quarta-feira, abril 24

25 de ABRIL


Neste mesmo dia, 39 anos passados, pela hora a que escrevo, devo ter passado pela casa do Ferro (Rodrigues) para o avisar de que algo de muito especial estava a ser preparado para o dia seguinte. Estava a decorrer a transmissão de um jogo de futebol na Alemanha de Leste – Magdeburgo-Sporting (para a Taça das Taças?), não me lembro já das palavras, mas retenho a memória viva do ambiente. Saí para me juntar ao João Mário Anjos (que será feito dele!) e do António Dias, na casa deste, em Benfica, de onde haveríamos de sair (se tudo, desta vez, corresse conforme as nossos desejos), a caminho do quartel do Campo Grande onde, como milicianos, prestávamos serviço militar. Era, se não erro uma quarta-feira, primavera em flor, e esperámos pacientemente pelos sinais em forma de canções. Deixei-me dormir enquanto esperava. De súbito alguém me acordou dando-me a notícia de que havia tocado a canção/senha. Devemos ter-nos apressado a sair tomando lugar no Datsun branco, conduzido pelo António Dias, o João Mário Anjos e eu próprio a caminho do Campo Grande mas antes ainda demos umas voltas para medir o pulso ao ambiente nas ruas e no quartel do Lumiar. Prevalecia a quietude, nada mexia, receamos um falso arranque e mais um fracasso. Após algumas voltas reentramos na 2ª circular e, chegados perto do quartel, demos de frente com uma coluna militar da qual não sabíamos mais do que nos era dado ver. Voltamos a acreditar e em lugar de cumprir com o plano decidimos seguir a coluna – já sem o João Mário que deixamos no quartel – descendo a caminho da baixa. Já antes contei este episódio improvável que fez com que tivéssemos sido os únicos civis que, como mais tarde soubemos, fizeram parte da coluna de Salgueiro Maia. Depois da coluna militar ter estacionado na Ribeira das Naus seguimos em frente retomando o plano inicial e, de caminho, cruzou-se connosco, em sentido contrário, uma coluna de tanques pesados. A desproporção das forças em presença era brutal e pensamos, caso se tratassem, como se tratavam, de forças de campos opostos esta última coluna destruiria sem esforço a que havíamos seguido. Afinal tudo se passou ao contrário: a fraca força militar, comandada pelo capitão Salgueiro Maia, venceu a forte força militar, comandada pelo brigadeiro Junqueira dos Reis. Ali, naquele preciso momento, a coragem serena de Salgueiro Maia, olhando de frente o soldado que se recusou a premir o gatilho, desobedecendo às ordens de fogo, decidiu a sorte da revolução. Honra à sua memória!
Com o meu amigo João Mário Mascarenhas, na porta de armas do Quartel do Campo Grande, num dos dias de fogo da revolução.  

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