domingo, novembro 13

MADRIGAL MELANCÓLICO


Ana Cristina Leite - Galeria ad hoc

O que eu adoro em ti
Não é sua beleza
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito
E a beleza é triste
Não é triste em si
Mas pelo que há nela
De fragilidade e incerteza

O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência
Mas é o espírito sutil
Tão ágil e tão luminoso
Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é tua ciência
Do coração dos homens e das coisas
O que eu adoro em ti
Não é a tua graça musical
Sucessiva e renovada a cada momento
Graça aérea como teu próprio momento
Graça que perturba e que satisfaz

O que eu adoro em ti
Não é a mãe que já perdi
E nem meu pai
O que eu adoro em tua natureza
Não é o profundo instinto matinal
Em teu flanco aberto como uma ferida
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza
O que adoro em ti lastima-me e consola-me
O que eu adoro em ti é A VIDA !!!

Manoel Bandeira

CAMUS NA COLECÇÃO DE MÁRIO SOARES


Bernardo Marques (1899-1962) – O Estrangeiro (1954)

Guache sobre papel; inscrição: “colecção miniatura; reduzir e adaptar a formato de edição”. Dedicatória a lápis: “à Dra. Maria de Jesus Barroso e ao Dr. Mário Soares, Janeiro de 1984, João Palma Ferreira”.

Trata-se da maquete para a capa do romance “O Estrangeiro” de Albert Camus, publicado na Colecção Miniatura, Editorial Livros do Brasil, em 1954.

**************
Esta é uma imagem retirada do Catálogo da Exposição “Colecção Mário Soares” efectuada no Museu do Chiado em Fevereiro de1996. Achei curioso encontrar na colecção particular de Mário Soares uma peça referente à obra de Camus embora não seja difícil associar a cultura estética e filosófica de Soares, no essencial, ao pensamento de Camus.

O romance “O Estrangeiro”, o mais celebrado de Camus, foi publicado, originalmente, em Junho de 1942. A sua primeira edição, em Portugal, ocorreu em 1954, ainda antes de lhe ter sido atribuído o Nobel da literatura (1957).

Acerca das críticas ao romance, após a sua edição de estreia, assinalo um apontamento de Camus no Caderno nº 4:

“Da crítica
Três anos para escrever um livro, cinco linhas para o ridicularizar – e citações falsas.”

sábado, novembro 12

MARAN ATHA


Teresa Dias Coelho – Nuvens

(…)
Talvez já amanhã não nos saudemos sob as árvores
e venhas sobre as nuvens
sobre o coração sobre a morte sobre mim

Ruy Belo

MARAN ATHA
Aquele Grande Rio Eufrates

PELOS CABELOS


Fotografia de Viktor Ivanovski in XUPACABRAS

Três acontecimentos políticos marcantes dos últimos dias:

(1) Acórdão do Tribunal da Relação pela não prenuncia de Paulo Pedroso, Herman José e Francisco Alves no chamado caso Casa Pia. Aguarda-se que, nos próximos tempos (anos), seja possível conhecer a verdade, em particular, no que respeita à campanha inculcando na opinião pública a imagem de envolvimento de altos ex-dirigentes do PS neste caso de pedofilia incluindo o seu ex-secretário geral Ferro Rodrigues. Vai começar uma nova etapa.

(2) O PSD votou contra o orçamento de estado para 2006. Esta decisão, atenta a natureza e os objectivos deste orçamento, vai custar muito cara, no futuro, ao PSD e à liderança de Marques Mendes. Ou Marques Mendes já sabe do seu destino, caso Cavaco ganhe as presidenciais, ou espera uma longa penitência do PSD na oposição, ou ambas as coisas, e decidiu armadilhar o caminho de quem lhe vier a suceder. Está a acabar uma etapa.

(3) Manuel Alegre, deputado do PS, não compareceu na discussão e votação do Orçamento para 2006. Escudando-se na liberdade que lhe advém do seu estatuto de deputado e na condição de candidato presidencial demarcou-se, de facto, de tomar posição acerca do mais importante documento orientador da política do governo do seu próprio partido. O partido está no seu coração mas ele está fora do coração do partido. Finito.

A IDADE DE MÁRIO SOARES


Raquel Welch

Uma das linhas de ataque a Soares é a sua idade cronológica. Pululam os comentários, explícitos e implícitos, acerca da “velhice” do candidato Soares. Tentam enxergar-se gafes e posturas em Soares que, ao contrário do que se quer fazer crer, não são uma degenerescência originada pela idade mas uma característica própria da sua maneira de ser e intervir politicamente.

Soares é, hoje, igual a ele próprio. De espantar são as gafes de Cavaco – uma por intervenção – enquanto candidato supostamente jovem. A última foi a de se referir às próximas eleições presidenciais como eleições autárquicas. A comunicação social disfarça e assobia mas Cavaco, mesmo sem a pressão do contraditório, está a mostrar as fragilidades gritantes da sua personalidade para o exercício da função presidencial.

Impressiona, por outro lado, a energia de Soares e a sua disponibilidade para se sujeitar à indignidade da linha de ataque assente na questão da idade. A candidatura de Soares servirá, seja qual for o resultado final das eleições, para dar aos portugueses uma lição de dignidade e civismo afirmando, na prática, que todos temos o direito a desempenhar um papel activo na vida em sociedade até ao fim. Esta não é uma atitude neutra nem menosprezável, antes pelo contrário, a assumpção de uma das mais importantes questões civilizacionais do nosso tempo.

Explorar esta linha de ataque a Soares é o maior erro político que, seja quem for, pode cometer. As sociedades em todo o mundo e, em particular, no ocidente, estão a envelhecer a uma velocidade estonteante. Os mais velhos serão a maioria da população e do eleitorado daqui a muito poucos anos.

Os candidatos mais velhos não só, como no caso de Soares, acumulam mais experiência humana e política, como correspondem, cada vez melhor, ao perfil de uma parte significativa do eleitorado.

Não se entusiasmem demasiado com a s virtudes da juventude e a exploração publicitária do seu mito. O mito da juventude, em boa verdade, em particular, no mundo ocidental, agoniza às mãos do chamado “envelhecimento demográfico”.

E não se esqueçam que Mário Soares é um político “matador” e que essa sua característica se não desvaneceu com o tempo antes pelo contrário parece ter-se refinado.

sexta-feira, novembro 11

ARMISTÍCIO


Assinatura do Armistício que pôs fim à Primeira Guerra Mundial em 11 de Novembro de 1918.

