sábado, abril 3

Saramago

A discussão pública acerca da participação popular em eleições acendeu-se com a posição de Saramago acerca do voto em branco. Parece ser uma campanha de publicidade ao seu livro colocado, recentemente, no mercado. Lamentável! Colocar em discussão uma questão de tamanha importância a reboque do puro comércio.

Saramago mostra-se actualizado nesta matéria. É um carácter, no mínimo, um pouco estranho. Do livro não falo porque ainda não o li.

A questão do voto já tinha sido suscitada, recentemente, com a divulgação de sondagens anunciando uma fortíssima abstenção nas próximas eleições para o Parlamento Europeu. No entanto, nas recentes eleições em Espanha e em França, a abstenção caiu e ninguém ouviu falar do voto em branco. Mas a campanha publicitária de Saramago já estava em marcha.

As minhas desculpas mas vou dizer umas frases muito pouco sofisticadas a propósito deste magno tema da democracia representativa. Eu sei que na história da democracia houve ditadores que chegaram ao poder pela via eleitoral. Mas a defesa da democracia representativa vale a pena mesmo correndo os riscos do seu desvirtuamento.

A democracia e a liberdade admitem aperfeiçoamentos desde logo porque aceitam ouvir a voz daqueles que se lhes opõem; as ditaduras só aceitam o silêncio do consentimento e só sobrevivem através da supressão violenta das diferenças. A contestação da democracia cabe dentro da própria democracia. Estou aí nesse espaço em que se possa lutar para acrescentar mais democracia à democracia e mais liberdade à liberdade.

Sempre votei em todas as eleições livres (era esta a reivindicação dos tempos da ditadura, lembram-se?) que tiveram lugar após o 25 de Abril. Já tinha mais de 18 anos. E também votei nas farsas eleitorais, antes do 25 de Abril, quando a oposição democrática chegou até às urnas.

Nunca votei em branco. Votar em branco não representa uma escolha, representa a renúncia a uma escolha. As eleições existem para fazer escolhas. É esse o princípo em que se fundamenta o sufrágio universal. Para se chegar a este sistema, desprezado por Saramago, travaram-se muita lutas, fizeram-se muitos sacrifícios, muita gente se enganou, muitos foram humilhados e outros morreram...lembremo-nos da conquista do voto das mulheres e do voto dos negros...

Sempre que haja uma oportunidade para participar num acto eleitoral das duas uma: ou cada um de nós assume a sua responsabilidade individual pelos destinos do governo da comunidade votando no Partido ou Candidato da sua predilecção, ou, não exercendo esse dever, se demite de ser cidadão.

Pela parte que me toca só tive pena de não ter votado em Humberto Delgado. Mas, em 1958, tinha 11 anos. Nessa época só pude sentir o ambiente de forte apoio popular ao General conduzido, nas manifestações da sua campanha no Algarve, pela mão de meu pai.

Tenho a convicção que em Portugal se deverá adoptar, com urgência, o voto electrónico permitindo que todos possam votar, no limite, sem sair de casa. Questiono-me se não será de adoptar, também, como sucede noutros países, o voto obrigatório com penalização para quem não votar.

A democracia e a liberdade são o bem mais precioso da nossa comunidade. Devem pois ser defendidas e preservadas com a maior firmeza e determinação.

Se assim for os discursos dos Saramagos, com todo o respeito, não têm importância nenhuma.

Se assim não for ficam abertam as portas para que os aspirantes a tiranos sonhem com o poder. Eles esvoaçam por cima das nossas cabeças!


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