do entusiasmo popular com o esforço tranquilo do campeão que o foi sem nunca o ter sido.

domingo, janeiro 28

TUGIR

Posted by Picasa Magritte

Três anos, muito tempo nesta atmosfera na qual bailam mil vagidos. É uma idade avançada quando não é avençada. O Tugir faz três anos. Tudo o que nos dá prazer sempre recomeça. Recomecemos, então!

CADERNOS DE CAMUS - SUBLINHADOS

Posted by Picasa Imagem Daqui

Ressonância de 25 de Janeiro de 2004.
Mais uma colaboração com o blogue Cadernos
de Camus
, uma iniciativa efémera de José Pacheco Pereira, desta vez com um apontamento biográfico do autor.

Em sequência dos meus sublinhados da primeira leitura de juventude dos Cadernos aqui deixo os excertos que mereceram a minha admiração no Caderno nº 2 (22 de Setembro de 1937/Abril de 1939).

Assinalo que Camus ingressou no Partido Comunista Argelino em 1934, no mesmo ano do seu casamento com Simone Hié. Entre 1934 e 1937 conclui a licenciatura em Filosofia, separa-se de Simone Hié e, em 1937, é expulso (ou abandona voluntariamente) o Partido Comunista.

Este breve apontamento biográfico serve para chamar a atenção para o facto de, por vezes, num futuro aprofundamento deste projecto, ser necessário acompanhar a “acção” com a biografia pois não foi por acaso que Camus adoptou a designação de “Cadernos” e não de “Diário”.

Camus tinha uma verdadeira aversão a retratar a sua vida pessoal não existindo nos Cadernos quase nenhumas referências directas às suas vivências pessoais. Mas elas estão lá em abundantes referências indirectas e aos seus projectos de trabalho.

Eis os meus sublinhados neste Caderno nº2 que, por sinal, são escassos.

“Huxley.”No fim de contas, vale mais ser um burguês igual aos outros que um mau boémio ou um falso aristocrata, ou que um intelectual de segunda ordem…””

(Deveria eu ter acabado de ler “O Admirável Mundo Novo” e uma enorme emoção resultou dessa leitura.)

“Aquele que ama neste mundo e aquela que o ama com a certeza de se lhe juntar na eternidade. Os seus amores não estão no mesmo plano.”

“O parzinho no comboio. Ambos feios. Ela agarra-se a ele, ri, excitada, seduzindo-o. Ele, de olhar sombrio, sente-se embaraçado por ser amado diante de toda a gente por uma mulher da qual não se orgulha.”

“A Argélia, país a um tempo medido e desmedido. Medido nas suas linhas, desmedido na sua luz.”

“Aquela manhã cheia de sol. As ruas quentes e cheias de mulheres. Vendem-se flores a todas as esquinas das ruas. E esses rostos de raparigas que sorriem.”

(Esta frase, com outras que constam neste Caderno, e que não sublinhei, manteve-se muito viva na minha memória pois despertou, e desperta, as mais fortes ressonâncias afectivas da minha infância, no campo, e na pequena cidade de Faro, na distante província que era o Algarve rural dos anos 50.)

Extractos, in “Cadernos” (1962-Editions Gallimard), tradução de Gina de Freitas, Colecção Miniatura das Edições “Livros do Brasil”, Caderno nº2 (Setembro de 1937/ Abril de 1939).
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sexta-feira, janeiro 26