Celebra-se hoje o aniversário do armistício que encerrou uma das guerras mais dramáticas da história europeia do século XX. Portugal participou com um corpo expedicionário mas a efeméride, no nosso país, estranhamente, não se comemora!...

Portugal na 1ª Grande Guerra in Portal da História

A Revolta do Corpo


Mónica Bellucci

"Ao fim de dois mil anos de cristianismo, a revolta do corpo. Foram precisos dois mil anos para que de novo surgisse a nudez nas praias. Consequentemente, o excesso. E o corpo reencontrou o seu lugar nos usos. Falta ainda dar-lhe de novo o seu lugar na filosofia e na metafísica. É um dos sentidos da convulsão moderna."

Albert Camus

Caderno n.º 5 (Setembro 1945/Abril 1948) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

quinta-feira, novembro 10

RUY BELO


Descobri, por acaso, também um livro acerca de “Ruy Belo: “Coisas do Silêncio”, de Duarte Belo e Rute Figueiredo, editado pela Assírio e Alvim.

Nele além de fotografias, que “pressupõem a ligação da identidade do poeta à identidade dos lugares”, publicam-se excertos da sua poesia cujo formato se adequa, quase na perfeição, à sua divulgação num blogue. Uma forma de a conhecer sem facilidades torneando os excessos eruditos.

Como se diz no posfácio do livro “Os poemas ou excertos de poemas que integram este conjunto de fotografias, funcionam como o traçado de um processo criativo, ou um “mapa” de visita que nos permite descortinar a face de uma paisagem humana desenhada por gestos suspensos entre palavras.

“A minha amada chega no ar dos pinhais
cingida de resina vária como o cedro
e a maresia. Levanta-se lábil
e compromete solene o séquito da aurora
Ou vem sobre os rolos do mar
cheia de infância pequena de destino
(…)

"Condição da Terra"
Aquele Grande Rio Eufrates

quarta-feira, novembro 9

MÁRIO SOARES POR JÚLIO RESENDE


Por acaso descobri, perdido por aqui, um livro muito interessante de que já não me lembrava. Um catálogo de uma exposição, em tempos realizada, no "Museu do Chiado" da colecção particular de pintura de Mário Soares. Assim se redescobre o gosto pela arte de um político que, nesta época, vale a pena chamar à atenção.

Juntar a arte da política activa, ao gosto militante pela arte, não é vulgar e podem muitos estar esquecidos dessa faceta de Mário Soares na hora em que está na moda, entre os saudosistas da “verdadeira esquerda” e também, paradoxalmente, da “verdadeira direita”, atribuir esse predicado a Manuel Alegre, aliás, um produtor de um dos seus géneros, a poesia.

Sem demérito para o poeta, na disputa presidencial, prefiro Soares, o político amante da arte, a Alegre, o artista amante da política.

Naquele catálogo da colecção de Mário Soares, entre muitas obras, reparei em três peças que darei a conhecer a começar por este retrato do próprio Soares da autoria de Júlio Resende.

Imortalidade


Fotografia de Angèle

“Não nascemos para a liberdade. Mas o determinismo é também um erro.”

“Que poderia ser (Que é) a imortalidade para mim? Viver até que o último homem tenha desaparecido da terra. Nada mais.”

Albert Camus

Caderno n.º 5 (Setembro 1945/Abril 1948) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

(Sexto e sétimo fragmentos iniciais do Caderno nº 5 que transcrevi na íntegra respeitando a sua sequência. As transcrições de fragmentos dos Cadernos, a partir de agora, regressam ao formato habitual – sublinhados da releitura actual.)

terça-feira, novembro 8

Também já fui brasileiro


Fotografia de Angèle

Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.

Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.

Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isto, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.

De Alguma poesia (1930)

Carlos Drummond de Andrade

BOTICÁRIO AO FUNDO


PAULA REGO - THE VIVIAN GIRLS WITH WINDMILLS

O Dr. Cordeiro, “boticário mor do reino”, desta vez, está “entalado”. Deve estar na expectativa de que Cavaco, caso vença as presidenciais, venha em seu socorro. E quem sabe!...

Não esqueço a campanha miserável que desencadeou contra Ferro Rodrigues, aquando das eleições de 2002, a propósito da proposta de criação das farmácias sociais …

Ele lá sabia porquê. Agora parece que se aproxima do fim o privilégio do lobby das farmácias, em particular, essa faceta de onzeneiro* do Dr. Cordeiro que lhe foi outorgada no tempo dos governos do Prof. Cavaco Silva.

* ”Que é relativo à onzena, à usura, à cobrança de juros excessivos por dinheiro emprestado; …” (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea – Academia das Ciências de Lisboa.)

Poema carismático


Margarida Delgado in sabor a sal

segunda-feira, novembro 7

TIME


Fotografia in new york on time

Os dias não mudam conforme a nossa vontade
O tempo deles foi marcado algures noutro lado

Os homens não alcançam o ponteiro das horas
O seu espaço é invisível e fora de suas glórias

Lisboa, 24 de Outubro de 2005

ÓDIOS


Hitler und Mussolini am 14. September 1945.

Os presentes acontecimentos de Paris fazem lembrar outros acontecimentos do passado. As revoltas são sempre diferentes conforme a época histórica.

A violência, seja qual for a sua natureza, conduz a dois discursos opostos: o discurso do apaziguamento que os amantes da ordem acusam de fazer o jogo dos revoltosos e o discurso da ordem que os amantes do apaziguamento acusam de acirrar os ódios.

A ordem é um valor estimado e respeitado se servir à maioria. O pior é quando a maioria, em nome da ordem, coloca o poder na mão de bandidos. Cuidado com a “ordem”! Principalmente em nome da ordem pela "ordem", do xenofobismo e do racismo!

Tem acontecido tantas vezes, na história recente, que não há desculpas para quem fraquejar no combate à violência em defesa da democracia. Sem apelos ao ódio e aos ressentimentos.

SOCORRO!


Fiquei assustado a primeira vez que vi este cartaz. Na verdade, não sei porquê, o cartaz é assustador. Não sei mas faz-me lembrar a propaganda de uma força totalitária. Desculpa lá, oh Louçã!

Eu avisei que ia deixar mal impressionados alguns amigos de esquerda com as minhas opiniões e sentimentos acerca das candidaturas presidenciais.

Mas não há paciência nem para o discurso, nem para a imagem, nem para a propaganda do Louçã. Enoja-me. Eu não quero ser olhado, "olhos nos olhos", pelo Louçã!

Como fazer para evitar ser olhado "olhos nos olhos" pelo Louçã? Socorro!

domingo, novembro 6

Razão ...Razões ...


Fotografia de Hélder Gonçalves - RIA DE AVEIRO II

“As pessoas julgam sempre que o suicídio é praticado em nome de uma razão. Mas pode muito bem ser praticado em nome de duas razões.”

Albert Camus

Caderno n.º 5 (Setembro 1945/Abril 1948) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

(Quinto fragmento integral dos primeiros seis deste Caderno nº 5.)

O gosto é livre, as posses não ...


Paula Rego – Galinhas bebés (série Ovos da Lua), 2005
[gravura e água-tinta, 20 x 21 cm]

Um dia destes esqueci-me dos óculos. Pedi uns emprestados a uma colega. Quase perfeitos na graduação. Mas óculos de mulher. Interessante fenómeno. O seu formato feminino na minha cara não escandalizou ninguém. Ou a minha cara não se deu por achada pelo formato feminino dos óculos.

A minha familiaridade com óculos, aros, hastes, lentes, graduações, dioptrias, miopias, vistas cansadas, bifocais, marcas, formatos e correcções é muito forte. Cresci a ver lidar, no quotidiano, com essa realidade. Um dia, ainda rapaz, atrevi-me a dar uma opinião a uma senhora, bem posta na vida, acerca de uns belos óculos de sol que ela se aprontava a comprar ao balcão por detrás do qual estava o meu pai. Recebi uma resposta seca do género: “meta-se na sua vida!”

E não é que os comprou mesmo. Era uma daquelas peças que, naquele tempo, se vendiam só a gente rica e eu pensava que a gente rica não comprava nada ao balcão. Mandava comprar. Ou que aqueles eram uns óculos apenas de figuração.

Fiquei a saber que não se devem dar conselhos acerca de questões de gosto a ninguém. O gosto é livre, as posses não...

sábado, novembro 5

PRESIDENTES, ELIS E OS EFEITOS COLATERIAS DA DITADURA


Elis Regina

Em Portugal, com respeito a Presidentes da República, excluindo a 1ª República (1910/1926), ninguém se queixa de terem sido demais. É interessante observar o sublime e recolhido regozijo dos portugueses perante a durabilidade dos mandatos presidenciais.

Descontados Gomes da Costa, que “comandou” a “revolução nacional”, em 1926, e de António de Spínola, que “comandou” a de 1974, tendo sido rapidamente descartados, Portugal contou, no exercício da função presidencial, no Estado Novo, desde 1926 a 1974, com três Presidentes da República: Óscar Fragoso Carmona, Craveiro Lopes e Américo Thomás (chefes militares respectivamente das forças de “Terra, Ar e Mar”) e, depois do 25 de Abril, com quatro: Costa Gomes, Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio.

Verdadeiramente só os três últimos foram eleitos, pelo voto livre dos portugueses, preenchendo, em 2006, 30 anos de vivência democrática.

Curiosamente, desde o fim da 1ª República, até aos nossos dias, no decurso de oitenta anos (80) só dois Presidentes foram civis (Soares e Sampaio), ambos eleitos. Todos os outros foram altos chefes militares ou acabaram sendo altos chefes militares (caso de Eanes). Os seus mandatos, em média, foram longos.

Talvez se possa concluir que o progresso da Pátria não tem ganho grande coisa por estar associado ao autoritarismo que esses militares, em contextos diferentes, protagonizaram nem à durabilidade dos seus mandatos. Curioso, não é? Dá para pensar!

(A foto de Elis Regina, retirada do new york on time, nada tem a ver, aparentemente, com o assunto. É que me veio à memória uma cena que nunca mais esqueci e na qual participei. As ditaduras provocam estranhos fenómenos de cegueira, de distorção da realidade e de injustiça na apreciação do papel dos outros em cada momento. Então não é que um belo dia uma entidade ligada à ditadura se lembrou de promover um espectáculo, em Lisboa, com a Elis Regina e o Jair Rodrigues e o movimento estudantil, não sei porque carga de água, metido em brios de revolta, resolveu boicotá-lo. A Elis e o Jair não entendiam nada do que se estava a passar – via-se-lhes nos rostos espantados - mas o que é verdade é que não houve espectáculo. À Elis, lá onde se encontre, e ao Jair, pela parte que me toca, desculpem!)

REVOLTA


Fotografia de Bogdan Jarocki

“Revolta: Criar para chegar mais perto dos homens? Mas se pouco a pouco a criação nos separa de todos e nos empurra para longe sem a sombra de um amor …”

Albert Camus

Caderno n.º 5 (Setembro 1945/Abril 1948) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

sexta-feira, novembro 4

SCARLETT JOHANSSON


Scarlett Johansson, atrapada por Woody Allen - "El País"

La protagonista de 'Match point' participa también en el siguiente proyecto del director neoyorquino - BARBARA CELIS - Nueva York - EL PAÍS - 04-11-2005

Scarlett Johansson, el pasado mayo en el Festival de Cine de Cannes. (REUTERS) ampliar

VÍDEO Trailer de 'Match Point' - "Me considero una persona muy afortunada por vivir de lo que más amo"

Arquivado no IR AO FUNDO E VOLTAR

PARIS A ARDER


Paris a ferro e fogo. Procuram-se explicações. Abre-se um debate. Pacheco Pereira insurge-se contra as visões compassivas face aos insurgentes. A sociedade inclusiva falha quando os valores humanistas se afundam. De acordo.

Curioso que me faz lembrar o "discurso ultrapassado" de Soares … Por isso a necessidade de levantar a bandeira da luta pelos valores. Quais? Liberdade, justiça, tolerância, trabalho, paz, ordem democrática? … as imagens lembram-me – só pelo “cheiro” as do Maio de 68.

O presidente da República francesa – em exercício vai para 10 anos – é um homem de direita. O governo actual é um governo de direita … é verdade? Nada de importante! Detalhes …

No Libération : Une huitième nuit de violences dans les banlieues

Quelque 400 voitures brûlées, un dépôt de bus incendié, les voyageurs d'un RER dépouillés… • Côte-d'Or, Seine-Maritime et Bouches-du-Rhône ont également été touchées •

Ler ainda “Paris já está a arder”, de Clara Ferreira Alves

quinta-feira, novembro 3

"Política (continuação)."


Albert Camus

“Política (continuação). Tudo deriva do facto de aqueles que estão encarregados de falar em nome do povo não terem nunca a preocupação real da liberdade. Quando são sinceros, gabam-se mesmo do contrário. Ora a simples preocupação já bastaria …

Por conseguinte esses, raros, que vivem com tal escrúpulo devem perecer mais dia, menos dia (há muitas formas de morrer a este respeito). Se são orgulhosos, não tombarão sem luta. Mas como irão lutar contra irmãos, contra a própria justiça? Deixarão o seu testemunho, eis tudo. E, com dois milénios de intervalo, assistiremos ao sacrifício, várias vezes repetido, de Sócrates. Programa para amanhã: execução solene e significativa das testemunhas da liberdade.”

Albert Camus

Caderno n.º 5 (Setembro 1945/Abril 1948) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

(Terceiro fragmento, dos seis primeiros do Caderno nº5, que venho a reproduzir na íntegra. A referência a Sócrates – o filósofo - no seio deste fragmento não é mais do que uma irónica coincidência.)

COERÊNCIA, ESTABILIDADE E CORAGEM


Já está disponível no site do “Semanário Económico” e no IR AO FUNDO E VOLTAR o artigo com o título em epígrafe, a publicar na sua edição em papel de amanhã, do qual reproduzo a entrada.

"Nas presidenciais escolhe-se, acima de tudo, uma personalidade. É a escolha política mais pura de todas as escolhas. Nas eleições presidencial a minha escolha é a mais politicamente incorrecta do momento. Aquela que, paradoxalmente, está contra a corrente e é disso que eu gosto: Mário Soares."

A DIREITA SABE AO QUE VEM


Mercúrio

Anda toda a gente à volta das questões mais importantes que estão em causa nestas eleições presidenciais. Mas poucos se atrevem a falar claro colocando os pontos nos ii.

A direita que apoiou os governos de Durão Barroso e de Santana Lopes – pois não há outra – é a mesma que apoia Cavaco Silva. O objectivo político da direita – muito legitimamente – é a conquista do poder. A candidatura de Cavaco é um instrumento dessa estratégia. A autonomia da sua candidatura, face ao PSD, é muito limitada. Vide o surgimento de Manuela Ferreira Leite e Dias Loureiro, com todo o destaque, na Comissão Política da candidatura.

O primeiro objectivo, em curso, é isolar Mário Soares. O segundo é ganhar à primeira volta para mostrar força. O terceiro é desgastar o governo socialista de Sócrates. O quarto é tomar o poder no PSD mudando a sua liderança. O quinto é reconstruir uma maioria política a partir dessa nova liderança com, ou sem, o CDS/PP. O sexto é ganhar as próximas eleições legislativas (antecipadas ou não) de preferência depois do governo PS ter saneado as finanças públicas ganhando em troca uma imensa impopularidade.

Em síntese: tornar um facto natural o advento de “Uma Maioria, Um Governo, Um Presidente”.

O reforço da componente presidencialista do regime, a seu tempo, se verá conforme os contornos da desejada maioria presidencial e a dimensão da adesão popular aos seus encantos messiânicos.

Os negócios em vista esses aguardam já impacientes numa interminável fila de espera.

quarta-feira, novembro 2

PIER PAOLO PASOLINI


Pasolini - Assassinado em 2 de Novembro de 1975


Súplica a minha mãe

É difícil com palavras de filho
aquilo a que intimamente bem pouco me pareço.

És a única no mundo que sabe o que esteve sempre
no meu coração, antes de qualquer outro amor.

Por isso tenho de dizer-te o que é horrível saber:
é na tua graça que nasce a minha angústia.

És insubstituível. Por isso está condenada
à solidão a vida que me deste.

E eu não quero estar só. Tenho uma fome infinita
de amor, do amor de corpos sem alma.

Porque a alma está em ti, és tu, mas tu
és minha mãe e o teu amor é a minha servidão:

vivi a infância como escravo desse sentimento
supremo, irremediável, de um fervor imenso.

Era a única maneira de sentir a vida,
a única cor, a única forma: agora terminou.

Sobrevivemos: e é o caos
de uma vida que renasce fora da razão.

Suplico-te, Ah, suplico-te: não queiras morrer.
Estou aqui, sozinho, contigo, num Abril futuro …

Pier Paolo Pasolini

In De “LA REALTÁ” - “Poesia in forma di rosa”, Ed Garzanti 1964
Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo
Assírio & Alvim


Supplica a mia madre
.
È difficile dire con parole di figlio
ciò a cui nel cuore ben poco assomiglio.

Tu sei la sola al mondo che sa, del mio cuore,
ciò che è stato sempre, prima d'ogni altro amore.

Per questo devo dirti ciò ch'è orrendo conoscere:
è dentro la tua grazia che nasce la mia angoscia.

Sei insostituibile. Per questo è dannata
alla solitudine la vita che mi hai data.

E non voglio esser solo. Ho un'infinita fame
d'amore, dell'amore di corpi senza anima.

Perché l'anima è in te, sei tu, ma tu
sei mia madre e il tuo amore è la mia schiavitù:

ho passato l'infanzia schiavo di questo senso
alto, irrimediabile, di un impegno immenso.

Era l'unico modo per sentire la vita,
l'unica tinta, l'unica forma: ora è finita.

Sopravviviamo: ed è la confusione
di una vita rinata fuori dalla ragione.

Ti supplico, ah, ti supplico: non voler morire.
Sono qui, solo, con te, in un futuro aprile...


Súplica a mi madre

Mis palabras de hijo dirán difícilmente
algo a un corazón de mí tan diferente.

Sólo tú en el mundo sabes de mi corazón
lo que siempre fue, antes de cualquier amor.

Por eso tengo que decirte lo que es horrible reconocer:
germina mi angustia en el seno de tu gracia.

Eres insustituible. Por eso está condenada
a la soledad la vida que me diste.

Y no quiero estar solo. Tengo un hambre infinita
de amor, del amor de cuerpos sin alma.

Porque el alma está en ti, eres tú, pero tú
eres mi madre y tu amor es mi esclavitud:

esclava fue mi infancia de este sentimiento
alto, irremediable, de inmenso compromiso.

Era la única manera de sentir la vida,
la única tinta, la única forma. Ahora se acabó.

Sobrevivimos: y es la confusión
de una vida recreada al margen de la razón.

Te lo suplico, ay, te lo suplico, no quieras morir.
Estoy aquí, solo contigo, en un futuro abril…

(Original em italiano – corrigido – e tradução em castelhano retirados daqui.)

O Watergate de George W.


A Ler no NEW YORK ON TIME

“Ainda é cedo para prever se o escândalo que levou ao indiciamento do chefe de gabinete do vice Dick Cheney, Scooter Libby, pode se tornar o Watergate de George W. Bush. Mas há paralelos. Nos dois casos, o poder executivo mentiu para encobrir ações ilegais ou impróprias. No caso de Nixon, o uso de "dirty tricks", golpes sujos, contra a oposição. No caso de Bush, algo muito mais grave: o uso deliberado de falsidades para levar o país à guerra.”

ANTINOMIAS POLÍTICAS


Fotografia de CARTIER–BRESSON, H. Albert Camus antes de obter o Nobel.

“Antinomias políticas. Vivemos num mundo em que é preciso escolher sermos vítimas ou carrascos – e nada mais. Esta escolha não é fácil. Pareceu-me sempre que na realidade não há carrascos, há apenas vítimas. No fim de contas, bem entendido. Mas é uma verdade que está pouco espalhada.


Gosto imenso da liberdade. E para todo o intelectual, a liberdade acaba por confundir-se com a liberdade de expressão. Mas compreendo perfeitamente que esta preocupação não está em primeiro lugar para uma grande quantidade de Europeus, porque só a justiça lhes pode dar o mínimo material de que precisamos e que, com ou sem razão, sacrificariam de bom grado a liberdade a essa justiça elementar.

Sei estas coisas há muito tempo. Se me parecia necessário defender a conciliação entre a justiça e a liberdade, era porque aí residia em meu entender a última esperança do Ocidente. Mas essa conciliação apenas pode efectivar-se num certo clima que hoje é praticamente utópico. Será preciso sacrificar um ou outro destes valores? Que deveremos pensar, neste caso?”

Albert Camus

Caderno n.º 5 (Setembro 1945/Abril 1948) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

(Segundo dos seis primeiros fragmentos deste Caderno nº5 que estou a transcrever na íntegra. Nalguns casos podem ter já sido total, ou parcialmente, postados mas nas circunstâncias presentes acho oportuno a sua divulgação porque versam, directamente, as velhas questões da política, da ética e dos valores.)

terça-feira, novembro 1

(Eu tenho ideias e razões, ...)


Chiado - Lisboa - Estátua de Fernando Pessoa

Eu tenho ideias e razões,
Conheço a cor dos argumentos
E nunca chego aos corações.

Fernando Pessoa


Yo tengo ideas y razones,
Conozco el color de los argumentos
Y nunca llego a los corazones.

In site de poesias coligidas de
F E R N A N D O P E S S O A

(Dedicado a Galgata, aliás, Maria Paz Green F., do Caleidoscópio)

TERRAMOTO DE 1755


Lisboa - Fotografia de Angèle

250 anos depois do grande terramoto de 1 de Novembro de 1755

NASCIDO DE TI


Paula Rego – “Entre as Mulheres”

(pelo aniversário de minha mãe)

Vejo que se mexe tudo
à minha volta
desde sempre
o mundo
vi à solta numa revolta
demente

De tudo o que vi
retive a rua
deserta
em que corri
estava nua
a porta aberta

Ainda recordo o que senti
na tua mão
doce
quando sorri
que mais não
fosse

Onde estava eu sem ti?
e tu sem mim
o que eras?
me senti
o jardim
das esperas

Além de tudo
ser
fui um fruto teu
desnudo
que ao nascer
te renasceu

Lisboa, 30 de Maio de 2005

segunda-feira, outubro 31

O Cavaquismo de Saraiva Tem Pés de Barro


LISBOA - Fotografia de Angèle

José António Saraiva, no “Expresso on line” prossegue a sua campanha pró Cavaco. O modelo da sua intervenção parece bastante ingénuo mas é eficaz.

Saraiva faz 3 perguntas e dá três respostas muito pouco surpreendentes. De seguida eu dou, às mesmas perguntas, três respostas, mas de sentido oposto. As minhas respostas são apresentadas a azul.

"As próximas eleições presidenciais, tudo somado, suscitam três perguntas.

Primeira pergunta: Cavaco Silva vai ganhar à primeira volta?

Resposta: sim, bastando-lhe para isso não cometer muitos erros. Em condições normais, conseguirá, no primeiro escrutínio, entre 55 e 60 por cento dos votos. E isto porque grande parte do eleitorado central, aquele que decide eleições, inclinar-se-á para o candidato que hoje surge claramente como mais forte.

Resposta: não, pois, de certeza, cometerá bastantes erros. Em condições normais, no primeiro escrutínio, atendendo ao histórico de todas as eleições presidenciais, em democracia, não conseguirá ultrapassar a barreira dos 50%. E isto, também, porque o eleitorado central distribuirá, à primeira volta, o seu voto por todos os candidatos, guardando para o segundo escrutínio a decisão final.

Segunda pergunta: Manuel Alegre pode ficar à frente de Mário Soares?

Resposta: sim, se fizer uma campanha emotiva dirigida ao coração da esquerda e se se confirmar a reduzida capacidade actual de Mário Soares para mobilizar apoios e criar entusiasmo. Alegre tem hoje mais condições do que Soares para fazer vibrar a esquerda.

Resposta: não, porque mesmo que faça uma campanha emotiva a chamar ao coração da esquerda, se confrontará com a imbatível capacidade de Soares nos debates e na relação directa com as pessoas. Além do mais Alegre não conta com o apoio do PS que mesmo nas suas piores votações de sempre nunca desceu abaixo dos 25% tendo os candidatos por si apoiados ganho todas as eleições presidenciais.

Terceira pergunta: Francisco Louçã pode bater Jerónimo de Sousa?

Resposta: sim, porque tem um perfil mais recortado. O BE perderá sempre com o PCP nas autárquicas, bater-se-á de igual para igual com o PCP nas legislativas e o seu candidato tem hipóteses de vencer o candidato do PCP nas presidenciais.

Resposta: não, porque o perfil de Jerónimo de Sousa é mais forte e consistente do que o de Louçã e a fidelidade do eleitorado do PCP ao seu mais forte candidato de sempre, na hora da verdade, falará mais alto.

(Os argumentos expendidos não se aplicam, naturalmente, às eleições presidenciais nas quais se recandidataram candidatos eleitos nas eleições imediatamente anteriores).


CAMUS


“O único problema contemporâneo: Poderá transformar-se o mundo sem se acreditar no poder absoluto da razão? Apesar das ilusões racionalistas, mesmo marxistas, toda a história do mundo é a história da liberdade. Como poderiam ser determinados os caminhos da liberdade? É decerto falso dizer que o que é determinado, é o que já não vive. Mas só é determinado o que já se viveu. O próprio Deus, se existisse, não poderia modificar o passado. Mas o futuro não lhe pertence nem mais nem menos do que ao homem.”

Albert Camus

Caderno n.º 5 (Setembro 1945/Abril 1948) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

(Este é o primeiro fragmento que surge no “Caderno nº 5” correspondente a um período, iniciado em Setembro de 1945, coincidente com o nascimento, em 5 de Setembro, dos seus filhos gémeos, Jean e Catherine. Camus tinha-se transformado numa figura pública. Neste período publica “A Peste” (Junho de 1947) que obtém um sucesso estrondoso tendo vendido, em primeira edição, cem mil exemplares. Os primeiros fragmentos deste Caderno foram muito relevantes nas minhas próprias leituras de juventude. Vou, nos próximos tempos, em sequência, reproduzi-los na íntegra.)

EXCELENTE


Fotografia in “uma por rolo” (Lisboa, 2005 Out – retroseiro)

O Senhor Belmiro, no jornal de que é proprietário, dá uma entrevista em que diz que Cavaco vai ganhar as presidenciais ... o que vai ser excelente pois irá trabalhar com um primeiro-ministro ... excelente …

Excelente!... Afinal tudo é excelência em Portugal!... Com que então pensavam que viviam numa choldra? Excelente, excelente é a fotografia!

"Cavaco vai ganhar e vai ser um excelente Presidente para trabalhar com um excelente primeiro-ministro"

Belmiro de Azevedo, PÚBLICO/Rádio Renascença, 30-10-2005

TURISMO DE NATUREZA EM PORTUGAL


De vez em quando as questões do turismo, em particular, na sua articulação com a preservação da natureza seduzem-me. Desta vez a minha cunhada Isabel Ramos lembrou-se de me enviar esta suculenta e exaustiva informação que, à laia de serviço público, dou a conhecer introduzida com um texto e fotografia de sua autoria. Obrigado.

À semelhança de muitos outros países, nomeadamente da Europa do Norte, em Portugal, o Turismo de Natureza, considerado um produto turístico materializado em estabelecimentos, actividades e serviços de alojamento e animação turística e ambiental que se realiza em zonas integradas na Rede Nacional de Áreas Protegidas, tem vindo a ser cada vez mais procurado como alternativa aos tradicionais produtos turísticos.

Nesta perspectiva, e no sentido de melhor concretizar e propor acções que dêem resposta a esta procura crescente, o Instituto da Conservação da Natureza definiu as potencialidades para o desenvolvimento do Turismo de Natureza em cada uma das Áreas Protegidas sob sua jurisdição.

Pode consultar em Enquadramento Estratégico do Turismo de Natureza.

domingo, outubro 30

COISAS ACABADAS


Imagem de Chafarica Iconoclasta

Konstandinos Kavafis (mais alguns poemas)


Dentro do medo e das suspeitas
com a mente agitada e os olhos aterrados,
fundimos e planeamos o que fazer
para evitar o perigo
certo que desta forma horrenda nos ameaça.
No entanto equivocamo-nos, não está esse no caminho;
falsas eram as mensagens
(ou não as ouvimos, ou não as sentimos bem).
Outra catástrofe, que não imaginávamos,
brusca, torrencial cai sobre nós,
e desprevenidos – como teríamos tempo – arrebata-nos.

[1911]

K. Kavafis

In "Os Poemas", tradução de Joaquim Manuel Magalhães
e Nikos Pratsinis - Relógio d´Água

ARCAÍSMOS


General Ramalho Eanes, inspirador do PRD

O inefável Espada, um dos maiores ex-marxistas leninistas portugueses vivos explica, na sua última crónica no “Expresso”, as razões do apoio a Cavaco em detrimento de Soares que sempre tinha apoiado desde 1985.

Fala dos medos que, hoje em dia, se não justificam, explorando aquele filão da colagem de Soares a um anti fascismo fora de moda. Em resumo a razão da sua viragem, em favor de Cavaco, é simples: em 1985 Soares era moderno, hoje deixou de o ser.

Arrumando as ideias Espada explica que, em 1985, se justificava combater uma esquerda arcaica sendo Soares o porta-estandarte desse combate.

Imaginem uma das principais personagens que, segundo Espada, estava do lado do arcaísmo que era mister combater: Ramalho Eanes. Esse mesmo que, hoje, é presidente da Comissão de Honra da candidatura de Cavaco, “o moderno”. Compreenderam?

A LIBERDADE SEMPRE


Picasso com Françoise Gilot e o sobrinho – 1948
Foto Robert Capa

“Revolta

Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade.

A justiça num mundo silencioso, a justiça dos mundos destrói a cumplicidade, nega a revolta e devolve o consentimento, mas desta vez sob a mais baixa das formas. É aqui que se vê o primado que o valor da liberdade pouco a pouco recebe. Mas o difícil é nunca perder de vista que ele deve exigir ao mesmo tempo a justiça, como foi dito.

Dito isto, há também uma justiça, ainda que muito diferente, fundando o único valor constante na história dos homens que só morreram bem, quando o fizeram pela liberdade.


A liberdade é poder defender o que não penso, mesmo num regime ou num mundo que aprovo. É poder dar razão ao adversário."

Albert Camus

Caderno n.º 4 (Janeiro 1942/Setembro 1945) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

(Mesmo perto do fim do Caderno nº 4, esta releitura, leva-me a retomar uma das citações que melhor explicita uma das preocupações dominantes em todo o pensamento e obra de Camus: a relação entre liberdade e justiça. Quando, nos nossos dias, na vida quotidiana e nos combates cívicos e políticos, se menospreza, ou subalterniza, o valor da liberdade sempre me vem à memória o primeiro parágrafo desta citação: “Finalmente, escolho a liberdade …”)

sábado, outubro 29

À beira da estrada


Placas, Direcções, Efemérides, Lugares, Desculpas

ASNEIRA


Eu também me dei ao trabalho de ler, com atenção, o Manifesto Presidencial de Cavaco que está linkado num post anterior.

VPValente, como de costume, não poupa palavras. Muitas vezes não estou de acordo. Mas desta vez fez-me trazer à memória aquilo que senti ao ler o Manifesto mas que não me ocorreu logo traduzir pela palavra exacta: parece uma redacção, mas não sendo uma redacção, é uma asneira.

Parece que o candidato desconfia da capacidade de entendimento dos seus potenciais eleitores acerca do que está em jogo nas eleições presidenciais. Para Cavaco é um problema ter de falar, afirmar ao que vem, no fundo, as eleições, elas mesmas, são um problema.

E ainda não chegou a hora dos debates!

"Não sendo nem uma redacção, nem um dicionário, o manifesto [de Cavaco Silva] só pode ser uma asneira. Passa por um programa de governo, promete a Lua, acicata a esperança de um milagre para o dia em que o dr. Cavaco subir gloriosamente aos céus. No fundo, agrava o pior problema do presuntivo Presidente Cavaco: a desilusão e a fúria do país quando constatar que ele não mudou, nem consegue mudar, coisa nenhuma. Tretas de agora, penas de amanhã. O manifesto é um mistério"

Vasco Pulido Valente, PÚBLICO, 29-10-2005

Tarde aprendi


Do Pentimento

"bom mesmo
é dar a alma como lavada.
Não há razão
para conservar
este fiapo de noite velha.
Que significa isso?
Há uma fita
que vai sendo cortada
deixando uma sombra
no papel.
Discursos detonam.
Não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda."

Ana Cristina César

sexta-feira, outubro 28

CAVACO - "UM GOVERNO, DOIS PRIMEIROS-MINISTROS"


Fotografia de Viktor Ivanovski in XUPACABRAS

Para que se compreenda o que está em causa é bom conhecer as ideias e os programas dos candidatos.

O Manifesto Eleitoral de Mário Soares não está, neste momento, disponível no site oficial da candidatura mas pode ser lido aqui.

O Manifesto Eleitoral de Cavaco Silva, ontem apresentado, corresponde, ainda com mais clareza do que seria de esperar, a Cavaco com um acentuado perfil de Primeiro-ministro.

O Manifesto Eleitoral “As Minhas Ambições Para Portugal”, é uma autêntica minuta, ou rascunho, de um programa de governo.

Portugal corre o risco, caso Cavaco seja eleito Presidente da República, de passar a poder vangloriar-se de um modelo institucional do tipo “Um Governo, Dois Primeiros-Ministros”.

UMA NESGA DE CÉU


Teresa Dias Coelho - CLOUDS 2000

Uma nesga de céu no canto superior esquerdo
É o que resta da vista para a cidade com gente
Empilhada pelos andares sem as paredes azuis
De casas que julguei não aceitarem o cinzento

No asfalto em lugar dos bebedouros um regato
Infecto corre em frente e o verde prado a sorrir
Triste se despede já morto a golpes de cimento
Agora não vejo as vacas nem as oiço a ruminar.

Lisboa, 21 de Novembro de 2003

quinta-feira, outubro 27

As Preocupações de JPP


Monica Bellucci

José Pacheco Pereira (JPP) surpreendeu-me com a atenção que deu a duas supostas linhas de ataque dos apoiantes de Soares à candidatura de Cavaco. A razão da surpresa é simples de explicar: pensava eu que JPP não se preocupasse tanto com Soares dando mais atenção crítica ao exercício do governo socialista. Para mim, no lugar de JPP, dava o assunto das presidenciais como arrumado. Cavaco já ganhou. Ponto final.

É intrigante que alguém, tão arguto como JPP, se preocupe com uma candidatura perdedora. Mas o tempo se encarregará de esclarecer o mistério das preocupações de JPP. É provável que seja um exercício de análise demonstrativo do seu apreço face a alguém – Soares – cujas candidaturas presidenciais JPP sempre, até hoje, tinha apoiado.

Mas voltando às duas linhas de ataque a Cavaco, que JPP hoje rechaça, em artigo no “Público” e que deverá ficar, a qualquer momento, disponível no Abrupto, devo dizer que fiquei igualmente surpreendido com uma delas: o argumento do curriculum anti fascista de Soares versus a neutralidade política de Cavaco face ao antigo regime. Se alguém se lembrou de avançar com tal argumento – no caso Medeiros Ferreira – é problema dele. Não valia a pena sequer esboçar um mínimo de esforço a combater tal argumento se não se quisesse torná-lo uma arma de arremesso contra Soares que dele não precisa para nada.

O curriculum de Soares fala por si. Ao contrário de Cavaco que não tem concorrência à direita – e é esse o seu grande problema no meu ponto de vista – Soares confronta-se com pelo menos outras três (3) candidaturas no espaço da esquerda ou, melhor dito, no espaço à sua esquerda. Para quê invocar o argumento da falta de curriculum anti fascista de Cavaco quando é certo e sabido que qualquer dos outros candidatos à esquerda, cada um à sua maneira, o vai abundantemente utilizar.

Cavaco só tem a ganhar com a invocação dessa sua faceta de não anti fascista na justa medida em que a sua base de apoio eleitoral se estende até à extrema direita que muito pesarosa iria ficar se descobrisse que, à última da hora, Cavaco teria esboçado qualquer gesto, mesmo que simplesmente simbólico, contra o antigo regime.

Podemos ficar todos descansados. Cavaco nunca foi fascista nem anti fascista como, aliás, a maioria dos portugueses. Colocar a questão do seu não anti fascismo só o favorece.

Quanto à outra linha de ataque, abordada por JPP, a coisa já fia mais fino. As tentações presidencialistas existem mesmo que Cavaco as desminta e desmentirá, até ao fim, com a maior veemência. Essa é, aliás, uma das grandes linhas de demarcação de Soares em relação a Cavaco.

Compreende-se que JPP se preocupe com este ponto pois alguns ilustres apoiantes de Cavaco já escreveram, preto no branco, acerca do assunto e é sabido e reconhecido pelo próprio JPP que, em eleições presidenciais, vale mais o não dito do que o dito atenta a natureza do cargo em disputa.

Bem pode Cavaco negar a pés juntos a sua tentação presidencialista que ninguém vai acreditar na verosimilhança de tais juras na justa medida em que ele – mesmo que o negue – representa uma corrente de pensamento e de sentimento em prol do reforço dos poderes presidenciais. Ou bem que resiste e desilude a maioria daqueles que nele votarão, ou bem que assume essa pulsão – que vai de bem com a sua personalidade autoritária – e teremos a médio prazo um “golpe de estado” constitucional.

Esta é das poucas linhas de ataque que vale a pena Soares explorar a fundo pois toca no coração que faz mover a maioria dos apoiantes de Cavaco. E Cavaco gosta de alimentar esse pulsar presidencialista negando-o, todas as vezes e em cada momento, para melhor o afirmar junto das massas que sempre anseiam, em épocas de crise, por um messias que anuncie o advento da “salvação”. O pior é depois!

quarta-feira, outubro 26

Crónica de Uma Fidelidade


Fotografia de Angèle

A questão presidencial está na ordem do dia. A minha declaração de interesses nesta matéria é simples de fazer. Não tenho ligação orgânica a qualquer candidatura. É provável que não venha a surgir qualquer outro candidato, com relevância eleitoral, para além de Mário Soares, Cavaco Silva, Manuel Alegre, Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã.

É interessante sublinhar que, nestas eleições, só uma mulher, Carmelinda Pereira, surge como candidata mas, aparentemente, o resultado que obtiver não contará para o desfecho final.

Como é público e notório apoio a candidatura de Mário Soares. O assunto interessa-me, desde logo, porque sempre me interessaram, em geral, as eleições e, em particular, as presidenciais.

Mas eu próprio me interroguei acerca da fidelidade do meu voto em Mário Soares. É, no essencial, um percurso político que a justifica. Numa série de posts – sem periodicidade definida - vou fazer uma viagem “impressionista” através desse percurso porque ajuda a avivar a memória dos que não têm vergonha do seu passado, das suas lutas, dúvidas, convicções, rupturas, dissenções e entusiasmos.

As minhas desculpas antecipadas pelos erros e omissões involuntárias nesta breve digressão que não é mais do que uma necessidade de partilhar, com vista ao futuro, algumas memórias de um passado recente que, pela aceleração da passagem do tempo, parecem mais longínquas do que de facto são.

Os Danados


Paula Rego – Pieta, 2002

“Sentido da minha obra: Tantos homens estão privados da graça. Como viver sem a graça. Temos de nos pôr à obra e fazer o que o Cristianismo nunca fez: ocupar-se dos danados.”

Albert Camus

Caderno n.º 4 (Janeiro 1942/Setembro 1945) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

Divagando sobre as memórias (2)


1969 - Marianne Faithfull

Motorcycle Girl.

terça-feira, outubro 25

A Guerra e a Paz


Vietnam - 25 de Outubro de 1968

One of the many haunting images from the bloodiest war of the decade. A US infantryman carries a wounded refugee from the carnage of Vietnam, 25 October 1968. It was the year in which millions of americans, appalled by what they had seen on television, began to doubt that the United States would win.

O primeiro de uma série de temas centrais para uma campanha presidencial. Exactamente 37 anos passados sobre esta imagem o que terão os candidatos presidenciais a dizer acerca do tema da guerra e da paz na Europa e no Mundo?

"Substrato - um blog Endrominado"


Apresentando “Substrato – um blog Endrominado”

Vejam “isto”, que também me comoveu, e o post intitulado “Aníbal – o Boçal”.

PREVINAM-SE


Napoleão Bonaparte


O “povo de esquerda” está muito crítico em relação à candidatura presidencial de Mário Soares. Dizem que, após 30 anos de democracia, Soares representa “zero”, “nada”, o “vazio”, o contrário da renovação. Que, tendo sido já presidente, a candidatura de Soares fere o espírito republicano. Que, além do mais, a idade do candidato é um estorvo.

Os velhos são uns inúteis. Simbolizam a falta de energia, a irreparável antiguidade, a fatalidade da morte, uma insuperável maçada. Temo que alguns dos meus amigos de esquerda não gostem do que direi daqui até ao fim do processo das presidenciais – lá para 15 de Janeiro de 2006.

Não tem importância nenhuma pois também já se aborreceram com o que eu disse, nos últimos tempos, acerca do pontificado do Papa João Paulo II. Os velhos são o futuro mas, no ocidente, é difícil admitir que exerçam actividade profissional e, muito menos, que exerçam o poder.

Sabemos todos o que está em jogo nestas eleições presidenciais. A partir do momento em que Cavaco Silva se apresentou como candidato elas transformaram-se numa escolha entre duas personalidades com ideias e comportamentos muito distintos: Soares e Cavaco. Pela simples razão de que eles foram protagonistas cimeiros de acontecimentos relevantes na história portuguesa contemporânea.

Mas convém ter presente que as eleições, em democracia, são actos normais que não comportam escolher entre revolução e situação. Uma parte do “povo de esquerda” e, em particular, os intelectuais vivem na nostalgia dos “amanhãs que cantam” mas, para sua tristeza infinda, as “eleições burguesas” são simples escolhas pacíficas e livres de uma entre várias alternativas.

Soares e Cavaco representam, respectivamente, o “centro esquerda” e o “centro direita” mas as suas personalidades são diametralmente opostas. Soares é um cosmopolita, um “homem do mundo”. Cavaco é um provinciano, um “homem da terra”.

O que não deixa de ser interessante é os intelectuais de esquerda denegrirem as características de Soares contra os fundamentos das suas próprias convicções. Soares é um político puro, protagonista de duas aquisições decisivas na história portuguesa contemporânea: a democracia representativa e a plena adesão à UE. Soares intervém na política por prazer e, ao contrário de Cavaco, já foi tudo o que nela se pode ser.

Cavaco é um académico e tecnocrata, protagonista de um período de 10 anos de governo, com obra feita e controversa. Afirma-se o contrário do político profissional, mas nunca deixou de ser o que afirma nunca ter sido. Mostra enfado pelo protagonismo político que, para ele, é um dever mais que um prazer, um sacrifício pessoal a que “a salvação da pátria” obriga.

O que querem, afinal, à esquerda, os defensores da liberdade e da democracia? Querem “muscular” a democracia pela acção de um Presidente com poderes reforçados? Preferem um Presidente autoritário que dê voz aos detractores da política e dos partidos? Querem, afinal, bailar ao ritmo dos cantos de sereia de todos os populismos que sempre, com escândalo, repudiam?

São extraordinárias as revelações com que este período pré eleitoral nos tem presenteado.

Uma significativa parte da esquerda e, em particular, as elites, mostra não ter feito, afinal, as pazes com Mário Soares.

Eanes e os destroços do PRD, ao contrário de todas as evidências, não estão enterrados e os seus sobreviventes acotovelam-se dividindo-se entre o apoio a Alegre e a Cavaco.

Manuel Alegre sonha com um PS de “esquerda” com laivos populistas (“não preciso do apoio do PS para nada!”).

Em torno de Cavaco surge um movimento plebiscitário tentando reduzir as eleições presidenciais a um “sim ou não” ao “candidato único” ou ao “único candidato” que pode salvar Portugal. Não é, pois, de estranhar a natureza das gafes de Cavaco na primeira declaração pública, não encenada, que proferiu.

Elas são um pequeno sinal revelador da natureza do seu carácter e pensamento autoritários: à primeira pergunta respondeu como se já fosse presidente, mesmo antes da eleição – tão o seu subconsciente as dispensa – e, de seguida, referiu-se à Assembleia da República, o coração do poder político democrático, como a “Assembleia Nacional”, designação da caricatura democrática da instância legislativa da ditadura.

Previnam-se!